05/out/2021
Confira a linha do tempo da atuação de Marcelo Xavier na Funai ao longo dos últimos três anos:
– Em 19 de julho de 2019, Marcelo Augusto Xavier da Silva foi nomeado para ocupar o cargo de presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai).
– Durante a gestão de Marcelo Xavier, a Funai passou a retardar processos de demarcação de Terras Indígenas que já estavam em andamento. Em atuação articulada com o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, pelo menos 27 processos de demarcação que já estavam em seus trâmites finais foram devolvidos pela pasta à autarquia para uma nova análise.
Exemplo – Caso Terra Indígena Tupinambá de Olivença – em março de 2020, o presidente Marcelo Xavier emitiu despacho comunicando o abandono do interesse da Funai em defender o povo Tupinambá de ação judicial de reintegração de posse movida por particular. A desistência da defesa do povo Tupinambá pela Funai ocorreu oito meses depois do presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, enviar ofício ao Presidente da Funai solicitando expressamente o encerramento do processo de demarcação da TI Tupinambá de Olivença por atrapalhar planos de empreendimento hoteleiro no local.
– Em novembro de 2019 foi publicada pela FUNAI a exoneração desmotivada do coordenador Bruno Pereira da Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC). Para o cargo foi nomeado o missionário Ricardo Lopes Dias da entidade americana Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), que atua na evangelização de indígenas na Amazônia desde os anos 1950.
– Em março de 2020, a Funai editou a portaria Portaria nº 419/PRES/2020 que ameaçou ainda mais os povos indígenas isolados, na medida em que permitiria que Coordenações Regionais da Funai, espalhadas pelo país, autorizassem o contato com índios isolados, prerrogativa anteriormente exclusiva da CGIIRC. Apenas após forte rejeição por parte da sociedade e das organizações de defesa de direitos indígenas, inclusive com projeto de decreto legislativo para sustar os efeitos do ato, a Funai recuou.
– Em abril de 2020, a Funai editou a Instrução Normativa (IN) nº 09/2020, que permite a certificação de propriedades privadas em áreas de ocupação tradicional, facilitando as invasões em territórios indígenas e legitimando a grilagem. Em maio de 2020, pouco após a edição da Instrução Normativa nº 09/2020, mais 72 fazendas foram certificadas em terras indígenas não homologadas.
– Ainda no início de abril de 2020, a Funai recebeu R$ 10,840 milhões em recursos emergenciais voltados à proteção dos povos indígenas no enfrentamento à pandemia de Covid-19. A já reduzida verba recebida não havia sido executada ainda duas semanas após a sua disponibilização, mesmo com o registro oficial de nove indígenas infectados e de três falecidos por COVID-1947 . Nos três primeiros meses da pandemia (até junho), o órgão gastou R$ 6,2 milhões dos R$ 23 milhões que tinha disponível para combate da Covid-19 e proteção aos povos indígenas em 2020, executando aproximadamente apenas 27% do valor disponível para tais ações.
– No dia 07 de maio de 2020, no bojo do Recurso Extraordinário n. 1.017.365 com Repercussão Geral (Tema 1031), o Ministro Edson Fachin concedeu liminar de modo a suspender todos os efeitos do supracitado Parecer n.º 001/2017 da Advocacia Geral da União, que defende a tese do marco temporal, inviabilizando sua utilização pela Funai. De acordo com a referida tese, os povos indígenas só teriam direito à demarcação de terras que estivessem comprovadamente em sua posse na data de promulgação da Constituição Federal. No entanto, Funai tem se utilizado de um novo instrumento administrativo para possibilitar a aplicação residual do Parecer nº 001/2017/AGU, qual seja, o Parecer nº 00763/2020/CONJUR-MJSP/CGU/AGU.
– Em agosto de 2020, contrariando uma das funções institucionais da Funai, que é a assistência jurídica às comunidades e povos indígenas, Marcelo Xavier publicou o Ofício Circular Nº 28/2020/COGAB, que impede a assistência jurídica aos grupos e comunidades classificados como “indígenas integrados”. A partir de então, foram diversos os casos de desistência da atuação jurídica da Funai sob ordem direta de seu Presidente.
– Em setembro de 2020, Marcelo Xavier solicitou à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que realizasse um ‘’monitoramento’’ de campanhas online para arrecadação de recursos de organizações indígenas.
Ao final do primeiro ano de seu mandato, a Funai criou apenas três Grupos de Trabalho de identificação de Terras Indígenas, além de retomar o trabalho de outros cinco GTs. Ocorre que, em todos os oito casos, isso se deu somente por expressa determinação judicial.
– Em janeiro de 2021, a Funai adotou outra estratégia para concretizar a paralisação das demarcações, através da Resolução n. 4/2021, visando determinar quem é ou não é indígena a partir de critérios do Estado, em flagrante inconstitucionalidade e na contramão do debate interno e internacional. Esta Resolução encontra-se suspensa por decisão do Ministro Luís Roberto Barroso do STF, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709.
– Ainda em janeiro deste ano, de acordo com o Despacho n. 00244/2021/GAB/PFE/PFE-FUNAI/PGF/AGU, a Diretoria Colegiada da Funai, presidida pelo Presidente Marcelo Xavier, criou a tese da “defesa mínima”, de acordo com a qual a atuação processual do órgão indigenista deve ficar adstrita à defesa de Terras Indígenas já homologadas por meio de decreto.
– Em fevereiro de 2021, foi publicada a Instrução Normativa Conjunta n. 1/2021 da Funai e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que dispõe “sobre procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de Terras Indígenas cujo empreendedor seja organizações indígenas”, possibilitando a exploração do agronegócio dentro das terras indígenas, no intuito de fragilizar a proteção ambiental e abrir espaço para que não-indígenas venham a explorar atividades de interesse econômico no interior desses territórios.
– Em março de 2021, Marcelo Xavier permitiu que o site oficial da Funai fosse utilizado para perseguir opositores de sua gestão. Foi publicada uma carta de agricultores indígenas que tecem palavras de baixo calão em desfavor de Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
– No final de abril de 2021, houveram dois alarmantes casos de perseguição da Funai a lideranças indígenas. No dia 26 deste mês, uma das coordenadoras executivas da APIB, Sônia Guajarara, liderança indígena conhecida internacionalmente por sua luta em defesa dos direitos indígenas, teve o inquérito policial nº 2020.0104862 instaurado contra si na Polícia Federal, tendo sido intimada a depor. A investigação deu-se em razão da APIB produzir a série Maracá – Emergência Indígena em 2020, que denunciou as violações do direito à saúde dos povos indígenas, por parte do governo federal. A representação atribuía à APIB a difamação do governo federal e o cometimento de crime de estelionato, em razão de suas campanhas de arrecadação de fundos para combater as mazelas da Covid-19 junto aos povos indígenas. A APIB impetrou Habeas Corpus em favor de Sônia, solicitando o trancamento do inquérito policial, o qual foi concedido pelo respectivo juízo, diante de tamanha ilegalidade envolta. Já no dia 30 de abril de 2021, a liderança Almir Suruí, um renomado defensor dos direitos dos povos indígenas, também foi intimado para ser inquirido pela Polícia Federal. Em ambos os casos, a provocação da Polícia Federal foi feita pela Funai.
– Em 06 de maio de 2021, a APIB foi surpreendida com o OFÍCIO Nº 30/2021/COGAB – DPDS/DPDS/FUNAI, determinando a todas as regionais da Fundação Nacional do Índio encaminhar informações sobre a atuação da APIB em suas organizações de base. No mesmo dia, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, organização regional da APIB, também recebeu outro ofício da Funai, solicitando informações sobre o quantitativo de doações realizadas às comunidades indígenas do Amazona pela COIAB, restando evidente a conduta abusiva da entidade estatal, que busca, ilegal e sistematicamente, intimidar a atuação de organizações indígenas.
– Entre os dias 07 e 30 de junho de 2021, durante a realização do acampamento Levante pela Terra em brasília, que contou com a presença de 850 indígenas de 43 povos que foram à capital do país lutar contra o Projeto de Lei n. 490/07, pedir o fim da tese do Marco Temporal e se posicionar contra os ataques a seus territórios, o Presidente da Funai reuniu-se, no dia 15 de junho, com a presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, deputada Bia Kicis, para defender o referido projeto de lei.
28/set/2021
Nessa segunda-feira (27), a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo ( APOINME) entrou com representação no Ministério Público Federal (MPF) devido às agressões e possivelmente estelionatos praticados contra o povo Maxakali, no município de Santa Helena em Minas Gerais.
Os indígenas Maxakali estão sendo extorquidos por falsos comerciantes, que tomam os cartões do programa social ‘Bolsa Família’ e os obrigam a comprar em seu comércio. Os Indígenas que tentam denunciar essas práticas são ameaçados ou sofrem violência física, como aconteceu no último dia 22/09/2021 quando dois indígenas foram brutalmente espancados em praça pública em Santa Helena de Minas. As agressões são feitas à luz do dia e no centro da cidade justamente para passar um recado para os demais indígenas. As agressões são tão rotineiras que os moradores locais estão realizando as denúncias. Veja-se o seguinte depoimento de um morador:
“Eles colocam mercadinhos de fachada que só abrem para tomar os cartões dos índios e deixá-los com fome. Vocês precisam ver a quantidade de índios com os cartões presos nas mãos deles. Como tomam os cartões, os índios só compram lá, [em locais] que só abrem em determinado período do mês, quando os índios vêm das aldeias “receber‟ e comprar comida. Não recebem praticamente nada e quando cobram são espancados para servir de exemplo”.
Ainda segundo o denunciante os indígenas ficam receosos de denunciar os agressores porque eles são contumazes nessa prática há anos e nunca ficaram presos, pelo que a denúncia via imprensa é uma tentativa de sanar o problema. “Isso não pode acontecer. Faz dó o que esses pobres coitados estão passando nas mãos desses vândalos. Alguém precisa tomar uma providência“, relatou o denunciante no jornal da região.
Os problemas não são recentes, o povo Maxakali vem sofrendo essas agressões tanto físicas quanto psicológicas há vários anos, de modo que a situação ficou tão corriqueira que os acusados praticam esses arbitrariedades abertamente à luz do dia, no que acarreta em depressão entre os indígenas e conflitos internos.
A Apoinme pede com urgência para os fatos serem investigados pelo Ministério Público Federal e que tais agressores e supostos estelionatários sejam punidos exemplarmente de forma que tais práticas de extorsão e agressão contra o povo Maxakali sejam extintas.
16/set/2021
Na tarde desta quinta-feira (16), 150 lideranças de 13 povos protocolaram uma carta de pedido de urgência ao Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes acerca do julgamento que decidirá os rumos das demarcações das terras indígenas no país. O julgamento adiado na tarde de ontem (15), depois do voto a favor do Marco Temporal pelo ministro Nunes Marques, indicado por Bolsonaro para a corte, teve pedido de vista por Alexandre de Moraes.
