Em seu voto, o ministro apresentou a possibilidade de aproveitar recursos hídricos, orgânicos e minerais de Terras Indígenas, o preocupa o movimento indígena
No dia 20 de setembro, o julgamento do marco temporal foi pautado no Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Dias Toffoli votou contra a tese anti-indígena, formando maioria para que o marco temporal fosse anulado no judiciário brasileiro. No entanto, em seu voto o ministro apresentou a possibilidade de aproveitar recursos hídricos, orgânicos e minerais de Terras Indígenas, no qual o Congresso Nacional teria 12 meses para legislar sobre o tema. A proposta preocupa o movimento indígena.
Toffoli justifica a proposta sob argumento de que o tema sofre com uma suposta omissão legal e prejudica o desenvolvimento econômico do país. O mesmo argumento foi utilizado para aprovar o regime de urgência na tramitação do PL 191/2020, no início de 2022, pelo governo bolsonarista.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) alerta que a proposta representa mais uma violação aos direitos indígenas, pois flexibiliza o usufruto exclusivo dos povos e coloca as vidas indígenas nas mãos da bancada ruralista do legislativo. A organização ressalta também que a proposta foge do tema discutido no julgamento do STF e não prevê a participação dos povos indígenas no processo.
“[…] o ministro parece ignorar a realidade enfrentada pelos Povos Indígenas. Se o Tribunal tem autonomia para não se pautar pela situação política do país, os Povos Originários não podem ignorar que o Ministro propõe que seja o atual Congresso Nacional a decidir sobre o futuro de suas Terras, no exíguo prazo de 12 meses. Este Congresso Nacional, composto por ruralistas e ex-ministros do Governo Bolsonaro diretamente envolvidos na implementação da supramencionada política anti-indígena, essa sim, responsável pelo crescimento da invasão e da exploração ilegal de Terras Indígenas. A mesma Câmara dos Deputados que aprovou o PL 490/07 por 283 votos e o mesmo Senado Federal que aprovou o PL 2903/2023 na Comissão de Reforma Agrária e Agricultura, e agora se recusa a realizar Audiência Pública na Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça”, diz trecho da manifestação da Apib, por meio do seu departamento jurídico. Leia o parecer completo aqui.
Denúncias na TI Yanomami
A destruição da mineração e os perigos da proposta já podem ser vistos na Terra Indígena Yanomami. Dados do Mapbiomas indicam que a partir de 2016 a curva de destruição do garimpo na TI assumiu uma trajetória ascendente e, desde então, tem acumulado taxas cada vez maiores. Nos cálculos da plataforma, entre os anos de 2016 a 2020 o garimpo no território Yanomami cresceu 3350%.
Além disso, o documento “Yamaki ni ohotai xoa! = Nós ainda estamos sofrendo”, da Hutukara Associação Yanomami, Associação Wanasseduume Ye’kwana e Urihi Associação Yanomami, que avalia os seis meses após o início das operações emergenciais do governo federal na TI, também expõe o aumento de doenças e mortes na TI com a mineração desenfreada.
O relatório denuncia os conflitos entre as comunidades, a cooptação de jovens para o crime organizado, o enfraquecimento da agricultura familiar, além da dizimação gradativa do povo Yanomami, uma vez que o mercúrio tem limitado a capacidade reprodutiva das mulheres indígenas.
Outra denúncia feita pelas organizações indígenas no relatório é a morosidade, ineficiência e inação de militares no âmbito das operações de ajuda humanitária no território Yanomami. Segundo elas, os órgãos federais estariam descumprindo as determinações do STF e mesmo com a realização de algumas operações o garimpo na Terra Indígena Yanomami teria crescido 4% de janeiro a junho deste ano.
“O garimpo trouxe fome, malária e morte para os Yanomami. Com esse impacto no meio ambiente vai demorar bastante para se recuperar. Tem buraco igual na Serra Pelada. Vi um no Homoxi e sofri bastante, estamos sangrando, uma cicatriz recente e que vai demorar aproximadamente 30 a 50 anos para floresta crescer, isso se o Estado nos acompanhar, continuar a fiscalização e a Funai acordar e nos proteger e defender como manda a Constituição Federal”, diz Junior Hekurari no documento.
No dia 25 de setembro, o ministro do STF Luís Roberto Barroso atendeu uma solicitação da Apib e determinou que a União informe sobre o andamento das medidas de proteção ao povo Yanomami. O pedido da Apib foi feito ao Tribunal dentro da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 com base no relatório das organizações Yanomami.
Acesse a petição da Apib e decisão do ministro abaixo
Petição: https://apiboficial.org/files/2023/09/Pet.-APIB.-Militares-TIY.docx.pdf
Decisão: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF7092578decisao_monocratica.pdf