No ano de 2020, entre os 18 assassinatos registrados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), no contexto dos conflitos no campo, sete foram de indígenas, 39% das vítimas. Entre as 35 pessoas que sofreram tentativas de assassinato ou homicídio, 12 foram indígenas, 34% das vítimas. No que diz respeito às ameaças de morte, entre as 159 pessoas ameaçadas, 25 são indígenas, 16% das vítimas.
Esses dados revelam, de acordo com a análise presente na publicação da CPT feita pelo coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Eloy Terena, que as lideranças indígenas estão à mercê de uma violência engendrada a partir de uma postura governamental que incentiva as invasões e a exploração dos territórios. De acordo com o advogado, “importa lembrar que estamos sob a gestão do presidente Jair Bolsonaro, primeiro presidente eleito declaradamente contrário às demarcações de terras indígenas. Desde o primeiro dia de seu mandato, já no ato de posse, apresentou ao Congresso Nacional a Medida Provisória 8702, que retirava a atribuição de demarcação de terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a transferia para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), além de retirar o órgão indigenista de Estado da tutela do Ministério da Justiça. Esse último ato também foi viabilizado pelo Decreto n. 9.673/19, assim como a transferência da atribuição de regularização fundiária das terras indígenas foi viabilizada pelo Decreto n. 9.667/19”.
Há pelo menos 246 terras indígenas (TI) ainda pendentes de homologação. Os invasores de TI poderão solicitar a Declaração de Reconhecimento de Limites (DRL) à Funai e, munidos desse documento, requerer junto ao Incra, por meio de cadastro autodeclaratório, a legalização dessas áreas invadidas. Tais normas potencializam o conflito, o desmatamento e os incêndios em terras indígenas. Em 2020, como ressalta Eloy Terena, quase 800 km² de floresta foram derrubados nos três primeiros meses, um aumento de 51% em relação ao mesmo período de 2019. Um terço da devastação ocorreu em terras públicas, alvo preferencial dos grileiros. É preciso destacar que, além dos problemas estruturais causados pela não demarcação de terras indígenas e pela ausência de proteção naquelas já demarcadas, os povos e comunidades indígenas são assolados pelo avanço da pandemia da COVID-19 em todas as regiões do país. A situação se agrava diante da total inoperância e omissão do governo brasileiro em elaborar o “plano de enfrentamento da COVID-19”, determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em julho de 2020, por ocasião do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 709. Somente em março de 2021, portanto, oito meses depois, que o STF homologou parcialmente e com ressalvas a quarta versão do plano apresentado pelo governo brasileiro.
Para Eloy, “a política genocida adotada pelo presidente Jair Bolsonaro coloca em risco a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas, especialmente aqueles que vivem de forma isolada e os de recente contato. Em fevereiro, com a eleição dos novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o governo federal apresentou um pacote de pautas prioritárias. Dentre elas, inclui-se o Projeto de Lei n. 191/20, o qual ‘regulamenta o § 1º do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição para estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas’. Trata-se de abrir as terras indígenas para exploração minerária”.
Invasões a territórios atingem o dobro de famílias em 2020
Os registros da CPT dimensionam a gravidade do ataque contra os territórios originários, especialmente a partir de 2019. Nota-se que algumas modalidades de violência, como “invasão”1 e “grilagem”, sofreram exponencial crescimento. Em 2020, das 81.225 famílias vítimas de invasões, 58.327 são indígenas, 71,8%. Em 2019, essa porcentagem foi de 66,5% (26.621) e em 2018, 50,1% (14.757). Se considerado apenas o incremento das famílias indígenas impactadas, entre 2018 e 2020, o percentual é de 295%. O número total de famílias vítimas de invasões passou de 40.042 em 2019 para 81.225 em 2020. Um aumento de 102,85%. Com relação à grilagem, 2020 é igualmente superlativo, com 7.252 famílias indígenas entre um total de 19.489 (37,2%), em profundo contraste com dois anos antes, quando indígenas somaram 1.381 de 15.037 famílias, 9,2%. O Gráfico abaixo mostra a distribuição geográfica da violência “invasão” e revela a predominância da Região Norte no avanço das ocupações ilícitas de territórios originários, fato resultante da expansão acelerada, e muitas vezes ilegal, do agronegócio e da mineração na Amazônia, avalizada pelo discurso e pela prática institucional anti-indigenista do governo federal.
Fonte: CEDOC Dom Tomás Balduino – CPT – 07/04/2021
Eloy cita, ainda, o relatório técnico apresentando pela Apib, ao Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito da ADPF n. 709, que trata dos dados de desmatamento e degradação florestal retirado dos sistemas Prodes e Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em 2020, a taxa oficial do Prodes registrou 1.108.800 hectares desmatados na Amazônia legal, a maior taxa desde 2008. A alta é de 9,5% em relação ao ano passado. Com isso, os números representam um indicador do efeito das políticas ambientais do governo Bolsonaro. Segundo os dados do Prodes, o desmatamento total nas TIs da Amazônia Legal já destruiu mais de 1,6 milhão de hectares. Entre os anos de 2019 e 2020, o desmatamento nas TIs já acumulou 89.769,8 hectares. Essa perda significativa de vegetação no interior das TIs nos dois últimos anos é um indicativo grave de invasão com as finalidades de exploração ilegal dos recursos naturais e de apropriação fundiária, processos estes que podem comprometer a sobrevivência física e cultural de povos originários e, no limite, levá-los ao extermínio. Para ele, “esses são aspectos da violência que retratam o genocídio atual”.
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