COIAB publica carta de repúdio aos ataques sofridos pelos povos indígenas

COIAB publica carta de repúdio aos ataques sofridos pelos povos indígenas

 

Nesse dia nove de agosto, reunidos no Centro de Medicina Indígena a Coordenação
das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira COIAB, União das Mulheres Indígenas
da Amazônia Brasileira – UMIAB e a Rede das Mulheres Indígenas do Estado do Amazonas
– MAKIRA-ÊTA dia em que comemora o dia Internacional dos Povos Indígenas, vem ao
público expressar seu REPUDIO, mediante as frequentes investidas de ataques contra os
Direitos dos Povos Indígenas pelas instituições governamentais e privadas do Brasil.
Hoje, seria um dia para comemorar, entretanto em pleno século XXI vivemos à
reiterada violência contra os Povos Indígenas, uma “institucionalização de violência e
agressão aos Direitos conquistados ao longo da História do Brasil desde o período de
colonização.
A interpretação de Marco Temporal, que tende a limitar a história dos povos
indígenas, confronta diretamente com as ocupações de territórios milenar dos povos indígenas
em todo território brasileiro. Trata os povos indígenas, como nós tivéssemos estabelecidos no
território brasileiro depois do colonizador. Querer começar a contar a história dos Povos
indígenas a partir de 1988, é querer destruir e aniquilar nossa história de luta e resistência
desde o primeiro contato com o colonizador, apagar os sítios arqueológicos e os cemitérios
dos povos indígenas que existem há séculos. Que estão aí para provar, para os incrédulos que
nossa presença está antes mesmo do colonizador chegar.

Leia a carta completa – Carta de Repúdio COIAB

Relatório da missão ao Brasil da Relatora Especial sobre os direitos dos povos indígenas

Relatório da missão ao Brasil da Relatora Especial sobre os direitos dos povos indígenas

O Secretariado tem a honra de transmitir ao Conselho de Direitos Humanos o relatório da Relatora Especial sobre os direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz sobre sua missão ao Brasil de -7 a 17 de março de 2016. O objetivo principal da visita foi identificar e avaliar os assuntos mais importantes que atualmente enfrentam os povos indígenas no país e acompanhar as principais recomendações feitas em 2009 pelo anterior titular do mandato. O Brasil possui uma série de disposições constitucionais exemplares em relação aos direitos dos povos indígenas e, no passado, foi um líder mundial na área de demarcação de territórios indígenas. Entretanto, nos oito anos que se seguiram à visita de seu predecessor, tem havido uma inquietante ausência de avanços para a implementação de suas recomendações e na solução de antigas questões de vital importância para os povos indígenas. No atual contexto político, as ameaças que os povos indígenas enfrentam podem ser exacerbadas e a proteção de longa data de seus direitos pode estar em risco.

Confira o Relatório completo – http://bit.ly/2utLggR

Carta dos povos indígenas de Roraima pelo Dia Internacional dos Povos Indígenas

DIA INTERNACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS
VI MARCHA DOS POVOS INDÍGENAS DE RORAIMA
NENHUM DIREITO A MENOS!

C A R T A  A B E R T A

Nós, Povos Indígenas do Estado de Roraima, apoiados por nossas organizações indígenas, com solidariedade dos movimentos sociais, instituições públicas e organizações da sociedade civil, vimos nesta data de 09 de Agosto, considerando o Dia Internacional dos Povos Indígenas, alertar e pedir medidas necessárias aos gestores públicos e autoridades sobre as seguintes situações:

• Direitos – Não aceitamos e pedimos providências contra a reversão dos direitos indígenas atentada pelo Presidente da República, Sr. Michel Temer, que impôs regras inconstitucionais estabelecidas na Ação 3388/RR (condicionantes do caso Raposa Serra do Sol) pelo Parecer da AGU N. 001/2017-AGU. Essa interpretação política está gerando intranquilidade entre os povos indígenas que vêem os direitos constitucionais assegurados nos artigos 231 e 232 sendo negociado pelo Presidente Temer em troca de favores políticos, como apoio parlamentar a projetos impopulares e inconstitucionais desse governo. A sociedade brasileira deve exigir que os atos do Presidente da República e do Congresso Nacional sejam pautados pela moralidade, seriedade e legalidade;

• Legislação – Queremos rechaçar a insistência de projetos anti-indígenas como a PEC 215, PL 1610/96 (projeto de mineração) e a tese do Marco Temporal, porque são inconstitucionais e visam o interesse individual, econômico e politiqueiro e trazem abusos visíveis aos direitos dos povos indígenas;

• Saúde – Reforçamos a importância da formação continuada e contratação preferencial de profissionais indígenas pela SESAI para o fortalecimento do subsistema de saúde indígena do SUS. É também fundamental o apoio institucional da SESAI à medicina tradicional indígena, um dos pilares da diferenciação do subsistema, que é uma forma concreta de manter viva as culturas indígenas. A SESAI é resultado direto da articulação do movimento indígena, suas organizações e instituições indigenistas. Reafirmamos que a autonomia da SESAI é uma das bandeiras nacionais dos povos indígenas. Não aceitaremos ingerências partidárias nas políticas e ações de saúde que resultam invariavelmente em doenças e mortes em nossas comunidades.
Educação – Falta de investimento na infraestrutura dos prédios escolares, na formação da equipe multidisciplinar que valorize e fortaleça o contexto da Educação Escolar Indígena e de seus princípios, bem como aos que mantém seus compromissos e respeitem a vivência, os valores e a cultura dos povos indígenas. Ressaltamos a extrema urgência da qualificação e realização do concurso específico e diferenciado para os docentes e demais profissionais da educação escolar indígena. Não aceitamos o sucateamento das Universidades públicas.

