A análise faz parte do dossiê Interfaces da Criminalização Indígena, uma produção do Observatório de Justiça Criminal e Povos Indígenas da APIB.
Cinco proposições legislativas relacionados ao terrorismo facilitam ou estimulam a criminalização do movimento indígena no Brasil, associando movimentos sociais à desordem, ao crime e ao terrorismo. A análise é apresentada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) no dossiê Interfaces da Criminalização Indígena, lançado nesta quinta-feira (30/03) por meio do edital “Direitos Humanos e Justiça Criminal’’ do Fundo Brasil.
O dossiê é uma produção do Observatório de Justiça Criminal e Povos Indígenas, iniciativa da APIB que promove um espaço de discussões entre pesquisadores, advogados e lideranças indígenas sobre os processos de criminalização na luta pela demarcação dos seus territórios.
Desde quando a Lei Antiterrorismo foi aprovada em 2016 (PL 13260/2016), o Brasil é alvo de críticas e preocupações de organizações internacionais. Relatores da Organização Nacional das Nações Unidas (ONU) e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos demonstram preocupação com o impacto da lei no exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais como a participação social em protestos políticos, o que representaria um risco à própria democracia.
Apesar disso, o Observatório identificou, até o começo de 2020, 70 projetos de lei que tramitavam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e buscavam restringir o direito ao protesto e ampliar as condutas que configuram atos terroristas. A maior parte deles foram propostos no primeiro ano do Governo Bolsonaro em 2019, quando 21 PLs relacionados ao terrorismo foram apresentados no legislativo.
Maurício Terena, coordenador jurídico da APIB e um dos organizadores do dossiê Interfaces da Criminalização Indígena, explica que o documento apresenta um banco de dados com os projetos normativos levantados pelo Observatório. O advogado ressalta que o relatório propõe analisar e dar visibilidade a projetos que podem ser votados nos próximos meses, devido à fase de tramitação em que se encontram no Congresso Nacional.
Entre os projetos destacados pelo documento está o PL de ações contra terroristas (1595/2019), que segundo o dossiê amplia a interpretação do que é terrorismo e não está de acordo com o direito internacional dos direitos humanos. Já o PL 732/2022 foi proposto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e adiciona na definição de terrorismo “o emprego premeditado, reiterado ou não, de ações violentas com fins políticos ou ideológicos” na Lei Antiterrorismo.
O coordenador jurídico afirma que o movimento indígena é alvo constante de perseguição de setores influentes das elites brasileiras e por isso é um dos grupos mais afetados pelos PLs analisados pelo dossiê.
“Um exemplo disso é que a alteração no PL 732 não esclarece se as ‘ações violentas’ se direcionam contra pessoas ou bens, dando margem para que as retomadas de territórios indígenas sejam classificadas como terrorismo, onde geralmente cercas e porteiras são derrubadas. Situação semelhante acontece com a proposição 7104/2014 que pretende dar exclusão de ilicitude para mortes no interior do domicílio em caso de supostas invasões, ou seja: fazendeiros e empresários que ameaçam a integridade pessoal dos povos indígenas podem apenas declarar legítima defesa”, esclarece Terena.
Além dos já citados, o dossiê Interfaces da Criminalização Indígena também evidencia outros dois projetos: o PL 272/2016 e PL 4895/2020. O primeiro também prevê alterações na Lei Antiterrorismo e insere ações como incendiar, depredar e saquear no texto. Para o Observatório, o PL é vago na conceituação das condutas, o que abre brechas para criminalizar movimentos populares.
O segundo projeto cria o crime de “intimidação violenta”, no qual a relatora — a deputada Margarete Coelho (PP-PI) — pediu que a pena seja aplicada para condutas de pessoas em movimentos sociais que protestam em defesa de direitos, garantias e liberdades constitucionais.
No relatório, o Observatório de Justiça Criminal e Povos Indígenas também apresenta uma análise da aplicação da Resolução do Conselho Nacional de Justiça em torno de homens e mulheres indígenas encarcerados na região da Amazônia Legal e um estudo sobre dinâmicas de criminalização de indígenas por meio de casos de perseguição contra as lideranças Sonia Guajajara e Almir Suruí, além de expor as faces da criminalização da mulher indígena no sistema de justiça criminal brasileiro.
Observatório de Justiça Criminal e Povos Indígenas
Criado em 2020 pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) , o Observatório de Justiça Criminal e Povos Indígenas é um espaço colaborativo de discussões e produção de conhecimento entre pesquisadores, advogados e lideranças indígenas que lutam pela garantia dos direitos dos povos indígenas do Brasil.
Confira o dossiê Interfaces da Criminalização Indígena abaixo: