Por Mauricio Terena, coordenador jurídico da Apib
INTRODUÇÃO
Com a mudança de governo no Brasil, houve uma virada nas decisões políticas sobre meio ambiente e povos indígenas. Apesar do novo governo ser um aliado das pautas de direitos humanos e povos indígenas, o movimento indígena brasileiro tem percebido a necessidade da manutenção da luta organizada, pois diversas conquistas vêm sendo alcançadas pelas incidências jurídicas da APIB, à exemplo, os créditos extraordinários para as ações de desintrusão determinadas pela ADPF(1) 709 e tomada de conhecimento, por parte do STF(2), da crise humanitária vivida pelos Guarani e Kaiowá, em Mato Grosso do Sul. Portanto, assumiu-se um papel de mitigação aos impactos causados pela gestão do antigo presidente Jair Bolsonaro (2018-2022), ao passo que manteve-se uma atuação de observância/cobrança junto ao atual governo, a fim colocar os direitos indígenas em um palanque, em detrimento a acordos e negociações da pauta.
Ainda na seara de preservação aos direitos indígenas, houve a necessidade de intensificação ao combate às ameaças de redução de direitos e garantias fundamentais indígenas por parte dos demais entes da federação, como Estados e Municípios, e, também, por parte do Congresso Nacional, atualmente, maior ameaça, em anos, aos povos e comunidades tradicionais, mediante o protocolos de projeto de lei altamente nocivos à manutenção física e cultural das comunidades indígenas do Brasil. Exemplo é a promulgação da Lei 14.701/2023 e a propositura de diversos projetos que colaboram ao desmonte das políticas indígenas e o acirramento da crise climática, assistimos em meio a conferência do clima das Nações Unidas – a aprovação de uma série legislações que afastam o Brasil da sua meta climática- ironicamente convencionou-se intitular “pacote verde”.
No campo judicial, houve a continuidade de atuação por meio da ADPF 709 E 991, respectivamente, com fins a acompanhar a política de saúde indígena no país, entre outras temáticas relacionadas à proteção territorial. A exemplo disso, pontua-se atualmente encontra-se em estágio de elaboração por parte da união , os planos de desintrusão de 7 (sete) terras indígenas altamente desmatadas no norte do país (com foco à TI Yanomami e TI Apyterewa), e, continuamente, nos mantemos mobilizados no judiciário com fito de proteger os territórios dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (PIIRC).
Na primeira, houve árdua atuação a fim de prover recurso financeiro à manutenção das ações de desintrusão, segurança alimentar, combate à malária e diversas outras, sendo que, na segunda, foi determinada a elaboração de plano do Estado para proteção aos povos isolados, e, como mais recente vitória, a desistência do parte do Estado do Pará em promover a concessão florestal (exploração legalizada) da Floresta do Paru, próxima ao povo Zó´é e de diversos registros de povos isolados.
Nesse ínterim, quanto ao julgamento do RE 1017365, o qual buscou analisar a constitucionalidade da fixação de marco temporal à demarcação de terras indígenas no país, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, com resultado favorável aos indígenas com a declaração de inconstitucionalidade da tese, este departamento jurídico manteve diversas incidências a fim de barrar possíveis votos no sentido de aprovação da tese em questão, a partir da realização de audiência junto aos ministros, protocolo de memoriais, envio de pareceres técnicos (em especial um parecer redigido pelo professor Daniel Sarmento sobre o voto do Ministro Alexandre de Moraes), além da organização das carreatas e mobilizações de indígenas de todo o país em frente ao STF nos dias do julgamento, a fim de realizar pressão política e demonstrar o nível de importância do julgamento às populações indígenas.
No que se refere à atuação em direitos humanos e empresas, campo com crescente priorização e atuação por parte dos movimentos indígenas de proteção ao meio ambiente e às comunidades tradicionais, este departamento jurídico buscou denunciar uma série de violações aos direitos dos povos indígenas no projeto de mineração da empresa Belo Sun em Volta Grande do Xingu, no estado do Pará. A análise foi publicada no relatório “Mina de sangue – Relatório sobre o projeto da mineradora Belo Sun”. Além disso, no campo internacional, houve a atuação em proteção às comunidades indígenas do Brasil diretamente na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, como é o caso dos Pataxós, Yanomami, Guajajara, Mundukuru e Guarani e Kaiowá.
Dessa forma, o ano de 2023 pode ser considerado um ano de intensas mobilizações na pauta de meio ambiente e povos indígenas. A criação do Ministério dos Povos Indígenas mostrou-se uma conquista civilizacional para o povo brasileiro, mas em especial para todos os indígenas deste país. Ao passo que, o movimento indígena organizado, por meio desta Articulação e as organizações parceiras tiveram que enfrentar a correlação de forças dentro do governo Lula 3, com intuito de fortalecer as pautas políticas do MPI.
MOBILIZAÇÕES
O departamento jurídico da APIB atuou ativamente em todas as manifestações realizadas presencialmente em Brasília pelo movimento indígena no primeiro semestre de 2023, como forma de assegurar a efetivação de estratégias, bem como a manutenção e segurança permanente dos acampados. Foram promovidos mais de 125 atos em 21 estados contra a tese do marco temporal entre os meses de abril e junho. Nas redes sociais, mais de 7,5 milhões de pessoas foram alcançadas, com mais de 19 milhões de impressões, em 696 publicações.
Menciona-se, inicialmente, a realização do Acampamento Terra Livre (ATL) deste ano, o qual reuniu, entre os dias 24 e 28 de abril, mais de 6 mil indígenas de todas as regiões do Brasil, em Brasília. A 19ª edição do acampamento foi a primeira grande mobilização, na capital federal, após os atos golpistas do dia 8 de janeiro e foi realizada com o tema “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia”.
O movimento indígena, dessa forma, decretou emergência climática e promoveu alertas e incidências contra os projetos prejudiciais aos direitos indigenistas em trâmite no Congresso Nacional. A APIB e suas sete regionais destacaram a demarcação de terras como ação prioritária do movimento indígena. Nesse sentido, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou os decretos de homologação de seis Terras Indígenas (TI), sendo elas:
Dessa forma, a assinatura dos decretos quebrou um intervalo de quase cinco anos sem a demarcação de novas terras indígenas. Ressalta-se que uma das TIs, Uneiuxi, localizada no estado Amazonas, tem a presença de povos em isolamento voluntário. O processo para sua efetivação já caminhava a passos lentos, há 40 anos. A recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e a criação do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) somaram às conquistas desta edição do Acampamento.
