O marco temporal do STF fere a concepção da posse imemorial prevista na Constituição

O marco temporal do STF fere a concepção da posse imemorial prevista na Constituição

(Via Amazônia Real)

As terras indígenas em avançado processo de demarcação estão ameaçadas por 19 restrições da Corte. O marco já foi adotado na suspensão da Terra Indígena Guyraroká (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

O Supremo Tribunal Federal (STF) aplicou no julgamento da homologação da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, um precedente que encaixou os territórios reivindicados pelos indígenas do país em um mesmo marco no tempo, em 2009. As terras que estavam ocupadas podem ser definidas territórios originários. As outras, isto é, sem a presença indígena na data eleita, estão descartadas. O ano estipulado para o marco temporal foi o da promulgação da Constituição Federal em 05 de outubro de 1988.

Nesta quarta-feira (19), o presidente da República, Michel Temer (PMDB), aprovou parecer da Advocacia-Geral da União determinando que “toda a administração pública federal observe, respeite e dê efetivo cumprimento à decisão do STF no julgamento do caso Raposa/Serra do Sol, que fixou as “salvaguardas institucionais às terras indígenas”, aplicando esse entendimento à todos os processos de demarcação em andamento, de forma a contribuir para a pacificação dos conflitos fundiários entre indígenas e produtores rurais, bem como diminuir a tensão social existente no campo, que coloca em risco a vida, a integridade física e a dignidade humana de todos os envolvidos.”

Confira na íntegra

Lideranças, MPF e a ONU reagem contra parecer de Temer que trava demarcações

Lideranças, MPF e a ONU reagem contra parecer de Temer que trava demarcações

Publicado originalmente no Amazônia Real. 

Para os entrevistados as restrições do STF violam Constituição Federal e ultrapassam limites do Direito

(Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

Ana Mendes, Elaíze Farias, Fábio Pontes e Freud Antunes, da Amazônia Real

Lideranças indígenas, o Ministério Público Federal, representantes das ONU e de organizações que defendem os direitos dos povos tradicionais entrevistados pela reportagem da Amazônia Real nesta quinta-feira (20) avaliam como “gravíssimo” o parecer sobre demarcação de terras indígenas da Advocacia-geral da União aprovado pelo presidente Michel Temer (PMDB). O parecer, que pode barrar os processos de demarcações em andamento, foi divulgado na quarta-feira (19). A medida determina que a administração pública federal adote o marco temporal do Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2009 estabeleceu 19 restrições ao julgar a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR). O parecer pode ser objeto de eventual questionamento no STF.

O Conselho Indígena de Roraima (CIR) informou que enviou nesta sexta-feira (21) uma representação à Procuradora-Geral da República (PGR) pedindo providências contra a efetividade da Ação 3388/RR do caso Raposa Serra do Sol, que resultou no estabelecimento das condicionantes (leia a nota do CIR na íntegra).  A representação foi encaminhada diretamente ao Procurador-Geral, Rodrigo Janot. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) divulgou nota dizendo que “a aplicação daquelas condicionantes a outras situações resulta em graves restrições aos direitos dos povos indígenas” (leia a nota).

Entre as condicionantes estabelecidas para demarcação e ocupação de terras indígenas pelo STF estão a que diz que “os povos indígenas têm direito à posse de seus territórios tradicionais, desde que a comunidade esteja ocupando efetivamente o local até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal”, e a que tirou o direito dos índios à consulta prévia sobre os projetos de interesse púbico como hidrelétricas, rodovias, hidrovias, mineração, entre outros, defendidos pelos deputados e senadores da bancada ruralista do Congresso Nacional. Leia aqui.

Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), atualmente 241 terras indígenas estão em processo de demarcação. O trâmite do reconhecimento do território tradicional começa com o estudo, delimitação, declaração até a homologação da terra pelo presidente da República. Esses processos podem ser todos revistos com o parecer de Temer.

Um deles é a identificação da Terra Indígena Dourados Amambaipeguá 1 dos índios Guarani Kaiowá, em Caarapó, no Mato Grosso do Sul. Segundo Fábio Turibo Guarani Kaiowá, 20 anos, estudante de Teko Arandu (licenciatura) na Faculdade Intercultural Indígena da Universidade Federal de Dourados, as restrições do marco temporal adotadas pelo parecer de Temer só trarão mais sofrimento aos Guarani Kaiowá, que estão retomando terras tradicionais.