• Meio ambiente – Acreditamos que o Brasil pode desenvolver seu projeto de administração ou desenvolvimento sem sacrificar os povos indígenas, pautado no respeito, sustentabilidade e legalidade. Não aceitamos a criações de hidrelétricas, tal como a do Bem Querer (Rio Branco), ou a do Cachoeira do Tamanduá (Rio Cotingo), que vimos a intenção como reforço a mineração em terras indígenas. Estamos de olho, nesses investimentos que atentam aos nossos direitos e afeta diretamente nossas vidas.

• Funai – Não aceitamos o Sr. Armando do Carmo Araújo como Coordenador Regional da Funai em Roraima, por ter não ter havido consulta prévia, livre e informada, e por ele não ter experiência nenhuma em gestão administrativa e nem com Povos Indígenas, sendo meramente uma indicação política (ele seria genro do Deputado Edio Lopes). Somos contrários ao sucateamento e militarização da Funai. As comunidades indígenas de Roraima não aceitam a imposição, o desrespeito ao direito de consulta e a interferência política na indicação de cargos relevantes da administração, responsáveis pela implementação de políticas públicas para os povos indígenas. Indicamos o Sr. Alzemiro Tavares para ocupar o cargo de Coordenador Regional da Funai, em Boa Vista.
Somos os povos originários desse país, cidadãos brasileiros e guardiões desse território. Queremos respeito e dignidade!

Boa Vista-RR, 09 de agosto de 2017.

Convocatória: No Dia Internacional dos Povos Indígenas, participe da mobilização em defesa dos direitos originários

Convocatória: No Dia Internacional dos Povos Indígenas, participe da mobilização em defesa dos direitos originários

CONVOCATÓRIA

No Dia Internacional dos Povos Indígenas, 09 de Agosto

Luta pelos direitos originário

Pela defesa do direito tradicional sobre os territórios indígenas

No dia 23 de dezembro de 1994, através da resolução 49/214 a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO institui o Dia Internacional dos Povos Indígenas, que foi comemorado pela primeira vez em 9 de agosto de 1995, marcando por sua vez o início da primeira Década Internacional dos  Povos Indígenas (1995 a 2004), re-editada em 2007, quando ao mesmo tempo foi aprovada pela ONU a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Esses avanços no direito internacional, normalmente remetem à adequação das políticas e legislações nacionais, visando a proteção e promoção dos direitos fundamentais dos povos indígenas, da sua cultura e das suas contribuições culturais e sabedorias milenares à diversidade das civilizações do mundo.

Em função desse horizonte, a Declaração da ONU avançou no reconhecimento dos direitos dos povos indígenas: a suas terras, territórios e bens naturais; à autodeterminação; ao autogoverno; ao direito consuetudinário (organização social regida pelas suas lei internas); à utilização, educação e divulgação dos seus idiomas próprios; ao direito de exercer suas crenças espirituais com liberdade; e à preservação de sua identidade, integridade física e cultural.

O Brasil, signatário desses mecanismos e instrumentos internacionais, porém, tem caminhado na contramão, especialmente no atual governo golpista. No âmbito do poder executivo houve a determinação de não demarcar mais terras indígenas. Terras homologadas não foram registradas; processos sem empecilhos jurídicos prontos, terras com portarias declaratórias, não foram homologadas; lista de terras que preencheram o processo administrativo voltaram para a Funai para novas diligencias. O Ministério da Justiça cria grupo de trabalho para tratar da integração social ou da organização social dos povos indígenas, espantoso retrocesso; a Funai é tomada pela bancada ruralista, com a apropriação de cargos de confiança por pessoas afins aos interesses do agronegócio, ao plano de sucateamento total do órgão e coniventes com a paralisação total das demarcações das terras indígenas. E o presidente de fato, de Michel Temer, referenda um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) que obriga a todos os órgãos do Executivo a aplicar a tese do “marco temporal” e a vedação à revisão dos limites de terras já demarcadas, tentando ainda com isso influenciar ou pautar os votos dos ministros do STF.

O poder legislativo, tomado por representantes de diversas bancadas do poder econômico – agronegócio, mineração, empreiteiras, indústria armamentista, corporações internacionais, igrejas evangélicas fundamentalistas etc.) continua pautando e aprovando emendas e projetos de lei que atentam contra os direitos territoriais, de povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e assentados da reforma agrária.

O poder judiciário, principalmente o Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a decidir o destino dos quilombolas e povos indígenas, ao julgar no dia 16 de agosto a legalidade da titulação dos territórios quilombolas e a nulidade ou não de títulos incidentes em terras indígenas, implicando na aprovação ou não da tese do marco temporal, tese político-jurídica inconstitucional, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse em 5 e outubro de 1988.

Por todas essas ameaças, a APIB convoca as suas bases, organizações, associações locais e comunidades a se mobilizarem neste 09 de agosto  contra a tese do “marco temporal”,.

Considerando o clima de incertezas e visando a sensibilização dos ministros da Suprema Corte, a recomendação é desenvolver nesse dia 9 de agosto – Dia Internacional dos Povos Indígenas – ações carregadas de força espiritual, cerimônias e rituais indígenas na frente de instâncias judiciárias do país (tribunais regionais, foros etc); não havendo, à frente de prefeituras ou em praças públicas ou outros espaços que permitam visibilidade à temática  dos direitos indígenas e à posição contrária à tese do marco temporal.

 

POR UM BRASIL REALMENTE DEMOCRÁTICO E PLURAL

NENHUM DIREITO A MENOS

A NOSSA HISTÓRIA NÃO COMEÇA EM 1988

NÃO AO MARCO TEMPORAL

Use as hashtags #MarcoTemporalNão e #NossoDireitoÉOriginário quando for postar imagens das mobilizações do dia 09 de agosto nas redes sociais! Queremos reunir as imagens dos atos em um mapa do Brasil.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

Mobilização Nacional Indígena

O governo federal e o estado de exceção em relação a indígenas e quilombolas.

O governo federal e o estado de exceção em relação a indígenas e quilombolas.

No dia 20 de julho de 2017, a par de uma clara e inequívoca articulação com a bancada de parlamentares ruralistas formada no Congresso brasileiro, a Presidência da República chancelou parecer  da Advocacia Geral da União que para além de limitar os direitos dos povos indígenas e quilombolas, avança no sentido de constranger o Supremo Tribunal Federal que pautou para o próximo mês de agosto o julgamento de ações que dizem diretamente a esses povos, ou seja, quanto ao direito, ou não, de terem assegurados seus ancestrais direitos à luz do que prevê e fixa a Constituição de 1988.

Essa nefasta articulação que tem como pano de fundo a sustentação política do atual ( e ilegítimo ) Presidente da República, objetivando, dentre outras medidas, negar autorização à persecução criminal do mesmo ante o Supremo Tribunal Federal pelo Parlamento, simplesmente afronta de modo ignóbil e direto a Constituição da República fazendo    – o ato chancelado – tábua rasa dos preceitos fixados na Constituição Federal, arvorando-se  em uma decisão da Corte Suprema para uma caso específico e que não tem – e nunca teve – a extensão pretendida pelos setores do agronegócio e da mineração. Ou seja, uma decisão questionável e ainda em discussão tomada por parte do Supremo Tribunal Federal quando julgou, caso pontual (estamos nos referindo a o julgamento concernente à terra indígena Raposa Serra do Sol ), está sendo ardilosa e fraudulentamente utilizada pelo Chefe do Poder Executivo para ludibriar, enganar e corromper princípios constitucionais claros e taxativos de modo a manietar e impedir que os direitos dos povos indígenas e quilombolas sejam efetivamente respeitados pelo Estado brasileiro, que, pela elite racista e classista que dele se apoderou, simplesmente advoga verdadeiro etnocídio.

Esse texto não permite por sua extensão que nos aprofundemos em detalhes técnicos e legais, mas inexorável e irretorquível que o compromisso do atual governo com a maximização da exploração capitalista não tem limites – o que comprovam outras contrarreformas sociais de autoria do mesmo governo e que vêm sendo arrancadas a fórceps de um Congresso quase que totalmente comprometido com o rentismo e a exploração dos debaixo, contando com forte apoio da mídia burguesa. Para tanto valem todos os expedientes ao alcance da engenharia jurídica de corte reacionário que permeia esse ilegítimo governo, ainda que isso signifique rasgar a Constituição da República e implantar verdadeiro estado de exceção em relação a segmentos sociais vulneráveis politicamente.

A releitura, melhor, a interpretação casuísta e absolutamente descompassada   do conteúdo do disposto nos arts. 231 e 232 da Constituição da República, assim como do art.68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, sem embargo das regras regulamentares dessas balizas constitucionais, é meio e modo de, mais do que negar, surrupiar direitos dos indígenas e quilombolas, afrontando inclusive normativas internacionais as quais aderiu o Estado brasileiro.

O ato de chancela do (ilegítimo) Presidente da República é típico do arbítrio e atentatório aos princípios civilizatórios inscritos no Preâmbulo da Constituição de 1988. Se havia alguma dúvida sobre o desleixo com o ser humano por parte dos atuais governantes do Brasil, o ato em questão é sinal claro de que para além disso, há por parte dessa gente, o compromisso com a barbárie.

Rio de Janeiro, 22 de julho de 2017

Comissão de Direitos Humanos – OAB/RJ
Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas/RS
Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul

O marco temporal do STF fere a concepção da posse imemorial prevista na Constituição

O marco temporal do STF fere a concepção da posse imemorial prevista na Constituição

(Via Amazônia Real)

As terras indígenas em avançado processo de demarcação estão ameaçadas por 19 restrições da Corte. O marco já foi adotado na suspensão da Terra Indígena Guyraroká (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

O Supremo Tribunal Federal (STF) aplicou no julgamento da homologação da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, um precedente que encaixou os territórios reivindicados pelos indígenas do país em um mesmo marco no tempo, em 2009. As terras que estavam ocupadas podem ser definidas territórios originários. As outras, isto é, sem a presença indígena na data eleita, estão descartadas. O ano estipulado para o marco temporal foi o da promulgação da Constituição Federal em 05 de outubro de 1988.

Nesta quarta-feira (19), o presidente da República, Michel Temer (PMDB), aprovou parecer da Advocacia-Geral da União determinando que “toda a administração pública federal observe, respeite e dê efetivo cumprimento à decisão do STF no julgamento do caso Raposa/Serra do Sol, que fixou as “salvaguardas institucionais às terras indígenas”, aplicando esse entendimento à todos os processos de demarcação em andamento, de forma a contribuir para a pacificação dos conflitos fundiários entre indígenas e produtores rurais, bem como diminuir a tensão social existente no campo, que coloca em risco a vida, a integridade física e a dignidade humana de todos os envolvidos.”

Confira na íntegra

Lideranças, MPF e a ONU reagem contra parecer de Temer que trava demarcações

Lideranças, MPF e a ONU reagem contra parecer de Temer que trava demarcações

Publicado originalmente no Amazônia Real. 

Para os entrevistados as restrições do STF violam Constituição Federal e ultrapassam limites do Direito

(Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

Ana Mendes, Elaíze Farias, Fábio Pontes e Freud Antunes, da Amazônia Real

Lideranças indígenas, o Ministério Público Federal, representantes das ONU e de organizações que defendem os direitos dos povos tradicionais entrevistados pela reportagem da Amazônia Real nesta quinta-feira (20) avaliam como “gravíssimo” o parecer sobre demarcação de terras indígenas da Advocacia-geral da União aprovado pelo presidente Michel Temer (PMDB). O parecer, que pode barrar os processos de demarcações em andamento, foi divulgado na quarta-feira (19). A medida determina que a administração pública federal adote o marco temporal do Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2009 estabeleceu 19 restrições ao julgar a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR). O parecer pode ser objeto de eventual questionamento no STF.

O Conselho Indígena de Roraima (CIR) informou que enviou nesta sexta-feira (21) uma representação à Procuradora-Geral da República (PGR) pedindo providências contra a efetividade da Ação 3388/RR do caso Raposa Serra do Sol, que resultou no estabelecimento das condicionantes (leia a nota do CIR na íntegra).  A representação foi encaminhada diretamente ao Procurador-Geral, Rodrigo Janot. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) divulgou nota dizendo que “a aplicação daquelas condicionantes a outras situações resulta em graves restrições aos direitos dos povos indígenas” (leia a nota).

Entre as condicionantes estabelecidas para demarcação e ocupação de terras indígenas pelo STF estão a que diz que “os povos indígenas têm direito à posse de seus territórios tradicionais, desde que a comunidade esteja ocupando efetivamente o local até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal”, e a que tirou o direito dos índios à consulta prévia sobre os projetos de interesse púbico como hidrelétricas, rodovias, hidrovias, mineração, entre outros, defendidos pelos deputados e senadores da bancada ruralista do Congresso Nacional. Leia aqui.

Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), atualmente 241 terras indígenas estão em processo de demarcação. O trâmite do reconhecimento do território tradicional começa com o estudo, delimitação, declaração até a homologação da terra pelo presidente da República. Esses processos podem ser todos revistos com o parecer de Temer.

Um deles é a identificação da Terra Indígena Dourados Amambaipeguá 1 dos índios Guarani Kaiowá, em Caarapó, no Mato Grosso do Sul. Segundo Fábio Turibo Guarani Kaiowá, 20 anos, estudante de Teko Arandu (licenciatura) na Faculdade Intercultural Indígena da Universidade Federal de Dourados, as restrições do marco temporal adotadas pelo parecer de Temer só trarão mais sofrimento aos Guarani Kaiowá, que estão retomando terras tradicionais.

“Então, estamos com os dias contados em relação ao marco temporal. Aqui no estado do Mato Grosso do Sul a gente já tem um ataque muito forte em relação aos Guarani Kaiowá. O genocídio é grande, a gente sente como o ruralista nos ataca. Dentro disso tem o Estado, os deputados federais, senadores, que envolvem a questão do latifúndio. Tudo isso abrange a relação aos Guarani Kaiowá com o sofrimento. O marco temporal vem especificamente fazendo isso, que é uma tese que já foi aplicada em algumas áreas, um exemplo a Terra Indígena Guyraroká. A gente precisa da terra, a gente vai resistir”, disse Fábio Turibo. Leia: O marco temporal do STF fere a concepção da posse imemorial prevista na Constituição

Povos indígenas Yawanawa durante o ritual Mariri, no Acre (Foto: Odair Leal/Amazônia Real)

Indígenas Yawanawa durante o ritual Mariri, no Acre (Foto: Odair Leal/Amazônia Real)

No Acre, o parecer  de Michel Temer causou reação das lideranças. O coordenador da Associação Sociocultural Yawanawa, Tashka Yawanawa disse que “os povos indígenas habitam em seus territórios desde tempos imemoriais, não desde 1988, e é um direto inalienável de posse.”

“As leis que estão querendo mudar é simplesmente para agradar os ruralistas. Eles não têm moral de questionar os povos indígenas que possui direitos sobre as terras. Espero que possa ser revisto e que um dia o Brasil possa pedir desculpa por essa afronta”, afirma o coordenador.

Segundo Sebastião Manchinery, líder indígena independente do Acre, os processos de demarcações no estado estão parados pelo governo federal desde 2006, pois houve um entendimento com o governo estadual – à época era Jorge Viana (PT) o governador – para não demarcar terras tanto no Vale do Juruá quanto no Vale do Purus, áreas de grande interesse da mineração e da exploração de petróleo.

“Esse parecer deslegitima, ele desconsidera e será um grande retrocesso para o Brasil você não reconhecer a existência dos povos indígenas anteriormente e se isso não é reconhecido. Obviamente vai requerer para o país a instabilidade dos direitos e questionamento por outros governos e sistemas internacionais com relação a criminalização, não só com os povos indígenas, com os quilombolas, mas com a população em geral”, afirmou Sabá Manchinery.

 

ONU prevê conflitos

Ataque aos índios Gamela, no Maranhão (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

Políciais investigam ataque aos índios Gamela, no Maranhão (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

A perita da Organizações das Nações Unidas (ONU) para povos indígenas, Erika Yamada, disse à Amazônia Real que o parecer de Michel Temer é um ato inconstitucional que não deveria se sustentar e que pode dar causa a reclamações internacionais na OIT (Organização Internacional do Trabalho, na OEA (Organização dos Estados Americanos) e no Comitê de Eliminação a Discriminação da ONU.