Continuadamente, no mês de junho, a APIB promoveu a organização de mobilização com indígenas de diversos locais do país a fim de pleitear ao Supremo Tribunal Federal (STF) a defesa de direitos territoriais no Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, o qual foi pauta na Corte e que configurou caso de repercussão geral sobre demarcações de terras indígenas, relacionado com o caso da Terra Indígena Xokleng-La Klanõ, do povo Xokleng, em Santa Catarina. Conforme já mencionado, o julgado foi no sentido de declaração da inconstitucionalidade da tese do marco temporal à demarcação de terras indígenas no país, em favor das comunidades indígenas, o qual, ainda que não finalizado, já apresenta-se como grande vitória ao movimento indígena brasileiro.
Todavia, o movimento indígena brasileiro externa que 2024 será um ano de reforçar questões obscuras que nos preocupa, sobre o regime de indenização estabelecido pelo STF no âmbito do julgamento do recurso extraordinário 1.017.365. Em nossa avaliação as indenizações pode ser um óbice para a continuidade da política de demarcação de terras.
A atenção especial recebida por esta ação se justificou pelo status de “repercussão geral” lhe dada pelo STF, o que significa que sua resolução serviu/servirá de diretriz para o governo federal e todas as instâncias do Judiciário no que diz respeito à demarcação de terras indígenas, além de, teoricamente, servir para balizar propostas legislativas que tratam dos direitos territoriais dos povos originários.
Além das mobilizações no que se refere ao julgamento do RE 1.017.365, este departamento jurídico também participou das organizações para a 3ª Marcha das Mulheres Indígenas, a qual realizar-se-á dos dias 7 a 9 de setembro do corrente ano com o tema “Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade pelas Raízes Ancestrais”, realizado pela ANMIGA(3), em parceria com a APIB.
Durante todo esse período de manifestações, o departamento jurídico da APIB esteve presente, realizando diversas atividades. Primeiramente, foram realizadas diligências prévias necessárias para instalação e manutenção de todos os acampamentos, junto aos órgãos administrativos e de segurança.
Por sua vez, o acompanhamento no andamento do RE Xokleng no STF foi feito de forma ostensiva pelo jurídico, desde as sessões de julgamento até os informes gerais feitos à plenária do acampamento, de forma que todos os indígenas conseguissem entender quais os resultados das sessões plenárias, qual o resultado da votação e quais os impactos para os povos indígenas. Também ressalta-se as entrevistas para a imprensa e vídeos para as páginas e redes sociais da APIB e parceiros.
No decorrer das mobilizações, ainda houve a participação do departamento jurídico em reuniões com órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o acompanhamento de diligências na Polícia Civil do Distrito Federal, a resolução de conflitos internos com público interno, externo e com órgãos fiscalizadores, dentre outras atividades corriqueiras. O departamento jurídico também se colocou como ponto focal de interlocução com as forças de segurança, em regime integral, para a 3 ª Marcha das Mulheres Indígenas.
Por fim, a APIB, por meio de seu departamento jurídico, fez diversas incidências nos mais diversos âmbitos. Dá-se destaque, nessa oportunidade, ao ciclo de debates realizados em parceria com a FGV/SP e comissão ARNS, com o intuito de mobilizar intelectuais, juristas, lideranças indígenas e cientistas para refletir o impacto do marco temporal na vida dos povos indígenas, bem como, também, na vida de toda humanidade. Dessa forma, como fruto desses encontros foi feita publicação científica com informações sobre os impactos do marco temporal, em caso de eventual aprovação. A publicação pode ser encontrada nas redes sociais da APIB(4).
COLABORAÇÃO COM O GOVERNO FEDERAL
Além das articulações e incidências realizadas no âmbito contencioso, legislativo, internacional, dentre os demais citados, ressalta-se a atuação do departamento jurídico da APIB em conjunto ao governo federal mediante, principalmente, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), o qual, ao longo de todo o ano de 2023, foi o responsável por diversas alterações no paradigma indigenista no país, decorrente, frisa-se, da alocação de Sonia Guajarara (antiga coordenadora executiva da APIB) e Luiz Eloy Terena (antigo coordenador jurídico da APIB) à frente da pasta, respectivamente, como Ministra de Estado e Secretário-Executivo.
Precipuamente, necessário frisar a participação deste jurídico nas reuniões realizadas pelo MPI mediante o Comitê Interministerial de Coordenação, Planejamento e Acompanhamento das Ações de Desintrusão de Terras Indígenas, a fim de discutir situações e problemas enfrentados na expulsão de invasores de terras indígenas, com enfoque na situação observada na TI Yanomami, na região Norte, a qual foi alvo de inúmeras invasões por garimpeiros e grileiros. Dessa forma, houve efetiva participação em todas as reuniões realizadas, com a tomada de conhecimento da atual situação e sugestões sobre eventuais incidências.
Situação semelhante é a ocorrida com a Sala de Situação Nacional proposta no bojo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº 709, ajuizada no Supremo Tribunal Federal em 2020 no contexto de negligência e abandono das comunidades indígenas pelo governo federal durante a pandemia da COVID-19. Ocorrida semanalmente, conta com a presença de diversos agentes de proteção aos povos indígenas do país, incluindo o MPI, a FUNAI e a SESAI, de forma a haver apresentação dos atuais problemas no que se refere à saúde indígena, bem como propostas de soluções e colaborações no que concerne à competência de cada pasta/órgão.
Além disso, este departamento jurídico também participou ativamente das reuniões instituídas pelo gabinete de crise Guarani Kawioá, o qual, mediante diversos eixos (demarcação, segurança, políticas públicas e etc.), foi instituído para acompanhar o cenário de crise humanitária, principalmente no que se refere à violência institucional e fornecimento de água potável, vivido pelos indígenas de tais povos, de forma que, ao final, será publicado plano de atuação para tais indígenas do Estado de Mato Grosso do Sul, com os apontamentos e observações sugeridas por este departamento ao longo de todos os encontros.