“Então, estamos com os dias contados em relação ao marco temporal. Aqui no estado do Mato Grosso do Sul a gente já tem um ataque muito forte em relação aos Guarani Kaiowá. O genocídio é grande, a gente sente como o ruralista nos ataca. Dentro disso tem o Estado, os deputados federais, senadores, que envolvem a questão do latifúndio. Tudo isso abrange a relação aos Guarani Kaiowá com o sofrimento. O marco temporal vem especificamente fazendo isso, que é uma tese que já foi aplicada em algumas áreas, um exemplo a Terra Indígena Guyraroká. A gente precisa da terra, a gente vai resistir”, disse Fábio Turibo. Leia: O marco temporal do STF fere a concepção da posse imemorial prevista na Constituição

Povos indígenas Yawanawa durante o ritual Mariri, no Acre (Foto: Odair Leal/Amazônia Real)

Indígenas Yawanawa durante o ritual Mariri, no Acre (Foto: Odair Leal/Amazônia Real)

No Acre, o parecer  de Michel Temer causou reação das lideranças. O coordenador da Associação Sociocultural Yawanawa, Tashka Yawanawa disse que “os povos indígenas habitam em seus territórios desde tempos imemoriais, não desde 1988, e é um direto inalienável de posse.”

“As leis que estão querendo mudar é simplesmente para agradar os ruralistas. Eles não têm moral de questionar os povos indígenas que possui direitos sobre as terras. Espero que possa ser revisto e que um dia o Brasil possa pedir desculpa por essa afronta”, afirma o coordenador.

Segundo Sebastião Manchinery, líder indígena independente do Acre, os processos de demarcações no estado estão parados pelo governo federal desde 2006, pois houve um entendimento com o governo estadual – à época era Jorge Viana (PT) o governador – para não demarcar terras tanto no Vale do Juruá quanto no Vale do Purus, áreas de grande interesse da mineração e da exploração de petróleo.

“Esse parecer deslegitima, ele desconsidera e será um grande retrocesso para o Brasil você não reconhecer a existência dos povos indígenas anteriormente e se isso não é reconhecido. Obviamente vai requerer para o país a instabilidade dos direitos e questionamento por outros governos e sistemas internacionais com relação a criminalização, não só com os povos indígenas, com os quilombolas, mas com a população em geral”, afirmou Sabá Manchinery.

 

ONU prevê conflitos

Ataque aos índios Gamela, no Maranhão (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

Políciais investigam ataque aos índios Gamela, no Maranhão (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

A perita da Organizações das Nações Unidas (ONU) para povos indígenas, Erika Yamada, disse à Amazônia Real que o parecer de Michel Temer é um ato inconstitucional que não deveria se sustentar e que pode dar causa a reclamações internacionais na OIT (Organização Internacional do Trabalho, na OEA (Organização dos Estados Americanos) e no Comitê de Eliminação a Discriminação da ONU.

“Ele ultrapassa todos os limites do direito administrativo porque, no fundo, o presidente assina um parecer que é uma tentativa de legislar, de alterar a própria Constituição de 1988. A gente está num cenário gravíssimo em que não se fala de PEC 215, mas tem concretizada uma medida muito pior porque ela tenta alterar a Constituição fora de um processo de emenda constitucional. E certamente antidemocrático”, disse Erika Yamada, que é também relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma Dhesca, uma rede nacional de articulação de organizações da sociedade civil.

A perita da ONU diz que o parecer viola múltiplos direitos protegidos pela Constituição Federal e por instrumentos e jurisprudência internacionais dos direitos humanos. Ela diz que a medida concretiza violações ao direito a terra, vai impedir que demarcações sejam realizadas e viola direito de consulta, visto que o parecer foi publicado e adotado sem qualquer diálogo com os indígenas.

“O conteúdo desse parecer estabelece restrições que não estão previstas em nenhuma legislação, nem na convenção da 169 da OIT, referente a povos indígenas, nem nas declarações da ONU e da OEA sobre os direitos dos povos indígenas. Ele contraria a ampla jurisprudência do sistema interamericano dos direitos humanos com relação a esse direito”, alertou.

Érika criticou também a forma como o parecer trata as diferentes realidades e identidades culturais dos povos indígenas, cujas garantias estão previstas na Constituição.

“Ele tenta tratar os povos indígenas como se eles vivessem uma única realidade que pudesse ser normatizada de maneira geral a partir de um caso concreto, que é o caso Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Atrelado a isso, um dos aspectos muito grave dessa medida é que se consolida uma posição de negação do acesso a medidas reparatórias para os povos indígenas e do acesso à justiça, que também é um direito fundamental de qualquer cidadão no estado democrático de direito”, explicou.

