A nova Lei dos Agrotóxicos (14.785/2023), chamada Pacote de Veneno, foi aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2023 e sancionada com vetos. O Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Socialismo e Liberdade (Psol), a Rede Sustentabilidade, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar) estão questionando as mudanças no Supremo Tribunal Federal através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7701.
Ela propõe a flexibilização dos critérios para análise, aprovação e uso das substâncias químicas no Brasil. Entre as alterações estão a adoção de critério subjetivo para a análise de risco do uso de agrotóxicos, a exemplo de substâncias cancerígenas, sem que haja controle técnico ou social; a retirada da competência do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sobre essas análises, deixando exclusivamente a cargo do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e a previsão de dispensa de registro de agrotóxicos em processo sumário de 30 dias.
Portanto, a Lei nº 14.785/2023 direciona a regulamentação dos agrotóxicos aos interesses econômicos da agropecuária, em detrimento dos direitos à vida e à saúde da população brasileira e o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. O que até então eram atribuições da Anvisa e do Ibama no processo de gestão.
A Apib busca incidir no julgamento e atuar pela suspensão da nova legislação, tendo em vista que os povos indígenas estão entre os mais afetados pela intoxicação por agrotóxicos. As pesquisas da Fiocruz e Abrasco vem mostrando um aumento exponencial de intoxicação de indígenas pelo uso de agrotóxicos no entorno de terras indígenas.
Segundo a Abrasco, foi registrado crescimento de 45,1% da utilização dessas substâncias, saltando de 495.764,55 toneladas para 719.507,44 toneladas consumidas nacionalmente entre 2013 e 2021. Os números podem ser conferidos no Dossiê da Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde ( https://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/l241.pdf ).
Há evidências científicas de que os agrotóxicos são responsáveis diretos por 200 mil mortes anuais. O estado do Mato Grosso do Sul, por exemplo, “tem seis casos de intoxicação para cada 10 mil indígenas”. Os ruralistas se utilizam da pulverização de agrotóxicos como arma química para expulsar povos indígenas de seus territórios em conflitos fundiários, como é o caso dos Guarani e dos Kaingang.
Uma pessoa da comunidade de Ocoy, do Povo Indígena Avá-Guarani, no Paraná, relata os seguintes sintomas após o contato com o agrotóxico: “dor de cabeça, desconforto, tontura, porque quando o vento sopra traz tudo, então o cheiro prende tudo no ambiente e você começa a inalar o veneno e começa a sentir dor de cabeça, tontura e, muitas vezes, dor de estômago”.
De acordo com a pesquisadora e professora licenciada da USP, Larissa Bombardi, o Brasil vivencia um “colonialismo químico”, já que as substâncias nocivas à saúde e ao meio ambiente são produzidas pela Europa e Estados Unidos e utilizadas em países periféricos, acarretando danos à saúde da população, contaminação de alimentos e águas e comprometendo a biodiversidade. A própria legislação europeia proíbe uma série de substâncias que são exportadas e utilizadas no território brasileiro.
A Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas (PNGATI) prevê expressamente o desestímulo do uso de agrotóxicos em terras indígenas, além de monitorar o cumprimento da Lei nº 11.460, de 21 de março de 2007, que veda o cultivo de organismos geneticamente modificados em terras indígenas
A nova legislação afrouxa a análise de risco sobre o uso de agrotóxicos e suprime o modelo tripartite de avaliação e gestão dos registros de agrotóxicos, configurando mais uma ameaça aos biomas, à caça, à pesca e à produção de alimentos. O uso em larga escala de agrotóxicos coloca em xeque os modos tradicionais de vida dos povos indígenas e sua relação intrínseca com suas terras.
No pleito ao STF para se tornar Amicus Curiae nas ADI’s, a Apib visa oferecer subsídios ao julgamento através de memoriais, da própria sustentação oral dos argumentos em Plenário e em eventual audiência pública sobre o tema.