Na carta os indígenas pedem que o ministro devolva com rapidez o voto de vista para a continuidade e finalização do julgamento do Recurso Extraordinário de número 1017365.
“Mantemos plena confiança e apoio ao STF neste contexto de grandes ataques que têm sido desferidos contra a mais alta corte de nosso país. Ao mesmo tempo, a postergação para a finalização deste emblemático julgamento faz aumentar sobremaneira a expectativa nossa e de todos os povos indígenas do Brasil quanto a uma decisão favorável do Supremo aos nossos direitos constitucionais e fundamentais”, diz a carta.
Sabendo que a data de retorno do julgamento é incerta, após devolvido por Alexandre de Moraes, o processo precisa ser recolocado na pauta pelo presidente da Corte, Luiz Fux. O regimento interno do STF estabelece um prazo de 30 dias para a devolução do processo sob vista, prorrogável por mais 30. A Corte, contudo, não prevê sanções em caso de descumprimento do prazo e é comum que ele seja estendido para além desse período.
Quando for reiniciado, o julgamento deve retornar com o voto de Moraes, que será seguido pelos outros oito ministros e ministras, do mais novo na Corte ao decano, Gilmar Mendes. O último a votar é o presidente do STF, Luiz Fux.
LEIA A CARTA COMPLETA:
Ao Excelentíssimo Senhor Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes
Assunto: RE 1017365
Pedido de vista
Senhor Ministro, nós dos Povo Xokleng, Kaingang, Guarani, Tuxá, Xavante, Xucurú, Tupi Guarani, Pataxó, Guajajara, Terena, Krikati estamos em Brasília desde o dia 20 de agosto para acompanhar o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1017365, que conta com repercussão geral nesta Suprema Corte. Hoje somos cerca de 150 lideranças ainda em Brasília, mas nestes dias mais de 10 mil representantes de outros 170 povos, aproximadamente, também estiveram em Brasília pelo mesmo motivo. Também estivemos acampados entre os dias 08 a 30 de junho aqui em Brasília em função desse fundamental julgamento, bem como para pedir que o PL 490/2007 não fosse aprovado na Câmara do Deputados.
O PL 490/2007 tem como objeto a institucionalização da tese do marco temporal e a reforma do Decreto 1775/1996, profundamente debatido e aprovado no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Pedimos aos parlamentares que esse projeto não seja aprovado, dado que, ao nosso ver, é inconstitucional e afronta o direito de demarcação de nossas terras de ocupação tradicional.
Daí que o RE 1017365 (Tema 1031) teve o julgamento iniciado no dia 26 de agosto do corrente ano, com ampla participação da sociedade. O Ministro Relator, Edson Fachin, apresentou voto no sentido de que a Constituição não limitou no tempo o direito territorial indígena, nem que se poderia onerar os povos indígenas a comprovarem disputa pela posse na data de 05 de outubro de 1988, garantindo que o esbulho é inadmissível e que os crimes cometidos para nos expulsar das nossas terras não podem ser anistiados, legalizados pela tese do marco temporal, além de garantir a obrigação da União em demarcar e fazer proteger.
O segundo voto foi apresentado, quando Sua Excelência pediu vistas. Contudo, o Ministro Nunes Marques trouxe um voto divergente, no qual confere ao texto da Constituição o marco temporal, associado ao renitente esbulho, onerando os grupos étnicos a comprovarem a posse ou disputa pela posse da terra em 05 de outubro de 1988, além de impedir reestudo para redefinição de terras indígenas já demarcadas.
Além de todo o voto trazer, ao nosso ver, uma intepretação conflitante com o art. 231 da Carta de 1988, impedindo a demarcação de terras ainda não regularizadas, determina que decaiu o direito da União em demarcar as terras indígenas, já que tinha o prazo de 05 anos a partir da promulgação da Constituição para fazê-lo, desconsiderando o caráter imprescritível do nosso direito territorial.
Por fim, o Ministro Nunes Marques entende que é necessário “anistiar oficialmente esbulhos ancestrais”. Ou seja, toda violência ocorrida até 1988, período recente da nossa história, estaria de ora em diante legalizada. E veja que as violências são de castigo físico e psicológico, assassinatos, prisões sem motivação, trabalho escravo, crimes de genocídio, dinamite e estricnina jogadas de avião nas comunidades indígenas, tudo isso sob o jugo do regime tutelar e de exceção, como se constara do Relatório Figueiredo e o Relatório da Comissão Nacional da Verdade – CNV, e até casos de crucificação de indígenas. Ao fazer isso, na prática o voto do Eminente Ministro Numes Marques premia o amplo espectro de crimes praticados contra os povos para esbulhar nossas terras e, assim, incentiva que os mesmos crimes sejam repetidos contra nós e nossas terras.
Nesse sentido, vimos com muito respeito até Sua Excelência pedir encarecidamente que possa fazer valer a vontade do constituinte de 1988, que era justamente o de reparar os crimes até aquela data cometidos e garantir o futuro das demarcações de terras indígenas, impedindo a dispersão dos povos e a perda de muitas culturas, de línguas, crenças e tradições dos povos originários, para impedir um prejuízo irreparável.
Pedimos, que afaste a tese do marco temporal e do renitente esbulho e não permita a legalização de toda sorte de crimes cometidos até 1988 com o objeto de esbulhar nossas ricas terras de ocupação tradicional e determine que a União, por estar em mora, se obrigue a cumprir o acordo feito em 1988, no qual os povos indígenas foram contemplados com o direito à demarcação de suas terras, como meio de reparação e de justiça.
