foto: Fábio Nascimento/Greenpeace

No marco dos 33 anos da promulgação da Constituição Federal, Apib reafirma a luta dos povos por direitos e entra pela primeira vez com uma Ação Civil Pública na Justiça Federal.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ingressou, nesta terça-feira (5), no marco dos 33 anos da promulgação da Constituição Federal (CF), com uma Ação Civil Pública (ACP) na Justiça Federal de Brasília (JF-DF) para pedir a saída de Marcelo Xavier da presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai).

O pedido é uma ação inédita da Apib, que pela primeira vez entra com uma ACP na JF. O documento foi elaborado em conjunto com a Defensoria Pública da União (DPU) e denuncia uma série de violações jurídicas e administrativas cometidas por Xavier ao longo de sua gestão.

“A permanência de Marcelo Augusto Xavier da Silva na presidência da Funai, semeando a destruição das estruturas estatais de proteção dos direitos indígenas, como se vê em diversos outros órgãos do atual governo, é a falência do Estado Democrático de Direito”, destaca trecho da ACP ingressada na Justiça.

Para o coordenador jurídico da Apib, Luiz Eloy Terena, a ação contra Xavier no dia dos 33 anos da CF reforça a luta dos por direitos, pois a atual gestão da Funai prática “uma política indigenista totalmente voltada contra os povos indígenas”. “A razão de se ter a Funai é justamente a existência dos povos indígenas e portanto promover a sua defesa e o que nós estamos vivenciando não é isso, a verdade é uma atuação totalmente contrária aos interesses e aos direitos dos povos indígenas”, enfatiza Eloy Terena.

“É muito simbólico a Apib, que já teve o reconhecimento para atuar no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje (5), realize sua primeira Ação Civil Pública, que é uma ação de direitos coletivos e mais uma vez dá um passo importante na luta dos direitos indígenas”, destaca Eloy ao lembrar da ADPF 709, que foi uma ação inédita da Apib.

Acesse a ACP na integra aqui

Confira a linha do tempo da atuação de Marcelo Xavier na Funai ao longo dos últimos três anos:

Em 19 de julho de 2019, Marcelo Augusto Xavier da Silva foi nomeado para ocupar o cargo de presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Durante a gestão de Marcelo Xavier, a Funai passou a retardar processos de demarcação de Terras Indígenas que já estavam em andamento. Em atuação articulada com o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, pelo menos 27 processos de demarcação que já estavam em seus trâmites finais foram devolvidos pela pasta à autarquia para uma nova análise.

  • Exemplo – Caso Terra Indígena Tupinambá de Olivença – em março de 2020, o presidente Marcelo Xavier emitiu despacho comunicando o abandono do interesse da Funai em defender o povo Tupinambá de ação judicial de reintegração de posse movida por particular. A desistência da defesa do povo Tupinambá pela Funai ocorreu oito meses depois do presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, enviar ofício ao Presidente da Funai solicitando expressamente o encerramento do processo de demarcação da TI Tupinambá de Olivença por atrapalhar planos de empreendimento hoteleiro no local.

Em novembro de 2019 foi publicada pela FUNAI a exoneração desmotivada do coordenador Bruno Pereira da Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC). Para o cargo foi nomeado o missionário Ricardo Lopes Dias da entidade americana Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), que atua na evangelização de indígenas na Amazônia desde os anos 1950.

Em março de 2020, a Funai editou a portaria Portaria nº 419/PRES/2020 que ameaçou ainda mais os povos indígenas isolados, na medida em que permitiria que Coordenações Regionais da Funai, espalhadas pelo país, autorizassem o contato com índios isolados, prerrogativa anteriormente exclusiva da CGIIRC. Apenas após forte rejeição por parte da sociedade e das organizações de defesa de direitos indígenas, inclusive com projeto de decreto legislativo para sustar os efeitos do ato, a Funai recuou.

Em abril de 2020, a Funai editou a Instrução Normativa (IN) nº 09/2020, que permite a certificação de propriedades privadas em áreas de ocupação tradicional, facilitando as invasões em territórios indígenas e legitimando a grilagem. Em maio de 2020, pouco após a edição da Instrução Normativa nº 09/2020, mais 72 fazendas foram certificadas em terras indígenas não homologadas.

Ainda no início de abril de 2020, a Funai recebeu R$ 10,840 milhões em recursos emergenciais voltados à proteção dos povos indígenas no enfrentamento à pandemia de Covid-19. A já reduzida verba recebida não havia sido executada ainda duas semanas após a sua disponibilização, mesmo com o registro oficial de nove indígenas infectados e de três falecidos por COVID-1947 . Nos três primeiros meses da pandemia (até junho), o órgão gastou R$ 6,2 milhões dos R$ 23 milhões que tinha disponível para combate da Covid-19 e proteção aos povos indígenas em 2020, executando aproximadamente apenas 27% do valor disponível para tais ações.