Ao assinar o parecer, diz Erika Yamada, Michel Temer coloca o Brasil na contramão do compromisso dos Estados e do compromisso que o Brasil assumiu frente a outros países, que foi de reconhecer e de reparar violações cometidas contra os povos indígenas.

“Ao aplicar na esfera administrativa, seja na Funai seja restringindo a defesa judicial de comunidades que têm ações que precisam ser defendida pela AGU e pela Procuradora Federal, está negando a defesa judicial de direitos que estão contidos na Constituição Federal”, disse.

Diferente do que argumenta o governo de Michel Temer, que alega que o parecer vai pacificar a questão fundiária das terras indígenas, o parecer vai ser causa de mais conflitos, segundo a perita.

“A insegurança jurídica vem do fato do judiciário não conseguir reafirmar os direitos que estão previstos na legislação existente, especialmente na constituição. Esse parecer não vai e não deveria resolver os casos judiciais. A outra fonte de conflito é o extremismo da negação do direito, especialmente do direito territorial, que nega a possibilidade da existência e da presença indígena por parte de políticos que têm ganhado cada vez mais força dentro desse governo ilegítimo”, explicou.

 

Violação de direitos

Índios Guarani Kaiowá foram atacados por fazendeiros em 2016 (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

Índios Guarani Kaiowá foram atacados por fazendeiros em 2016 (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

O procurador da República Julio Araújo, que coordena o Grupo de Trabalho Povos Indígenas e Regime Militar do Ministério Público Federal e atuou no Amazonas, disse que o parecer tenta neutralizar um entendimento manifestado no caso Raposa Serra do Sol e esquece que a sua expansão para outros casos é objeto de grandes discussões na administração pública federal – inclusive na autarquia que conduz a política indigenista – e no próprio Supremo Tribunal Federal.

Ele afirmou que há uma clara violação de direitos, que não surpreende pelas intenções, mas pela falta de compromisso com a Constituição de 1988.

“Ao supostamente alegar que vai pacificar o conflito, o parecer posiciona-se pelo esvaziamento do artigo 231 da Constituição e pela negação dos direitos dos índios a seus territórios, pois desconsidera a historicidade dos conflitos e a proteção que as terras indígenas merecem, independentemente de processos demarcatórios, em plena igualdade com a propriedade privada. Com isso, tende a agravar os conflitos de terras, que só vêm aumentando nos últimos tempos”, disse o procurador.

 

Ações serão julgadas em agosto no STF

O advogado indígena Luiz Henrique Eloy, da etnia Terena, disse à Amazônia Real que o parecer de Michel Temer antecipa o posicionamento do governo federal sobre o marco temporal, uma série de condicionantes estabelecidos pelo STF durante o julgamento da TI Raposa Serra do Sol, em Roraima, pois em 16 de agosto próximo haverá julgamento pelos ministros de ações judiciais envolvendo quatro territórios indígenas. As ações são referentes ao Parque Nacional do Xingu, às Reservas Indígenas Nambikwara e Parecis, no Mato Grosso, e à Terra Indígena Ventarra, no Rio Grande do Sul, do povo Kaingang.

“A ministra Carmem Lúcia colocou na agenda do STF o julgamento de três ações judiciais que discutem matéria relativa à tradicionalidade de terras indígenas. Tudo indica que poderão ser tomadas decisões determinantes quanto ao alcance do conceito de “terra tradicionalmente ocupada”. A tese do marco temporal pode ser consagrada ou, como esperamos, esfacelada ou ao menos enfraquecida”, disse o advogado.

 

Brecha para conflitos

Índio Gamela, Francisco Jansen Mendonça da Luz, ferido em ataque de pistoleiros no Maranhão (Foto: Ana Mendes/CIMI)

Índio Gamela, Francisco Jansen Mendonça da Luz, ferido em ataque de pistoleiros no Maranhão (Foto: Ana Mendes/CIMI)

A coordenadora do Programa de Política e Direitos Socioambientais do Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos, afirma que ao fragilizar os direitos das populações indígenas, o governo Temer fortalece ações violentas no campo.

“Toda vez que o governo toma uma decisão que vai no sentido de fragilizar o direito dos povos indígenas, ele abre a brecha para aumentar os conflitos locais. Ele está atendendo à demanda de parlamentares que instigam o conflito, que estimulam a violência física contra os índios. É uma sinalização de que estamos caminhando para a perda de direitos”, afirma.

Segundo Adriana Ramos, ao recorrer a uma canetada para “regulamentar” o marco temporal, o Executivo passa por cima do STF, que rejeitou súmula vinculante para tratar do tema por não haver consenso entre os ministros da Corte.

“É mais um dos absurdos que a gente vê acontecer neste vale-tudo que virou a manutenção do presidente [Temer no poder]. É uma forçação de barra em cima de uma questão que o próprio Supremo Tribunal Federal já tinha afirmado que não tinha consenso. O Supremo rejeitou uma proposta de súmula vinculante sobre esse assunto alegando que era um tema ainda em debate”, ressalta.

“Então não faz o menor sentido querer decidir dessa maneira, numa canetada, passando por cima dos direitos indígenas, num flagrante atendimento aos parlamentares da bancada ruralista neste contexto de negociações de votos do presidente para se manter no poder”, completa Adriana.

De acordo com coordenadora, o ISA estuda medidas legais para contestar o parecer presidencial, como pedir para que a Procuradoria Geral da República questione, junto ao Supremo, a legitimidade do ato.

No campo político, a proposta é unir entidades de representação do movimento indígena para denunciar o caso ante os organismos internacionais. “Estamos articulando com todas as organizações indigenistas e indígenas uma manifestação coletiva para ser divulgada nacional e internacionalmente denunciando que o governo está colocando os direitos indígenas como moeda de troca para sua permanência”, diz a coordenadora do instituto Adriana Ramos.

 

Supremo não se manifesta

Liderança Guarani Kaiowá em protesto em frente ao Supremo Tribunal Federal em 2016 (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

Liderança Guarani Kaiowá em protesto em frente ao Supremo Tribunal Federal em 2016 (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

Amazônia Real procurou a assessoria de comunicação do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, para que o órgão se pronunciasse a despeito das 19 condicionantes, já que as restrições podem ser modificadas ainda no Plenário da Corte na atual composição de ministros.

A assessoria disse que o “Plenário do STF, ao julgar um processo a ele submetido, pode manter ou alterar qualquer entendimento anteriormente firmado, pois é o colegiado máximo do Tribunal. O Plenário, portanto, tem liberdade para analisar as teses trazidas a consideração dos ministros, podendo ratificar ou alterar sua jurisprudência”, disse a assessoria, que informou que o STF não se manifestará sobre o parecer do presidente Michel Temer.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) foi procurada para falar sobre o parecer, que vai interferir no processo de demarcação da autarquia ligada ao Ministério da Justiça. Entre outras questões, a reportagem quis saber se os processos de demarcação em curso atualmente na fundação, após a assinatura do parecer de Michel Temer, foram interrompidos.

A assessoria disse que o presidente do órgão, Franklimberg Ribeiro de Freitas, só poderia se manifestar sobre a medida após retornar de viagem, que acontece no final da noite desta quinta-feira. Freitas estava em Mato Grosso, onde participou de reunião com indígenas Munduruku que ocuparam o canteiro de obras da usina São Manoel, no rio Teles Pires.

 

MPF diz que parecer barra demarcação

Em nota divulgada na noite desta quinta-feira (20), o Ministério Público Federal (MPF) se manifestou contra o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), aprovado pelo presidente Michel Temer, sobre os processos de demarcação de terras indígenas. Mas não informou se vai ingressar com uma ação no STF contra o parecer.

Na nota, o MPF  diz os índios nada podem esperar da Administração e que a certeza dos índios e a esperança de seu futuro estão nas mãos da Justiça.

“O Supremo Tribunal Federal terá agora em agosto nova e plural oportunidade de debater vários desses temas”

Segundo a assessoria de imprensa da PGR (Procuradoria Geral da República), para a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6ª CCR), a posição do presidente da República demonstra que “o atual governo faz o que os antecessores já faziam: não demarca, não reconhece e não protege terras indígenas”.

Para o MPF, o parecer divulgado na quinta-feira orienta a administração federal a vincular as condicionantes estabelecidas no caso Raposa Serra do Sol para outros processos demarcatório, mesmo tendo o Supremo Tribunal Federal expressamente reconhecido que a decisão tomada na PET 3388 [ação do governo de Roraima que contestou a homologação da Raposa Serra do Sol] não é dotada de eficácia vinculante para outras terras indígenas. (Colaborou Fernando Mendonça).

(Foto: Odair Leal/Amazônia Real)

CIR encaminhará representação à Procuradoria Geral da República pedindo providência contra efetividade da Ação 3388/RR caso Raposa Serra do Sol

CIR encaminhará representação à Procuradoria Geral da República pedindo providência contra efetividade da Ação 3388/RR caso Raposa Serra do Sol

Diante da recente aprovação pelo presidente da República, Michel Temer, do Parecer da Advocacia Geral da União (AGU) determinando que toda administração pública federal observe, respeite e de efetivo cumprimento à decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Popular PET 3388/RR, o Conselho Indígena de Roraima (CIR), extremamente preocupado com a reversão dos direitos indígenas pelo poder executivo e a necessidade urgente de evitar violações de direitos humanos dos povos indígenas, encaminhará uma representação à Procuradoria Geral da República e outros órgãos do Poder Judiciário pedindo providências necessárias e urgentes contra a efetividade de qualquer ato administrativo dos itens inconstitucionais estabelecidos na Ação 338/RR caso Raposa Serra do Sol. Confira na íntegra a representação que será protocolada, nesta sexta-feira, 21, em Brasília e nos órgãos locais.

Representação PGR – Conselho Indígena de Roraima

MPF divulga nota pública contra retrocesso em demarcação de terras indígenas

MPF divulga nota pública contra retrocesso em demarcação de terras indígenas

(Via Ministério Público Federal)

O Ministério Público Federal (MPF) se manifestou, em nota pública, contra o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), aprovado pelo presidente Michel Temer, sobre os processos de demarcação de terras indígenas.

Para a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR/MPF), a posição do presidente da República demonstra que “o atual governo faz o que os antecessores já faziam: não demarca, não reconhece e não protege terras indígenas”.

O parecer, divulgado nessa quinta-feira (19), orienta a administração federal a vincular as condicionantes estabelecidas no caso Raposa Serra do Sol para outros processos demarcatório, mesmo tendo o Supremo Tribunal Federal expressamente reconhecido que a decisão tomada na PET 3388 não é dotada de eficácia vinculante para outras terras indígenas.

Leia a íntegra da nota pública do MPF:

O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, é firme desde sempre na determinação do dever do respeito às terras indígenas. A decisão no caso Raposa Serra do Sol é extraordinariamente bela e afirmativa dos direitos originários dos índios às terras de sua ocupação tradicional.

Todo o esforço do Estado brasileiro desde então é distorcer o conteúdo da decisão do Supremo, para desobrigar-se do seu dever de proteger o direito dos índios às suas terras indígenas.

O Supremo Tribunal Federal determina ao Estado brasileiro demarcar as terras indígenas, sem hostilizar as comunidades indígenas e respeitar a diversidade étnica e cultural. Também determina que se reconheçam aos índios os direitos às terras quando delas retirados à força e a elas impedidos de retornarem. O Supremo Tribunal Federal, nessa mesma decisão, proclamou que essa dinâmica de ocupação indígena é revelada a partir do saber antropológico posto em prática, respeitando a metodologia “propriamente antropológica”, para evidenciar o que ocupam, como ocupam e quanto ocupam, como permanecem com os laços culturais, religiosos, sociais com aqueles espaços, mesmo quando forçados a deles se retirarem.

O Parecer 001/2017/GAB/CGU/AGU, aprovado pelo presidente Michel Temer, que pretende ter força vinculante, põe no papel o que o atual governo faz e os que antecederam já faziam: não demarcar, não reconhecer e não proteger. Deliberadamente passa ao largo dos pontos acima referidos e realça limitações definidas pelo Supremo para o caso Raposa Serra do Sol.

Se marco temporal existe, não está em 1988, mas na continuidade da história constitucional da afirmação dos direitos territoriais indígenas, que se inicia em 1934, repetido em 1937 e 1946, ampliado em 1967 e mais ainda na EC de 1969, e densamente positivado na Constituição de 1988. Esse histórico tem ressonância na jurisprudência consolidada e reiterada do Supremo Tribunal Federal, muito embora tenha sido ignorado pelo parecer.

O parecer tem apenas um grande mérito: traz as digitais do presidente da República e, portanto, faz dele o responsável direto da política indigenista da sua administração.

O Supremo Tribunal Federal terá agora em agosto nova e plural oportunidade de debater vários desses temas.

Os índios nada podem esperar da Administração. A certeza dos índios e a esperança de seu futuro estão nas mãos da Justiça!  

Nota Pública 2

Publicado originalmente no site do MPF: http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/mpf-divulga-nota-publica-contra-retrocesso-em-demarcacao-de-terras-indigenas

FIAN Brasil e APIB lançam campanha “Seu Direito É Nossa Pauta”

FIAN Brasil e APIB lançam campanha “Seu Direito É Nossa Pauta”

 

A tese do marco temporal, elaborada pela 2ª turma do STF, impõe a promulgação da Constituição Federal de 88 como um marco para o reconhecimento do direito ao território de povos indígenas do país.

Com o objetivo de contribuir no entendimento sobre a aplicação desta tese, a FIAN Brasil e APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil lançam a campanha “Seu Direito É Nossa Pauta” direcionada, principalmente, aos povos indígenas.

Em cinco pequenos programas de áudio, indígenas e organizações parceiras comentam as ameaças do Marco Temporal às garantias constitucionais dos povos indígenas. Todos os programas serão disponibilizados na internet.

A tese do Marco Temporal, que deveria ser aplicada apenas no caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (caso de 2009), já afetou, por exemplo, as terras Limão Verde, Guyraroká, e, mais recentemente Buriti, todas no Mato Grosso do Sul. Com essas decisões, o STF abriu precedentes que já estão sendo replicados para expulsar povos indígenas de suas terras.

Na avaliação da APIB e FIAN Brasil, a tese do marco temporal antecipa os efeitos da PEC 215/00 e, associada à CPI da FUNAI e Incra, contribui para a paralisação da demarcação de terras indígenas e o acirramento dos conflitos pela disputa dos territórios.

 

Últimos dias da agenda do Conselho Terena em Brasília: Precisamos de nossa terra para garantir nossa sustentabilidade, não mercantilizar nossas comunidades

Últimos dias da agenda do Conselho Terena em Brasília: Precisamos de nossa terra para garantir nossa sustentabilidade, não mercantilizar nossas comunidades

No final da semana em que estiveram em Brasília, o Conselho Terena conseguiu agendar uma audiência com o Ministro da Justiça Torquato Jardim, da qual participou também o presidente da FUNAI, Franklimberg Ribeiro de Freitas. Na tarde de quinta feira, a comitiva foi recebida no Palácio da Justiça e apresentou suas reivindicações, sendo rebatidos pelo ministro. Diante das lideranças presentes, o Ministro apontou que o Marco Temporal é algo que pode ser revisto juridicamente, não é algo que está posto mas que é político e pode não ser tão simples de mudar, apesar de possível.

Torquato disse que da sua família é o primeiro a não seguir a tradição de fazendeiros, e apesar das reivindicações sobre os direitos à terra, a criminalização de indígenas através da CPI da FUNAI e críticas ao Marco Temporal, o ministro apontou que sentiu falta de propostas dos indígenas com relação a uma educação do século XXI, que leve as tradições de seus povos de modo mais moderno adiante. Os Terena são uma das populações indígenas com mais presença em universidades e com mais cursos superiores, tendo inclusive mestres na comitiva.

Fotos: Mídia NINJA
A fala do Ministro causou indignação nas lideranças presentes, que responderam de forma emocionada, dizendo que o que precisam é de terra demarcada, para que seus direitos seja válidos, ninguém quer ouro, mas poder viver bem e feliz na sua terra, passando para seus filhos suas tradições do modo que elas são, e que não precisam de meios mais modernos para isso. Os povos querem sua sustentabilidade a partir da produção local e para o povo e não do agronegócio. Ao final, as lideranças receberam mapas que mostram as áreas onde estão localizadas suas terras no MS.

Você pode assistir o vídeo da transmissão ao vivo da audiência aqui

Foto: Mídia NINJA

Na sexta feira, na Sexta Câmara – Populações indígenas e comunidades tradicionais, que fica na Procuradoria Geral da República, e foram recebidos por Luciano Maia, coordenador. Ali foram reforçadas todas as reivindicações e pautas colocadas durante a semana, na esperança de que a sexta câmara auxilie no acompanhamento e execução dos pedidos.