Ademais, a APIB e suas organizações regionais de base participam dos seguintes espaços de conselhos/comitês como forma de participação e controle social nas políticas voltadas aos povos indígenas: Gabinete de Crise/Povo Pataxó; Fórum de Presidentes de CONDISI; Conselho Nacional de Meio Ambiente; Comitê Gestor da PNGATI; Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Meio Ambiente; Comitê de Assessoramento do Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos; Conselho Nacional de Política Indigenista; Comitê Gestor do Fundo Clima; Fundo Biomas Indígenas; Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA); Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf); Conselho Consultivo Sobre Gestão Pública, Saúde e Mudanças Climáticas – Fiocruz, dentre outros.
Em janeiro de 2023, foram retomados os trabalhos do GT de Governança Indígena reafirmando seu caráter autônomo. Para além do período de transição governamental e dos 100 primeiros dias do novo Governo Federal, o GT propõe-se a monitorar permanentemente a implementação das políticas públicas para povos indígenas. Dessa forma, avaliou-se a participação do movimento indígena nas políticas públicas como reativa, em consequência do cenário de constantes ameaças aos direitos indigenistas, de intensificação da violência, e de degradação ambiental dos nossos territórios.
Foi reconhecido, portanto, o início de um novo cenário para a política indigenista com a instituição do Ministério dos Povos Indígenas, assim como a nomeação de indígenas para o cargo de presidente da FUNAI e para a SESAI. As expectativas sobre a presença dos povos indígenas nas instituições de governo é que possam transformar esses espaços e garantir o fortalecimento de mais uma frente aliada para o avanço na implementação de políticas públicas.
Nesse sentido, logo no início do ano, este departamento auxiliou o gabinete da deputada Célia Xacriabá a realizar entrevistas com candidatas/os advogadas/os para compor a equipe durante o mandato. Igualmente, também houve participação no planejamento de ações a serem desenvolvidas pela Ministra Sonia Guajajara no âmbito do MPI. Já em fevereiro, houve participação em reunião realizada no MPI junto ao vereador David Almansa, com o intuito de discutir a retomada do território Mbya Guarani no Rio Grande do Sul e a falta de ações do governo, Ministério Público e Defensoria Pública na comunidade indígena.
O cenário de colaboração se manteve no mês de fevereiro mediante a elaboração e encaminhamento, ao MPI, da Nota Técnica n. 01/2022 – AJUR/APIB a respeito da inaplicabilidade do Parecer Normativo 001/2017/GAB/CGU/AGU. Em março, foi encaminhado ao órgão em questão pedido de providências com o intuito de ser instaurada investigação para apurar a atuação da Polícia Militar do estado de Mato Grosso do Sul com relação às comunidades indígenas que vêm sofrendo ataques com escala de violência nos territórios, conforme já mencionado.
Em maio, foi realizada reunião junto ao grupo jurídico do MPI e organizações do terceiro setor para organizar a estratégia jurídica contra o julgamento do marco temporal no STF e a votação do marco temporal no legislativo. Em julho, houve encaminhamento, ao MPI e à FUNAI, de solicitação para acesso à informação sobre a atuação das Forças Armadas nas operações humanitárias na Terra Indígena Yanomami. Em agosto, foi feita reunião junto ao MPI e à DPU para tratar sobre possíveis incidências a respeito de artefatos indígenas que estão fora do país, mês no qual também foi realizada reunião junto às ANMIGAS, no MPI, para realizar alinhamento prévio às reuniões com SSP e SESEC.
Ainda atinente ao trabalho da APIB junto ao governo federal, é de ressaltar que o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) instaurou, no mês de junho, o Grupo de Trabalho criado para analisar o Estatuto dos Povos Indígenas (Estatuto do Índio). O ineditismo dessa ação é a representatividade, pois todo o processo será liderado por juristas indígenas. A reformulação e proposições de mudanças nessa legislação, fundamental para os povos, será analisada por advogadas e advogados indígenas.
O Grupo foi criado pelo MPI, por meio da portaria nº 102 de 18 de de abril de 2023. Compõe o GT, juristas indígenas renomados (os), como: Dr. Luiz Eloy Terena (coordenador); Dra. Samara Pataxó (relatora); Dr. Maurício Serpa França Terena (membro); Dr. Ademar Fernandes Barbosa Júnior Pankararu (membro); Dra. Andressa Carvalho Santos Pataxó (membro); Dr. Ivo Aureliano Makuxi (membro), e a Dra. Maria Judite da Silva Guajajara ( membro).
ATUAÇÃO JUDICIAL
Diante do contexto da política indigenista adotada pelo governo brasileiro, cada vez mais os povos e comunidades indígenas têm recorrido ao judiciário para garantir a proteção dos seus direitos e interesses. Neste sentido, um dos principais eixos de atuação do departamento jurídico da APIB é o contencioso judicial, no qual o corpo jurídico, seja representando a APIB ou comunidades e lideranças indígenas, ingressa no feito judicial.
No ano de 2023, conforme já mencionado, o departamento jurídico da APIB deu continuidade aos trâmites judiciais da ADPF 709, protocolada em junho de 2020 para denunciar as violações sofridas por povos indígenas do país no contexto da pandemia da COVID-19, bem como as diversas implicações resultantes do cenário, como o genocídio iniciado na Terra Indígena Yanonomami. Nesta senda, ao longo do ano, em duas ocasiões, houve protocolo de petição nos autos com solicitação de crédito extraordinário para operações de retiradas de invasores da TI acima mencionada, de forma que, em ambos os peticionamentos, houve êxito e possibilitou a continuidade das operações de desintrusão.
Além disso, houve elaboração e protocolo de petição sobre a manutenção do sigilo dos autos em questão com a indicação do advogado Maurício Terena para acessá-los e, posteriormente, procedeu-se à manifestação sobre a entrada ilegal do Senador Chico Rodrigues na Terra Indígena Yanomami, situação de alerta constante nos referidos autos, com a consequente necessidade de manifestações sobre os gargalos enfrentados pelo Governo Federal. Por fim, este departamento atuou arduamente em vista à manutenção da segurança alimentar Yanomami, tendo em vista as graves falhas de logística do Estado Brasileiro em garantir o fornecimento de cestas básicas e alimentares a tais povos, além da desarticulação das Forças Armadas, recentemente, no território, a qual demandou forte atuação deste jurídico para evitar a continuidade do cenário de desnutrição vivido por tais povos.