Pedimos, por fim que possa devolver com brevidade o voto vista para a continuidade e finalização deste julgamento. Mantemos plena confiança e apoio ao STF neste contexto de grandes ataques que tem sido desferidos contra a mais alta corte de nosso país. Ao mesmo tempo, a postergação para a finalização deste emblemático julgamento faz aumentar sobremaneira a expectativa nossa e de todos os povos indígenas do Brasil quanto a uma decisão favorável do Supremo aos nossos direitos constitucionais e fundamentais.
Com o devido respeito de sempre.
Brasília-DF, 16 de setembro de 2021.
15/set/2021
Foto: Matheus Alves/Inedita Brasil
Indicado por Jair Bolsonaro, Nunes Marques abriu divergência com voto do relator, Edson Fachin, que reafirmou o caráter originário dos direitos constitucionais indígenas
Repetindo argumentos dos setores mais retrógrados do agronegócio, nesta quarta-feira (15), o ministro Kássio Nunes Marques apresentou seu voto a favor da tese do marco temporal para as demarcações de terras indígenas. Logo após o voto de Nunes Marques, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista e o julgamento foi suspenso, sem data prevista para retorno.
Com seu voto, o ministro Nunes Marques abriu uma divergência em relação ao voto do relator do processo, o ministro Edson Fachin, favorável aos direitos constitucionais indígenas e contrário à tese do marco temporal. A necessidade de analisar melhor as posições apresentadas foi a justificativa dada pelo ministro Alexandre de Moraes para pedir vista, interrompendo o julgamento empatado em um a um.
O voto de Nunes Marques foi apresentado na continuação do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, processo que envolve um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Santa Catarina, contra a comunidade Xokleng da Terra Indígena (TI) Ibirama-Lã Klãnõ, também habitada por comunidades guarani e kaingang. O caso ganhou status de repercussão geral no Supremo e terá efeitos para as demarcações de terras indígenas de todo o país.
No caso específico dos Xokleng, Nunes Marques votou pelo desprovimento do recurso, ou seja, votou pela anulação da demarcação da terra indígena e a favor da reintegração de posse movida pelo órgão ambiental do estado de Santa Catarina. O argumento de Marques é de que as comunidades não ocupavam as áreas reivindicadas em 1988. Embora anteriormente em seu voto tenha reconhecido que os Xokleng tiveram suas terras esbulhadas, demonstrando ser contraditório seu argumento.
Em seu voto, Nunes Marques apresentou tese a favor do marco temporal como forma de conciliar interesses. A tese, no entanto, é defendida pelos setores mais retrógrados do agronegócio e rechaçada por comunidades indígenas e suas organizações em todo o país.
Segundo a interpretação, os direitos territoriais dos povos indígenas estariam restritos àquelas áreas que estivessem em sua posse ou disputadas judicialmente até 5 de outubro de 1988, ignorando, e ao mesmo tempo legitimando, o histórico de expulsões e violências sofridas pelos povos indígenas antes da data.
Nunes Marques reconheceu que a tese significaria anistiar esbulhos ocorridos antes da data de promulgação da Constituição Federal.
“A teoria do fato indígena, que embasa o posicionamento do STF no caso já referido [caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol], é a que melhor concilia os interesses em jogo na questão indígena. Por um lado, admite-se que os índios remanescentes em 1988 e suas gerações posteriores têm direito à posse de suas terras tradicionais, para que possam desenvolver livremente seu modo de vida. Por outro, procura-se anistiar oficialmente esbulhos ancestrais, ocorridos em épocas distantes, e já acomodados pelo tempo e pela própria dinâmica histórica”, declarou.
Seguindo o mesmo roteiro de setores ruralistas e do agronegócio, o voto de Nunes Marques repetiu as condicionantes utilizadas na votação do caso da Terra Indígenas Raposa Serra do Sol. A decisão do STF de uma década atrás estabeleceu 19 condicionantes, mas sem efeitos para as demarcações de outras Terras Indígenas.
“Os argumentos do Nunes Marques não inovaram em nada, foi um voto que não nos surpreendeu. Ele trouxe basicamente os argumentos que os ruralistas defendem. Ele desconsidera o indigenato, traz o indigenato como um instituto defasado, que traz insegurança jurídica, e defende a tese do marco temporal”, avalia a advogada Samara Pataxó, da assessoria jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Além do marco temporal, Nunes Marques votou por vedar a ampliação de terras indígenas, o que restringe os direitos territoriais das comunidades que tiveram suas terras demarcadas fora dos parâmetros estabelecidos pela Constituição de 1988.
No sentido contrário do que apontam todos os estudos sobre a preservação das florestas nos territórios indígenas, o ministro considerou ainda a incompatibilidade das demarcações de terras sobrepostas com áreas de preservação, considerando que deve prevalecer a administração dos parques e unidades de conservação sobre as terras indígenas.
“Ouvindo o voto do ministro Nunes Marques, não vi nada de novo. Vi apenas um ministro repetindo os velhos argumentos dos ruralistas. Pareceu-me um copia e cola, das petições dos fazendeiros. Nunes Marques conhece que o direito indígena é imprescritível, mas aplica o marco temporal, anistiando os crimes perpetrados contra os povos indígenas. Voto Teratológico!”, comenta o coordenador jurídico da Apib, Eloy Terena.
Povo Xokleng
No mérito, o processo trata de um recurso extraordinário, originalmente impetrado pela Funai, contra a ação de reintegração de posse que o IMA moveu contra o povo Xokleng. A disputa envolve a reserva ambiental do Sassafrás, criada pelo estado de Santa Catarina sobre uma parte da TI Ibirama-La Klãnõ, já reconhecida e declarada como terra tradicionalmente ocupada pelo povo Xokleng.
O voto de Fachin, além de afastar a tese do marco temporal, dá provimento ao recurso em favor do povo Xokleng – ou seja, reconhece o seu direito à posse e à demarcação da sua terra de ocupação tradicional, invadida e reduzida pelo estado ao longo do século XX.
Apesar de iniciar seu voto com um longo histórico que recupera a cronologia do esbulho e da brutal violência praticada contra os Xokleng, Nunes Marques votou pela anulação da demarcação da terra indígena.
“O ministro Nunes Marques votou por anular a demarcação com base no argumento de que os Xokleng não ocupavam a área em 5 de outubro de 1988, defendendo que os indígenas devem ser retirados da área. Foi um voto completamente equivocado, que não se baseia na vontade do constituinte de 1988”, avalia Rafael Modesto dos Santos, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e advogado do povo Xokleng no processo.
Próximos passos
A data de retorno do julgamento é incerta. Depois de devolvido por Alexandre de Moraes, o processo precisa ser recolocado na pauta pelo presidente da Corte, Luiz Fux. O regimento interno do STF estabelece um prazo de 30 dias para a devolução do processo sob vista, prorrogável por mais 30. A Corte, contudo, não prevê sanções em caso de descumprimento do prazo, e é comum que ele seja estendido para além desse período.
Quando for reiniciado, o julgamento deve retornar com o voto de Moraes, que será seguido pelos outros oito ministros e ministras, do mais novo na Corte ao decano, Gilmar Mendes. O último a votar é o presidente do STF, Luiz Fux.
“Quem deu a terra para nós foi deus, não o homem. Estamos há 500 anos lutando e vamos seguir lutando. Nossa luta não é só para o povo Xokleng, é para todos os povos indígenas, para a sociedade brasileira e para o mundo”, afirma Brasílio Priprá, liderança do povo Xokleng.
Na tarde desta quarta-feira (15), cerca de 150 lideranças indígenas acompanharam a sessão em frente ao STF, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Após a interrupção do julgamento, prometeram dar continuidade à mobilização, que já dura quatro semanas e reuniu mais de 6 mil indígenas na capital federal, além das diversas manifestações realizadas nos territórios e em todas as regiões do país.
“É um processo doloroso, cansativo, mas assim como a gente acredita em Topé, Nhanderu, temos que continuar acreditando que dali do Supremo saiam os votos necessários para garantir nossos direitos”, afirma Kretã Kaingang, que integra a coordenação da Apib.
24/maio/2021
O ministro do Supremo Tribunal Federal (SFT) Luís Roberto Barroso ordenou, nesta segunda-feira (24), que o Governo Federal retire os invasores das Terras Indígenas Yanomami (Roraima) e Munduruku (Pará). A decisão, feita em caráter liminar, atendeu de forma parcial o pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), dia 19 de maio, de expulsão de invasores dos territórios para evitar novo genocídio indígena devido o agravamento da violência causada, principalmente, pela atividade de garimpos ilegais nas regioes.
Em trecho da decisão o ministro determina “à União a adoção imediata de todas as medidas necessárias à proteção da vida, da saúde e da segurança das populações indígenas que habitam as TIs Yanomami e Munduruku, diante da ameaça de ataques violentos e da presença de invasores, devendo destacar todo o efetivo necessário a tal fim e permanecer no local enquanto presente tal risco.”
Leia a íntegra da decisão do ministro Barroso aqui.
O pedido da Apib foi protocolado nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, protocolada em 2020. A nova petição exige a retirada de invasores de sete terras indígenas em situação de intenso conflito com muitos crimes. Além das TIs Yanomami e Munduruku, que foram alvo da recente decisão do STF, os demais territórios que a Apib exige a saída de invasores são: TI Araribóia (Maranhão), T.I. Karipuna (Rondônia), T.I. Kayapó (Pará), T.I. Trincheira Bacajá (Pará), T.I. Uru-Eu-Wau-Wau (Rondônia).
A ADPF 709 reivindica uma série de medidas emergenciais para proteger os povos indígenas durante a pandemia da Covid-19. Em agosto de 2020, por unanimidade os ministros do STF acataram pedido da Apib e determinaram que governo federal adotasse medidas para conter o avanço da doença entre indígenas.
Trechos da decisão de Barroso:
i) há um plano de isolamento e contenção apresentado pela PF em autos sigilosos (“Na medida em que as operações forem realizadas, a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República apresentarão relatórios, que serão disponibilizados pelo Juízo no âmbito da ADPF 709 e que permitirão uma avaliação crítica das medidas implementadas e o aperfeiçoamento das operações. O Plano 7 Terras Indígenas pode constituir o início do processo de desintrusão de invasores, se executado com seriedade pela União”);
ii) União deve enviar efetivo suficiente para assegurar proteção dos Yanomami e Mdk;
iii) União não deve divulgar nenhuma informação que comprometa operações (ou seja, vão acontecer);
iv) a decisão autoriza queimar tudo que seja instrumento de crime (bom precedente para os casos em que isso acontece – “providência cautelar amparada pelos arts. 25 e 72, V, da Lei 9.605/1998 e pelos arts. 101, I, e do Decreto 6.514/2008”).