“Ele ultrapassa todos os limites do direito administrativo porque, no fundo, o presidente assina um parecer que é uma tentativa de legislar, de alterar a própria Constituição de 1988. A gente está num cenário gravíssimo em que não se fala de PEC 215, mas tem concretizada uma medida muito pior porque ela tenta alterar a Constituição fora de um processo de emenda constitucional. E certamente antidemocrático”, disse Erika Yamada, que é também relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma Dhesca, uma rede nacional de articulação de organizações da sociedade civil.

A perita da ONU diz que o parecer viola múltiplos direitos protegidos pela Constituição Federal e por instrumentos e jurisprudência internacionais dos direitos humanos. Ela diz que a medida concretiza violações ao direito a terra, vai impedir que demarcações sejam realizadas e viola direito de consulta, visto que o parecer foi publicado e adotado sem qualquer diálogo com os indígenas.

“O conteúdo desse parecer estabelece restrições que não estão previstas em nenhuma legislação, nem na convenção da 169 da OIT, referente a povos indígenas, nem nas declarações da ONU e da OEA sobre os direitos dos povos indígenas. Ele contraria a ampla jurisprudência do sistema interamericano dos direitos humanos com relação a esse direito”, alertou.

Érika criticou também a forma como o parecer trata as diferentes realidades e identidades culturais dos povos indígenas, cujas garantias estão previstas na Constituição.

“Ele tenta tratar os povos indígenas como se eles vivessem uma única realidade que pudesse ser normatizada de maneira geral a partir de um caso concreto, que é o caso Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Atrelado a isso, um dos aspectos muito grave dessa medida é que se consolida uma posição de negação do acesso a medidas reparatórias para os povos indígenas e do acesso à justiça, que também é um direito fundamental de qualquer cidadão no estado democrático de direito”, explicou.

Ao assinar o parecer, diz Erika Yamada, Michel Temer coloca o Brasil na contramão do compromisso dos Estados e do compromisso que o Brasil assumiu frente a outros países, que foi de reconhecer e de reparar violações cometidas contra os povos indígenas.

“Ao aplicar na esfera administrativa, seja na Funai seja restringindo a defesa judicial de comunidades que têm ações que precisam ser defendida pela AGU e pela Procuradora Federal, está negando a defesa judicial de direitos que estão contidos na Constituição Federal”, disse.

Diferente do que argumenta o governo de Michel Temer, que alega que o parecer vai pacificar a questão fundiária das terras indígenas, o parecer vai ser causa de mais conflitos, segundo a perita.

“A insegurança jurídica vem do fato do judiciário não conseguir reafirmar os direitos que estão previstos na legislação existente, especialmente na constituição. Esse parecer não vai e não deveria resolver os casos judiciais. A outra fonte de conflito é o extremismo da negação do direito, especialmente do direito territorial, que nega a possibilidade da existência e da presença indígena por parte de políticos que têm ganhado cada vez mais força dentro desse governo ilegítimo”, explicou.

 

Violação de direitos

Índios Guarani Kaiowá foram atacados por fazendeiros em 2016 (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

Índios Guarani Kaiowá foram atacados por fazendeiros em 2016 (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

O procurador da República Julio Araújo, que coordena o Grupo de Trabalho Povos Indígenas e Regime Militar do Ministério Público Federal e atuou no Amazonas, disse que o parecer tenta neutralizar um entendimento manifestado no caso Raposa Serra do Sol e esquece que a sua expansão para outros casos é objeto de grandes discussões na administração pública federal – inclusive na autarquia que conduz a política indigenista – e no próprio Supremo Tribunal Federal.

Ele afirmou que há uma clara violação de direitos, que não surpreende pelas intenções, mas pela falta de compromisso com a Constituição de 1988.

“Ao supostamente alegar que vai pacificar o conflito, o parecer posiciona-se pelo esvaziamento do artigo 231 da Constituição e pela negação dos direitos dos índios a seus territórios, pois desconsidera a historicidade dos conflitos e a proteção que as terras indígenas merecem, independentemente de processos demarcatórios, em plena igualdade com a propriedade privada. Com isso, tende a agravar os conflitos de terras, que só vêm aumentando nos últimos tempos”, disse o procurador.

 

Ações serão julgadas em agosto no STF

O advogado indígena Luiz Henrique Eloy, da etnia Terena, disse à Amazônia Real que o parecer de Michel Temer antecipa o posicionamento do governo federal sobre o marco temporal, uma série de condicionantes estabelecidos pelo STF durante o julgamento da TI Raposa Serra do Sol, em Roraima, pois em 16 de agosto próximo haverá julgamento pelos ministros de ações judiciais envolvendo quatro territórios indígenas. As ações são referentes ao Parque Nacional do Xingu, às Reservas Indígenas Nambikwara e Parecis, no Mato Grosso, e à Terra Indígena Ventarra, no Rio Grande do Sul, do povo Kaingang.

“A ministra Carmem Lúcia colocou na agenda do STF o julgamento de três ações judiciais que discutem matéria relativa à tradicionalidade de terras indígenas. Tudo indica que poderão ser tomadas decisões determinantes quanto ao alcance do conceito de “terra tradicionalmente ocupada”. A tese do marco temporal pode ser consagrada ou, como esperamos, esfacelada ou ao menos enfraquecida”, disse o advogado.

 

Brecha para conflitos

Índio Gamela, Francisco Jansen Mendonça da Luz, ferido em ataque de pistoleiros no Maranhão (Foto: Ana Mendes/CIMI)

Índio Gamela, Francisco Jansen Mendonça da Luz, ferido em ataque de pistoleiros no Maranhão (Foto: Ana Mendes/CIMI)

A coordenadora do Programa de Política e Direitos Socioambientais do Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos, afirma que ao fragilizar os direitos das populações indígenas, o governo Temer fortalece ações violentas no campo.

