Às autoridades públicas e à sociedade brasileira

Nós, povos indígenas Wapichana, Macuxi, Taurepang, Ingarikó, Sapará, Wai Wai, Yanomami, Yekuana e Patamona, oriundos das regiões da Serra da Lua, Murupu, Wai Wai, Alto Cauamé, Tabaio, Amajari, Serras, Surumu, Yanomami, Baixo Cotingo e Raposa, do estado de Roraima, reunidos no V Acampamento Terra Livre, realizado de 5 a 9 de maio no Centro Ovelário Tames Macuxi, em Boa Vista (RR), viemos manifestar nossa insatisfação, denunciar injustiças e reivindicar, diante do Estado brasileiro, a defesa da vida e dos nossos territórios.

1. Somos povos originários
Somos mais de 100 mil indígenas vivendo em Roraima, conforme o Censo de 2022. Já fomos milhões, mas fomos dizimados por políticas historicamente adotadas pelo Estado brasileiro. A capital Boa Vista foi uma comunidade indígena e está situada em terras ancestrais. Protegemos 46% do território de Roraima, onde estão localizadas fontes de água, rios, florestas, lavrados e demais recursos naturais essenciais ao bem-estar de toda a população. No entanto, nossas terras continuam ameaçadas por invasores, especialmente garimpeiros, monoculturas de soja ao redor das comunidades e leis favorecem a redução dos nossos territórios.

2. Em defesa da Terra Indígena São Marcos
Manifestamos apoio aos nossos parentes da TI São Marcos, que correm o risco de perder parte de sua terra tradicional para a sede do município de Pacaraima – instalada ilegalmente após a demarcação. As lideranças estão sendo induzidas a participar de uma “mesa de conciliação” que, mais uma vez, viola os direitos originários garantidos pela Constituição Federal. Rejeitamos essa proposta de conciliação e a tentativa de redução territorial. Exigimos que o Ministério Público Federal atue na defesa dos direitos constitucionais dos povos indígenas.

3. Contra o Marco Temporal e a Lei 14.701/2023
A Lei 14.701/2023 representa uma grave violação dos direitos indígenas. Desde sua promulgação, observamos o aumento da violência, invasão das terras indígenas e o bloqueio de novos processos de demarcação. Soma-se a isso a “mesa de conciliação” criada em 2024 pelo ministro Gilmar Mendes (STF), que já foi prorrogada três vezes e deve seguir até junho de 2025. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 48/2023, de autoria do senador Hiran Gonçalves (PP/RR), representa mais um retrocesso. Ao tentar constitucionalizar o marco temporal, busca restringir nossos direitos às terras ocupadas até 5 de outubro de 1988. Isso é inconstitucional e contraria decisão já tomada pelo STF, que reconheceu nossos direitos como originários e cláusulas pétreas, ou seja, não passíveis de alteração, nem mesmo por emenda constitucional.

4. Empreendimentos e ameaças aos territórios
Foi criado recentemente, no Senado, um Grupo de Trabalho (GT) para discutir a regulamentação da mineração em terras indígenas, mais uma grave ameaça aos nossos territórios. Como se não bastassem a Lei do Marco Temporal e outras propostas que atacam nossos direitos, parlamentares continuam incentivando a invasão das nossas terras, movidos por interesses econômicos e busca por lucro. Soma- se a isso os projetos de exploração de petróleo na Bacia do Tacutu e a construção das hidrelétricas Bem Querer e Tamanduá, no rio Cotingo, que causarão impactos ambientais e sociais devastadores. Somos contra esses empreendimentos, que só beneficiam grandes empresários, enquanto milhares de indígenas e comunidades serão diretamente afetados e prejudicados.

5. Demarcação e sustentabilidade
A demarcação é um direito constitucional e dever do Estado. Reivindicamos o andamento dos processos de demarcação das terras indígenas Arapuá, Anzol, Pirititi e Lago da Praia, bem como o reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades Manoa/Pium, Truaru, Pium e Anaro, cujos processos tramitam na Justiça Federal. Somos produtores de alimentos, embora muitas vezes não reconhecidos pelo Estado. Por exemplo somos maiores produtores de gado, cultivamos centenas de culturas para nossa alimentação e comercialização. Exigimos o financiamento adequado dos nossos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA), com recursos suficientes para sua execução.

6. Políticas públicas
Nosso movimento avalia que as políticas públicas seguem apresentando problemas históricos, especialmente nas áreas de educação e saúde. Na educação, há falta de investimento em construção e reforma de escolas, além do transporte escolar precário. Denunciamos também as ameaças do governo contra professores indígenas que participam do nosso movimento. Na saúde, a falta de coordenação no Distrito Leste há mais de três meses prejudica a gestão e o atendimento. Reiteramos nosso pedido ao governo para a nomeação URGENTE das lideranças indicadas pelo movimento indígena para a coordenação do Distrito Sanitário Especial Indígena Leste de Roraima, a fim de garantir uma gestão legítima, representativa e comprometida com as necessidades de nossas comunidades.

7. Participação na COP 30
Neste ano, será realizada a COP 30 no Brasil, e nós estaremos presentes para levar nossas reivindicações e denunciar as violações dos nossos direitos. Repudiamos qualquer tentativa do Estado brasileiro de instrumentalizar nossa presença no evento como forma de legitimar um suposto respeito aos nossos direitos. Não aceitaremos ser usados como vitrine. Queremos falar por nós mesmos, sem intermediários. Queremos dizer ao mundo o que enfrentamos em nossos territórios e mostrar às autoridades internacionais que nossas terras são essenciais para o enfrentamento da crise climática global.

8. Nosso direito de existir
Durante os cinco dias de mobilização, reunimos mais de 2 mil pessoas das comunidades. O Acampamento Terra Livre é um movimento pacífico em defesa dos nossos direitos e do direito à vida. Estiveram presentes jovens, crianças, mulheres, homens, anciãos, professores, agentes de saúde, estudantes, coordenadores e lideranças. Fomos obrigados a deixar nossas casas para lutar pela continuidade da nossa existência e para denunciar ao mundo as violências que estamos sofrendo em nossos territórios, em razão da Lei do Marco Temporal e dos empreendimentos que ameaçam nossas vidas. Permaneceremos vigilantes. Não recuaremos. E não negociaremos um só centímetro das nossas terras.

Centro Ovelário Tames, Boa Vista, RR, 09 de maio de 2025.
Atenciosamente,
Movimento Indígena de Roraima