Lideranças indígenas do Brasil visitam países da União Europeia durante o mês de junho como parte da estratégia de responsabilizar governos e empresas por ameaças à proteção de seus territórios, assim como para reforçar a denúncia no Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o governo Bolsonaro por Genocídio e Crimes contra a Humanidade.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) visitará Paris e Bruxelas entre os dias 8 a 16 de junho de 2022 como parte de sua estratégia de enfrentamento às políticas e dinâmicas genocidas e ecocidas do governo Bolsonaro. Seus objetivos são incidir nas cadeias de extração de produtos, como minérios, e na produção de matérias primas como carne, soja e couro, consumidos na Europa e que deixam um forte impacto nas Terras Indígenas do Brasil. Para isso, a delegação indígena vai se reunir com Comissões do Parlamento Europeu para participar no debate sobre a lei de importação de commodities de risco florestal (FERC). Entre as diversas atividades destacam-se as já confirmadas reuniões com a delegação brasileira do Parlamento Europeu e com o Departamento Ambiental parlamentar, as duas no 14 de junho, e com membros do Partido Verde Alemão no 15 de junho. Esses eventos são de grande relevância pois a Europa é o segundo mercado de venda da soja produzida no Brasil e um importante importador de carne bovina brasileira.
Também durante o Tour Internacional, a APIB vai acompanhar os atos e investigações do grupo francês de supermercados Casino por falta de rastreabilidade de certos produtos com proveniência de terras desmatadas ou griladas no Brasil. O Tour Internacional é uma ação independente, que não está vinculada a nenhum partido político ou empresa, organizada pela APIB para promover a incidência política pelo direito dos povos indígenas. Sete lideranças indígenas, representando todas as regiões do Brasil, atravessam o oceano para denunciar as ameaças internacionais a seus territórios e demonstrar que suas lutas vão para além das fronteiras brasileiras.
“Precisamos de uma ação internacional urgente frente ao cenário de instabilidade institucional que estamos vivendo hoje no Brasil. Um cenário promovido pelo discurso do ódio, com incidência do Executivo dentro do Legislativo, com ação ou omissão do Estado brasileiro que fomenta a invasão das terras indígenas e que enfraquece as instituições que deveriam garantir os direitos dos povos indígenas, principalmente a FUNAI, ICMbio e Ibama. As insituiçoes estão sendo desmanteladas, havendo um aumento significativo das violaçoes nas terras indigenas com avanço da mineraçao, da extraçao ilegal de madeira e com a implementaçao de grandes emprendimentos sem respeitar a biodiversidade e as especificidades dos povos indígenas”, explica Dinamam Tuxá, Coordenador executivo da APIB.
Caso CASINO: supermercados acusados de vender produtos vinculados ao desmatamento e à grilagem de terras
Em março de 2021, organizações indígenas do Brasil e da Colômbia, em conjunto com um grupo de ONGs francesas, processaram o varejista Casino, dona das marcas de supermercados Casino, na França, Pão de Açúcar, no Brasil, e Éxito, na Colômbia. As evidências apresentadas pelo grupo apontam para um padrão de produtos vinculados ao desmatamento e grilagem de terras no Brasil e na Colômbia.
“Estamos fazendo uma ação sobre o caso Casino pois, segundo tem se demonstrado, faz aquisição de produtos oriundos do desmatamento e dos conflitos socioambientais. Esses grandes grupos que adquirem commodities no Brasil devem respeitar os princípios de rastreabilidade, pois muitos desses produtos estão vindo de áreas de conflito socioambiental, fomentam o desmatamento na Amazônia e acabam violando os direitos dos povos indígenas”, afirma Dinamam Tuxá.
A lei de importação de commodities de risco florestal (FERC) precisa ser melhorada para evitar graves impactos socioambientais
A proposta de Lei sobre importação de produtos com risco florestal (FERC, Regulation on deforestation-free products), lançada em novembro de 2021 e que vai ser debatida e votada pela União Europeia, impacta diretamente na segurança das terras indígenas e dos biomas que estes povos protegem. O regulamento terá que definir uma data na qual passará a ser proibido comercializar produtos que tenham provas de desmatamento ilegal nas cadeias produtivas dos produtos de risco.