“Toda vez que o governo toma uma decisão que vai no sentido de fragilizar o direito dos povos indígenas, ele abre a brecha para aumentar os conflitos locais. Ele está atendendo à demanda de parlamentares que instigam o conflito, que estimulam a violência física contra os índios. É uma sinalização de que estamos caminhando para a perda de direitos”, afirma.

Segundo Adriana Ramos, ao recorrer a uma canetada para “regulamentar” o marco temporal, o Executivo passa por cima do STF, que rejeitou súmula vinculante para tratar do tema por não haver consenso entre os ministros da Corte.

“É mais um dos absurdos que a gente vê acontecer neste vale-tudo que virou a manutenção do presidente [Temer no poder]. É uma forçação de barra em cima de uma questão que o próprio Supremo Tribunal Federal já tinha afirmado que não tinha consenso. O Supremo rejeitou uma proposta de súmula vinculante sobre esse assunto alegando que era um tema ainda em debate”, ressalta.

“Então não faz o menor sentido querer decidir dessa maneira, numa canetada, passando por cima dos direitos indígenas, num flagrante atendimento aos parlamentares da bancada ruralista neste contexto de negociações de votos do presidente para se manter no poder”, completa Adriana.

De acordo com coordenadora, o ISA estuda medidas legais para contestar o parecer presidencial, como pedir para que a Procuradoria Geral da República questione, junto ao Supremo, a legitimidade do ato.

No campo político, a proposta é unir entidades de representação do movimento indígena para denunciar o caso ante os organismos internacionais. “Estamos articulando com todas as organizações indigenistas e indígenas uma manifestação coletiva para ser divulgada nacional e internacionalmente denunciando que o governo está colocando os direitos indígenas como moeda de troca para sua permanência”, diz a coordenadora do instituto Adriana Ramos.

 

Supremo não se manifesta

Liderança Guarani Kaiowá em protesto em frente ao Supremo Tribunal Federal em 2016 (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

Liderança Guarani Kaiowá em protesto em frente ao Supremo Tribunal Federal em 2016 (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

Amazônia Real procurou a assessoria de comunicação do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, para que o órgão se pronunciasse a despeito das 19 condicionantes, já que as restrições podem ser modificadas ainda no Plenário da Corte na atual composição de ministros.

A assessoria disse que o “Plenário do STF, ao julgar um processo a ele submetido, pode manter ou alterar qualquer entendimento anteriormente firmado, pois é o colegiado máximo do Tribunal. O Plenário, portanto, tem liberdade para analisar as teses trazidas a consideração dos ministros, podendo ratificar ou alterar sua jurisprudência”, disse a assessoria, que informou que o STF não se manifestará sobre o parecer do presidente Michel Temer.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) foi procurada para falar sobre o parecer, que vai interferir no processo de demarcação da autarquia ligada ao Ministério da Justiça. Entre outras questões, a reportagem quis saber se os processos de demarcação em curso atualmente na fundação, após a assinatura do parecer de Michel Temer, foram interrompidos.

A assessoria disse que o presidente do órgão, Franklimberg Ribeiro de Freitas, só poderia se manifestar sobre a medida após retornar de viagem, que acontece no final da noite desta quinta-feira. Freitas estava em Mato Grosso, onde participou de reunião com indígenas Munduruku que ocuparam o canteiro de obras da usina São Manoel, no rio Teles Pires.

 

MPF diz que parecer barra demarcação

Em nota divulgada na noite desta quinta-feira (20), o Ministério Público Federal (MPF) se manifestou contra o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), aprovado pelo presidente Michel Temer, sobre os processos de demarcação de terras indígenas. Mas não informou se vai ingressar com uma ação no STF contra o parecer.

Na nota, o MPF  diz os índios nada podem esperar da Administração e que a certeza dos índios e a esperança de seu futuro estão nas mãos da Justiça.

“O Supremo Tribunal Federal terá agora em agosto nova e plural oportunidade de debater vários desses temas”

Segundo a assessoria de imprensa da PGR (Procuradoria Geral da República), para a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6ª CCR), a posição do presidente da República demonstra que “o atual governo faz o que os antecessores já faziam: não demarca, não reconhece e não protege terras indígenas”.

Para o MPF, o parecer divulgado na quinta-feira orienta a administração federal a vincular as condicionantes estabelecidas no caso Raposa Serra do Sol para outros processos demarcatório, mesmo tendo o Supremo Tribunal Federal expressamente reconhecido que a decisão tomada na PET 3388 [ação do governo de Roraima que contestou a homologação da Raposa Serra do Sol] não é dotada de eficácia vinculante para outras terras indígenas. (Colaborou Fernando Mendonça).

(Foto: Odair Leal/Amazônia Real)

CIR encaminhará representação à Procuradoria Geral da República pedindo providência contra efetividade da Ação 3388/RR caso Raposa Serra do Sol

CIR encaminhará representação à Procuradoria Geral da República pedindo providência contra efetividade da Ação 3388/RR caso Raposa Serra do Sol

Diante da recente aprovação pelo presidente da República, Michel Temer, do Parecer da Advocacia Geral da União (AGU) determinando que toda administração pública federal observe, respeite e de efetivo cumprimento à decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Popular PET 3388/RR, o Conselho Indígena de Roraima (CIR), extremamente preocupado com a reversão dos direitos indígenas pelo poder executivo e a necessidade urgente de evitar violações de direitos humanos dos povos indígenas, encaminhará uma representação à Procuradoria Geral da República e outros órgãos do Poder Judiciário pedindo providências necessárias e urgentes contra a efetividade de qualquer ato administrativo dos itens inconstitucionais estabelecidos na Ação 338/RR caso Raposa Serra do Sol. Confira na íntegra a representação que será protocolada, nesta sexta-feira, 21, em Brasília e nos órgãos locais.

