Foto: @giuliannemartins
Em Brasília, lideranças irão acompanhar a reunião da câmara do STF que avaliará a Lei do Genocídio Indígena no dia 5 de agosto. Ao redor do Brasil, organizações de base preparam suas manifestações
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), maior referência do movimento indígena no país, convoca lideranças e organizações indígenas e indigenistas para a mobilização na próxima segunda-feira, 5 de agosto. Um grupo acompanhará a primeira reunião da câmara de conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF), que discutirá a Lei do Genocídio Indígena (Lei 14.701/2023), na Praça dos Três Poderes, em Brasília, a partir das 14h. A mobilização é uma resposta do movimento indígena à negociação dos direitos indígenas proposta pela câmara.
Na reunião, devem participar membros do Senado, Câmara dos Deputados, Governo Federal, dois governadores e um representante da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP). O Supremo concedeu apenas seis vagas para representantes da Apib, sem considerar que a Articulação é composta por sete organizações regionais de base que representam mais de 200 povos indígenas do Brasil.
A coordenação executiva da Apib afirma que o direito ao território tradicionalmente ocupado é um direito originário que está previsto na Constituição Federal de 1988 e não pode ser negociado. “Eles são maioria e não estão interessados em defender os nossos direitos na câmara, mas nós vamos nos mobilizar ao redor do país. Iremos nos manifestar em todos os territórios, cidades e redes sociais! Nossas bases, indigenistas, organizações dos movimentos sociais, celebridades e comunicadores estarão conosco”, diz Kleber Karipuna, representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) na coordenação da Apib.
A criação da câmara de conciliação foi determinada pelo ministro Gilmar Mendes em abril. A decisão não foi avaliada pelos demais ministros da Corte e não considerou as solicitações do movimento indígena, como a suspensão dos efeitos da lei. À época, a Apib repudiou a decisão de Mendes e disse que estava sendo ignorada pelo ministro.
Reivindicações no STF
Na Corte, a Apib protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e solicitou que a Lei do Genocídio Indígena, como é conhecida, seja declarada inconstitucional e suspensa até a finalização do julgamento da ADI. Em outra ação, a Articulação solicita que todos os processos que tratam do marco temporal tenham como relator o ministro Edson Fachin, visto que ele foi responsável pelo Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que tratou da Terra Indígena (TI) Ibirama La-Klãnõ, território do povo Xokleng, e declarou o marco temporal inconstitucional em 2023.
“Essa decisão do ministro Gilmar Mendes contraria a Constituição, mas também o próprio Supremo. Nós já estamos vivendo os efeitos da Lei do Genocídio Indígena e os ministros não podem voltar atrás do que foi dito. Queremos que eles nos ouçam e não coloquem nossas vidas na mesa para negociação”, diz Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib pela Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).
Segundo o relatório “Violência contra os povos indígenas no Brasil” do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), cerca de 208 indígenas foram assassinados no país em 2023.
Este é o segundo pior resultado desde 2014, quando o Cimi começou a utilizar dados oficiais para contabilizar homicídios indígenas. O número de assassinatos em 2023 é menor apenas que o de 2020, quando 216 indígenas foram mortos. O dado também representa um aumento de 15,5% em relação a 2022 (180 assassinatos) e contrasta com a redução de 3,4% no total de homicídios no país.
Roraima (47), Mato Grosso do Sul (43) e Amazonas (36) lideram o ranking de estados com mais assassinatos indígenas, representando quase 40% dos homicídios em 26 das 27 unidades federativas. A maioria das vítimas (171) tinha entre 20 e 59 anos e eram homens (179), enquanto 29 eram mulheres.
Histórico
O marco temporal é uma tese jurídica que defende que os povos indígenas só têm direito à demarcação de suas terras tradicionais se estivessem ocupando essas terras em 5 de outubro de 1988, data da publicação da Constituição Federal do Brasil. Segundo essa tese, as terras que estavam desocupadas ou ocupadas por outras pessoas naquela data não podem ser demarcadas como terras indígenas, desconsiderando o histórico de violência enfrentado pelos povos indígenas.
Em setembro de 2023, os ministros do STF formaram maioria de votos para a derrubada da tese no judiciário e declararam a tese inconstitucional. Porém, a tese foi transformada em lei por meio da Lei 14.701, aprovada no mês de dezembro do mesmo ano. Além do marco temporal, mais sete crimes contra os povos indígenas foram legalizados.
A tese do marco temporal também está presente na PEC da Morte (Proposta de Emenda Constitucional 48), que quer alterar o Artigo 231 da Constituição Federal, fixando um marco temporal para a ocupação das terras indígenas. A PEC da Morte foi apresentada pelo senador Hiran Gonçalves (PP-RR) no dia 21 de setembro de 2023, mesmo dia em que o Supremo declarou a tese inconstitucional.
No dia 10 de julho, parlamentares da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal pediram vista coletiva à Proposta de Emenda à Constituição. A apreciação da proposta foi adiada com a promessa de ser retomada até o dia 30 de outubro para deliberação do Senado.