O PL aguarda a análise de Lula, que tem até o dia 20 de outubro para sancionar ou vetar o projeto. Movimento indígena pede que o presidente vete totalmente o PL do genocídio
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), por meio do seu departamento jurídico, enviou um ofício ao presidente Lula em que cobra o veto total do Projeto de Lei 2903, que transforma em lei o marco temporal e legaliza crimes contra os indígenas e o meio ambiente. A organização, referência nacional do movimento indígena, afirma que o PL representa o genocídio dos povos originários e o desrespeito do Congresso Nacional as deciões do Supremo Tribunal Federal (STF).
Dia 27 de setembro, enquanto o STF decidia anular a tese por maioria de 9×2 votos, parlamentares votaram e aprovaram o Projeto de Lei na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário do Senado. Agora, o PL 2903 aguarda a análise de Lula, que tem até o próximo dia 20 de outubro para sancionar ou vetar (total ou parcialmente) o projeto.
No ofício enviado no último dia 9 de outubro, a Apib lista mais de dez argumentos pelos quais Lula deve vetar o PL. A Articulação assegura que o projeto é inconstitucional, pois prevê alteração em direitos fundamentais – como o direito originário dos povos indígenas sob as terras que tradicionalmente ocupam – previstos na Constituição Federal de 1988 por meio de Lei Ordinária, o que não é permitido pela própria Constituição.
“Registre-se que o reconhecimento do Direito Originário dos Povos Indígenas sob as Terras que tradicionalmente ocupam não é algo novo, que foi inaugurado com a Constituição Federal de 1988. Ao contrário, é uma tradição do direito brasileiro, com disposições semelhantes na primeira Lei de Terras do ano de 1850 e nas Constituições de 1934, 1937,1946 e 1967”, diz trecho do ofício também encaminhado à Casa Civil e ao Ministério dos Povos Indígenas.
Outra inconstitucionalidade apontada no documento é a exploração hídrica e mineral em Terras Indígenas sem autorização do Congresso Nacional e Consulta Prévia, Livre e Informada às comunidades afetadas. A medida é prevista pela Convenção 169 do Tratado Internacional de Direitos Humanos, do qual o Brasil faz parte.
Retrocesso ambiental e climático
Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib, alerta que a abertura de Terras Indígenas para mineração e pecuária representa um retrocesso ambiental. “Essas atividades destroem os nossos territórios, a nossa natureza, poluem as águas, aumentam o desmatamento e, consequentemente, a emissão de gases de efeito estufa. Por isso, vetar totalmente o PL 2903 representa o compromisso de Lula com os direitos indígenas, mas também com o meio ambiente e com o combate à crise climática”, afirmou Karipuna.
No artigo “Mudanças climáticas e a homologação de Terras Indígenas”, o Instituto de Pesquisa Ambiental do Amazonas (Ipam) afirma que a demarcação e a proteção dos territórios indígenas é essencial para reduzir as taxas de desmatamento.
O dossiê “Somos Todos Biomas”, resultado do cruzamento de dados realizado pela Apib em parceria com o Ipam em 2022, também reitera que as TIs são as áreas com maior biodiversidade e com vegetação mais preservadas, visto que são protegidas e manejadas pelos povos originários. O documento aponta que no Brasil 29% do território ao redor das TIs está desmatado, enquanto dentro das Terras Indígenas o desmatamento é de apenas 2%.
“O STF enterrou o marco temporal e reconheceu que os direitos territoriais indígenas estão intimamente vinculados com a preservação dos biomas brasileiros. Porém, a bancada do agronegócio no Congresso Nacional quer acelerar a crise climática e perpetuar o genocídio dos povos indígenas. Nós já estamos vivenciando isso com as enchentes e a seca de sul a norte do Brasil”, diz Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
Povos isolados e de recente contato
O Projeto de Lei 2903 também possui ameaças para os povos isolados e de recente contato. O Artigo 28 do projeto autoriza o Estado e a sociedade civil a ter contato com esses povos em caso de auxílio médico ou quando necessário “intermediar ação estatal de utilidade pública”, o que representa a flexibilização e o regresso da política de não contato.
Em nota, o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato ressalta que, desde 1987, é proibida toda e qualquer ação ou projeto desenvolvimentista em território de indígenas em isolamento voluntário.
“O Decreto no 11.226/2022 define, por exemplo, que compete a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) “garantir aos povos indígenas isolados o exercício de sua liberdade e de suas atividades tradicionais sem a obrigatoriedade de contatá-los (Artigo 2o, d)”. Por fim, no que concerne ao atendimento específico em saúde, que compete conjuntamente à SESAI/MS e à Funai elaborar, executar e avaliar os Planos de Contingência para Situações de Contato e os Planos de Contingência para Surtos e Epidemias”, diz o ofício enviado ao presidente.
Em junho de 2022, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil ajuizou no STF a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 991, que trata dos povos isolados e de recente contato. A medida foi tomada considerando as “ações e omissões” do governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), que colocaram em risco os povos indígenas isolados e de recente contato no país.
Recentemente, a Articulação solicitou ao STF, por meio da ADPF 991, a proteção imediata aos povos isolados da Terra Indígena Kawahiva, que vem sofrendo com a invasão da reserva Rooselvet no entorno da TI.
Leia o ofício na íntegra: Ofício N 207_2023 – AJUR_APIB