19/maio/2021
O ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a União faça um levantamento completo sobre a vacinação de indígenas que vivem em contexto urbano. A decisão do dia 17 de maio também mantém suspensa a Resolução 04/2021 da Fundação Nacional do Índio (Funai), que estabelecia “critérios de heteroidentificação” para avaliar a autodeclaração de identidade dos povos indígenas. No dia 16 de março de 2020, o ministro já havia anulado a resolução racista da Funai, que recorreu da decisão.
“O serviço especial de atenção à saúde indígena deveria ser prestado não apenas aos povos indígenas localizados sobre terras já demarcadas, mas igualmente a povos indígenas aldeados localizados em terras não homologadas. O serviço, em alguns casos, não vinha sendo prestado, sob o fundamento de que só são indígenas os que se localizam em terras indígenas e de que só são terras indígenas aquelas definitivamente identificadas como tal pela União. Ora, trata-se de fato incontroverso e de conhecimento geral as declarações do Presidente da República de que, em seu governo, não se demarcarão terras indígenas. Portanto, condicionar o atendimento de saúde à demarcação significa abandonar os indígenas à própria sorte em meio à pandemia.”, enfatiza trecho da decisão de Barroso.
Acesse a íntegra do documento aqui
A Funai publicou nova resolução, no dia 22 de janeiro, para estabelecer critérios sobre a identificação de indígenas no Brasil. Esta medida diz, basicamente, que agora é a Funai quem dirá quem é e quem não é indígena no Brasil, o que antes era um papel dos próprios indígenas, um direito garantido pela Constituição Federal e por tratados internacionais assinados pelo Brasil, como a Convenção 169 da OIT.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denunciou a nova medida do Governo Federal publicamente e ao STF. O ato da Funai tem suas raízes na ditadura militar, época em que mais de 8 mil indígenas foram mortos no Brasil.
Acesse a nota completa da APIB aqui
19/maio/2021
Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil
Indígenas sofrem com a escalada da violência e doenças em consequência da atividade garimpeira. Organizações e lideranças indígenas realizaram pronunciamento sobre a situação dos povos Yanomami e Munduruku nesta quarta-feira, 19
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) entra hoje, 19, com mais um pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar novos massacres contra vidas indígenas. A solicitação pede a retirada imediata dos invasores de sete Terras Indígenas (TI), em especial da TI Yanomami, em Roraima, e TI Munduruku, no Pará, para garantir o direito à vida e a integridade física dos povos ameaçados nesses locais. A coordenação da Apib, juntamente com a deputada federal Joenia Wapichana e lideranças Yanomami e Munduruku, realizaram um pronunciamento sobre as medidas de proteção aos povos e denunciam a escalada da violência nas terras indígenas.
A escalada de violência, degradação ambiental e surtos de doenças em decorrência da exploração de minérios em territórios indígenas têm provocado uma série de violações de direitos fundamentais dos povos originários. Na Terra Indígena Yanomami, por exemplo, os ataques a tiros e as intimidações se tornaram parte da rotina. “É um cenário desolador com crime organizado, mortes de crianças, surtos de malária, Covid-19, contaminação dos rios, insegurança alimentar e falta de assistência médica. Como se não bastasse tudo isso, a violência é cada vez mais intensa, o que nos leva a temer a possibilidade iminente de um novo massacre”, alerta a coordenadora executiva da Apib, Sonia Guajajara.
Desde a primeira semana de maio, quando começou uma ofensiva na comunidade Palimiú, na TI Yanomami, organizações e lideranças indígenas buscam providências por parte do poder público. A situação foi relatada em ofício destinado à Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami da Fundação Nacional do Índio (Funai), à superintendência da Polícia Federal em Roraima (PF/RR), à 1ª Brigada de Infantaria da Selva do Exército (1ª BIS) e ao Ministério Público Federal em Roraima (MPF/RR).
O pronunciamento sobre a situação do garimpo em terras indígenas apresentou dados sobre a violência, doenças, como malária e covid-19, contaminação por mercúrio e desmatamento. Participaram a coordenadora executiva Sonia Guajajara e a coordenadora jurídica da Apib Samara Pataxó, a deputada federal Joenia Wapichana, o vice-presidente da Associação Hutukara Dario Yanomami, e a vice-coordenadora da Fepipa Alessandra Munduruku.
No pronunciamento desta manhã, Samara Pataxó explicou o procedimento: “Dentre os pedidos que a Apib levou, na ADPF 709, estava o pedido da retirada de invasores de sete terras indígenas. Claro que nós temos invasores em mais terras indígenas, é uma realidade vivida por muitos povos, só que essas terras em especial são terras em que há problemas e conflitos muito antes da pandemia e que a gente já alertava ao Supremo Tribunal Federal e demais autoridades brasileiras, de que a questão da pandemia poderia agravar ainda mais o cenário caótico vivenciado. São elas: Terra Indígena Araribóia, T.I. Karipuna, T.I. Kayapó, T.I. Munduruku, T.I. Trincheira Bacajá, T.I. Uru-Eu-Wau-Wau e T.I. Yanomami”, detalhou.
Na peça, a Apib também relembra a reincidente recusa da União em cumprir com determinações do STF: “Conforme passaremos a demonstrar, da data da propositura da ação, em 1º de julho de 2020, até março deste ano, o desmatamento e as invasões nas Terras Indígenas cresceram assustadoramente. Neste período, a União não foi capaz de apresentar um Plano ou indicar quais medidas concretas realizará para conter e isolar invasores. Em suas manifestações, a União se limita a descrever as funções dos entes que poderão ser envolvidos e a propor monitoramentos satelitais que poderiam ter sido entregues na primeira semana em que a ADPF foi proposta”, descreve a petição.
É urgente a mobilização estatal, de forças de segurança, e mecanismos de seguridade social para as populações das terras nomeadas na proposta. A delicada situação de ataques e agressões vem acompanhada de insegurança alimentar, exposição a doenças agravada pela pandemia de covid-19, e falta de assistência médica. “Esperamos muito que o Supremo de fato possa trazer essa garantia de socorro para o povo Yanomami e demais povos sob ataque”, ponderou Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Apib.
Acesse o canal de Youtube da Apib e veja a íntegra do pronunciamento: https://youtu.be/8Z6WmfbMnj8
Leia o documento completo protocolizado esta tarde no STF: https://apiboficial.org/files/2021/05/Pet-APIB-Cautelar-Incidental-STF-Versa%CC%83o-Final-.pdf
13/maio/2021
Foto: Victor Moriyama/ISA
ALERTA YANOMAMI
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) vem a público manifestar extrema indignação e preocupação diante da escalada da violência cometida por garimpeiros contra comunidades indígenas da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, e a negligência com que a situação vem sendo tratada pelo poder público. Estamos diante do risco de mais um massacre.
Para se ter uma noção da gravidade dos fatos, desde o dia 10 de maio, a Hutukara Associação Yanomami relata uma rotina de terror com intimidações e ataques a tiros à comunidade Palimiu. O mais recente ocorreu por volta das 23h da quarta-feira (12), quando garimpeiros divididos em 40 embarcações dispararam pesadamente contra a aldeia. Diariamente, os garimpeiros percorrem os rios da região, cujo controle foi tomado por eles, exibindo e transportando armamento ostensivo como método de ameaça.
Infelizmente, a situação na Terra Indígena Yanomami não é novidade. O relatório “Massacres no campo”, da Comissão Pastoral da Terra, registra ataques de garimpeiros contra yanomamis desde a década de 1980. Em 1987, 7 indígenas foram assassinados e 47 feridos após invasão de 150 garimpeiros na serra de Couto Magalhães. Em abril do ano seguinte, 1988, 8 yanomamis foram mortos após confronto na região do Paapiú. No de 1993, a aldeia Haximu, na fronteira com a Venezuela, foi surpreendida com ataque de garimpeiros fortemente armados, resultando num massacre sangrento que matou 5 crianças e 5 adultos, entre mulheres e idosos. A novidade desta onda de ataques são os indícios da participação de organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas na atividade garimpeira, em especial nas regiões de maior extração de ouro.
Outra forma de violência cometida são os conflitos provocados por garimpeiros entre as próprias comunidades yanomamis. Em 2013, um confronto armado entre yanomamis resultou em 5 indígenas mortos e 7 feridos na região de Alto Alegre. À época do ocorrido, haviam relatos de que garimpeiros estavam armando yanomamis em troca de permissão para exploração ilegal de ouro no território. Outros ataques e ameaças nos meses de fevereiro e abril deste ano também já haviam sido denunciados pela Hutukara Associação Yanomami.
É necessário destacar que a atividade garimpeira agrava os impactos da pandemia de Covid-19 no território, uma vez que os garimpeiros são vetores da doença, e sua presença implica em tensão e conflitos e danos psicológicos. Além disso, surtos de malária, falta de assistência médica e insegurança alimentar pesam sobre a vida das comunidades na TI Yanomami. Os garimpeiros tomaram de assalto um ponto estratégico nos rios Uraricoera e Parima, cobrando pedágio e dificultando o acesso e circulação dos indígenas dentro do próprio território.
A exploração predatória de recursos naturais sempre foi um problema nas nossas terras. Em nome do lucro, destroem, poluem, violentam e matam o meio ambiente e os povos originários. O poder público deveria ter tomado providências para resguardar as vidas indígenas. No entanto, hoje, somos obrigados a alertar novamente sobre a possibilidade iminente de um novo massacre.
A Apib entrou com um pedido ao Supremo Tribunal Federal, no dia 11 de maio, por meio da ADPF 709 para exigir a retirada dos invasores da TI Yanomami. O Estado brasileiro está ciente do agravamento das tensões e as escolhas feitas dirão quais são as prioridades das instituições: negligenciar a situação e, portanto, não combater o garimpo ilegal ou proteger o direito à vida dos povos indígenas da Terra Indígena Yanomami.
Assim, nos solidarizamos e endossamos as denúncias feitas pelas organizações Hutukara Associação Yanomami e Wanassedume Associação Ye’kwana. Reiteramos que não descansaremos enquanto nossos povos estiverem sob ataque.
APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, 13 de maio de 2021
COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
Organizações regionais de base:
APOINME – Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
ARPIN SUDESTE – Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste
ARPINSUL – Articulação dos Povos Indígenas do Sul
ATY GUASU – Grande Assembléia do povo Guarani
Comissão Guarani Yvyrupa
Conselho do Povo Terena
11/maio/2021
Ontem, 10 de maio, garimpeiros invadiram comunidade da Terra Indígena Yanomami e atacaram com tiros por cerca de meia hora. Apib já havia denunciado a escalada de conflitos ao STF em março, a organização solicita a retirada de invasores.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), requereu novamente ao Supremo Tribunal Federal (STF), nos autos da ADPF 709, a retirada de invasores da Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima. APIB vê com preocupação o sério risco de genocídio. Ontem, a escalada de conflitos na região teve um novo episódio de violência de garimpeiros contra indígenas. A Hutukara Associação Yanomami denuncia que este é o terceiro ataque em 2021 e cobra providências para garantir a segurança e a livre circulação de indígenas no território.
