Em plena pandemia, governo reduziu gastos com saúde indígena

Em plena pandemia, governo reduziu gastos com saúde indígena

Análise do Inesc revela que houve uma queda de 9% no valor autorizado da ação de “Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde Indígena” entre 2019 e 2020 na gestão Bolsonaro. Votação de vetos a projeto de lei que prevê plano emergencial para comunidades indígenas e tradicionais está prevista para esta quarta no Congresso

O governo federal investiu menos recursos na saúde indígena no primeiro semestre de 2020, marcado pela pandemia do novo coronavírus, do que no mesmo período de 2019, de acordo com uma análise inédita do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) a pedido do Conselho Nacional de Direitos Humanos.

O levantamento mostra que os gastos com saúde indígena diminuíram 9% nos primeiros seis meses de 2020, em plena pandemia. O orçamento para caiu de 725,9 milhões de reais no primeiro semestre do ano passado para 708,8 milhões no mesmo período deste ano. Nos meses de abril e maio, quando a Covid-19 começou a ameaçar até os povos isolados, os valores destinados à saúde indígena ficou abaixo dos recursos investidos em 2019: caíram de 236,4 milhões para 173,3 milhões de reais em abril, e diminuíram de 159,2 milhões para 54,8 milhões em maio.

O documento foi divulgado nesta quarta-feira, 19, quando o Congresso fará a votação dos vetos ao Projeto de Lei 1142/20 – que prevê um plano emergencial de enfrentamento à Covid-19 para povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. A derrubada dos vetos é importante para viabilizar ações emergenciais para essas comunidades diante da omissão do governo na assistência a essas populações. 

De acordo com a análise do Inesc, na gestão Bolsonaro, houve uma queda de 9% no valor autorizado da ação de “Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde Indígena” entre 2019 e 2020. A análise considera uma queda de 5% entre 2018 e 2019, totalizando um corte de 14% na comparação do orçamento autorizado entre 2018 e 2020. 

“Apesar da chegada do novo coronavírus, não houve recomposição orçamentária nem mesmo por créditos extraordinários, o que seria tanto justificado pela vulnerabilidade indígena diante da pandemia como autorizado pelo regime fiscal especial decorrente da emergência sanitária. Os investimentos em Saúde Indígena seguem uma tendência de queda em 2020”, afirmam as autoras da análise, Leila Saraiva e Alessandra Cardoso, assessoras políticas do Inesc. 

Diante dos efeitos devastadores na pandemia entre povos indígenas, a queda dos valores empenhados, liquidados e pagos entre o primeiro semestre de 2019 e o primeiro semestre de 2020 é um contrassenso. Nos meses em que a pandemia já estava instaurada nos territórios indígenas, os valores liquidados em 2020 são significativamente menores que os liquidados em 2019. Em abril e maio, a queda chega à casa dos R$ 100 milhões. É apenas em junho que esse quadro se reverte, o que indica demora para a efetivação de uma atuação robusta para conter o vírus.

A nota técnica apresenta, a título de exemplo, a análise dos gastos realizados pelos dois Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) mais afetados pela pandemia: DSEI Leste-RR e DSEI-Rio Tapajós. As assessoras constataram que não  houve aumento significativo de gastos em itens essenciais para o enfrentamento do novo coronavírus nos meses em que a pandemia já estava instaurada nas comunidades. É o caso, por exemplo, dos gastos com táxi-aéreo, utilizados para transporte de paciente no âmbito do DSEI-Rio Tapajós, cujos valores foram mais altos em janeiro do que os meses de abril, maio e junho somados – quando a pandemia já estava instaurada.

Em julho, questionado sobre os gastos, o secretário especial de Saúde Indígena, Robson Santos da Silva, em audiência iterativa realizada pela Comissão Externa do Coronavírus, afirmou que a queda dos valores liquidados se explicava pela paralisação das obras. No entanto, a análise do Inesc demonstra que o Plano Orçamentário referente às obras é pouco relevante nos gastos da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a queda orçamentária ocorreu nas atividades que dizem respeito ao atendimento à população indígena.

O resumo da nota técnica pode ser lido aqui e o documento completo aqui

Contaminação alastra-se por territórios

Os casos de contaminação e mortes se alastram nos territórios indígenas. Depois das regiões do Amazonas, Roraima, Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, o estado de Rondônia pediu socorro para conter a contaminação que atinge a Terra Indígena Sete de Setembro, localizada na região de Cacoal.

São nove óbitos e 304 infectados registrado pelo DSEI de Vilhena. Os indígenas pediram imediata instalação de Hospital de Campanha com UTIs, contratação de profissionais para os DSEIs e postos de saúde indígena, equipamentos de proteção individual, testes, divulgação diária da situação da Covid-19 aos povos indígenas, assim como a criação de um Comitê de Diálogo composto por representantes indígenas, organizações parceiras e profissionais de saúde.

No Tocantins, em menos de 24 horas, a aldeia Santa Isabel do Morro, do povo indígena Karajá, na Ilha do Bananal, teve três membros de uma mesma família mortos pela Covid-19. São as consequência de uma pandemia sem controle nas terras indígenas que sobrevivem com o mínimo apoio de organizações parceiras e das próprias comunidades indígenas que tentam através de campanhas online conseguir itens básicos de enfrentamento à pandemia. 

Na segunda-feira, em carta à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a ONU contestou os vetos do governo ao PL 1142 e afirmou que o estado brasileiro deve adotar “medidas afirmativas concretas” para lidar com grupos vulneráveis e se diz “preocupada” diante da recusa do Executivo em assegurar orçamento. 

Ao sancionar o projeto, o presidente Bolsonaro vetou, ao todo, 22 dispositivos, entre eles os que dizem respeito à oferta de água potável, leitos de UTIs e recursos extras para a assistência a essas populações. O veto, de número 27, será apreciado na sessão desta quarta-feira do Congresso, 19, a partir das 10h. Até  o horário da votação, haverá uma intensa mobilização da sociedade civil e de parlamentares que, desde o mês de julho, pedem a derrubada dos 22 vetos ao projeto de lei. 

Segundo dados do Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena, o Brasil contabiliza a trágica marca de 689 indígenas vítimas da Covid-19, mais de 26 mil contaminados e 154 povos atingidos. Entre os quilombolas, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) contabiliza mais de 4 mil casos confirmados e 153 óbitos.

 

Emergência Indígena: Povo Pataxó luta contra reintegração de posse durante pandemia

Emergência Indígena: Povo Pataxó luta contra reintegração de posse durante pandemia

NOTA DE PEDIDO DE APOIO PARA COMUNIDADE INDÍGENA

A COMUNIDADE INDÍGENA PATAXÓ da aldeia NOVOS GUERREIROS localizada no território indígena de PONTA GRANDE, foi surpreendida por uma decisão liminar que autoriza uma reintegração de posse em uma area da aldeia onde está sendo ocupada por 24 famílias indígenas. Os indigenas foram representados e representadas pelos Procuradores Pedro Dinis O’Dwyer e Fernando Zelada, em audiência realizada pelo Juiz Federal Pablo Baldivieso, em 20/08/2020, sofreu uma derrota que inicialmente tem impacto direto sobre 24 familias, mas que eventualmete poderá condenar toda a comunidade a desumanidade de não ter um território onde morare também a exposição ao covid- 19. O juiz determinou:

”Expeça-se mandado de reintegração de posse, devendo ser os requeridos invasores intimados para deixarem, em 05 (cinco) dias, o local, dali retirando os seus pertences, inclusive com a requisição de auxílio policial, caso se faça necessário, tendo em vista as peculiaridades do caso em pauta.

Cumprido o mandado de reintegração, fica aberto o prazo para contestação, no prazo de 15 (quinze) dias nos termos do art. 554, §1o, c/c art. 564, ambos do CPC/2015: por mandado, os ocupantes presentes no local, os quais deverão ser devidamente identificados e qualificados pelo oficial de justiça encarregado do cumprimento da diligência, que deverá ainda, em sendo possível, identificar o(s) líder(es) do Movimento ali presente(s); por edital, os demais ocupantes que não forem encontrados no local no momento do cumprimento da diligência.”

Caso essa decisão liminar se cumpra, Cairá sobre os ombros da Comunidade o peso do abandono e da morte. Observa-se que o papel da Funai é defender os interesses dos povos indígenas, amparando-os através dos recursos e providências para evitar este horror que recai sobre a comunidade. Além das falhas que constam
no processo (foto da área com erros), a comunidade não tem voz através dos seus representantes legais.

Apelamos a sociedade e aos Superiores do MP Federal com propósito de pedir que assumam o seu papel de luta na defesa dos interesses dos(as) indígenas. E façam cumprir o determinado pelo Supremo Tribunal Federal:

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu suspender, até o fim da pandemia do coronavírus, todos os processos e recursos judiciais de reintegração de posse e de anulação de demarcação de territórios indígenas em tramitação no Brasil. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) considerou o fato uma vitória da mobilização nacional indígena.

“Para nós é uma decisão importante, até porque os povos indígenas estão sendo muito afetados nesse contexto de pandemia. Muitas comunidades estão enfrentando e adotando meios preventivos por conta própria”, aponta Eloy Terena, do setor jurídico da Apib.”
Fonte https://www.brasildefato.com.br/2020/05/06/stf-suspende-processos-de- reintegracao-de-posse-em-areas-indigenas-durante-a-pandemia
https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2020/05/stf-suspende-processos- de-reintegracao-de-posse-em-terras-indigenas/

A medida do Juiz (Sr Pablo Baldivieso) é, ao nosso ver, desumana, injusta e desproporcional. Porém, o desinteresse do MP é flagrantemente assustadora. O silêncio em audiência, a falta de comunicação com as lideranças indígenas provoca caos e medo na Comunidade.

Pedimos atenção e respeito. Pedimos providências. Pedimos dignidade. SOBRETUDO PEDIMOS SOCORRO.

Atenciosamente, Aldeia Indígena Novos Guerreiros

“Quantos indígenas precisam morrer para o Governo implementar um plano emergencial?”

“Quantos indígenas precisam morrer para o Governo implementar um plano emergencial?”

Derrubada de vetos presidenciais acontece mais de dois meses após a aprovação da Lei que pretende proteger, em caráter emergencial, povos indígenas quilombolas e comunidades tradicionais durante a pandemia da Covid-19. Desde o dia 16 de junho, quando o projeto foi aprovado no Senado, número de indígenas mortos pelo novo coronavírus cresceu 144%.

“Foi importante a derrubada dos vetos, mas quando vai começar a implementar? Já temos 700 óbitos, vai esperar mais 700 indígenas morrerem para implementar um plano?”. Os questionamentos de Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), ocorrem devido às recorrentes ações do Governo que impedem a implementação de uma ação de enfrentamento da pandemia da Covid-19 entre os povos indígenas.

Em sessão realizada na última quarta-feira (19), o Congresso Nacional votou pela derrubada de 16 vetos, do total de 22, feitos por Jair Bolsonaro ao projeto de lei que estipula medidas para conter o impacto da disseminação do vírus entre indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais.

O projeto de lei 1142/2020 que cria o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas foi aprovado no dia 21 de maio pela Câmara Federal e no dia 16 de junho pelo Senado. Bolsonaro sancionou a nova lei apenas no dia 7 de julho com 22 vetos impedindo a implementação de medidas que poderiam salvar centenas de vidas. Quando o Senado aprovou a lei o número de indígenas mortos era de 287, hoje (21) já são 701 parentes, um aumento de 144% no número de indígenas mortos por Covid-19.

Na ocasião dos vetos, a Apib divulgou uma nota apontando que as decisões de Bolsonaro demonstram publicamente a adoção de uma política anti-indígena, uma vez que os trechos rejeitados obrigavam o governo a garantir desde o fornecimento de água potável a facilitação do acesso ao auxílio emergencial.

A mobilização do movimento indígena foi fundamental para articular um projeto de lei conectado com as demandas de 305 povos brasileiros e mais o povo Warao – originalmente da Venezuela e que se encontra refugiado em vários estados do Brasil. A incidência política da Apib em parceria com a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas e demais parceiros da sociedade civil organizada tem sido primordial na tramitação do projeto de lei até a aprovação no Congresso.

A deputada Joenia Wapichana, relatora do PL na Câmara, destaca a importância da aprovação da lei com a derrubada dos vetos: “Esses povos têm contribuído para a conservação da biodiversidade, mantendo os territórios indígenas a salvo, protegendo o meio ambiente. Enquanto nós falamos aqui em retrocessos, em flexibilização das regras ambientais, os povos indígenas têm mantido a qualidade do meio ambiente com a própria vida.”

Apesar de ser uma vitória política significativa, é necessário acompanhar a implementação da lei para garantir que a proteção aos direitos indígenas sejam, minimamente, garantidos. Para Sônia Guajajara, a derrubada dos vetos não significa, de fato, a efetividade do plano: “Temos que continuar na pressão para que o governo de as condições para que o plano seja implementado. Chegamos no STF, no Legislativo e de ação concreta nada até agora. Por que os óbitos continuam crescendo? Se as ações tivesse sendo efetivas não teríamos números tão alarmantes.”

Uma prova da negligência do Governo para com os povos originários durante a pandemia é o orçamento da Sesai. Em comparação com ano passado, os gastos com saúde indígena nos meses de abril e maio foram 9% menores, enquanto os números de indígenas contaminados e falecidos por Covid-19 cresciam rapidamente. Em junho, uma reportagem do Brasil de Fato revelou que, desde o primeiro caso do novo coronavírus no Brasil, a Funai gastou R$ 8,35 por indígena de março a junho, o que significa R$ 0,07 por dia.

Parte do esforço em conter o impacto da pandemia entre povos indígenas, segue com a decisão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 709 no Supremo Tribunal Federal, que determina que o Governo adote medidas para conter o avanço da pandemia nos territórios indígenas, buscando evitar o genocídio e o etnocídio dos povos originários no país.

O PL 1142 é de autoria da deputada federal Rosa Neide (PT/MT) e as relatorias de responsabilidade da deputada Joenia Wapichana (Rede/RR), na Câmara dos Deputados e do senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP), no Senado. Além de dispor sobre medidas para povos indígenas, o PL 1142 também prevê apoio às comunidades quilombolas e outros povos tradicionais que se encontram em extrema vulnerabilidade social neste momento de pandemia, e ainda assegura mais recursos no orçamento da União para viabilizar a execução do plano.

Não são apenas números, são vidas!

Continuaremos na luta para proteger nossa ancestralidade, nossos territórios e nossas vidas.

O sonho da cura: a resistência Karajá na pandemia

O sonho da cura: a resistência Karajá na pandemia

Texto de Lumararu Karajá e Sofia Scartezini

29 de junho de 2020 foi o dia em que o medo chegou na aldeia Ibutuna. A pandemia da COVID-19 já havia se instalado como uma realidade global, mas até que ponto o global incidiria no local e se as fronteiras entre culturas tão distantes iriam ser dissolvidas diante da contaminação do vírus era uma dúvida até então. Para Celina, a matriarca de 86 da aldeia, era um dia normal, até que o mesmo fosse perturbado por febre, tosse e dores no corpo. Foi um alerta para toda a aldeia, que tem cerca de 116 pessoas e é envolvida pelo Rio Araguaia, na Ilha do Bananal. A saúde de Celina já há um tempo é motivo de preocupação e espanto, pois mesmo sendo diabética e passando por momentos delicados de doença, a força e superação sempre surpreendeu aos demais. É uma senhora forte, que mesmo com as pernas que vez ou outra acusam dores, levanta-se todo dia as sete da manhã, vai ao rio tomar seu banho antes até do despertar dos mais jovens, coa o café para a família enquanto resmunga para cachorros e galinhas intrusos na casa.

Com o passar do tempo o corpo foi sentindo mais e cedendo, ficou ruim a ponto de sentir que a morte estava perto dela, como narrou ao seu neto, Lumararu Karajá. Chegou mesmo a pensar que morreria diante da nova doença, e o tratamento imposto a ela incluiu dipirona, amoxicilina e xarope guaco. Nada. Anoiteceu outro dia e Celina piorava, as pernas já fracas respondiam ainda menos, não conseguia levantar e nem cumprir suas tarefas diárias. Eis que ao adormecer, em sonho seu falecido pai Wahukuma veio até a filha doente e lhe disse: “Coitada filha, você está doente! Você tem que tomar remédio, tem que banhar! ”. Celina assustada, levantou a cabeça e ouviu a mesma voz de seu pai: “Filha, pega esse remédio Kotxueni, as folhas você usa para banhar e as raízes você toma chá, vai ficar boa com isso. Esse remédio é encontrado somente no brejo”. Após a visita do pai em sonho, Celina dormiu tranquila, como se a febre e os sintomas da doença tivessem atenuado.

Ao amanhecer, chamou suas filhas Myreiru e Imahiki, que são boas raizeiras, contou a elas, aos netos e demais em frente à casa, em sua esteira, sobre os conselhos de seu pai e pediu que as filhas fossem a procura do remédio, que até então era desconhecido. Myreiru e Imahiki, foram por volta das nove da manhã em busca da planta, e após cinco horas de andança e procura, avistaram uma planta parecida com a tiririca, que Wahukuma, pai
falecido de Lahire já havia alertado no sonho: “ É parecido com a tiririca, mas não corta”. Já cansadas, enfim acharam a planta chamada kotxueni, o remédio tradicional, no brejo. Voltaram até a aldeia, fizeram o preparo do chá separando as raízes das folhas e deram primeiro para Celina que estava mais fraca e depois para os demais. Todos tomaram banho com as folhas. Após a ingestão do remédio, o corpo foi ficando forte e a doença aos poucos indo embora. O uso desse remédio tradicional pode ser de no máximo três dias, mas as pessoas adoentadas ficaram boas logo, em dois dias, como explicou Celina. Essa narrativa chegou a mim junto ao pedido de estender a boa notícia, de mostrar como o mato, o conhecimento tradicional Karajá e seres que encantam e povoam esses outros mundos trabalham e tem muito a nos dizer em crises como a que estamos vivendo. A intenção é que o remédio esteja a serviço, na medida do possível, aos parentes adoentados, como os próprios karajá, mas também aos Tapirapé, Bakayry e Guajajara, por exemplo. É comum que os raizeiros recebam algo em troca de seu trabalho, tradicionalmente a rede de trocas inclui panelas, gás, celular, a depender do remédio e do trabalho de quem faz.

O relato de Lahire (palavra na língua inyrabé para “avó”) Celina a seu neto, e dele para mim, que tenho a alegria de trabalhar com os Karajá de Ibutuna, e de mim para você, vem em um momento oportuno. Momento de refletir sobre a vulnerabilidade dos povos indígenas no Brasil diante de uma pandemia global, diante de um forte período negacionista e uma assistência à saúde debilitada. Momento para abrirmos os olhos e ouvidos para a força que emerge das diversas ancestralidades diante de um cenário de grande fragilidade, nesse momento que escrevo, 12 de agosto, as mortes por Covid-19 entre indígenas no Brasil chega ao triste número de 664 pessoas. A resistência entre mundos de populações que vem lutando pelo direito à vida há muito nesse país envolve uma economia cosmológica poderosa. Que os Karajá, as populações indígenas que resistem no país alcancem e encantem nossas noções de mundo. E essa foi a mensagem que Celina quis nos passar, sua história de resistência.

Plano do governo contra Covid-19 nas aldeias deixa de fora 70% das terras indígenas

Plano do governo contra Covid-19 nas aldeias deixa de fora 70% das terras indígenas

Documento formulado pela equipe da ministra Damares Alves foi classificado de “deficitário e inconsistente” por especialistas do grupo
Matérias de Daniel Biasetto publicado originalmente em O Globo

O plano de instalação de barreiras sanitárias nas aldeias apresentado pelo governo federal deixou de fora 70% das terras indígenas. É o que mostra o documento produzido pela Grupo de Trabalho liderado pela ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) obtido pelo GLOBO. Nele, apenas 163 das 537 terras indígenas (excluindo as que possuem povos isolados) aparecem como beneficiadas pelas medidas determinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para conter o avanço da Covid-19 entre esses povos.

Após a análise do documento, os especialistas convidados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) que compõem o Grupo de Trabalho classificaram o plano como “extremamente deficitário e inconsistente”, com terras indígenas duplicadas e outras sem a presença de nenhum agente do governo. A Apib enviou nesta segunda-feira uma petição ao ministro Luís Roberro Barroso pedindo ao STF que determine a revisão das medidas apresentadas pelo governo.

“O Plano da União carece de revisão técnica e faz uso superficial e inadequado de estudos, de informações e terminologia”, diz a petição enviada ao ministro Barroso.

No “Anexo C” do plano , o governo afirma que há 274 barreiras sanitárias instaladas, nas quais 132 (48%) têm ação exclusiva de índios, ou seja, nenhuma participação de servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) ou da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Apenas 25 delas (9%) possuem atuação exclusiva de agentes do governo. Outras 55 barreiras citadas no documento (20%) não têm sequer informação de composição.

No levantamento feito pela Apib junto às organizações regionais e às comunidades indígenas pode-se verificar que quase a totalidade das barreiras foi instalada e está sendo mantida pelas próprias comunidades indígenas, sem qualquer apoio da União.

A Apib afirma ainda que no plano não há qualquer medida voltada para a instalação de barreiras de contenção de invasores, considerada ação emergencial de prevenção e combate à Covid-19. A retirada de garimpeiros, madeireiros e grileiros das terras indígenas Arariboia, Karipuna, Kayapó, Mundurucu, Trincheira Bacajá, Uru-Eu-Wau-Wau e Yanomami foi tema de polêmica no julgamento no STF por conta da corte não estabelecer um prazo para a saída dos invasores. Apenas o ministro Edson Fachin votou para retirada imediata.

Por fim, a entidade pede transparência dos dados do subsistema de atenção à saúde dos povos indígenas para que a Sesai adote os procedimentos técnicos de rotina na produção de estatísticas públicas (sexo, idade, etnia, aldeia, polo-base e por qual Distrito Sanitário (Dsei) é atendido) e detalhamento maior da “Ficha de Notificação de Síndrome Gripal com data de notificação, sintomas, data de início dos sintomas, condições pré-existentes (comorbidades), estado do teste, data da coleta do teste, tipo do teste, resultado do teste, classificação final do caso, evolução do caso e data de encerramento do caso).

O relatório enviado ao ministro Barroso conclui que “há grave omissão do governo federal no combate à Covid-19 em meio aos povos indígenas, no atraso de suas respostas à pandemia e na escassez de recursos disponibilizados”

– Um plano extremamente deficitário, com objetivos e metas que não priorizam salvar vidas indígenas. Além de demostrar de forma clara que o governo não esta aberto ao diálogo intercultural, pois não acatou as contribuições oferecidas no âmbito do grupo de trabalho – afirma o advogado que representa a Apib no STF, Eloy Terena.

Procurada, a ministra Damares Alves ainda não se manifestou.

‘Placa de advertência contra vírus”

O documento analisado pela Apib possui, entre outras inconsistências apontadas pelos especialistas, casos curiosos como o da aldeia Buriti, do povo Terena, em Mato Grosso do Sul, no qual o governo afirma manter lá uma barreira com “cerca de 300 homens, 24 horas por dia”.

O GLOBO entrou em contato com a aldeia em MS e a informação não bate. Há de fato uma barreira, porém, mantida pela própria comunidade que se reveza no controle.

Já na Terra Roxa, no Paraná, o governo diz que nas aldeias Araguajy, Yvyrati Porã e Yvy Porã há “placas de advertência” instaladas.

“Desde quando placa de advertência é apta a impedir o ingresso do vírus na comunidade indígena?”, questionam os especialistas na petição.

Nota sobre o assassinato de Kwaxipuhu Ka’apor, no MA

Nota sobre o assassinato de Kwaxipuhu Ka’apor, no MA

Associação Ka’apor Ta hury do Rio Gurupi, vem em nome do Presidente e Cacique Geral do povo ka’apor, com muita tristeza que estamos aqui mais uma vez para comunicar às autoridades o falecimento do parente Kwaxipuhu Ka’apor (32 anos) da Terra Indígena Alto Turiaçu, o mesmo foi encontrado morto, vítima de assassinato brutal. Ele foi espancado até a morte.