A lei prevê regulações sobre commodities (carne, couro, madeira e outros produtos) oriundas do desmatamento e/ou da degradação florestal, porém ainda apresenta brechas já que não reconhece produtos minerários, soja e carne congelada. Além disso, a lei reconhece como commodities de risco apenas aquelas produzidas em florestas conforme a definição da FAO que exclui ecossistemas como Cerrado, Caatinga, Pantanal, Pampas e outros. A medida, que pretende exigir dos importadores estrangeiros um monitoramento da cadeia de fornecimento, exclui uma boa parte de entornos naturais que estão sob forte risco de destruição e não consideram especificamente os impactos negativos sobre os povos indígenas que sofrem as consequências de atividades produtivas e extrativas predatórias.
Garimpo em Terras Indígenas: a luta por legalizar uma atividade predatória com os povos indígenas e com o meio ambiente
Os mecanismos europeus de regulação do mercado de ouro só consideram sob necessidade de rastreabilidade certos países com conflitos reconhecidos, entre os quais não se inclui o Brasil mesmo sendo um dos principais exportadores de ouro extraído de garimpos ilícitos em Terras Indígenas ou com impactos tanto ambientais como de saúde nos povos indígenas. No Brasil existe um descontrole da rastreabilidade da produção de ouro, segundo demonstrou um estudo realizado pelo Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais (UFMG) junto com o Ministério Público Federal. As declarações de ouro na Contribuição Financeira pela Exploração de Recursos Minerais de 2019 e 2020 demostraram que só um terço do minério correspondia com a origem declarada, sendo outro terço claramente ilícito e do último terço não foi possível constatar sua procedência.
De 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas cresceu 495%, segundo dados do Map Biomas. Mesmo tendo sido constatadas as violentas consequências da instalação de garimpos em terras indígenas, o Congresso brasileiro, pressionado pelo presidente Jair Bolsonaro, pretende legalizar tal atividade com o Projeto de Lei 191/2020. Além disso, o pacote de destruição de direitos indígenas em pauta no Congresso Nacional engrossa com a proposta do Projeto de Lei 490/2007 para paralisar as demarcações e revisar Terras Indígenas já demarcadas, e com o Projeto de Lei 510/2021 que pretende legalizar a grilagem de terras públicas, entre outras medidas que constituem uma agenda anti-indígena no Congresso Nacional para flexibilizar a estrutura de proteção legislativa aos territórios e povos indígenas.
“Vamos conversar com o Parlamento Europeu no sentido de trazer essa preocupação de instabilidade institucional no Brasil, a nossa democracia está muito fragilizada. Precisamos tentar que os países do cenário internacional intercedam no Parlamento brasileiro no intuito de pressioná-los de alguma forma para que não haja aprovação dos PEC e PLs que estão tramitando e visam a retirada de direitos. Além disso, certos acordos comerciais entre o Brasil e a União Europeia podem potencializar o desmatamento na Amazônia e, em especial, a violência contra os povos indígenas em todos os biomas brasileiros”, explica Dinamam Tuxá.
A votação do Marco Temporal e os riscos para a garantia das Terras Indígenas
Para além das ameaças legislativas, o Presidente do Brasil vem cumprindo suas ameaças: ainda em campanha em 2018 afirmou que não demarcaria nenhum milímetro de terra indígena e até agora todas as demarcações estão paralisadas. O direito de reconhecimento e demarcação de áreas tradicionalmente ocupadas por povos indígenas corre o risco de ser extinto caso a tese do PL 490, também conhecido como Marco Temporal, seja incorporada na lei pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil. Este PL é um dos principais ataques do Poder Legislativo aos direitos reconhecidos aos povos indígenas na Constituição Federal de 88 e a APIB o considera como uma “tentativa de genocídio”.