Além disso, em vista ao início da operação da Terra Indígena Apyterewa, a mais desmatada do país, este departamento jurídico articulou durante todo o segundo semestre, judicialmente e mediante a Sala de Situação da ADPF 709, a fim de manter as atividades do governo, tendo em vista a atuação política de autoridades locais para fins de suspender a operação, com um nítido boicote em favorecimento aos invasores da Terra Indígena. Recentemente, houve decisão do Ministro Nunes Marques com a suspensão da operação, decisório este que rapidamente foi anulado por decisão do Ministro Luís Roberto Barroso, competente para a análise e julgamento do caso. Este acompanhamento, portanto, deve continuar ao longo do ano de 2025, principalmente por decorrência da determinação do último ministro mencionado para a reformulação dos planos de desintrusão das 7 (sete) terras indígenas, após manifestação da APIB sobre a ineficiência das operações.
No que se refere à ADPF 991, protocolada em junho de 2022 com o objetivo de que sejam adotadas providências voltadas a evitar e reparar graves lesões a preceitos fundamentais da Constituição Federal, relacionadas às falhas e omissões no que concerne à proteção e à garantia dos direitos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (PIIRC), ao longo do primeiro semestre de 2023 foram feitas diversas análises das manifestações e decisões, além de reunião com especialistas para atender aos questionamentos emanados pela relatoria do processo, bem como protocolo de manifestações sobre o tema em discussão na ação, incluindo memoriais a todos os Ministros da Corte.
Nesta senda, em agosto, o Tribunal, por maioria, referendou a decisão que deferiu as medidas cautelares pleiteadas na ADPF em foco, as quais haviam sido concedidas pelo relator do processo, Ministro Edson Fachin, a fim de, entre outras ordens, determinar que a União apresente em 60 (sessenta) dias Plano de Ação para regularização e proteção às terras indígenas com a presença de povos indígenas isolados e de recente contato, conforme pleiteado por este departamento jurídico. Além disso, atendeu, dentre outros, o pedido de aditamento realizado, a fim de detalhar a situação ocorrida com o indígena Tanaru conhecido como “Índio do Buraco”.
Nesse sentido, em agosto, foi protocolada manifestação com informes sobre o pré-edital de concessão florestal lançado pelo Governo do Pará a fim de explorar economicamente a Floresta do Paru, vizinha à comunidade indígena do povo Zó’é (de recente contato) e próxima ao registro de diversos povos isolados. Após o peticionamento feito pelo presente departamento jurídico e o pedido de esclarecimentos por parte do Ministro Edson Fachin (relator do caso), houve a desistência por parte do Governo do Pará em manter o pré-edital de licitação com relação à área próxima ao povo Zó’é, decisório favorável, mas que também demanda a continuidade de ações por parte deste departamento jurídico, tendo em vista a manutenção do pré-edital para as demais áreas.
Quanto à ADPF 921, proposta pelo partido Rede Sustentabilidade contra autorização para realização de atividades de mineração na área denominada “Cabeça do Cachorro”, no Município de São Gabriel da Cachoeira/AM, houveram análises e mapeamento de estratégia para incidência no caso em foco. Na ADI 7273, este departamento protocolou pedido de Amicus Curiae, o que também ocorreu na ACO 3555 e na ADIN 7377.
Ainda no contexto da propositura de Ações de Descumprimento de Preceitos Fundamentais, houve a elaboração e protocolo da ADPF 1059, em face aos atos praticados pelo Estado de Mato Grosso do Sul na elaboração e implementação de sua política de segurança pública, tendo em vista o histórico de violações estatais praticadas contra os povos indígenas Guarani e Kaiowá, no qual a violência tem se constituído de ferramenta de violência contra tais comunidades tradicionais.
Inicialmente, houve o não conhecimento da ADPF retromencionada pelo Ministro Gilmar Mendes, relator do processo, sob a justificativa de inexistir objeto determinado, na medida em que supostamente impugna genericamente a atuação do Estado brasileiro, além de teoricamente demonstrar o caráter difuso do problema relatado, sem especificar o ato ou atos do poder público capaz de gerar lesão a preceito fundamental, o que, na análise do magistrado, gerou a ausência dos requisitos previstos no art. 3º da Lei Lei 9.882/1999.
Nesse sentido, este departamento jurídico interpôs Agravo Regimental em face à decisão em foco, tendo em vista a jurisprudência formada a partir da interposição da ADPF 709, ocasião na qual, em decisão colegiada, após a devida apresentação de memoriais, o Tribunal, por maioria, deu provimento ao recurso e conheceu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental em questão, com a determinação do regular processamento, nos termos do voto da Ministra Rosa Weber (Presidente), redatora para o acórdão, vencidos os Ministros Gilmar Mendes (Relator), Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques.
Igualmente, além da Ação Civil Pública acima informada, este departamento jurídico também buscou contribuir em ação do mesmo tipo movida contra o Estado de Mato Grosso do Sul (DPU/MPF/DPE – MS) com o intuito de impedir a continuidade do ato ilícito praticado pelo governo do Estado de Mato Grosso do Sul, que reiteradamente tem utilizado a Polícia Militar para realizar desforço imediato em ações de despejo sem decisão judicial em áreas de retomada indígena.
Como último ato judicial deste departamento jurídico, tendo em vista a promulgação da Lei 14.701/2023, a qual, dentre diversos outros recessos, institui um marco temporal à demarcação de terras indígenas no país pela via legislativa, haverá o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade em face a todos os dispositivos do instrumento normativo, a qual, já pronta, conta com a participação de diversos outros partidos políticos do país que atuam em auxílio à pauta ambiental.
CENÁRIO INTERNACIONAL
O Departamento Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil elegeu como uma de suas prioridades o eixo Internacional. Em linhas gerais, a atuação nessa esfera consiste na incidência diante dos sistemas internacionais de proteção de direitos humanos e na prática de advocacy.
No que tange ao Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIDH), a Apib realizou diversas incidências. Durante todo o primeiro semestre de 2023, este departamento jurídico buscou realizar incidências junto à Comissão e à Corte Interamericanas de Direitos Humanos, a fim de resguardar diversos direitos garantidos aos povos indígenas brasileiros.
Em abril, a Comissão Interamericana de Direitos Humano (CIDH) concedeu as Medidas Cautelares Nº 61-23 em favor dos Membros do Povo Indígena Pataxó localizado nas Terras Indígenas Barra Velha e Comexatibá no estado da Bahia, a partir de solicitação de janeiro realizada pela APIB e outras peticionárias. Em sua decisão, a CIDH reconheceu que os Pataxó têm sofrido com uma violência intensa, contínua e desproporcional, sendo alvo de ameaças, cercos armados, tiroteios, difamação e campanhas de desinformação. O órgão também determinou que o Estado brasileiro adotasse as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros do povo indígena Pataxó(5).
Há anos, o povo Pataxó aguarda pela conclusão da demarcação destas duas terras. Em junho de 2022, como forma de proteger seu território e resistir à pressão do agronegócio, do setor hoteleiro e da especulação imobiliária, os Pataxó deram início a um processo de autodemarcação. Desde então, o cenário de violência vem se agravando. Entre setembro de 2022 e janeiro de 2023, no intervalo de apenas cinco meses, ao menos três jovens Pataxó foram assassinados na região – entre eles, dois adolescentes. Gustavo Silva da Conceição, de apenas 14 anos, foi assassinado com um tiro nas costas durante um ataque de pistoleiros em setembro do ano passado, na TI Comexatibá.
Em outubro de 2022, o corpo do Pataxó Carlone Gonçalves da Silva, de 26 anos, foi encontrado, depois dele ter desaparecido na TI Barra Velha. Já em janeiro de 2023, Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25 anos, e o adolescente Nauí Brito de Jesus, de 16 anos, foram perseguidos e executados por pistoleiros numa estrada próxima a uma retomada realizada pelos Pataxó na TI Barra Velha do Monte Pascoal. A participação de policiais nos ataques armados contra o povo Pataxó, evidenciada em investigações e relatada à CIDH, também chamou atenção do órgão interamericano.
Para obter a concessão de tais medidas cautelares, foram realizadas diversas reuniões com as lideranças de território e com organizações locais: Movimento Indígena da BAHIA (MIBA), Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) e Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (FINPAT). Para além da petição inicial, em fevereiro e março ainda foram respectivamente enviadas outras duas manifestações contendo informações adicionais solicitadas pelo CIDH. Já em agosto, solicitamos a concessão de audiência sobre com a CIDH para tratar do caso durante o seu 188º Período de Sessões, que ocorrerá entre os dias 30 de outubro a 10 de novembro de 2023.
Além disso, o departamento continuou a acompanhar a medida cautelar que a CIDH concedeu em outubro de 2022 em favor da comunidade Guapo’y, do povo Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul.
Em janeiro de 2023 foi apresentada à CIDH petição contendo observações a respeito do cumprimento da Medida Cautelar. Já em abril deste ano, foi realizada uma reunião de trabalho entre as partes beneficiárias, o Estado brasilei e a própria Comissão, momento no qual foram celebrados alguns acordos alcançados entre as partes. Em junho, participamos também de uma reunião bilateral entre representantes dos beneficiários e a CIDH e, em julho, houve a realização de audiência com a CIDH e o Estado Brasileiro para tratar da cautelar em questão. Por fim, em agosto, o departamento jurídico realizou visita in loco ao território Guarani Kaiowá, com o intuito de poder verificar a situação atual e fortalecer o diálogo com as lideranças locais.
No âmbito da Medida Cautelar em favor dos povos Guajajara e Awá-Guajá, em trâmite na CIDH desde 2020, o departamento jurídico apresentou duas manifestações contendo novas informações em fevereiro e agosto de 2023. Em julho, foi também realizada reunião bilateral com a CIDH para tratar do desenvolvimento do processo.
Já em relação às medidas provisórias em favor os povos indígenas Yanomami, Ye’kwana e Munduruku, que tramitam na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CtIDH), foram elaboradas três manifestações (fevereiro, abril, julho) contendo novas informações e análises a respeito dos relatórios apresentados pelo Estado brasileiro. A Corte IDH também já anunciou que atenderá ao pedido feitos pela representação das vítimas para que haja visita in loco da Corte ao território Yanomami em outubro.
Além disso, a APIB recebeu um convite expresso da Corte IDH para contribuir como amicus curiae na elaboração de uma Opinião Consultiva (OC) sobre direitos humanos e emergência climática. Em janeiro de 2023, a República da Colômbia e a República do Chile submeteram à Corte IDH um pedido conjunto de opinião consultiva contendo 16 perguntas pormenorizadas em relação à Emergência Climática e Direitos Humanos, nos termos do Artigo 64 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH). Diante disto, o departamento jurídico da APIB realizou a efetiva confecção da manifestação, em conjunto com diversos juristas parceiros do movimento, com o objetivo de firmar o posicionamento dos povos indígenas brasileiros a respeito de justiça climática diante do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Em janeiro a Amazon Watch também iniciou um processo de incidência na Revisão Periódica Universal (RPU) do Canadá, focando nas violações de direitos causados por mineradoras canadenses na América Latina. O objetivo de longo prazo é demonstrar que há um padrão de violações de empresas e investimentos canadenses na América Latina em decorrência do não cumprimento dos compromissos climáticos e das obrigações extraterritoriais do Estado do Canadá com direitos humanos. Busca-se, ao fim, garantir a fiscalização de empresas nacionais atuando em território estrangeiro e criar mecanismos de proteção e denúncia, garantias judiciais e reparação integral a todas as pessoas afetadas pelo comportamento abusivo das empresas.
A partir dessas incidências, em junho de 2023 a APIB publicou o relatório Mina de Sangue(6), versando sobre as violações de direitos dos povos indígenas pelo projeto da mineradora Canadense Belo Sun, que visa construir a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil na região denominada Volta Grande do Xingu, situada na Floresta Amazônica do estado do Pará (PA).
Devido ao envolvimento do departamento jurídico com o caso de Belo Sun, o departamento jurídico da APIB compareceu ao Planejamento da Aliança da Volta Grande do Xingu (VGX), que ocorreu presencialmente em São Paulo, na Fundação Rosa Luxemburgo. Desde então, a APIB passou a fazer parte da referida Aliança, que se trata de uma coalizão composta por diversas organizações que colaboram na defesa da VGX, situada na Floresta Amazônica do estado do Pará (PA), como um território vivo, saudável e livre de mineração em larga escala por meio do respeito e valorização da autodeterminação de seus povos indígenas, comunidades tradicionais e assentados rurais.
Além da APIB, a Aliança VGX é composta pelas organizações Amazon Watch, Anistia Internacional Brasil, AIDA, Instituto Socioambiental, Mining Watch Canadá, Movimento Xingu Vivo, International Rivers, Earthworks, Law and Development Research Group and Institute of Development Policy of the University of Antwerp.
Em 11 de julho de 2023, a mineradora canadense Belo Sun publicou uma resposta à publicação da APIB(7). Desta vez, uma réplica foi elaborada, agora no âmbito da Aliança VGX(8). Para além disso, estamos acompanhando o GT Jurídico da Aliança e está prevista uma visita das organizações que compõem a Aliança à Volta Grande do Xingu em setembro.
Devido às incidências relacionadas às mineradoras canadenses, também passamos a acompanhar a situação do povo Mura no estado do Amazonas, a partir de reuniões em parceria com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), organização regional de base da APIB:
- Muras habitantes das Terras Indígenas Soares e Uricurituba, do município de Autazes. Caso que já estamos tendo algum contato no âmbito das incidências junto à Amazon Watch na RPU Canadá. A empresa Potássio do Brasil pretende instalar um porto, uma planta de mineração industrial, uma estrada para conectá-los, uma adutora de água e uma linha de transmissão. Estas estruturas ficariam localizadas precisamente acima da auto-demarcada Terra Indígena Soares/Urucurituba, a menos de 3 km da Terra Indígena Jauary e a 6,33 km da Terra Indígena Paracuhuba(9) – todas pertencentes ao povo indígena Mura, sendo as duas últimas já oficialmente reconhecidas pelo Estado brasileiro.
- Muras habitantes da Terra Indígena Gavião Real I, localizada no município de Silves – exploração de petróleo e gás pela empresa ENEVA e ameaças graves a liderança.
Por fim, também cabe mencionar a participação do departamento no “Encontro sobre CVM e divulgação de informações climáticas”, promovido pela Conectas Direitos Humanos e pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS), em agosto de 2023, na cidade de São Paulo.
Tal encontro se deu devido ao fato de que, em 2023, entrou em vigor a Resolução CVM nº 59/2021, determinando que as companhias de capital aberto divulguem: fatores de risco e oportunidades sociais, ambientais e climáticas; oportunidades de geração de impacto positivo e inovação; relatórios de sustentabilidade, com indicadores-chave de desempenho ESG (Environmental, Social and Governance), matriz de materialidade, metodologia e auditoria; além de informações sobre diversidade.
Ocorre que, devido à inexistência de critérios objetivos para a divulgação de informações ESG e climáticas, torna-se desafiador ter acesso a informações adequadas sobre riscos climáticos envolvendo companhias abertas. Nesse contexto é que foi proposta a referida reunião de trabalho para apresentação dos critérios utilizados pela CVM em relação a deveres informacionais e avaliação das divulgações publicadas pelas companhias até o momento do encontro.
O objetivo foi gerar um acúmulo de discussões a respeito de aspectos específicos de dados, parâmetros e informações para os principais setores da economia, permitindo que a sociedade civil, em conjunto, estabeleça critérios para uma divulgação de informações ESG e climáticas de qualidade e desenvolva uma metodologia que apresente informações mínimas e satisfatórias para o próximo ciclo de divulgação de informações.
LEGISLATIVO
O Departamento Jurídico da APIB elegeu como pauta prioritária para monitoramento e incidência junto ao Poder Legislativo Federal os “Direitos Territoriais Indígenas e Exploração Econômica dos Territórios”, o que balizou a estruturação de Plano de Trabalho Legislativo para 2023. Uma vez que, com a vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2022, o Congresso Nacional passou a ser arena privilegiada de ataques do agronegócio e da extrema direita aos territórios de ocupação tradicional indígena. Exemplo disso foi a tramitação em regime de urgência do PL nº 490/2007 e apensos – relativos ao Marco Temporal – na Câmara dos Deputados no primeiro semestre de 2023, o qual, ao final do ano, tornou-se a Lei Lei 14.701/2023, após a derrubada dos vetos impostos pelo chefe do Poder Executivo, de forma a tornar-se, atualmente, a maior ameaça aos direitos indígenas em ano.
Registra-se, nesta senda, em diálogo às ações adotadas no âmbito judicial, a elaboração e ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) em face à lei supramencionada por parte deste departamento jurídico, a qual, em conjunto com diversos outros partidos políticos aliados à pauta ambiental, servirá como principal eixo de combate aos retrocessos apresentados por tal instrumento normativo, principalmente no que se refere à instituição do marco temporal à demarcação de terras indígenas no país.
Além disso, estão sendo acompanhadas outras pautas de interesse, tais como educação, saúde e culturas indígenas. Todas as atividades estão sendo feitas em conjunto com o Ministério dos Povos Indígenas – notadamente, com sua Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos – ASPAR – e com a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas – coordenada pela Deputada Federal Célia Xakriabá – PSOL/MG.
O Poder Legislativo Federal – Congresso Nacional, Câmara dos Deputados e Senado Federal – vem sendo regularmente acompanhado por meio de Frentes Parlamentares Mistas, Comissões Permanentes e Temporárias e Plenário.
No âmbito do Congresso Nacional, temos o acompanhamento da tramitação do Leis Orçamentárias (Plano Plurianual, Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias e Projeto de Lei de Lei Orçamentária Anual); Acompanhamento e monitoramento de Medidas Provisórias de interesse; e Monitoramento da Agenda Legislativa de Frentes Parlamentares Mistas – Frente Parlamentar Mista da Agropecuária, Frente Parlamentar Mista da Mineração Sustentável, Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas e Frente Parlamentar Mista Ambientalista.
Na Câmara dos Deputados, realizamos o monitoramento e incidência (articulação com Parlamentares e assessorias) sobre a tramitação de proposições legislativas de interesse da APIB; Acompanhamento semanal da pauta de Comissões de interesse e Plenário para identificar pautas positivas ou negativas; Comissões permanentes de interesse: Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Comissão de Minas e Energia, Comissão de Agricultura, Comissão de Legislação Participativa e Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial.
Por fim, no Senado Federal, realizou-se: Monitoramento e incidência (articulação com Parlamentares e assessorias) sobre a tramitação de proposições legislativas de interesse da APIB; Acompanhamento semanal da pauta de Comissões de interesse e Plenário para identificar pautas positivas ou negativas; Comissões permanentes de interesse: Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Comissão de Meio Ambiente, Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa e Comissão de Assuntos Sociais; Comissão temporária de interesse: Comissão Parlamentar de Inquérito das ONGs.
Como primeira medida do novo Plano de Trabalho de Incidência Legislativa e Advocacy, foi realizado o mapeamento de Frentes Parlamentares Mistas. As Frentes Parlamentares Mistas são compostas por pelo menos um terço do Poder Legislativo e reúnem deputados federais e senadores em articulações suprapartidárias para defesa de interesses, podendo contar com participação da sociedade civil organizada. O monitoramento das FPs permite acompanhar, por exemplo, a agenda legislativa da Bancada Ruralista (FPA) e da Bancada da Mineração e de que forma representam ataques diretos aos direitos territoriais indígenas. Nesta Legislatura, propomos, portanto, o acompanhamento da Frente Parlamentar Mista de Defesa dos Povos Indígenas e Frente Parlamentar Mista Ambientalista e, complementarmente, para mapear possibilidades de retrocessos na pauta serão monitoradas agendas políticas das Frentes Parlamentares Mistas da Agropecuária e da “Mineração Sustentável”.
Realizamos, ainda, diversas articulações para estabelecer estratégias de atuação relacionadas aos projetos em trâmite no legislativo, com a atuação e participação permanente da assessoria jurídica da APIB no coletivo denominado Freio no trator Ruralista, na Frente Parlamentar Mista em defesa dos direitos dos Povos Indígenas e no Grupo de Trabalho Político do Observatório do Clima, espaços de construção e diálogo coletivo com organizações indígenas e indigenistas, socioambientais, e parlamentares líderes de bancadas e partidos bem como parlamentares parceiros, visando a construção coletiva de incidências que possam frear os ataques do legislativo.
Dentre as principais atuações deste departamento jurídico no que se refere ao legislativo nacional encontra-se, primeiramente, o Projeto de Lei nº 2903/2023, antigo Projeto de Lei nº 490/2007, o qual busca regulamentar o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas; e altera as Leis nºs 11.460, de 21 de março de 2007, 4.132, de 10 de setembro de 1962, e 6.001, de 19 de dezembro de 1973. O foco de preocupação do projeto encontra-se na fixação de um marco temporal à demarcação das terras indígenas no país, no retrocesso na política de não contato com povos indígenas isolados e de recente contato, na flexibilização do usufruto exclusivo e na proposta de reaver terras indígenas diante de “perda de traços culturais”.
Nesta senda, em maio do corrente ano foi realizada reunião junto à deputada Célia Xakriabá a respeito do PL acima nominado, e, posteriormente, ainda no mês de maio, foi feita reunião junto com apoiadores e organizações indígenas e indigenistas sobre os efeitos do PL em questão, de forma a ser elaborada, após, Nota Técnica a respeito dos impactos da referida proposta legislativa, bem como mobilização contra o PL ainda no mês de maio.
Em junho, houve a realização de audiência pública sobre o meio ambiente na Câmara dos Deputados, na qual houve a participação do departamento jurídico com os apontamentos cabíveis à temática indígena. Em julho, foi realizada reunião, no Senado Federal, para tratar sobre o PL em foco, no intuito de discutir os impactos às comunidades indígenas do país, de forma que, em igual mês, foi realizada reunião de trabalho entre a APIB e a ASPAR(10) para a construção de estratégia jurídica em conjunto com a pauta legislativa no congresso nacional, situação semelhante ocorrida no mês de agosto junto ao MNI.
Ainda no mês de agosto, tivemos participação do Departamento Jurídico em reuniões de alinhamento junto à Liderança do Governo no Senado, ao Gabinete do Senador Beto Faro e apresentamos, em conjunto com parceiros, as propostas de emendas parlamentares de nº 01 ao 10, protocoladas pela Senadora Eliziane Gama e pelo Senador Beto Faro, no bojo da proposição legislativa.
Após acompanhamento de audiência pública e votação do PL 2903 na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária realizada no dia 23 de agosto, a qual restou prejudicial aos direitos e garantias indigenistas, ocorreu alinhamento estratégico para tratar sobre possíveis incidências do departamento para impedir a aprovação do texto final, e, por consequência, a ocorrência de inconstitucionalidade, além das devidas articulações de trabalho junto ao julgamento do marco temporal no STF.
Foram solicitadas agendas com Senadores estratégicos – a exemplo dos Presidentes do Senado Federal, Presidentes e Relatores da matéria na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária. Bem como com Líderes dos Blocos Parlamentares, a fim de incidir sobre a distribuição da matéria para mais comissões de mérito – como a Comissão de Direitos Humanos, Comissão de Meio Ambiente e Comissão de Assuntos Sociais – e para que não seja pautado o Requerimento de Urgência, que abrevia o rito de apreciação da proposição.
Dessa forma, após diversos alinhamentos políticos e reuniões com parlamentares, bem como a inauguração do movimento “VETA TUDO”, oriundo da pressão de diversos agentes e lideranças indígenas do país, o presidente Lula vetou parcialmente os dispositivos do que viria a se tornar a Lei 14.701/2023, mantendo artigos referentes à sopreposição do interesse público às terras indígenas e a atuação conjunta com Estados e Municípios. Continuadamente, conforme já mencionado, o Congresso Nacional realizou a derrubada parcial dos vetos, o que motivou o futuro ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade em face à lei em comento.