Foto: Mídia NINJA

“NÃO SOMOS DONOS DA TERRA, FAZEMOS PARTE DELA”. O TERCEIRO DIA DE AGENDAS DO CONSELHO TERENA EM BRASÍLIA

“NÃO SOMOS DONOS DA TERRA, FAZEMOS PARTE DELA”. O TERCEIRO DIA DE AGENDAS DO CONSELHO TERENA EM BRASÍLIA

No terceiro dia de agendas, o Conselho Terena se dirigiu pela manhã ao Ministério da Justiça para uma tentativa de agenda com o Ministro Torquato Jardim. Assessores, secretários e a Força Nacional recepcionaram os indígenas, que aguardaram do lado de fora do prédio até o ministro sair para conversar e agendar um encontro com a comitiva para a quinta-feira dia 29 de junho.
Apesar de pacífico, a presença da Força Nacional na chegada dos indígenas na frente do Ministério é muito simbólica, colocando o movimento como uma ameaça que precisa “por precaução” ser vigiada num momento como esse.

Foto: Mídia NINJA

A partir das 14 horas, a comitiva se organizou para acompanhar o plenário do STF, e entregar cartas com as reivindicações dos povos, falando da situação das Terras Indígenas e o documento final da Grande Assembléia Terena, que ocorreu no final de maio passado. Recebidos nos gabinetes por assessores e juízes, 7 lideranças puderam expor o que vem passando na luta pela demarcação e relembrar a a anulação da demarcação da Aldeia Indígena Buriti, pela segunda turma do Supremo. “Nós não somos donos da terra, somos parte dela. Não vamos retroceder nem um palmo na terra.
Quem se levanta pra lutar por direitos no nosso país é tido como criminoso. E quem comete os crimes passa impune.” reforçou Juciney Terena, da TI Buriti.

Fotos: Mídia NINJA
REIVINDICAÇÕES NA ÁREA DA SAÚDE, EDUCAÇÃO E FORTALECIMENTO DA FUNAI MARCAM O SEGUNDO DIA DA AGENDA DO CONSELHO TERENA EM BRASÍLIA

REIVINDICAÇÕES NA ÁREA DA SAÚDE, EDUCAÇÃO E FORTALECIMENTO DA FUNAI MARCAM O SEGUNDO DIA DA AGENDA DO CONSELHO TERENA EM BRASÍLIA

 

No segundo dia da agenda do Conselho Terena em Brasília, a comitiva se dividiu pela manhã para duas reuniões: na saúde e na educação

Na SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena), as lideranças foram recebidas por Marco Antônio Toccolini, secretário que já havia estado na Grande Assembleia Terena no Mato Grosso do Sul. Nesse reencontro, ele foi cobrado de posições que se comprometeu a tomar durante a Assembleia e ouviu novas reivindicações e reclamações: viaturas que deveriam servir para o transporte de passageiros da aldeia para o hospital ficando paradas sob a alegação de que não podem circular fora do horário, a administração local que não consegue responder as dúvidas dos parentes. O secretário reforçou que o problema maior é que a gestão local não leva as questões para a secretaria, que sem saber o que acontece, não pode intervir. Marco comentou que a gestão dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) e a CONDISI tem que estar próximos e trabalhar juntos para a solução das reivindicações das comunidades.

Foto: Mídia NINJA

Outra questão apontada pelos Terena foi a gestão da saúde, e novamente, se colocaram na disposição de fechar a SESAI de Campo Grande se Edmilson Canale continuar no cargo.

A SESAI se comprometeu a trazer mais para si a resolução dos problemas, colocando o Controle Social mais próximo das comunidades, recebendo e encaminhando as demandas dos indígenas.

E apresentou a proposta de um programa de capacitação de jovens indígenas, que virá a potencializar os parentes que estão saindo do ensino médio e superior, para que trabalhem nas áreas que as comunidades mais tem demanda. A experiência já acontece em São Paulo, onde 10 xavantes já estão empregados.

A agenda da SECADI (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, ALFABETIZAÇÃO, DIVERSIDADE E INCLUSÃO) teve como pauta os concursos diferenciados para escolha do corpo docente e as reformas das unidades escolares. “Entendemos que o Brasil vive um momento difícil, mas não podemos cruzar os braços e deixar de ir a luta pelas nossas escolas. Estamos aqui para buscar o avanço nosso na educação”, reforçou Arcênio Dias, da aldeia Limão Verde, do município de Aquidauana, MS.

 

Foto: Mídia NINJA
A tarde, a comitiva se uniu e foi até a Câmara dos Deputados para se encontrar com o Deputado Edmilson Rodrigues, do PSol. O deputado do Pará fez um panorama da questão Indígena no atual momento do país e afirmou que tanto o executivo quanto o legislativo estão empenhados em acabar com direitos indígenas, e que a CPI da FUNAI foi uma demonstração clara desse ataque.

