Foto: Alass Derivas
Assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lembra que novo ministro do STF nunca demonstrou apreço pelos povos originários; o próprio Bolsonaro adiantou que ele deve seguir a mesma linha de Nunes Marques no julgamento do Marco Temporal

Por Mariana Franco Ramos

Como era de se esperar, líderes indígenas não receberam bem a aprovação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF). Alinhado ao agronegócio e ao presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro da Justiça e da Advocacia-Geral da União (AGU) assumiu o posto nesta quinta-feira (16) sem refutar tudo o que já fez contra os povos originários. E o histórico é longo.

“Ou seja, podemos esperar dele exatamente o que ele é e o que demonstrou ser”, resume o advogado Luiz Henrique Eloy, o Eloy Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). “É mais provável que ele siga atuando como ministro em favor da tese do Marco Temporal e contra os direitos indígenas em geral”, completou.

O que se discute na ação é se, para o reconhecimento de uma área como território indígena, é necessária a comprovação de que os indígenas ocupavam o local no momento da promulgação da Constituição de 1988. “Ele nunca demonstrou preocupação ou apreço por esse tema, pelos povos indígenas, e em suas atuações sequer rebateu com consistência os argumentos apresentados”, comentou Terena.

MINISTRO TEVE APOIO MACIÇO DA BANCADA RURALISTA

Após a sabatina no dia 1º, Mendonça recebeu 47 votos favoráveis e 32 contrários dos senadores. Apesar de a votação ser fechada, é possível afirmar, pelos posicionamentos públicos, que a maioria dos parlamentares favoráveis a ele integra a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), braço institucional da bancada ruralista, ou é alinhado a ela, como mostrou reportagem do observatório: “Inimigo dos indígenas e alinhado ao agronegócio: quem é o novo ministro do STF“.

Em outubro, Bolsonaro adiantou, durante café da manhã com membros da FPA, que o novo ministro deve atuar de forma coordenada com Nunes Marques, outro indicado por ele e que foi favorável à tese, em oposição ao relator do caso, Edson Fachin. “Essas pautas ele (Nunes Marques) está conosco, tanto é que  ele empatou o jogo com o Fachin, 1 a 1, no Marco Temporal”, disse. “O André Mendonça, uma vez aprovado pelo Senado, vai na mesma linha”.

Bolsonaro quer ainda no STF pelo menos mais dois ministros alinhados aos interesses da bancada ruralista.

NA AGU, ATUAÇÃO ENFRAQUECEU MINORIA JÁ VILIPENDIADA HÁ ANOS

No ano passado, a série Esplanada da Morte, sobre a necropolítica de Bolsonaro e sua implicação no genocídio em curso, lembrou que o novo membro do Supremo foi responsável por tocar uma política de omissão em relação aos direitos indígenas e de inoperância quando o assunto é a pandemia de Covid-19. O descaso passa pela falta de compromisso com a proteção dos territórios.

O caso levou a Apib e seis partidos políticos (PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT) a entrarem com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 709) no STF. O documento denunciava a omissão e as falhas da União e demandava a elaboração de um plano emergencial para o controle da pandemia nas terras indígenas. “Lamentavelmente, o Estado brasileiro vem falhando gravemente no seu dever de proteger a saúde dos povos indígenas diante da Covid-19, gerando o risco de extermínio de muitos grupos étnicos”, dizia a ação.

O pedido liminar foi parcialmente aceito pelo relator, Luís Roberto Barroso, que obrigou o governo federal a apresentar uma série de medidas para enfrentar a situação. “Lembremos que a AGU vem tendo papel fundamental na ADPF 709”, destaca o advogado. “E, como de praxe, para enfraquecer a mesma minoria que vem sendo vilipendiada há anos. “André Mendonça na questão indígena tem um passado de atuação forte contra os indígenas, contra a Constituição de 1988”.

Na opinião de Eloy Terena, surpresa vai ser se Mendonça se der por suspeito ou mudar suas antigas posições “de servidão” ao governo:

— Na sabatina, ele disse que terá o gabinete aberto aos senadores. Terá também o gabinete aberto aos indígenas? Mas não só para recepções em que ele pose para fotos. Audiências em que leve a sério os argumentos que vêm sendo apresentados pelos indígenas no STF. Porque como AGU ele não foi apenas surdo aos argumentos, ele atuou contra. Será diferente na posição de ministro?

Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |