DEPUTADOS LEGALIZAM O ROUBO DE TERRAS E MOVIMENTO INDÍGENA SEGUE NA LUTA POR DIREITOS

DEPUTADOS LEGALIZAM O ROUBO DE TERRAS E MOVIMENTO INDÍGENA SEGUE NA LUTA POR DIREITOS

No início da noite desta terça-feira (03 de agosto), deputados ligados ao agronegócio e à base do governo Bolsonaro, aprovaram o Projeto de Lei 2633, conhecido como PL da Grilagem. A proposta votada aumenta a violência contra povos indígenas, quilombolas e agricultores familiares e não foi apresentada anteriormente à sociedade civil, postura típica de regimes antidemocráticos. Agora, o projeto segue para votação no Senado e o movimento indígena continua na luta por direitos.

A justificativa apresentada para a aprovação deste Projeto de Lei seria a necessidade de regulamentar terras para pequenos agricultores. Entretanto, o Brasil já dispõe de políticas para reforma agrária e destinação de terras que precisam apenas ser implementadas de forma efetiva. O fato é que o texto aprovado, legaliza o ilegal: regulariza terras apropriadas de maneira criminosa, em processos que muitas vezes incluem atos violentos contra povos indígenas e comunidades tradicionais.

Grilagem, para quem não conhece a expressão, é o nome dado à invasão, ocupação e comércio ilegal de áreas públicas. É esse tipo de ato que o Projeto de Lei aprovado ontem legaliza no Brasil. A prática está ligada ao desmatamento e à destruição da biodiversidade e ameaça diretamente povos originários que ocupam tradicionalmente as terras usurpadas pelos grileiros.

Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), cerca de 30% dos desmatamentos e queimadas na Amazônia ocorreram em terras públicas não destinadas, que foram possivelmente alvo de grilagem. Ainda, estudos do Imazon estimam que caso o PL 2633 entre em vigor como lei, poderá ocasionar um desmatamento adicional de até 16 mil quilômetros quadrados, área quase 3 vezes o tamanho do Distrito Federal.

O roubo de terra pública não é novidade no Brasil. O que é inédito é que o Poder Público, que deveria zelar pelo bem comum, resolva descaradamente premiar ladrões e usurpadores com a regularização da terra fruto de roubo. Esta aberração ética e jurídica coloca nossas florestas, nossa biodiversidade e os povos que delas dependem – especialmente os povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares – de joelhos frente à violência que são típica dos processos de invasão e apropriação ilegal de terras.

No momento em que o mundo todo discute formas de manter as florestas em pé como uma solução para as mudanças climáticas, o governo brasileiro segue “passando a boiada”, abrindo caminho para o aumento das taxas de desmatamento, o que vai contra seus próprios compromissos para zerar o desmatamento ilegal.

Os povos indígenas manifestam seu repúdio frente a este absurdo e irresponsável sinal emanado daquela que se auto-nomeia “Casa do Povo”. Com a aprovação deste projeto, a Câmara demonstra que está se convertendo na casa dos ruralistas, dos desmatadores, dos grileiros – de todos estes, menos do povo.

Vida é luta!

Vida é luta!

Vida é luta!
Nota da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Brasília 23 de junho de 2021

Lutamos com nossas rezas e cantos. Os nossos escudos são os maracás e nossa ancestralidade. O Governo recebe os ruralistas pela porta da frente e os indígenas com bomba de gás, spray de pimenta, balas de borracha, tropa de choque e ódio!

Em meio a pandemia da Covid-19, decidimos mobilizar o Levante pela Terra, em Brasília, e impedir o avanço da agenda anti-indígena do Governo Federal. Pela primeira vez na história um presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) fecha o diálogo e reprime com a polícia o movimento indígena, na capital federal.

Estamos atentos ao Projeto de Lei 490, que está na pauta de votação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Uma proposta inconstitucional que pode acabar com as demarcações de Terras Indígenas. Desde o dia 8 de junho estamos realizando manifestações contra a votação do PL, nos arredores do Congresso, mas ontem (22) nossa mobilização foi reprimida pela polícia em mais uma tentativa de calar nossas vozes.

A Constituição Federal de 1988 está sendo rasgada para violar nossos direitos e ampliar os ataques ambientais. Decidimos lutar até o fim para garantir, não apenas o futuro dos povos indígenas, mas também o futuro da humanidade.

Sabemos que os ataques não irão parar e que não temos o privilégio de parar de lutar. Seguiremos na capital federal balançando nossos maracás para que o mundo inteiro saiba da importância das nossas vidas até o último indígena.

Não temos escolha ou morremos com o vírus ou somos massacrados pela política de morte do Governo. Não podemos sofrer tantas violências sem reagir. Estamos nessa luta pela vida e por isso seguimos gritamos: Sangue indígena nenhuma gota mais!

Pela vida e continuidade histórica dos nossos povos, “Diga ao povo que Avance”.

Articulação dos Indígenas do Brasil
Organizações regionais de base da Apib:
APOINME – Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
ARPIN SUDESTE – Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste
ARPINSUL – Articulação dos Povos Indígenas do Sul
ATY GUASU – Grande Assembléia do povo Guarani
Comissão Guarani Yvyrupa
Conselho do Povo Terena
COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira

STF decide retirar invasores das Terras Indígenas Yanomami e Munduruku

STF decide retirar invasores das Terras Indígenas Yanomami e Munduruku

O ministro do Supremo Tribunal Federal (SFT) Luís Roberto Barroso ordenou, nesta segunda-feira (24), que o Governo Federal retire os invasores das Terras Indígenas Yanomami (Roraima) e Munduruku (Pará). A decisão, feita em caráter liminar, atendeu de forma parcial o pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), dia 19 de maio, de expulsão de invasores dos territórios para evitar novo genocídio indígena devido o agravamento da violência causada, principalmente, pela atividade de garimpos ilegais nas regioes.

Em trecho da decisão o ministro determina “à União a adoção imediata de todas as medidas necessárias à proteção da vida, da saúde e da segurança das populações indígenas que habitam as TIs Yanomami e Munduruku, diante da ameaça de ataques violentos e da presença de invasores, devendo destacar todo o efetivo necessário a tal fim e permanecer no local enquanto presente tal risco.”

Leia a íntegra da decisão do ministro Barroso aqui.

