“A constante tentativa de adoção da tese do Marco Temporal, teoria que contraria os compromissos internacionais de direitos humanos assumidos pelo Estado brasileiro (análise técnica) e cuja inconstitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, gera insegurança jurídica e acirra ainda mais os conflitos fundiários no país, causando dano direto e irreparável aos Povos Indígenas. Garantir que as terras e territórios dos Povos Indígenas estejam reconhecidos, demarcados e protegidos é dever fundamental do Estado – composto por Executivo, Legislativo e Judiciário – para que eles possam desfrutar de todos os demais direitos”.

Esta foi a posição oficial de Jan Jarab, chefe da ONU Direitos Humanos para a América do Sul (CIDH), diante do retorno do debate da tese do Marco Temporal no Congresso brasileiro. A PEC 48 ou PEC da Morte busca descaracterizar o artigo 231 da Constituição Federal, mais especificamente o inciso 1º, que trata do direito originário dos povos indígenas às suas terras. A PEC altera uma cláusula pétrea da constituição.

No último dia 10/07, parlamentares da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal pediram vista coletiva à Proposta. “Reiteramos nossa preocupação sobre qualquer ação que possa enfraquecer ou relativizar a proteção dos direitos dos Povos Indígenas”, afirmou Jarab, em nota publicada no site da ONU.

Para a deputada indígena, Célia Xakriabá, o esforço e a celeridade para debater e aprovar a emenda é a comprovação de os deputados da bancada ruralistas tem plena consciência de que a lei 14.701, aprovada no ano passado, corrobora com uma tese que fere a constituição e por esse motivo, agora eles tentam alterar a constituição.

Ao mesmo tempo, as ações de contestação à lei, protocoladas no Supremo Tribunal Federal (STF), foram encaminhadas ao ministro Gilmar Mendes. O ministro conhecido publicamente por suas posições anti-indígenas, não seguiu o protocolo institucional sobre as ações diretas de inconstitucionalidade (ADI), ignorou as manifestações jurídicas da Apib e por fim, propôs uma câmara de conciliação sobre o caso.

Atropelo em benefício de fazendeiros

Em setembro de 2023, o STF formou maioria sobre a tese, atestando sua inconstitucionalidade. No mês seguinte o Congresso aprovou a lei do marco temporal, que recebeu o número 14.701/2023, ignorando os vetos do presidente Lula. Logo em seguida, o Senador Hiran Gonçalves, criou a PEC 48. A sequência dos fatos aponta para um orquestramento de ações arbitrárias, que manipulam a atuação do Estado para beneficiar interesses do agronegócio e de espoliadores dos bens naturais preservados nos territórios, como a madeira, minérios, água e a própria terra que dão continuidade ao projeto genocida bolsonarista.

A maioria dos senadores que deram seguimento aos trâmites da emenda são vinculados ao PL, à Frente Parlamentar de Agropecuária (FPA) e a partidos da base do ex-presidente.

São eles:
Senador Dr. Hiran (PP/RR)
Senadora Margareth Buzetti (PSD/MT)
Senador Sérgio Petecão (PSD/AC)
Senador Wilder Morais (PL/GO)
Senador Styvenson Valentim (PODEMOS/RN)
Senador Esperidião Amin (PP/SC)
Senador Luis Carlos Heinze (PP/RS)
Senador Hamilton Mourão (REPUBLICANOS/RS)
Senador Izalci Lucas (PSDB/DF)
Senador Mecias de Jesus (REPUBLICANOS/RR)
Senador Marcos do Val (PSDB/ES)
Senador Sergio Moro (UNIÃO/PR)
Senador Plínio Valério (PSDB/AM)
Senador Carlos Viana (PODEMOS/MG)
Senadora Tereza Cristina (PP/MS)
Senador Astronauta Marcos Pontes (PL/SP)
Senador Eduardo Girão (NOVO/CE)
Senador Marcio Bittar (UNIÃO/AC)
Senador Magno Malta (PL/ES)
Senador Jorge Seif (PL/SC)
Senador Chico Rodrigues (PSB/RR)
Senadora Damares Alves (REPUBLICANOS/DF)
Senadora Ivete da Silveira (MDB/SC)
Senador Flávio Bolsonaro (PL/RJ)
Senador Irajá (PSD/TO)
Senador Carlos Portinho (PL/RJ)
Senador Marcos Rogério (PL/RO)

Posição da Apib

Para a Apib, a câmara de conciliação criada por Gilmar Mendes é uma arbitrariedade. Reafirmamos que nossos direitos, conquistados constitucionalmente, não estão em negociação. Ao contrário do que atestam os ruralistas, é a proposta de lei que tramita atualmente, a grande responsável pela insegurança jurídica e pelo aumento substancial de ataques aos povos indígenas. 

Somente nas últimas duas semanas, houve ataques em seis territórios e lideranças indígenas foram feridas, com a propagação das ações do grupo miliciano Invasão Zero. Ocorreram ataques armados na comunidade Pekuruty, no Rio Grande do Sul, do povo Guarani Mbya, na comunidade Guasu Guavirá, no Oeste do Paraná, do povo Avá-Guarani e na comunidade Tekora Kunumi Vera, pertencente a Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá I, no Mato Grosso do Sul. Também registramos ataques na retomada Kaingang, Fág Nor, em Pontão, no Rio Grande do Sul, na T.I. Guasu Guavira, Tekoha Arapoty e Arakoé e na T.I. Panambi, em Douradina, no Mato Grosso do Sul.