Aconteceu no dia 03/07/2020, no período da tarde, no povoado Nadir, município de Centro do Guilherme, o mesmo encontrado no início da noite. Todo o povo Ka’apor está triste e diante da situação ocorrida, cobramos das autoridades não somente mais uma investigação, mas providências necessárias para a solução dos problemas que há muitos anos vimos passando.
Muitas informações já foram passadas ao longo dos anos sobre os locais de invasões, os locais onde madeireiros e traficantes usam na Terra Indígena e em seu entorno, já foram feitos compromissos pelos órgãos competentes ao povo Ka’apor, mais nada foi efetivado até o momento; Por isso exigimos que seja colocado em prática de mediatas e ações sobre a situação do nosso território. Esperamos uma resposta das autoridades competentes: Polícia Federal, IBAMA, Funai e Governo do estado, pois estamos cansados e tristes de assistir tanta violência e nenhuma solução.
Nós Ka’apor estamos organizados para ajudar na ação de proteção de nosso território, uma vez que temos nossos Ka’a Usak Há Ta (Guardas Florestais), porém nossa capacidade de ação é limitada, frente à atribuição dos órgãos supracitados. Por isso, cobramos mais uma vez atitudes concretas das autoridades responsáveis por fiscalizar nossa Terra.

Reiteramos nossa profunda tristeza e lamento pela morte de mais um parente, mais um indígena assassinado no maranhão. Nossa expectativa e anseio é que desta vez esta situação seja encarada de forma diferente, levando mais a sério as vidas indígenas. A devida resposta que esperamos é o ou os assassinos sejam presos e levados à justiça. E que nenhuma gosta à mais de sangue indígena seja derramada em Nossa terra (Brasil).

Cacique Geral: Iracadju Ka’apor
Presidente da Associação Ka’apor Ta Hury

Vitória da APIB e dos povos indígenas no STF

Vitória da APIB e dos povos indígenas no STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, em votação unanime dos nove ministros, que o Governo Federal adote medidas de proteção aos povos indígenas durante a pandemia do novo coronavírus. A decisão atendeu à ação movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e, entre outras coisas, obriga o a elaboração e cumprimento de um plano de enfrentamento da Covid-19.

O julgamento, que começou na ultima segunda-feira (3), mas foi adiado para ser concluído no dia de hoje (5) confirmou de forma integral a liminar do ministro relator da ação, Luís Roberto Barro, que no início de julho decidiu pela obrigação do governo Bolsonaro na adoção de medidas de proteção aos povos indígenas.

Apesar da decisão favorável, os ministros deixaram de fora da decisão a retirada dos invasores que estão em 7 Terras Indígenas (TI). Apenas o ministro Edson Fachin votou pela saída imediata dos invasores das TIs Yanomami nos estados do Amazonas e Roraima, das TIs Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia, do território Araribóia (MA) e nas TIs Munduruku, Trincheira Bacajá e Kayapó no Pará.

De acordo com o advogado da APIB, Luiz Eloy Terena, amanhã a APIB já tem uma reunião marcada com o governo federal, onde os representantes da união devem apresentar um plano de enfrentamento no que tange aos povos indígenas em geral.

Veja quais são as medidas que o governo Bolsonaro está obrigado a adotar:

– Instalação de grupo de trabalho, com participação de representantes do governo e dos indígenas, para acompanhar o andamento das ações gerais de combate à pandemia

– Instalação de sala de situação para a gestão de ações para os povos indígenas em isolamento e de recente contato

– Criação de barreiras sanitárias em terras de povos isolados
Em 30 dias a partir da notificação da decisão, o governo deve elaborar um Plano de Enfrentamento da Covid-19

– Garantir que indígenas em aldeias tenham acesso ao Subsistema Indígena de Saúde, independente da fase de demarcação da TI

– Indígenas não aldeados (urbanos) também devem acessar o subsistema de Saúde Indígena caso não haja oferta no SUS

Assista na integra a defesa feita pelo advogado da APIB Luiz Eloy Terena durante a primeira etapa do julgamento, dia (3).

ADPF 709 no Supremo: Povos Indígenas e o direito de existir!

ADPF 709 no Supremo: Povos Indígenas e o direito de existir!

Está agendado para o próximo dia 03 de agosto, o julgamento no plenário do STF, do referendo da liminar proferida pelo eminente ministro Luís Roberto Barroso, na ADPF n. 709, da Articulação dos Povos Indígena do Brasil (APIB), em conjunto com outros seis partidos políticos (PSB, REDE, PSOL, PT, PDT e PC do B), que determinou ao governo federal a adoção de medidas para conter o avanço da pandemia nos territórios indígenas. Esta ação (Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental) é o grito de socorro dos povos indígenas no judiciário. Em síntese, a organização indígena invoca o sagrado direito de existir, de não ser exterminado e busca medidas para evitar o genocídio e etnocídio dos povos indígenas do Brasil.

A presença da APIB como autora da ação é um ponto fundamental. Durante muito tempo os povos indígenas foram colocados numa posição de subalternidade legal. Ainda no início da colonização questionou-se até se os “índios eram detentores de almas”. Foi preciso um documento do Papa reconhecendo que os mesmos possuíam alma e, portanto, eram passíveis de catequização. Superado esta visão, os povos indígenas foram subjugados a tutela jurídica, considerados como incapazes para a prática dos atos da vida civil, estes não podiam se fazer representar, necessitando sempre do aval do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e depois da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Foi somente com a Constituição Federal de 1988 que os povos indígenas tiveram reconhecido o direito de estarem em juízo defendendo seus direitos e interesses. Neste aspecto, a Carta constitucional rompeu com o paradigma tutelar e integracionista que até então orientava a política indigenista brasileira. Mas, passados mais de 30 anos da promulgação da Constituição, esta é a primeira vez que os povos indígenas vão ao Supremo, em nome próprio, defendendo direito próprio e por meio de advogados próprios, propondo uma ação de jurisdição constitucional.

A APIB tem acompanhado com preocupação o avanço da pandemia nos territórios indígenas. A situação de extrema vulnerabilidade dos povos indígenas, aliado a omissão sistemática do governo brasileiro – diga-se: um governo declaradamente anti-indígena – , onde mesmo o poder legislativo tendo aprovado o PL 1142, que prevê medidas emergenciais para povos indígenas e quilombolas, mas que foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro, fez com que os povos indígenas batessem a porta da Suprema Corte. Assim, a ADPF 709 é o grito de socorro dos povos indígenas. O STF tem a oportunidade de referendar as medidas que visam impedir o genocídio dos povos indígenas neste contexto de pandemia.

A ação foi proposta no dia 29 de junho, e distribuída ao ministro Luís Roberto Barroso. Na petição inicial, a APIB pediu a instalação de barreiras sanitárias em 31 terras indígenas com presença de indígenas isolados e de recente contato; a extrusão dos invasores presentes nas TI’s Yanomami, Karipuna, Uru-EuWau-Wau, Kayapó, Araribóia, Munduruku e Trincheira Bacajá; a determinação de que os serviços do Subsistema de Saúde Indígena do SUS devem ser prestados a todos os indígenas no Brasil, inclusive os não aldeados (urbanos) ou que habitem áreas que ainda não foram definitivamente demarcadas.

No dia 2 de julho, o relator proferiu despacho determinado a “intimação do Exmo. Sr. Presidente da República, do Exmo. Procurador-Geral da República e do Exmo. Advogado Geral da União, para manifestação no prazo comum e impostergável de 48 horas (independentemente do recesso) sobre o pedido de cautelar. Após o transcurso do prazo, com ou sem manifestação, os autos devem retornar à conclusão, para decisão”.

Após as respostas apresentadas pelo presidente Jair Bolsonaro e pela Advocacia Geral da União (AGU), o ministro apreciou a petição e os argumentos apresentados pela APIB. E, no dia 8 de julho, foi proferida decisão deferindo parcialmente a liminar pleiteada, determinando ao governo federal a adoção das seguintes medidas:

  • Determinação de criação de barreiras sanitárias, conforme plano a ser apresentado pela União, ouvidos os membros da Sala de Situação, no prazo de 10 dias, contados da ciência desta decisão.
  • Determinação de instalação da Sala de Situação, como previsto em norma vigente, para gestão de ações de combate à pandemia quanto aos povos indígenas em isolamento e de contato recente, com participação de representantes das comunidades indígenas, da Procuradoria Geral da República e da Defensoria Pública da União, observados os prazos e especificações detalhados na decisão. Quanto aos povos indígenas em geral.
  • Determinação de que os serviços do Subsistema Indígena de Saúde sejam acessíveis a todos os indígenas aldeados, independentemente de suas reservas estarem ou não homologadas. Quanto aos não aldeados, por ora, a utilização do Subsistema de Saúde Indígena se dará somente na falta de disponibilidade do SUS geral.
  • Determinação de elaboração e monitoramento de um Plano de Enfrentamento da COVID-19 para os Povos Indígenas Brasileiros, de comum acordo, pela União e pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, com a participação das comunidades indígenas, observados os prazos e condições especificados na decisão.

É chegada a hora em que o pleno do Supremo tem a oportunidade de reconhecer a legitimidade da APIB para propor ação direta perante o Supremo Tribunal Federal e, referendar as medidas protetivas deferidas na cautelar.

A ADPF 709 proposta pela APIB é o documento judicial pela qual os povos indígenas invocam o direito de existir. O direito de não ser exterminado.

Originalmente postado no site Mídia Ninja.