O pedido da Apib foi protocolado nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, protocolada em 2020. A nova petição exige a retirada de invasores de sete terras indígenas em situação de intenso conflito com muitos crimes. Além das TIs Yanomami e Munduruku, que foram alvo da recente decisão do STF, os demais territórios que a Apib exige a saída de invasores são: TI Araribóia (Maranhão), T.I. Karipuna (Rondônia), T.I. Kayapó (Pará), T.I. Trincheira Bacajá (Pará), T.I. Uru-Eu-Wau-Wau (Rondônia).

A ADPF 709 reivindica uma série de medidas emergenciais para proteger os povos indígenas durante a pandemia da Covid-19. Em agosto de 2020, por unanimidade os ministros do STF acataram pedido da Apib e determinaram que governo federal adotasse medidas para conter o avanço da doença entre indígenas.

Trechos da decisão de Barroso:

i) há um plano de isolamento e contenção apresentado pela PF em autos sigilosos (“Na medida em que as operações forem realizadas, a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República apresentarão relatórios, que serão disponibilizados pelo Juízo no âmbito da ADPF 709 e que permitirão uma avaliação crítica das medidas implementadas e o aperfeiçoamento das operações. O Plano 7 Terras Indígenas pode constituir o início do processo de desintrusão de invasores, se executado com seriedade pela União”);

ii) União deve enviar efetivo suficiente para assegurar proteção dos Yanomami e Mdk;

iii) União não deve divulgar nenhuma informação que comprometa operações (ou seja, vão acontecer);

iv) a decisão autoriza queimar tudo que seja instrumento de crime (bom precedente para os casos em que isso acontece – “providência cautelar amparada pelos arts. 25 e 72, V, da Lei 9.605/1998 e pelos arts. 101, I, e do Decreto 6.514/2008”).

Nota conjunta do Conselho do Povo Terena e Aty Guasu Kaiowá Guarani em apoio a Sonia Guajajara

Nota conjunta do Conselho do Povo Terena e Aty Guasu Kaiowá Guarani em apoio a Sonia Guajajara

O Conselho do Povo Terena e Aty Guasu Kaiowá Guarani, ambas organizações indígenas base da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) no estado de Mato Grosso do Sul, vem à público, manifestar repúdio e profundo desprezo à carta do grupo intitulado “agricultores e produtores indígenas”, publicada no dia 29 de março do corrente ano, no site da Fundação Nacional do Índio (Funai), proferindo ataques e inverdades contra à coordenadora executiva da APIB, Sonia Guajajara.

Sob o pretexto de buscar o “progresso para as comunidades indígenas”, as ditas lideranças se alinham à dimensão mais sórdida do conservadorismo e autoritarismo no país, atacando a mais importante organização indígena, que neste contexto pandêmico, vem fazendo o enfrentamento necessário na defesa da vida dos povos indígenas.

A história não perdoará os traidores do seu próprio povo!

No momento em que nossos territórios são assolados por invasores criminosos, nossas crianças e mulheres vítimas de violências e o processo de criminalização recrudesce contra as lideranças indígenas; encontramos entre nossos parentes, aqueles que querem o lucro a todo custo, se alinhando aos interesses do capital.

Se no passado, os mesmos se contentaram com “espelhos e badulaques”, hoje são capazes de negociar a própria mãe, sua terra.

Manifestamos nosso apoio irrestrito à coordenadora Sonia Guajajara e saudamos sua luta. Pois, enquanto liderança, abraçou o Brasil indígena e tem dedicado a sua vida em defesa daqueles que mais precisam.

Nós, Terena, Guarani e Kaiowá, somos mais de 70 mil indígenas e reafirmamos nosso compromisso de seguir junto com a APIB na luta pelos nossos direitos.

A luta pela mãe terra nunca foi fácil. Mas este é o legado que queremos deixar para as futuras gerações.

Assinam a carta:

Aty Guasu Kaiowá Guarani
Aty Jovem (RAJ)
Kunãngue Aty Guasu
Conselho do Povo Terena
Comissão da Juventude Terena
Comissão das Mulheres Terena
Fórum de Educação Escolar Indígena

Manifesto dos Laklano-Xokleng ao povo de Nova Veneza

Manifesto dos Laklano-Xokleng ao povo de Nova Veneza

Somos o povo indígena Laklano-Xokleng e formamos, juntos as demais 305 etnias que vivem no Estado Brasileiro um grupo de perto de um milhão de humanos. Sempre vale lembrar que antes da invasão de 1492 éramos mais de mil etnias e mais de cinco milhões de seres humanos. Somos nós, agora, os Laklano Xokleng, quem escreve ao povo de Nova Veneza. Sim! Queremos falar com vocês, novos venezianos.

Vocês que vivem nessa bonita cidade tinham conhecimento de que, em vosso nome, as autoridades municipais, eleitas por vocês, se ocuparam de homenagear em praça pública um assassino? Acreditamos que não! Pois temos certeza de que se soubessem não permitiriam tal homenagem.

Qualquer homem, mulher e até mesmo criança de Nova Veneza iria se indignar se soubesse de tal homenagem. Mas, ainda que não saibam, ela se deu. E é algo assim como se o Estado de Israel, que abriga hoje os judeus, homenageasse o assassino Adolf Hitler, nomeando uma cidade, estrada ou praça com o nome dele.

Nosso coração se encheu de tristeza ao saber dessa praça que leva o nome de um matador da nossa gente: Natale Coral. Um homem que comandou grupos que violaram mulheres, mataram crianças, despedaçaram homens e lhes cortaram as orelhas para fazer colar. Não. O povo de Nova Veneza não pode compactuar com esse crime, que volta a se repetir nessa homenagem.

Na cidade existe uma lei, bem clara, sobre quem pode ser homenageado. É a lei N.º 1.972, de 25 de setembro de 2009 aprovada pelos vereadores de Nova Veneza que determina:

§ 1º – Somente será permitida a adoção de denominação de pessoas falecidas nos seguintes casos:

a) – de pessoas residentes em Nova Veneza, desde que tenham, quando em vida, participado de entidades e movimentos comunitários ou que tenham sido pessoas beneméritas, ou que tenham colaborado, efetivamente, para o engrandecimento deste município.

Nós, os Laklãnõ-Xokleng perguntamos: um assassino de homens, mulheres, velhos e crianças é alguém que engrandeceu Nova Veneza? Se isso foi considerado legítimo nos tempos passados, há muito que deixou de ser. O genocídio indígena não é algo para se celebrar.

A gente cristã de Nova Veneza acharia justo homenagear Pôncio Pilatos? Acharia legítima uma praça com o nome de Mussolini, ou com o nome dos assassinos de Jesus, homem santo que chamam de deus?

Pois sabendo que não fariam isso nós viemos pedir que não permitam que o município venha a homenagear qualquer um que tenha na sua biografia o assassinato de homens, mulheres, crianças e velhos, inocentes e indefesos. Exijam a mudança do nome. Unam-se à nossa voz que clama.

Nós, os Laklano Xokleng, que ainda resistimos, apesar de todos os crimes, assassinatos e violações, há muito tempo aceitamos a paz. Já perdoamos os migrantes que vieram para essa terra, muitos deles enganados, e tomaram o nosso mundo. Perdoamos, mas não esquecemos. Todos os brasileiros têm direito à memória, à verdade e à justiça! Basta de homenagear aqueles que são responsáveis pela dor do próximo.

Exigimos a retirada de qualquer homenagem aos assassinos de indígenas na cidade de Nova Veneza.

Exigimos homenagem aos que foram assassinados e ao nosso povo Laklãnõ-Xokleng!

Anexamos o documento histórico elaborado pelo cidadão de Nova Veneza, consciente dos crimes de Natale Coral, professor Dr. Waldir Rampinelli, para que todos saibam ao que estamos nos referindo.

Paz entre nós! Guerra aos injustos!

Pela vida de todos os povos indígenas do Amazonas: vacinação para todos!

Pela vida de todos os povos indígenas do Amazonas: vacinação para todos!

Acesse o documento encaminhado ao Ministério Público Federal com mais de 3 mil assinaturas aqui

Nós, abaixo assinados, oriundos de 65 povos indígenas do Amazonas, exigimos a vacinação contra a covid-19 para todos os povos indígenas do estado, inclusive o povo Warao.

Manifestamos nossas preocupações com relação às decisões do governo federal no Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19 e também no Plano Estadual de Imunização. Nos dois Planos estão explícitos que entre os grupos prioritários de imunização estão os povos indígenas aldeados atendidos pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, num total de 410.348 indivíduos, excluindo claramente os indígenas denominados pelo governo de não aldeados.

Ressaltamos que, nós, indígenas que vivemos fora de nossas aldeias/comunidades somos vistos pelo Estado como uma espécie de desertores étnicos, como se tivéssemos desistido da nossa identidade ancestral e aderido a uma nova identidade da cidade, como se tivéssemos escolhido não ter mais os nossos direitos enquanto indígenas.

É assim que sentimos a omissão do Estado em nos prestar uma atenção diferenciada à saúde que considere e respeite as nossas especificidades étnicas, culturais e sociais.

Lembramos que, dos 896,9 mil indígenas recenseados pelo IBGE em 2010, 517.383 mil (57,7%) vivem em terras indígenas (TIs) e 379.535 mil, ou seja, 42,3%, vivem fora das terras indígenas, nas cidades ou na zona rural em TIs que estão nas primeiras etapas do procedimento administrativo de demarcação.

Para nós, povos indígenas do Amazonas, foram e ainda são gigantescos os desafios para gar- antir o isolamento social e o cumprimento da quarentena, por conta, principalmente, de aspectos sociais e culturais muito fortes na nossa convivência comunitária. Fora isso, existem dados científicos mostrando que doenças infecciosas introduzidas em nossas comunidades indígenas se espalham rapidamente atingindo grande parte dos nossos parentes, como acontece com a gripe, sarampo, catapora, e agora com a Covid-19, além de outras que já vitimaram centenas de indígenas.

Temos acompanhando de perto os efeitos da pandemia do novo coronavírus nos territórios indígenas. Está sendo alto o número de infectados e mortos, fazendo com que as consequências sejam ainda mais graves provocando a desestruturação das culturas e até o risco de extinção de alguns povos que possuem um número reduzido de pessoas.

Lembramos, ainda, que os povos indígenas possuem alta vulnerabilidade epidemiológica e san- itária, por isso aqueles que vivem em cidades acabam sendo muito mais expostos à contami- nação tornando-os mais suscetíveis a contraírem a Covid-19, principalmente por ser uma doença respiratória de fácil disseminação. O que requer tratamento diferenciado na oferta da saúde pública, tanto que na Lei no 14.021/2020 os povos indígenas foram incluídos no grupo de risco desta pandemia, necessitando de cuidados e atenção específica e prioritária pelos órgãos de saúde pública.

Os dados coletados e divulgados pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) nos mostram a gravidade dos efeitos da pandemia entre os povos indígenas do Amazonas: até o dia 14 de janeiro deste ano, foram registrados 8.137 indígenas infectados, dos quais 229 vieram à óbito, afetando 37 povos indígenas do estado. Sabemos que fora esses dados, existem muitos indígenas afetados que não estão em nenhum registro, ou seja, esse número pode ser ainda maior, lamentavelmente.

Diante desses dados é importante, ainda, alertar que a taxa de mortalidade entre os povos indígenas é maior que o restante da população brasileira, tanto pelos motivos acima indicados quanto pela falta de uma resposta rápida para a prevenção, assim como para os cuidados ime- diatos daqueles infectados nos lugares mais longínquos do país pelos órgãos de saúde pública do Estado Brasileiro.

Desta forma, estamos muito preocupados com o Plano de Vacinação contra a Covid-19 apresentado pelo governo federal no dia 10 de dezembro de 2020, que exclui mais de 50% da população indígena de todo o país que vive fora das terras indígenas demarcadas, sejam nas cidades ou nas áreas em processo de regularização fundiária.

Esta decisão política do governo federal, que é seguida pelo governo do Amazonas, pode deixar à míngua milhares de indígenas que poderão ser acometidos por esse terrível vírus, dessa forma:

Considerando que, os impactos da pandemia não são iguais para todas as pessoas e grupos sociais presentes na sociedade brasileira, alguns como os povos indígenas, com maior vulner- abilidade socioeconômica: condições precárias de moradia, falta de acesso à água e saneamento básico, falta de acesso ou acesso precário ao sistema de saúde e a leitos de tratamento intensivo; e organização política, social e de sobrevivência peculiares: vivendo em comunidades/aldeias, em centros urbanos ou mesmo em acampamentos;

Considerando, ainda, os resultados dos estudos técnicos feitos pelo Núcleo de Métodos Analíti- cos para Vigilância Epidemiológica do PROCC/Fiocruz e EMAp/FGV e pelo Grupo de Tra- balho sobre Vulnerabilidade Sociodemográfica e Epidemiológica dos Povos Indígenas no Bra- sil à Pandemia de COVID-19 de maio de 2020, em que nos apresenta que: “A população indígena urbana reside majoritariamente em municípios com alto risco para COVID-19, total- izando 227.128 (70%) indígenas nessa situação. Corresponde a 82,7%, 71,9%, 65,3% e 56% da população indígena urbana nas regiões Sul-Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Amazônia Legal, respectivamente”;

Considerando, também, os estudos divulgados nesta sexta-feira (15) no periódico científico The Lancet Respiratory Medicine, uma das revistas mais prestigiadas do mundo, sobre os resultados de uma análise retrospectiva das 254.288 hospitalizações de pacientes com mais de 20 anos com diagnóstico de covid-19 no Brasil, entre 16 de fevereiro e 15 de agosto de 2020, onde foi observado que “na Região Norte os doentes chegaram mais graves. Eles tinham mais hipox- emia, mais estresse respiratório. O tempo entre dar entrada no hospital até a morte na Região Norte foi de sete dias; nas outras regiões, 10 a 12 dias. Além disso, quem foi internado em UTI na região Norte, teve uma mortalidade de 79%. No Sudeste, o mesmo número foi de 49%. A mortalidade geral de quem foi hospitalizado foi de 50% na região Norte e de 34% no Sudeste”. Ou seja, os pacientes infectados com a Covid-19 da região Norte têm maior probabilidade de vir a óbito que nas demais regiões do país;

Considerando, por fim, a estrutura e gestão da saúde no estado do Amazonas que não suporta e nem está preparada para salvar vidas a contento, como visto mundialmente na semana do dia 11 a 16 de janeiro, deste ano.

Vimos apresentar a nossa preocupação veemente com o pico da pandemia no Amazonas ini- ciada de forma drástica na cidade de Manaus, com a presença de uma variante mutante do coronavírus com maior índice de transmissibilidade, e que está se alastrando para o interior do estado, assim como para todo o Brasil e fora dele, afetando principalmente os mais vulneráveis, entre estes os povos indígenas.

EXIGIMOS ao Poder Executivo Municipal, Estadual e Federal que todos os povos indígenas do Amazonas entrem nos grupos prioritários de imunização contra a Covid-19 no estado, efeti- vando desta forma, os nossos direitos constitucionais.

Não são números, são vidas!

Não são números, são vidas!

FPCONDISE nao reconhece falhas da SESAI na atuação durante a pandemia

A COIAB vem a público se manifestar sobre a carta veiculada pelo Fórum de Presidentes do Conselho Distrital de Saúde Indígena (FPCONDISI) em dezembro de 2020. Infelizmente, nela o FPCONDISI não reconhece as falhas da atuação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) no contexto da pandemia da Covid-19, demonstrando incoerência diante de sua função original, que é a de estabelecer as diretrizes e fiscalizar a execução das ações de saúde no território de abrangência dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs).

Nesse contexto de forte ataque a nós e aos nossos diretos pelo governo atual, o ataque do FPCONDISE a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em uma tentativa de deslegitimar a efetiva atuação da organização junto às suas bases, da qual a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e sua rede de organizações faz parte, é estarrecedor.

Entendemos a relevância da atuação do FPCONDISI, reconhecendo as vitórias alcançadas com a participação dos parentes indígenas que compõem essa instância de controle social. A ocupação desse espaço implica na responsabilidade de representar os povos indígenas e para isso devem estar em constante diálogo com os seus representados, as lideranças das comunidades, e alinhamento com o movimento indígena, abertos as críticas que possam surgir dele. Tendo esse norte, ressaltamos a importância do diálogo franco e respeitoso, com o compromisso de alinhamento de ideias e ações que fortaleçam a luta pela garantia de nossos direitos.

É de fundamental importância que todos nós, povos indígenas, e as nossas organizações (APIB, COIAB e as demais que fazem parte da base), continuemos atentos a toda e qualquer ameaça aos nossos direitos fundamentais, dialogando, nos posicionando e agindo juntos e articulados para defender a nossa existência e a de nossos territórios. Trabalhamos muito em nossas bases e atuamos também junto aos poderes legislativo (por meio do Gabinete da Deputada Joenia Wapichana) e judiciário (com julgamento da ADPF 709 favorável à melhoria das condições de atendimento à saúde dos povos indígenas), além de mobilizar apoio para atender e minimizar os impactos da Covid entre nós.

Junto com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), as organizações estaduais, organizações regionais e lideranças indígenas participantes de diversos espaços de controle social, continuaremos a fazer a nossa parte, mobilizando e denunciando sempre que for preciso, pois estamos comprometidos com a defesa de nossos direitos.

Não são números, são vidas!

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
Manaus (AM), 24 de dezembro de 2020.

Vidas e terras indígenas importam!

Vidas e terras indígenas importam!

Nota da APIB e da Amazon Watch à Anglo American sobre mineração em terras indígenas e ameaças ao território Munduruku

Nós da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), juntamente com a Amazon Watch, revelamos, em outubro deste ano, em nosso relatório Cumplicidade na Destruição III, a pressão que grandes mineradoras têm exercido sobre as terras indígenas, alimentadas pelo discurso de Bolsonaro para abertura dos territórios indígenas para mineração. Entre os casos apresentados, destacamos as centenas de requerimentos para realização de pesquisa mineral da Anglo American que se sobrepunham a terras indígenas (TIs), com destaque aos pedidos recentes que incidiam sobre o território do Povo Munduruku.

Na última semana, a Assembleia da Resistência do Povo Munduruku se reuniu para discutir as urgentes ameaças ao território e definir estratégias de luta. Com a presença de 200 participantes de 47 aldeias, a Assembleia resultou em uma contundente declaração que exige o reconhecimento dos direitos dos Munduruku à vida e ao território. Dentre as ameaças enumeradas pelos Munduruku, está também a mineração, que se apresenta pelo imenso impacto dos garimpos ilegais, e pela presença de grandes mineradoras sobre seu território, como a Anglo American.

“No médio Tapajós há um aumento do número de balsas de soja; gás; petróleo; projeto de mais portos graneleiros (estação de transbordo); projetos de ferrovia; EF170 conhecida como ferrogrão; avanço dos madeireiros e palmiteiros; número crescente de escariantes no porto bubure (balsas para o garimpo ilegal); as empresas Anglo American e Black Rock patrocinando essa destruição.

(…) Isso pode piorar com a aprovação do PL da morte (projeto de lei 191). Nós, a maioria do povo Munduruku, somos contra este projeto de lei, queremos nosso território livre de mineração, da garimpagem e de todos os empreendimentos que causam destruição e impacto ambiental e social, tudo que é prejudicial ao modo de vida das populações indígenas.”, afirmam os Munduruku na carta.

Sendo assim, faz-se importante vir a público reafirmar nosso compromisso com a defesa do território Munduruku e esclarecer as informações enviadas pela empresa acerca dos requerimentos mencionados.

Recebemos a resposta da Anglo American de que havia desistido de todos os pedidos de exploração mineral em áreas localizadas em terras indígenas no Brasil, e que estaria em contato com a Agência Nacional de Mineração (ANM) para atualizar os registros da Agência. Portanto, nos causou preocupação e indignação a recente notícia veiculada pelo InfoAmazônia, pelo projeto Amazônia Minada, do dia 26 de novembro de 2020, no qual consta 27 permissões da ANM para a Anglo American pesquisar cobre em terras indígenas dos estados do Mato Grosso e do Pará, com destaque à TI Sawré Muybu (Pimental), no sudeste do Pará, com 13 pedidos autorizados. O levantamento considerou apenas os requerimentos que estavam válidos em 10 de novembro de 2020, o que aponta para a necessidade de esclarecer as razões pelas quais os registros públicos ainda não refletem as afirmações da empresa.

A Anglo American também afirmou, em sua resposta ao Business and Human Rights Resource Center sobre as informações trazidas pelo nosso relatório, que não tem planos de realizar quaisquer atividades relacionadas à mineração em terras indígenas no Brasil e que quaisquer atividades minerárias seguem o princípio de consentimento livre, prévio e informado das comunidades afetadas, independente de possíveis mudanças na legislação local.

Ainda que seja importante o compromisso reafirmado pela Anglo American sobre a necessidade de consentimento prévio das comunidades afetadas, é importante lembrar que ainda não há respaldo legal para a exploração mineral em terras indígenas, protegidas pela Constituição brasileira, e que as atuais tentativas de alterar este marco regulatório representam uma grande ameaça aos direitos dos povos indígenas, à integridade de seus territórios – principais barreiras contra o desmatamento e a degradação dos biomas brasileiros – e ao equilíbrio ecológico e climático resultante da proteção das terras indígenas.

Apesar da importância dos processos de consulta e consentimento, eles podem ser marcadamente assimétricos e desfavoráveis às comunidades indígenas, e não podem substituir a garantia constitucional de proteção das terras indígenas de atividades com elevado potencial de degradação, como a mineração.

Portanto, convidamos a Anglo American a ir além e assumir um compromisso público de não realizar atividades minerárias em terras indígenas no Brasil, independente das mudanças da legislação brasileira, em linha com seus compromissos de direitos humanos e proteção da biodiversidade, em especial a Declaração de Posicionamento do ICMM sobre Mineração e Áreas Protegidas.

Sangue Indígena: nenhuma gota a mais!

STF suspende reintegração de posse de área integrada à demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença

STF suspende reintegração de posse de área integrada à demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença

Por Assessoria de Comunicação – Apib, Apoinme e Cimi

O ministro Ricardo Lewandowski suspendeu, nesta sexta-feira (18), uma reintegração de posse determinada pela Justiça Federal da Bahia de uma área denominada Loteamento Canto das Águas sobreposta à Terra Indígena Tupinambá de Olivença. O ministro atendeu à Reclamação Constitucional ingressada no Supremo Tribunal Federal (STF) pela assessoria jurídica do Conselho Indigenista Missionário.

A Justiça Federal de Ilhéus determinou, no início deste mês, a reintegração da área composta por 30 lotes sobrepostos à aldeia Cajueiro e explorados pela Ilhéus Empreendimentos S/A para o mercado imobiliário de luxo e turístico.

A íntegra da decisão do ministro Lewandowski ainda não foi publicada, mas a reintegração contraria determinação do STF, que suspendeu quaisquer ações de reintegração de posse enquanto durar a pandemia. A decisão do ministro Edson Fachin foi proferida no dia 6 de maio como apêndice do processo de Recurso Extraordinário 1.017.365/SC.

De acordo com os Tupinambá, 52,8% do loteamento está inserido em terras tradicionalmente ocupadas. A informação tem como base os estudos técnicos necessários à demarcação, que estão finalizados e aprovados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) – aguardam apenas a publicação da portaria declaratória.

Caciques e lideranças Tupinambá divulgaram uma carta onde pediram a suspensão da reintegração de posse, detalharam a ocupação tradicional, que não teve início este ano, mas bem antes, e denunciam os abusos e violações de direitos que baseiam a decisão assinada pela juíza substituta Letícia Daniele Bossonario.

“Nossa ocupação vem desde 2013. A especulação imobiliária vem da área Norte fazendo loteamento na área de mangue. Nosso povo ocupa a parte do litoral, o lado Sul, a da praia, onde os mangues estão preservados. Não é verdade que chegamos aqui em agosto deste ano”, explica o cacique Val Tupinambá.

O mangue é utilizado por todas as aldeias da Terra Indígena, da mata ao litoral, enfatiza o cacique Val. No caso específico da reintegração, o impacto é direto ainda sobre 70 famílias Tupinambá da aldeia Cajueiro. Outras 196 famílias da aldeia Acuípe de Baixo e 16 da aldeia Lagoa do Babaço também serão impactadas em caso de reintegração.

A liderança indígena explica que a área sob litígio e parte integrante da demarcação da Terra Indígena está preservada, utilizada de forma sustentável por marisqueiras e pescadoras, impactando assim a subsistência e a territorialidade do povo, além de rituais específicos, como o da lua cheia. “É uma área de sustento, de manutenção da vida”, diz.

Funai age contra
Mais uma vez, agora neste caso Tupinambá, a Funai de Ilhéus se posicionou contra os direitos indígenas. A postura se adeque à direção do órgão em Brasília que tenta tornar mais sugestiva a posse dos bens públicos, de usufruto exclusivo dos povos indígenas, por fazendeiros, grileiros, mineradoras, empreendimentos imobiliários.

Em informação técnica juntada ao processo, a Funai de Ilhéus, coordenada pelo ex-delegado da Polícia Federal Josafá Batista Reis, afirmou que a Instrução Normativa nº 9 permite a certificação privada em áreas com procedimentos não finalizados.

O órgão já havia atuado de modo a acomodar interesses privados sobre territórios indígenas no final de agosto deste ano, quando uma reintegração de posse havia sido imposta à aldeia Novos Guerreiros, Terra Indígena Ponta Grande, em Porto Seguro, mas acabou derrotada. Na ocasião, Reis tentou induzir os indígenas a saírem da aldeia como parte de um acordo que nem mesmo os Pataxó fizeram parte.

A advogada Samara Pataxó explica que a primeira medida foi ingressar no processo para fazer a defesa da comunidade indígena. “Hoje, infelizmente, não contamos mais com a defesa da Funai. A Procuradoria (destinada pela AGU para atender judicialmente o órgão) tem se recusado a atuar em determinados processos, sobretudo aqueles em que as terras não estão com os procedimentos finalizados”.

Reclamação Constitucional
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) decidiu então ingressar com uma Reclamação Constitucional na Suprema Corte. O processo esteve sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowski.

“Nessa reclamação ao STF argumentamos que uma decisão da Corte foi descumprida por uma juíza de primeiro grau. A decisão do ministro Fachin é obrigatória de ser cumprida pelos juízes de primeiro grau, tribunais regionais, STJ (Superior Tribunal de Justiça). Não se pode ter ou tramitar reintegração de posse durante a pandemia”, argumenta a assessora jurídica do Cimi, Lethicia Reis de Guimarães.

Para Lethicia, o fato de o território Tupinambá estar sendo invadido é o que coloca os indígenas em perigo de contágio pelo novo coronavírus. O caso Vila Galé demonstra o assédio local. Ao passo que a juíza tenta justificar que a área não é de moradia, portanto não haveria risco à comunidade.

A assessora jurídica lembra que a área é de subsistência e de rituais: “se começar um loteamento nessa área, como é a intenção, com empreendimentos imobiliários e turismo, os Tupinambá estarão ainda mais vulneráveis ao novo coronavírus”.

O autor da reintegração de posse, atesta a assessora Lethicia, não comprovou a posse dos lotes reivindicados e não os especificou. “Necessitaria de uma justificativa, de uma dilação probatória que não é possível ser feita em liminar, não era possível de determinar a posse quando a posse é incerta”.

Desde 2008, a área deste litígio é reconhecida como indígena pelo Estado e são várias as decisões favoráveis aos indígenas quanto a isso, sendo a mais recente no STJ.

“Embora a juíza justifique que a “invasão” dos indígenas tenha sido fotografada em agosto de 2020, se trata de uma área reconhecida como Tupinambá desde 2008 pela Funai. Não há moradias porque é uma área de restinga e mangue, uma área de preservação ambiental e os Tupinambá decidiram que não gerarão impactos àquela vegetação nativa”, conclui.

FRENTE DE ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL  BRASILEIRA CONTRA O ACORDO MERCOSUL-EU

FRENTE DE ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL BRASILEIRA CONTRA O ACORDO MERCOSUL-EU

As organizações da sociedade civil brasileira abaixo subscritas manifestam a sua oposição à assinatura do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. Convocamos o Parlamento brasileiro a promover amplo debate com a sociedade sobre os impactos que o acordo poderá trazer aos povos, aos trabalhadores e trabalhadoras e aos territórios do país.

Ainda que o acordo Mercosul-UE seja baseado em três pilares, com base no conhecimento de outros acordos assinados com o bloco europeu ao redor do mundo, o pilar comercial tem primazia e os elementos ditos de proteção aos direitos humanos e ambiental ficam em segundo plano. Consideramos que a abertura comercial, nos termos deste acordo, trará impactos socioeconômicos, trabalhistas, fundiários, territoriais, ambientais e climáticos significativos para o Brasil, e os demais países do Mercosul, tendo como maiores beneficiários as empresas transnacionais interessadas na importação de matérias primas baratas, na privatização de serviços e na ampliação de mercado para seus produtos industrializados.

Ao trocar commodities agrícolas e minerais por produtos industrializados de maior valor agregado, o acordo estimula o aprofundamento da desindustrialização, da reprimarização da economia, da evasão de divisas e a sonegação de impostos nos países do Mercosul. A abertura do setor industrial aos países do bloco europeu, aumentará a importação de produtos similares aos já produzidos no Brasil, gerando impacto para o setor e mais desemprego. Ademais, reforçará a competitividade perversa, em que os ganhos que o agronegócio possa ter, implicarão em destruição ambiental e perdas para o setor industrial e para os direitos e renda dos trabalhadores/as, além de concentrar a produção em setores intensivos em energia e água.

No setor de serviços, além de transformar o direito ao acesso a serviços essenciais como água, energia, saneamento, saúde e educação, em mercadorias, observa-se o estímulo às privatizações. São muitos os exemplos de tragédias sociais em várias cidades e/ou estados brasileiros onde serviços essenciais foram privatizados, como no caso da água e saneamento em Manaus e do escandaloso caos que viveu a população do Estado do Amapá pela crise na energia elétrica, por falta de investimento de uma empresa privada – para garantia de mais lucros. Com o acordo há risco de seguir excluindo parcela crescente da população que não poderá pagar pelo serviço, gerando endividamento familiar e piora das condições de vida, em especial, da população negra, pobre e periférica nas cidades, sendo as mulheres, idosos e crianças sempre as mais prejudicadas. A liberalização dos serviços financeiros contribui para a desregulamentação financeira, que levou à crise anterior em 2008. Num contexto de crise econômica e social aprofundado pela pandemia de Covid-19 e pelo congelamento promovido pelo teto de gastos, esse processo fica ainda mais preocupante.

Do ponto de vista ambiental e climático, o acordo contribui para a devastação do conjunto dos biomas e regiões brasileiras: Amazônia, Pantanal, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Pampas, e a região do semiárido. O fim das alíquotas de exportação para variadas commodities agrícolas e minerais como o minério de ferro e a ampliação de cotas para carne, etanol e açúcar, por exemplo, vão gerar expansão da produção e dos corredores logísticos da pecuária, do complexo soja e cana-de-açúcar. O avanço do agronegócio viola os modos de vida dos povos indígenas e populações tradicionais e seus direitos territoriais. Nesse sentido, reforça os principais vetores de desmatamento e queimadas que vêm impactando os compromissos climáticos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris e as Metas de Aichi sobre proteção da biodiversidade.

O capítulo de comércio e desenvolvimento sustentável não fornece mecanismos para sua exigibilidade. A menção neste capítulo da obrigatoriedade na implementação do Acordo de Paris é insuficiente, dada a não aplicação de soluções de controvérsias nesse capítulo e a fragilidade do próprio acordo climático em relação às suas medidas vinculantes e falsas soluções como o mercado de carbono. Além disso, as questões ambientais e climáticas não entram como elementos essenciais do acordo político. Por isso, as alusões a estas questões soam como retórica, tentando disfarçar como alguma preocupação ambiental os reais objetivos do documento: aumentar o comércio das grandes empresas exportadoras de bens, serviços e capitais.

O acordo incentiva a expansão do modelo biotecnológico agrícola baseado no uso extensivo de agrotóxicos. Esses produtos afetam diretamente a saúde dos trabalhadores rurais, da população do campo e da cidade, tanto do Mercosul como da UE. O caso do Brasil é emblemático, pois nunca foram aprovados tantos agrotóxicos e ingredientes ativos como nos últimos três anos. Muitos desses são proibidos na Europa. Isso gera questionamentos sobre a ausência do Princípio da Precaução no acordo Mercosul-UE no capítulo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, deixando em aberto se as empresas europeias seguirão com seu duplo padrão de atuação em países do Sul onde a população é tratada como cidadãos de segunda classe ou as populações europeias irão ter seus direitos do consumidor violados por padrões mais baixos de controle.

Na área de compras governamentais, o acordo prevê que pequenas e médias empresas locais devem competir em pé de igualdade com as multinacionais europeia, como se tratar igualmente os desiguais fosse justo para se tornarem fornecedores estatais abrindo um precedente para competir em licitações estaduais e municipais, restringindo a possibilidade de promover o emprego local como política pública no Brasil que passou recentemente a fazer parte da lista de países que integram o mapa da fome. Poderá ter impacto em políticas fundamentais para a agricultura familiar e camponesa como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), com profundo impacto para as mulheres, já que a maioria das fornecedoras desses programas são agricultoras.

Consideramos preocupante que o acordo tenha sido negociado pelos governos do Mercosul sem nenhum mecanismo de transparência: não foram apresentados estudos de impacto e nenhum diálogo foi buscado com os setores afetados ou com a academia. Na Europa, existem profundos questionamentos aos estudos de impactos realizados, baseados normalmente em premissas favoráveis a conclusão dos acordos, sem analisar os impactos abrangentes de todos os capítulos sobre a saúde, os ecossistemas, o mundo do trabalho, os direitos humanos e territoriais, para as mulheres, para os agricultores e agricultoras familiares e camponeses/as, violando os modos de vidas e a dimensão sociocultural dos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais do campo-cidade-floresta.

Os resultados esperados deste acordo são tão pouco promissores, que na Europa há um crescente questionamento por parte de governos, parlamentares e sociedade civil organizada, sobre sua aprovação. Nos países do Mercosul, porém, o apoio dos governos ao acordo parece tácito e mostra a falta de busca de alternativas reais de integração. No Brasil, em particular, o governo de Jair Bolsonaro tenta fechar o acordo para obter uma vitória no campo da política externa e reacomodar os interesses de setores empresariais pouco comprometidos com o país. O relatório “Avaliação de Impacto Sustentável” (AIS) publicado pela Comissão Europeia apresenta resultados preocupantes ao estimar que o acordo elevará em 0,1% o PIB da UE em dez anos, ao mesmo tempo em que recuará em 0,1% o PIB dos países do Mercosul.

Em um momento em que a crise e a recessão já estão instaladas no Mercosul, e ainda diante dos desafios impostos pela pandemia, aprovar um acordo assimétrico e que reproduz a lógica colonial de eternos fornecedores de matérias primas e importadores de bens industrializados seria um verdadeiro desastre. Rejeitamos que o Brasil assine esse acordo, que prevê enormes consequências negativas socioambientais ao mesmo tempo em que retrocede nos níveis econômicos e produtivos.

9 de dezembro de 2020
Plenária da Frente Brasileira contra o Acordo União Europeia-Mercosul e EFTA-Mercosul

ALTERNATIVAS PARA A PEQUENA AGRICULTURA NO TOCANTINS (APA TO)
AMIGOS DA TERRA BRASIL
ARTICULAÇÃO DE MULHERES BRASILEIRAS (AMB)
ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (APIB)
ARTICULAÇÃO NACIONAL DE AGROECOLOGIA (ANA)
ARTICULAÇÃO PACARI RAIZEIRAS DO CERRADO
ARTICULAÇÃO ROSALINO DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS (AR)
ASSOCIAÇÃO AGROECOLÓGICA TIJUPÁ
ASSOCIAÇÃO ALTERNATIVA TERRA AZUL (TERRAZUL)
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ECONOMISTAS PELA DEMOCRACIA (ABED)
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ONGS NÃO GOVERNAMENTAIS (ABONG)
ASSOCIAÇÃO DE ADVOGADOS (AS) DE TRABALHADORES(AS) RURAIS DA BAHIA (AATR-BA)
ASSOCIAÇAO DE FAVELAS DE SAO JOSÉ DOS CAMPOS (AFSJC)
ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS (AGB)
ASSOCIAÇÃO XARAIÉS (XARAIÉS)
BRIGADAS POPULARES (BPS)
CAMPANHA NACIONAL EM DEFESA DO CERRADO
CAMPANHA PERMANENTE CONTRA OS AGROTÓXICOS E PELA VIDA
CASA 8 DE MARÇO – ORGANIZAÇÃO FEMINISTA DO TOCANTINS (ENCAMTO)
CENTRO DE AGRICULTURA ALTERNATIVA DO NORTE DE MINAS (CAA/NM)
CENTRO DE APOIO E PROMOÇÃO DA AGROECOLOGIA (CAPA)
CENTRO DE ASSESSORIA E APOIO A INICIATIVAS SOCIAIS (CAIS)
CENTRO DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS (HOMA)
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT)
COMITÊ DE ENERGIA RENOVÁVEL DO SEMIÁRIDO (CERSA)
CONFEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NO SERVIÇO PÚBLICO MUNICIPAL – CUT (CONFETAM/CUT)
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS NA AGRICULTURA FAMILIAR DO BRASIL (CONTRAF BRASIL)
CONSELHO DE MISSÃO ENTRE POVOS INDÍGENAS (CIMIN)
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO (CIMI)
CONSELHO NACIONAL DE IGREJAS CRISTÃS DO BRASIL (CONIC)
CONSELHO PASTORAL DOS PESCADORES (CPP)
COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS (CONAQ)
COORDENADORIA ECUMÊNICA DE SERVIÇO (CESE)
DEFENSORES DO PLANETA
FEDERAÇÃO DE ORGÃOS PARA ASSISTÊNCIA SOCIAL E EDUCACIONAL (FASE)
FEDERAÇÃO DOS SINDICATOS SERVIDORES PÚBLICOS NO ESTADO DE SÃO PAULO (FESSP-ESP)
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL DO RIO GRANDE DO NORTE (FETAM/RN)
FEDERAÇÃO NACIONAL DO FISCO ESTADUAL E DISTRITAL (FENAFISCO)
FEDERAÇÃO NACIONAL DOS PSICÓLOGOS (FENAPSI)
FEDERAÇÃO NACIONAL DOS URBANITÁRIOS (FNU)
FÓRUM DA AMAZÔNIA ORIENTAL (FAOR)
FÓRUM DAS ONGS AIDS DO ESTADO DE SÃO PAULO (FOAESP)
FÓRUM DAS ONGS AIDS DO ESTADO DE SÃO PAULO (FOAESP)
FÓRUM ECUMÊNICO ACT BRASIL (FE ACT BRASIL)
FÓRUM MATO-GROSSENSE DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (FORMAD)
FÓRUM MUDANÇAS CLIMÁTICAS E JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL (FMCJS)
FÓRUM NACIONAL DA SOCIEDADE CIVIL EM COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS (FONASC.CBH)
FUNDAÇÃO LUTERANA DE DIACONIA (FLD)
GESTOS – SOROPOSITIVIDADE, COMUNICAÇÃO, GÊNERO
GRAIN
GRUPO CARTA DE BELÉM (GCB)
GRUPO DE ESTUDOS EM EDUCAÇÃO E MEIO AMBIENTE (GEEMA)
GRUPO SEMENTE SEMEANDO PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIOAMBIENTAL (GRUPO SEMENTE)
GT BIODIVERSIDADE DA ARTICULAÇÃO NACIONAL DE AGROECOLOGIA (GTBIO)
GRUPO DE TRABALHO SOBRE PROPRIEDADE INTELECTUAL (GTPI)
INICIATIVA DIREITO À MEMÓRIA E JUSTIÇA RACIAL (IDMJR/RJ)
INSTITUTO AMAZÔNICO DE PLANEJAMENTO, GESTÃO URBANA E AMBIENTAL (IAGUA)
INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS (IBASE)
INSTITUTO CARACOL (ICARACOL)
INSTITUTO EQUIT- GÊNERO, ECONOMIA E CIDADANIA GLOBAL (INSTITUTO EQUIT)
INSTITUTO MAIS DEMOCRACIA
INSTITUTO POLÍTICAS ALTERNATIVAS PARA O CONE SUL (PACS)
INSTITUTO REGIONAL DA PEQUENA AGRICULTURA APROPRIADA (IRPAA)
INSTITUTOS DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (INESC)
INTERNACIONAL DOS SERVIÇOS PÚBLICOS (ISP)
INTERNATIONAL ACCOUNTABILITY PROJECT (IAP)
INTERNATIONAL RIVERS BRASIL
JUSTIÇA NOS TRILHOS
KOINONIA PRESENÇA ECUMÊNICA E SERVIÇO (KOINONIA)
MARCHA MUNDIAL DAS MULHERES (MMM)
MOVIMENTO DE MULHERES CAMPONESAS (MMC)
MOVIMENTO DE MULHERES NEGRAS DA FLORESTA – DANDARA (MMNFDANDARA)
MOVIMENTO DE TRABALHADORES SEM TETO (MTST)
MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS (MAB)
MOVIMENTO DOS CONSELHOS POPULARES (MCP)
MOVIMENTO DOS PEQUENOS AGRICULTORES (MPA)
MOVIMENTO DOS PESCADORES E PESCADORAS ARTESANAIS (MPP)
MOVIMENTO PELA SOBERANIA POPULAR NA MINERAÇÃO (MAM)
MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST)
OBSERVATÓRIO NACIONAL DOS DIREITOS A ÁGUA E AO SANEAMENTO (ONDAS)
ORGANIZAÇÃO PELO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO E À NUTRIÇÃO ADEQUADAS (FIAN BRASIL)
PASTORAL OPERÁRIA NACIONAL
PROCESSO DE ARTICULACÃO E DIÁLOGO (PAD)
RED DE GENERO Y COMERCIO (RGYC)
REDE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL (REBEA)
REDE BRASILEIRA PARA INTEGRAÇÃO DOS POVOS (REBRIP)
REDE ECONOMIA E FEMINISMO (REF)
REDE EMANCIPA MOVIMENTO SOCIAL DE EDUCAÇÃO POPULAR (REDE EMANCIPA)
REDE JUBILEU SUL
REDE SOCIAL DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS (REDE SOCIAL)
SEMPREVIVA ORGANIZAÇÃO FEMINISTA (SOF)
SERVIÇO FRANCISCANO DE SOLIDARIEDADE (SEFRAS)
SERVIÇO PASTORAL DOS MIGRANTRES (SPM)
SINDICATO DAS PSICÓLOGAS E DOS PSICÓLOGOS NO ESTADO DE SÃO PAULO (SINPSI-SP)
SINDICATO DE SAUDE DE GUARULHOS E REGIÃO (SINDSAÚDE GUARULHOS E REGIÃO)
SINDICATO DOS AGENTES FISCAIS DE RENDAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (SINAFRESP)
SINDICATO DOS EMPREGADOS DOS ESTABELECIMENTOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE DE CURITIBA (SINDESC)
SINDICATO DOS ENFERMEIROS DO RIO GRANDE DO SUL (SERGS)
SINDICATO DOS ENFERNMEIROS DO ESTADO DE SÃO PAULO (SEESP)
SINDICATO DOS METALÚGICOS DO ABC (SMABC)
SINDICATO DOS TRABALHADORES EM SAÚDE NO ESTADO DO PARÁ (SINDSAÚDE/PA)
SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DA PURIFICAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA E EM SERVIÇOS DE ESGOTO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (SINDIÁGUA/RS)