Representação PGR – Conselho Indígena de Roraima

Michel Temer violenta os direitos dos povos indígenas para tentar impedir seu próprio julgamento

Michel Temer violenta os direitos dos povos indígenas para tentar impedir seu próprio julgamento

 Nota pública

O presidente Michel Temer aprovou e mandou publicar no Diário Oficial da União o parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), que obriga a administração pública federal a aplicar, a todas as Terras Indígenas do país, condicionantes que o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu, em 2009, quando reconheceu a constitucionalidade da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. O parecer simula atender uma orientação do STF, mas, na verdade, os ministros da corte já se manifestaram pela não obrigatoriedade da aplicação daquelas condicionantes a outros processos de demarcação.Importante lembrar que, em 2010, quando a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) apresentou proposta de súmula vinculante sobre o tema, o STF rejeitou o pedido por entender que não seria possível editar uma súmula sobre um tema no qual ainda não havia reiteradas decisões que pudessem demonstrar a consolidação de entendimento sobre o assunto.

A aplicação daquelas condicionantes a outras situações resulta em graves restrições aos direitos dos povos indígenas. Por exemplo, a autorização que o STF deu para a eventual instalação de infraestrutura para a defesa nacional naquela terra indígena de fronteira poderá, com o parecer da AGU, ser aplicada em qualquer outra região para desobrigar governos, concessionárias e empreiteiras a consultar previamente os povos indígenas, na abertura de estradas, instalação de hidrelétricas, linhas de transmissão de energia ou quaisquer outros empreendimentos que poderão impactar as Terras Indígenas.

O parecer pretende institucionalizar e pautar as decisões do STF sobre a tese do “marco temporal”, que restringe o direito às terras que não estivessem ocupadas pelos povos indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Isso representa uma ampla anistia à remoção forçada de comunidades indígenas praticadas durante a ditadura militar. Decisões do próprio STF rejeitaram mandados de segurança contra demarcações fundamentados nessa tese. O parecer da AGU toma partido numa discussão que ainda está em curso na Suprema Corte para impor restrições administrativas às demarcações de Terras Indígenas e ao usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre os recursos naturais dessas áreas.

O parecer aprovado por Temer foi anunciado previamente pelo deputado federal ruralista Luis Carlos Heinze (PP-RS) pouco antes da votação na Câmara do pedido de autorização para que o STF julgue o presidente por corrupção passiva, deixando claro que os direitos dos povos indígenas estão sendo rifados em troca dos votos ruralistas para manter Temer no poder. Heinze é o mesmo parlamentar que, em 2013, afirmou publicamente que índios, quilombolas e gays são “tudo o que não presta”.

As organizações signatárias manifestam o seu veemente repúdio ao parecer 001/2017 da AGU, que será denunciado em todos fóruns e instâncias competentes. Temos consciência dos inúmeros danos que estão sendo causados ao país e a todos os brasileiros na “bacia das almas” desse governo, mas pedimos o apoio dos demais movimentos sociais e da sociedade em geral contra mais esta violência.

Solicitamos ao Ministério Público Federal (MPF) que requeira a suspensão dos efeitos do parecer da AGU, cujas proposições são consideradas inconstitucionais por juristas de renome. Solicitamos, ainda, que o STF ponha fim à manipulação das suas decisões pelo atual governo, a qual tem o objetivo de desobrigar o reconhecimento do direito constitucional dos povos indígenas sobre suas terras e impor restrições aos outros direitos desses povos.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)
Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME)
Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE)
Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ARPINSUL)
Grande Assembléia do Povo Guarani (ATY GUASU)
Comissão Guarani Yvyrupa
Conselho do Povo Terena
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
Articulação dos Povos Indígenas do Amapá e Norte do Pará (APOIANP)
Associação Agroextrativista Puyanawa Barão e Ipiranga (AAPBI)
Associação Apiwtxa Ashaninka
Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC)
Associação do Povo Arara do Igarapé Humaitá (APAIH)
Associação dos Povos Indígenas do Rio Envira (OPIRE)
Associação dos Produtores Kaxinawa da Aldeia Paroá (APROKAP)
Associação dos Produtores Kaxinawá da Praia do Carapanã (ASKPA)
Associação Indígena Katxuyana, Kahiana e Tunayana (Aikatuk)
Associação Indígena Nukini (AIN)
Associação Nacional de Ação Indigenista-Bahia (Anai-Bahia)
Associação Sociocultural Yawanawa (ASCY)
Associação Terra Indígena Xingu (ATIX)
Associação Wyty-Catë dos povos Timbira do MA e TO (Wyty-Catë)
Amazon Watch
Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza
Centro de Trabalho Indigenista (CTI)
Conectas
Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP)
Comissão Pró-índio do Acre (CPI-Acre)
Conselho das Aldeias Wajãpi (APINA)
Conselho Indígena de Roraima (CIR)
Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs
Conectas
Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN)
Federação dos Povos Indígenas do Pará
Federação das Organizações e Comunidades Indígenas de Médio Purus (Focimp)
FIAN Brasil
Greenpeace
Hutukara Associação Yanomami (HAY)
Ibase
International Rivers Brasil
Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB)
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepe)
Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)
Instituto Socioambiental (ISA)
INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos
Rede de Cooperação Amazônica (RCA)
Operação Amazônia Nativa (Opan)
Organização dos Agricultores Kaxinawá da Colônia 27 (OAKTI)
Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi de Pauini (Opiaj)
Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ)
Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC)
Organização dos Povos Indígenas Apurina e Jamamadi de Boca do Acre Amazonas (Opiajbam)
Organização Geral Mayuruna (OGM)
Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil
Terra de Direitos
Uma Gota no Oceano