Foto: Mídia NINJA

Terenas pediram apoio do Deputado Edmilson Rodrigues, para que este seja uma voz no congresso na luta pelos direitos indígenas. Terenas também apelam pela saúde Indígena, e pelo fortalecimento da Funai.

AGENDA DO CONSELHO TERENA TEM INÍCIO EM BRASÍLIA COM COBRANÇAS AO PRESIDENTE DA FUNAI: “NÃO VAMOS SAIR DAS NOSSAS TERRAS”

AGENDA DO CONSELHO TERENA TEM INÍCIO EM BRASÍLIA COM COBRANÇAS AO PRESIDENTE DA FUNAI: “NÃO VAMOS SAIR DAS NOSSAS TERRAS”

Teve início nesta segunda, 26, com uma reunião com o presidente da FUNAI uma série de agendas do Conselho Terena em Brasília, que devem seguir ao longo da semana.

Na Fundação Nacional do Índio, o Conselho foi cobrar o presidente Franklimberg Ribeiro de Freitas respostas para problemas que os indígenas têm enfrentado no Mato Grosso do Sul. Com lideranças contemplando diversas comunidades, juventude, mulheres e pautando as crianças e idosos não presentes, o encontro foi marcado por falas que deixavam claro que o povo não pretende recuar diante dos retrocessos com relação às terras, a desmontes nas estruturas das comunidades, como fechamento da CTL de Nioaque e a nomeação do Pastor Henrique Dias para a coordenação da FUNAI no Mato Grosso do Sul.

Foto: Mídia NINJA

O Conselho exige que a FUNAI lute junto aos parentes pela demarcação das terras, e por acelerar o processo em que se encontram tantas outras, como o caso da Terra Indígena Aldeia Limão Verde, já homologada, mas que teve sua demarcação anulada pela segunda turma do STF. “Não estamos aqui para brincadeira. Somos pais preocupados com nossas crianças. Pergunte aqui se nós vamos sair das nossas terras. Não. Nós vamos ouvir nossas bases, não esses que se dizem lideranças para assumirem cargos” disse o cacique Arcênio Dias, da Terra Indígena Limão Verde. O antropólogo Gustavo Menezes falou sobre os processos judiciais ao qual são submetidas as terras até chegarem no processo de demarcação. Gustavo afirma que tem cerca de 500 reivindicações de terras para serem analisadas e que a equipe da FUNAI só consegue fazer 6 ou 7 por ano e diante dos questionamentos da situação de cada aldeia, se comprometeu a reunir mais informações e se encontrar com as lideranças para lhes repassar detalhes de cada uma.

Com relação a CTL, Franklimberg disse que foi preciso reduzir as CTL por conta dos cortes que a FUNAI sofreu mas que orientou que a coordenação regional da FUNAI verificasse quais postos podem atender a comunidade. Para a população isso não é funcional porque demanda deslocamentos de carro, e nem sempre o atendimento é garantido. O presidente também reforçou que a Fundação está vivendo um momento de transição com a portaria do Governo Federal que determina a diminuição dos cargos comissionados e que foi a última a cumprir a determinação, mas que pretende retomar o posto à Nioaque.

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Sobre a nomeação do Pastor Henrique Dias para a coordenação da FUNAI no Mato Grosso do Sul, o Conselho Terena reafirmou que ele não é reconhecido pelas lideranças como alguém que representa os indígenas e são contra ele assumir esse cargo, e já tem a decisão de ocupar a FUNAI caso o presidente o nomeie. “Tenha cuidado e carinho ao ouvir essas lideranças, jovens e mulheres que estão aqui hoje senhor presidente. Elas sim nós reconhecemos” afirmou Simone Terena, representante da APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil durante a reunião.

Muitas lideranças reforçam o descaso da FUNAI com a população indígena. “O senhor precisa ir lá, ver com seus olhos, olhar nos olhos das pessoas, sentir o que nós sentimos” disse Maurílio Terena, da Terra Indígena Taunay-Ipegue. “Não temos emprego, não temos nada, queremos deixar algo para nossos filhos. Você nunca fizeram nada para os índios caminharem com as próprias pernas”. “Os povos indígenas sempre buscaram fortalecer a FUNAI mas o que temos visto é o enfraquecimento dela. A FUNAI não tem moral nas terras indígenas” colocou Lindomar Terena para o presidente da FUNAI.