Na Câmara Federal, atuamos apresentado o acúmulo da APIB em três momentos, a saber quando da votação em plenário do Projeto de Lei nº 6.579/2019 – que objetiva incluir o município de Pacaraíma (RR) na Área de Livre Comércio de Boa Vista -, na formulação de Pacote de Projetos de Lei referentes ao dia internacional dos povos indígenas, de autoria da Deputada Federal Célia Xakriabá – que previam a obrigatoriedade de intérpretes de línguas indígenas em órgãos públicos, autorizavam o uso de indumentárias tradicional indígena em fotos oficiais e incluíam na Constituição Federal título específico sobre os Direitos da Natureza -, bem como na redação de parecer da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários, de autoria do Deputado Federal Chico Alencar, que estabelece percentual de cotas para pessoas indígenas em concursos públicos.
No que se refere à tramitação da chamada “CPI das ONGs”, destinada a investigar a liberação, pelo Governo Federal, de recursos públicos para ONGs, e OSCIPs(11), bem como a utilização desses recursos de maneira indevida, em julho, ocorreu participação deste departamento jurídico em reunião com a sociedade civil, a ASPAR MS, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, o Ministério da Justiça, a Controladoria Geral da UNIÃO, a FUNAI e a assessoria do Senador Beto Faro.
No âmbito da sociedade civil organizada, acompanhamos o encontro das Lideranças Indígenas do Projeto de Lei de Iniciativa Popular Amazônia de Pé, apresentando subsídios técnicos e políticos para o aprimoramento da proposição legislativa, no que concerne à garantia dos direitos originários dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam e para inscrição de mecanismos que vedem a sobreposição de inscrição de Cadastro Ambiental Rural sobre terras indígenas.
OUTRAS ARTICULAÇÕES E INCIDÊNCIAS
Como demais articulações e incidências mantidas por este departamento jurídico, destaca-se que oConselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, no dia 20 de junho do corrente ano, a criação de cotas para indígenas nos concursos públicos do Poder Judiciário. A medida estabelece percentual de ao menos 3% das vagas oferecidas nas concorrências e faz parte de uma luta histórica da advocacia indígena. O departamento jurídico da APIB realizou diversas incidências junto aos conselheiros. Foram encaminhados memoriais, solicitações de audiência, dentre outros atos, no intuito de atingir o percentual de 5%.
Além disso, como parte da estratégia de luta pela demarcação de territórios indígenas, a coordenação executiva e jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em conjunto com lideranças do povo Xokleng e Kaingang se reuniram, vem se reunindo junto aos Ministros do Supremo Tribunal Federal a fim de garantir votação que garanta cenário favorável aos direitos indigenistas.
Não obstante, Diante já narrado contexto trágico enfrentado pelo povo Pataxó, o Departamento Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em parceria com a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), esteve em visita, ao longo dos dias 25 de julho a 1º de agosto de 2023, ao território Pataxó na Bahia, com o objetivo de efetivar esse diálogo, informar e também coletar informações a respeito da violência e das situações de risco que o território vem sofrendo.
Nos dias 28 e 29 de julho na Reserva Pataxó da Jaqueira, os departamentos jurídicos da APIB e da APOINME realizaram uma Oficina de Direitos Indígenas com as lideranças e membros das comunidades indígenas Pataxó que estiveram presentes no Aragwaksã, festa que ocorre anualmente na Reserva e atrai indígenas de todas as aldeias Pataxó, além várias etnias convidadas e de outros estados, além de muitos visitantes que praticam o etnoturismo na região. Na oficina, foram tratadas as principais incidências que os povos indígenas vem passando na atualidade, trazendo assim uma formação mais ampla sobre as necessidades dos povos tradicionais.
A abertura da oficina contou com a participação de mais de 40 indígenas Pataxó, dentre os quais lideranças, jovens e mulheres. Para além dos membros do departamento jurídico da APIB, se fizeram presentes também os coordenadores executivos da organização, Dinaman Tuxá e Kleber Karipuna, bem com o assessor jurídico da APOINME Jorge Tabajara.
Na fala inicial da oficina, na tarde do dia 28, Dinaman se apresentou e falou do apoio da APOINME e da APIB ao povo Pataxó. Dando sequência, Kleber fez uma apresentação da estrutura da APIB, desde seus coordenadores aos departamentos, discutindo as incidências nacionais e internacionais em defesa dos nossos territórios, da vida, e contra o marco temporal, ressaltando as ações que foram realizadas nos Pataxó em 2022 e 2023 e incluindo o apoio presencial que realizaram no território Comexatibá.
Já no dia 29, no período da manhã, houve apresentação do departamento jurídico, na qual se debateu a respeito da advocacia indígena, do marco temporal, da conjuntura no Congresso Nacional, da Medida Cautelar na CIDH e outros. Por fim, no período da tarde, foi realizada a mesa “O futuro indígena é hoje: Sem demarcação não há democracia”, com exposições de Aléssia Tuxá, indígena Defensora Pública Estadual da União; Gabriel César, Defensor Público da União; e da advogada indígena Samara Pataxó, hoje assessora de diversidade no Tribunal Superior Eleitoral.
Em 30/07, a delegação foi ao encontro da comunidade Pataxó da Aldeia Kaí, na Terra Indígena Comexatibá, próxima à cidade de Cumuruxatiba, para dialogar com as lideranças locais, promover o processo de escuta das demandas internas e também fornecer explicações jurídicas simplificadas.
A Terra Indígena Comexatibá é hoje o território com o maior número de contestações administrativas no âmbito do processo de sua demarcação, dado que já revela simbolicamente a propensão do território para conflitos.
Por sua vez, a Aldeia Kaí se encontra perto do local onde o jovem Gustavo Pataxó foi assassinado em setembro de 2022. Sua mãe, inclusive, estava presente na reunião e nos forneceu impactantes relatos. Na semana anterior à nossa visita, houve o julgamento dos réus acusados pelo assassinato de Gustavo, os quais ganharam liberdade provisória, o que gerou às comunidades receio de novos ataques e retaliações, para além da sinalização de impunidade. Neste sentido, o departamento jurídico da APIB está ingressando com um pedido de Habilitação como Assistente de Acusação no processo, representando a mãe de Gustavo, para poder acompanhar a ação, mantê-la informada e buscar a punição dos responsáveis.
Para além disso, ficamos cientes de outras situações e problemáticas pontuais do território, envolvendo questões ambientais, contaminação por agrotóxico, desmatamento para plantação de eucalipto, dentre outros.