Foto: Takukam Takuikam

Governo ilegítimo quer fazer um ‘bota fora’ nas terras indígenas

Governo ilegítimo quer fazer um ‘bota fora’ nas terras indígenas

Há pouco mais de uma semana, ainda durante a realização da 10ª Grande Assembleia Terena, ocorrida na Terra Indígena Buriti Mato Grosso do Sul, as lideranças Terena recebiam a notícia de que o STF negara o recurso da União Federal, não reconhecendo a área Buriti como de ocupação tradicional, corroborando a aplicação da chamada tese do “marco temporal”. Segundo esta tese absurda, os índios só teriam direito as terras que eles estivessem ocupando no dia 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

É importante reprisar alguns pontos, dentre eles, que esta tese do “marco temporal” não nasceu no judiciário exatamente no julgamento do caso da Raposa Serra do Sol.

Lideranças Terena durante 10º Grande Assembleia

Lideranças Terena durante 10º Grande Assembleia. Foto: Mídia NINJA

É possível ver já este argumento nas justificativas das proposições legislativas da bancada ruralista no início dos anos 2000. E, é claro, diante da intensa mobilização do movimento indígena, notadamente das lideranças da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), várias dessas questões pautadas não avançaram.

Foi neste movimento de mudança de postura, que ministros do STF começaram, na contramão da jurisprudência daquela Corte Constitucional e do movimento constitucionalista latino americano, a mitigação do direito originário dos povos indígenas a favor dos interesses econômicos e políticos que pesam sobre as terras indígenas e suas riquezas.

Com os Terena de Buriti não foi diferente.

Há algum tempo atrás li o texto intitulado “Duas no pé e uma na bunda: da participação Terena na guerra entre o Paraguai e a Tríplice aliança” dos antropólogos Jorge Eremites de Oliveira e Levi Marques Pereira. Este texto traz o relato do ancião da aldeia Buriti Sr. Armando Gabriel, que ao ser questionado sobre a participação dos Terena na guerra defendendo seus territórios e, consequentemente o Estado brasileiro, argumentou que seu povo recebeu do governo imperial apenas três botinas por lutarem ao lado do exército brasileiro na guerra contra o Paraguai: “duas no pé e uma na bunda”. Pois, ao fim da guerra, o governo havia loteado todo o território do povo Terena, concedendo aos “amigos do império”.

A história registra que quando as tropas paraguaias dominaram o atual município de Miranda (MS), entre 1864 e 1866, foram justamente os Terena que fizeram a resistência armada contra as tropas invasoras e em defesa de seus territórios. Interessante notar que as armas utilizadas pelos Terena na resistência foram justamente as que os militares brasileiros deixaram em Miranda por ocasião da rápida fuga que fizeram diante da invasão das tropas inimigas. Ou seja, os Terena não correram da guerra!

Com o fim da guerra e posterior advento da República em 1889, várias famílias Terena, já desterritorializadas, tiveram que se submeter a situação de “cativeiro”. Com seu território esbulhado e no âmago de manter os lanços com sua “mãe terra”, se submeteram a situação de exploração do trabalho indígena em fazendas de gado, em regime de servidão.

Mesmo com a nascente República brasileira os povos indígenas não tiveram seus direitos respeitados. No caso dos Terena, o governo central transferiu terras indígenas não tituladas para o então Estado de Mato Grosso, incluindo extensões do território Terena na Serra de Maracaju. Neste interim, o então estado governado desde seu nascimento pelo agronegócio assenhorou-se de extensas áreas, declarou-as como terras devolutas e posteriormente repassou a terceiros. Estes terceiros são os atuais defensores de seus “justos títulos de propriedades” que querem fazer crer ser um direito natural e sagrado.

Caciques Terena na guerra

Caciques Terena na guerra

Neste sentido a história registra que entre o final do século XIX e início do século XX era extremamente comum caciques Terena se deslocarem para Cuiabá com o objetivo de realizar denúncias e cobrar providência da Diretoria Geral dos Índios – DGI, em relação a demarcação de suas terras, utilizando notadamente do argumento de que haviam lutado na guerra contra o Paraguai defendendo território hoje brasileiro.

Na comunidade Buriti ainda existem pessoas vivas que testemunharam viagens de lideranças Terena à capital federal. É o caso do professor Manoel Patrocínio que relata que seu pai André Patrocínio viajou em comitiva para o Rio de Janeiro em 1930 com o mesmo objetivo, exigir a regularização das terras terena.

Foi-se o tempo em que as lideranças indígenas, mendigando a agenda com o governo num passado bem recente dito de esquerda, travava suas lutas contra as ações da bancada ruralista no congresso nacional e seus braços arraigados pelas instâncias do executivo e judiciário.

Há poucos dias atrás, lideranças indígenas denunciavam na Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH todas as violações perpetradas contra os povos indígenas no Brasil. Neste mesmo tom afirmaram que não estamos mais diante de uma bancada ruralista, eleita com o recurso do agronegócio para defender interesses econômicos em detrimento das populações tradicionais. Estamos diante de um governo notavelmente ruralista, que tem lado e este lado não é dos povos indígenas.

Vê-se que o governo ilegítimo quer a todo custo fazer um “bota fora” dos povos indígenas de seus territórios sagrados.