No dia 07 de maio de 2020, no bojo do Recurso Extraordinário n. 1.017.365 com Repercussão Geral (Tema 1031), o Ministro Edson Fachin concedeu liminar de modo a suspender todos os efeitos do supracitado Parecer n.º 001/2017 da Advocacia Geral da União, que defende a tese do marco temporal, inviabilizando sua utilização pela Funai. De acordo com a referida tese, os povos indígenas só teriam direito à demarcação de terras que estivessem comprovadamente em sua posse na data de promulgação da Constituição Federal. No entanto, Funai tem se utilizado de um novo instrumento administrativo para possibilitar a aplicação residual do Parecer nº 001/2017/AGU, qual seja, o Parecer nº 00763/2020/CONJUR-MJSP/CGU/AGU.

Em agosto de 2020, contrariando uma das funções institucionais da Funai, que é a assistência jurídica às comunidades e povos indígenas, Marcelo Xavier publicou o Ofício Circular Nº 28/2020/COGAB, que impede a assistência jurídica aos grupos e comunidades classificados como “indígenas integrados”. A partir de então, foram diversos os casos de desistência da atuação jurídica da Funai sob ordem direta de seu Presidente.

Em setembro de 2020, Marcelo Xavier solicitou à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que realizasse um ‘’monitoramento’’ de campanhas online para arrecadação de recursos de organizações indígenas.
Ao final do primeiro ano de seu mandato, a Funai criou apenas três Grupos de Trabalho de identificação de Terras Indígenas, além de retomar o trabalho de outros cinco GTs. Ocorre que, em todos os oito casos, isso se deu somente por expressa determinação judicial.

Em janeiro de 2021, a Funai adotou outra estratégia para concretizar a paralisação das demarcações, através da Resolução n. 4/2021, visando determinar quem é ou não é indígena a partir de critérios do Estado, em flagrante inconstitucionalidade e na contramão do debate interno e internacional. Esta Resolução encontra-se suspensa por decisão do Ministro Luís Roberto Barroso do STF, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709.

Ainda em janeiro deste ano, de acordo com o Despacho n. 00244/2021/GAB/PFE/PFE-FUNAI/PGF/AGU, a Diretoria Colegiada da Funai, presidida pelo Presidente Marcelo Xavier, criou a tese da “defesa mínima”, de acordo com a qual a atuação processual do órgão indigenista deve ficar adstrita à defesa de Terras Indígenas já homologadas por meio de decreto.

Em fevereiro de 2021, foi publicada a Instrução Normativa Conjunta n. 1/2021 da Funai e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que dispõe “sobre procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de Terras Indígenas cujo empreendedor seja organizações indígenas”, possibilitando a exploração do agronegócio dentro das terras indígenas, no intuito de fragilizar a proteção ambiental e abrir espaço para que não-indígenas venham a explorar atividades de interesse econômico no interior desses territórios.

Em março de 2021, Marcelo Xavier permitiu que o site oficial da Funai fosse utilizado para perseguir opositores de sua gestão. Foi publicada uma carta de agricultores indígenas que tecem palavras de baixo calão em desfavor de Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

No final de abril de 2021, houveram dois alarmantes casos de perseguição da Funai a lideranças indígenas. No dia 26 deste mês, uma das coordenadoras executivas da APIB, Sônia Guajarara, liderança indígena conhecida internacionalmente por sua luta em defesa dos direitos indígenas, teve o inquérito policial nº 2020.0104862 instaurado contra si na Polícia Federal, tendo sido intimada a depor. A investigação deu-se em razão da APIB produzir a série Maracá – Emergência Indígena em 2020, que denunciou as violações do direito à saúde dos povos indígenas, por parte do governo federal. A representação atribuía à APIB a difamação do governo federal e o cometimento de crime de estelionato, em razão de suas campanhas de arrecadação de fundos para combater as mazelas da Covid-19 junto aos povos indígenas. A APIB impetrou Habeas Corpus em favor de Sônia, solicitando o trancamento do inquérito policial, o qual foi concedido pelo respectivo juízo, diante de tamanha ilegalidade envolta. Já no dia 30 de abril de 2021, a liderança Almir Suruí, um renomado defensor dos direitos dos povos indígenas, também foi intimado para ser inquirido pela Polícia Federal. Em ambos os casos, a provocação da Polícia Federal foi feita pela Funai.

Em 06 de maio de 2021, a APIB foi surpreendida com o OFÍCIO Nº 30/2021/COGAB – DPDS/DPDS/FUNAI, determinando a todas as regionais da Fundação Nacional do Índio encaminhar informações sobre a atuação da APIB em suas organizações de base. No mesmo dia, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, organização regional da APIB, também recebeu outro ofício da Funai, solicitando informações sobre o quantitativo de doações realizadas às comunidades indígenas do Amazona pela COIAB, restando evidente a conduta abusiva da entidade estatal, que busca, ilegal e sistematicamente, intimidar a atuação de organizações indígenas.

Entre os dias 07 e 30 de junho de 2021, durante a realização do acampamento Levante pela Terra em brasília, que contou com a presença de 850 indígenas de 43 povos que foram à capital do país lutar contra o Projeto de Lei n. 490/07, pedir o fim da tese do Marco Temporal e se posicionar contra os ataques a seus territórios, o Presidente da Funai reuniu-se, no dia 15 de junho, com a presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, deputada Bia Kicis, para defender o referido projeto de lei.