Um documento da Hutukara Associação Yanomami, assinado pelo vice-presidente Dário Yanomami e anexado à petição da APIB junto ao STF, relata detalhes do ataque ocorrido: “Recebemos esta manhã a notícia telefônica via Palimiu sobre tiroteio na comunidade de Palimiu, onde sete barcos de garimpeiros atracaram por volta das 11h30 da manhã e atacaram indígenas da comunidade, dando iniciou-se tiroteio no local, em conflito aberto por cerca de meia hora. Quatro indivíduos garimpeiros foram baleados, e outro indígena de raspão. As embarcações dos garimpeiros saíram para a proximidade e ameaçaram voltar para vingança por volta das 12h30.”
A atividade garimpeira se intensifica desde 2020, quando houve um aumento de 30% na degradação ambiental na região, o que representa uma área de 2.400,00 hectares, de acordo com o relatório “Cicatrizes na floresta”, do Instituto Socioambiental em parceria com Hutukara Associação Yanomami e Wanassedume Associação Ye’kwana. Monitoramento aponta que as bacias de, ao menos, quatro rios da TI Yanomami (Mucajaí, Uraicoera, Catrimani e Parima) estão entre as mais afetadas. Os garimpeiros tomaram o Porto do Arame, localizado no rio Uraricoera, ponto estratégico na TI Yanomami, uma vez que é o meio de acesso ao território. Os garimpeiros passaram a controlar o fluxo do ponto, chegando até a cobrar pedágio dos próprios indígenas.
Outro problema que chega com a invasão do garimpo no território é a disseminação de Covid-19 e surtos de malária, colocando em risco sanitário as comunidades. Houve um salto de mais de 250% de casos de Covid-19, os números de indígenas contaminados já passa de 1.200 e foram registrados cerca de 23 óbitos na região da TI Yanomami. “O garimpo nunca chega sozinho. Junto dele chegam conflitos, doenças, contaminação da água, violação de direitos. Por isso, é preciso adotar medidas urgentes para retirar os invasores, o direito à vida do povo Yanomami está seriamente ameaçado de várias formas”, ressalta Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
A petição protocolada no STF solicita que “a União informe quais medidas estão sendo tomadas para fiscalização da TI Yanomami” e ainda reitera “a necessidade de se determinar a retirada de invasores, com urgência, da TI Yanomami, ante a iminência de um genocídio e a escalada de disseminação de malária e Covid-19 na referida TI por garimpeiros ilegais.” A Apib afirma que se o STF não tomar providências para assegurar a vida dos indígenas da TI Yanomami se soma à negligência do Executivo diante de mais um genocídio indígena.
06/maio/2021
A pedido da Apib, a Justiça Federal determinou o trancamento do inquérito policial instaurado contra Apib e Sonia Guajajara.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolou uma denúncia ontem, 5, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as perseguições políticas do Governo Federal contra a Apib e Sonia Guajajara, uma das coordenadoras executivas da organização.
No dia 26 de abril, durante o mês da maior mobilização indígena do Brasil e na semana seguinte à reunião da Cúpula do Clima, a Polícia Federal (PF) intimou Sonia para depor em um inquérito aberto na polícia a mando da Fundação Nacional do Índio (Funai). O órgão, cuja missão institucional é proteger e promover os direitos dos povos do Brasil, acusa a Apib de difamar o Governo Federal com a websérie “Maracá” (http://bit.ly/SerieMaraca), que denuncia violações de direitos cometidas contra os povos indígenas no contexto da pandemia da Covid-19.
“Alertamos a Comissão Interamericana de Direitos Humanos para a escalada autoritária em curso no Brasil. O ambiente democrático está em risco. Em nenhum Estado republicano e democrático o aparelho estatal pode ser usado sob o arbítrio de seus governantes. A livre manifestação de pensamento e a liberdade de expressão, amparadas por princípios constitucionais, convencionais e legais, não podem ser criminalizadas”, reforça o coordenador jurídico da Apib, Luiz Eloy Terena, na denúncia encaminhada à CIDH.
Leia a íntegra do documento aqui.
Todas as violações de direitos contra os povos indígenas durante a pandemia da Covid-19 expostas pela Apib na série Maracá foram apresentadas ao STF, em 2020, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 709. Na ocasião, a principal corte do país reconheceu as denúncias apresentadas e determinou que o Governo Federal adote medidas de proteção aos povos. Até o momento, a decisão do STF foi parcialmente acatada pelo governo.
“O inquérito aberto pela PF é uma nítida tentativa de limitar a liberdade de crítica, seja contra o governo ou contra seus agentes políticos, mesmo que isso também faça parte do Estado Democrático de Direito e que assuntos de interesse público e social estão sob a tutela do manto constitucional do direito à informação”, reforçou Eloy Terena em trecho da denúncia apresentada ao ministro do STF Roberto Barroso, que é relator da ADPF 709.
Leia a íntegra do documento aqui.
Inquérito trancado
No mesmo dia das denúncias feitas ao STF e CIDH, a Justiça Federal do Distrito Federal determinou na noite de ontem (5), a pedido da Apib, o trancamento do inquérito aberto pela Polícia Federal. A Apib entrou na Justiça no dia 3 de maio para anular a investigação, que é uma ação de perseguição política.
“Destaque-se também que a clara menção no ofício da FUNAI sobre supostas condutas caluniosas contra o Presidente da República deixa entrever que toda a situação narrada tem como principal fim calar manifestações políticas divulgadas por entidade que se posiciona contra o presente Governo Federal”, argumenta o juiz federal Frederico Botelho em sua decisão.