APIB lança Plano de Enfrentamento à Covid-19 “Emergência Indígena”

APIB lança Plano de Enfrentamento à Covid-19 “Emergência Indígena”

Em parceria com a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas, a Apib promove o lançamento do plano de enfrentamento à Covid-19. Denominado Emergência Indígena, o plano reúne diretrizes sobre cuidado integral e diferenciado, ações judiciais de incidência política e estratégias de comunicação e informação sobre medidas de prevenção.

O objetivo do Plano Emergência Indígena é levantar fundos para promover ações diretas de cooperação para o enfrentamento da Covid-19. O lançamento acontece na segunda (29), às 14h (horário de Brasília), por transmissão online pelo Facebook.

Acesse o plano

Acompanhe:

Demarcação da Terra Indígena Apyterewa sob risco no STF

Demarcação da Terra Indígena Apyterewa sob risco no STF

Por Paulo Büll

A TI Apyterewa, localizada no Rio Xingu e homologada em 2007, tem mais da metade de sua área invadida por fazendeiros, grileiros, madeireiros e garimpeiros. Os Parakanã-Apyterewa, que há anos sofrem com a violação do seu direito de usufruir exclusivamente da TI, estão ainda mais ameaçados depois da decisão do ministro Gilmar Mendes, no âmbito do mandado de segurança n. 26.853, em trâmite no STF, abrindo a possibilidade para uma “conciliação” entre invasores e a União Federal para resolver um conflito fundiário que, dentro dos marcos constitucionais, não pode ser resolvido senão com a desintrusão dos não-indígenas.

Em 2005, ainda no decorrer do processo demarcatório, o Tribunal Regional Federal da 1º Região (TRF-1) reconheceu a ilegitimidade da ocupação não-indígena e ordenou a retirada imediata dos invasores da terra indígena. No julgamento, a desembargadora Selene Maria de Almeida asseverou que a garantia da posse das terras imemorialmente ocupadas pelos índios é explicitamente assegurada desde a Constituição de 1934, e que o texto constitucional vigente estabelece que são nulos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras indígenas (art. 231, § 6). Apesar da decisão judicial favorável aos índios, os não-indígenas conseguiram que a terra indígena fosse reduzida de 980.000ha para 773.470ha.

Mapa das invasões elaborado por Pedro Henrique Cordeiro dos Santos Alves

Mesmo com a redução de mais de 200.000ha da área demarcada, os invasores não contiveram o seu avanço. Ao longo dos últimos 13 anos, desde a homologação da Terra Indígena, os Parakanã-Apyterewa sofrem com as invasões desencadeadas pelo garimpo, pela extração de madeira e outras atividades igualmente ilegais. Sua subsistência, já dificultada pela redução das áreas de circulação livre para a caça dentro da TI, hoje tem sido ainda mais prejudicada, já que a construção da UHE Belo Monte agravou a contaminação do rio Xingu e alterou a rotina da pesca. A desintrusão da TI Apyterewa, inclusive, é uma das condicionantes não cumpridas pela Norte Energia para a licença de operação da barragem.

A ocupação desenfreada dos invasores se coaduna à deficiência dos órgãos fiscalizadores e à omissão do governo federal. Não bastassem todas as ilegalidades e violações, a TI Apyterewa se destaca no topo dos índices de desmatamento, e o garimpo continua crescendo. Em 2019, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a TI teve o segundo maior índice de desmatamento de toda a Amazônia brasileira, chegando a cerca de 10% de sua área desmatada. Já em abril deste ano, o presidente Jair Bolsonaro demitiu o diretor do IBAMA como retaliação à operação de combate ao garimpo ilegal dentro da TI.

A decisão do STF, além de ir na contramão das garantias constitucionais, abre um precedente perigoso. Ao sugerir uma conciliação como forma de resolver o litígio fundiário, a decisão pressupõe uma suposta paridade entre as partes envolvidas no processo. Mas esta é longe de ser a realidade, pois, na prática, submeter um povo indígena de recente contato à conciliação com quem não mede esforços para legalizar as suas ilegalidades é atestar validade a possíveis e prováveis negociações espúrias. Em 2005, a Polícia Federal apurou que madeireiros e grileiros aliciavam os Parakanã-Apyterewa com dinheiro e mercadorias, para que permitissem a derrubada e retirada das árvores localizadas dentro dos limites da área indígena.

Em um cenário já bastante inseguro aos Parakanã-Apyterewa, por conta não só das violações históricas que lhes assolam, mas também pela pandemia que acomete a todos nós, não cabe ao STF atuar como motor de mais inseguranças. Como tribunal constitucional, deveria zelar pelo seu dever de fazer respeitar as Terras Indígenas como de usufruto exclusivo dos índios, além de prezar pela segurança jurídica no que tange à manutenção de seus direitos originários.

Sobre o autor: – Coordenador do subprojeto Parakanã no projeto “Salvaguarda do Patrimônio Linguístico e Cultural de Povos Indígenas Transfronteiriços e de Recente Contato na Região Amazônica”, Unesco e Museu do Índio-RJ. Doutorando em Antropologia e Sociologia pelo PPGSA-UFRJ e graduando em Direito pela FND-UFRJ