O julgamento, que se iniciou em 2021, foi adiado por terceira vez neste 5 de junho. A sessão estava prevista para o dia 23 de junho de 2022 e a APIB se preparava para ocupar Brasília e acompanhar o julgamento com o Acampamento Luta Pela Vida. (Leia mais sobre o adiamento da votação do Marco Temporal).
“Por mais que nós tomamos conhecimento de que existia a possibilidade de suspensão do julgamento da tese do marco temporal no dia 23, isso significa muita coisa para além do adiamento. Isso também é reflexo da pressão política ocasionada por essa conjuntura e por um discurso de um racismo estrutural e institucional promovido pelo executivo encabeçado pelo Presidente da República Jair Bolsonaro que nos obriga a tomar e fazer incidências dentro de um cenário internacional para impedir o avanço dessas violações. As instituições do Brasil -e isso neste momento está muito latente- estão sendo omissas e as ações que estão sendo promovidas no campo de atuação, principalmente do Legislativo e Executivo, estão principalmente focadas na retirada e na violação dos nossos direitos”, declara Dinamam Tuxá.
Objetivos da campanha de sensibilização pela Europa
O benefício da proteção dos territórios indígenas não é apenas para seus próprios povos: Terra Indígena é garantia de futuro para a humanidade. Portanto, todos devem se responsabilizar pela proteção desses territórios A relação com o território não é de propriedade, exploração, expropriação ou apropriação, mas de respeito e manejo de um bem comum, que serve a toda humanidade. Porém, essa porção fundamental para a sobrevivência dos povos indígenas e para o bem comum segue em constante ameaça. A pressão pelo desmatamento nos territórios indígena é intensa, por meio de invasões, mineração, expansão agrícola e outras atividades ilegais que ocorrem dentro dos territórios, colocando em risco a vida dos povos que ali habitam.
Temos como objetivo que a União Europeia, como grande consumidora de commodities agrícolas brasileiras e uma das maiores compradoras de ouro do Brasil:
– se responsabilize pelas suas cadeias de produção
– imponha medidas e restrições para garantir que os produtos importados pelos países europeus não contenham o sangue dos povos indígenas
– se some à luta dos povos indígenas e pressione o governo brasileiro para que estabeleça medidas emergências para eliminar o genocídio de seus povos.
Sobre a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
A APIB é a maior instância de representação do movimento indígena brasileiro e tem, desde sua criação, cumprido com seu compromisso de lutar pela garantia dos direitos constitucionais dos Povos Indígenas. Seja em âmbito nacional ou internacional, a APIB e suas sete organizações de base estão mobilizadas na proteção de territórios, comunidades e pessoas.
Os Povos Indígenas, articulados por meio de suas organizações regionais e pela APIB, buscam em todas as instâncias – nacionais e internacionais – a responsabilização dos culpados por essa destruição. Internacionalmente, a APIB, além de participar de eventos e debates climáticos, busca a responsabilização dos agentes motivadores das dinâmicas de invasão, exploração ilegal e destruição dos territórios indígenas, assim como incide no debate sobre a formulação da nova lei de importação de commodities de risco florestal (FERC). No Brasil, a APIB tem historicamente mobilizado o movimento indígena e enfrentado as políticas anti indígenas que tramitam no Supremo Tribunal Federal e na Câmara dos Deputados, conformando a linha de frente da proteção aos Povos e Terras Indígenas, e consequentemente, do meio ambiente e do futuro.
A Apib como referência nacional do movimento indígena no Brasil, aglutina as organizações regionais indígenas e nasceu com o propósito de fortalecer a união de povos, a articulação entre as diferentes regiões e organizações indígenas do país, além de mobilizar os povos e organizações indígenas contra as ameaças e agressões aos seus direitos. Nos últimos anos a Articulação e suas organizações membros têm fortalecido sua atuação e presença para a proteção dos territórios e vidas indígenas. Para proteger os territórios indígenas e garantir o respeito aos direitos constitucionais, a APIB resiste e avança em diferentes escalas.
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