Indígenas reforçam posição contra o marco temporal a ministros do STF

Indígenas reforçam posição contra o marco temporal a ministros do STF

Documento assinado por quatro advogados indígenas foi entregue à ministra Rosa Weber e ao ministro Dias Toffoli

Uma comitiva de cerca de 30 indígenas participou de audiências com ministros e assessores do Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde desta quinta (27). A comitiva, composta por lideranças e advogados indígenas, entregou documentos e firmou sua posição contra o marco temporal ao ministro Dias Toffoli, à ministra Rosa Weber e aos assessores dos ministros Marco Aurélio de Mello e Luís Roberto Barroso.

A presença dos advogados e advogadas indígenas foi marcada presencial e juridicamente: Luiz Henrique Eloy, indígena Terena e assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Joênia Batista, advogada Wapichana, Ricardo Weibe, advogado indígena Tapeba, participaram das audiências.  Junto com eles, o advogado indígena Dinamam Tuxá, assinou um documento que foi entregue em nome da Apib aos ministros e assessores.

Em argumentação jurídica assinada pelos quatro advogados indígenas, o documento manifesta a posição dos povos indígenas do Brasil pela demarcação de suas terras. Pede ainda que o STF faça prevalecer “os direitos fundamentais territoriais dos povos indígenas, respeitando-se o princípio fundamental da vedação do retrocesso a direitos fundamentais”.

Também acompanharam a comitiva os advogados e advogadas do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), do Instituto Socioambiental (ISA) e da Fian Brasil.

“O STF é a instância máxima do nosso país, é muito importante que ele tome decisões conforme a Constituição Federal de 1988. Nenhum direito a menos, é isso que nós estamos esperando dessa casa”, afirma Joênia de Carvalho. A advogada foi a primeira indígena a fazer uma sustentação oral no STF, no ano de 2009, durante o julgamento a respeito da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (PET 3388/RR), em Roraima.

Sua presença no STF, junto às lideranças e demais advogados indígenas, foi também simbólica: uma das principais ameaças aos direitos dos povos indígenas na atualidade, a tese do “marco temporal” foi pela primeira vez aplicada no julgamento que admitiu a demarcação contínua de Raposa Serra do Sol.

“O Supremo acertou quando disse que o modelo de demarcação de terras indígenas no Brasil é o modelo de área contínua, ao reconhecer a demarcação conforme os critérios constitucionais. Por outro lado, a gente vem aqui protestar junto com todas as lideranças indígenas do Brasil contra algumas das condicionantes [do julgamento de Raposa Serra do Sol], e contra a má interpretação do marco temporal”, afirma Joênia.

Contra as indicações do próprio acórdão da decisão de Raposa, que dizia que a aplicação do marco temporal não deveria se estender a outras terras indígenas, ministros da Segunda Turma do STF anularam duas demarcações de terras indígenas em 2014. Com base numa interpretação equivocada e restritiva do marco temporal, as decisões afetaram os processos das TIs Guyraroka, do povo Guarani e Kaiowá, e Limão Verde, do povo Terena.

Segundo a tese do marco temporal, conforme adotada pela Segunda Turma do STF, os indígenas só teriam direito às terras que estivessem ocupando em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

“A tese é totalmente inconstitucional, a Constituição reconheceu o direito indígena como direito originário e anterior a qualquer outro. Ela não está consolidada, é o posicionamento de alguns ministros. No entanto,  magistrados de primeira e segunda instância estão aplicando o marco temporal, determinando o despejo de comunidades inteiras e anulando processos de demarcação já consolidados”, afirma Luiz Henrique Eloy.

Preocupação das comunidades

Além dos advogados e advogadas indígenas e das organizações de apoio, lideranças indígenas de todas as regiões do Brasil também tiveram espaço para falar aos ministros.

“Estamos vivendo numa situação muito difícil lá no Mato Grosso do Sul por causa da não demarcação das nossas terras. Nós vivemos de violência, de massacre, sendo expulsos de nossas terras por causa deste marco temporal, que não está valendo como lei mas que na prática está funcionando”, afirmou à ministra Rosa Weber o Guarani Kaiowá Elizeu Lopes.

Outro ponto abordado nas falas e documentos foi a questão do acesso à justiça para os indígenas, um direito assegurado na Constituição Federal mas que, na prática, é negado em grande parte dos processos que resultam em decisões contrárias as comunidades.

“Vários magistrados não estão admitindo a participação das comunidades indígenas nos processos sob a alegação de que são tuteladas ou que não têm legitimidade para estar em juízo. É uma flagrante inconstitucionalidade, a Constituição Federal já reconheceu o direito dos povos indígenas de estar em juízo e os povos têm seus próprios advogados”, afirma Eloy.

 

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Artistas cantam música ‘Demarcação Já’ durante show no Acampamento Terra Livre

Artistas cantam música ‘Demarcação Já’ durante show no Acampamento Terra Livre

Artistas vão à mobilização indígena para apresentar ao vivo a música que virou sucesso na internet, com mais de 600 mil visualizações

 

Ao fim desta quarta-feira (26), um dia intenso no Acampamento Terra Livre (ATL) repleto de atividades, discussões, mobilizações, assembleias e mais um episódio de desrespeito policial, os indígenas puderam assistir pela primeira vez ao videoclipe da canção “Demarcação Já!” e aproveitar o show de lançamento da música na voz de Djuena Tikuna, Lirinha, Carlos Rennó, Felipe Cordeiro e do diretor de teatro Zé Celso..

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Na segunda-feira, foi lançado o videoclipe da canção, que conta com a participação de mais de 25 artistas, entre eles Gilberto Gil, Maria Bethânia, Ney Matogrosso, Arnaldo Antunes, Elza Soares, Criolo, Lenine, Zélia Duncan, Zeca Baleiro e Nando Reis. O vídeo já conta com mais de 600 mil visualizações e 36 mil compartilhamentos.

Segundo o letrista Carlos Rennó, autor da canção, “essa música é em nome de todos os povos originários do Brasil”. Para o diretor do videoclipe, André D’Elia, o objetivo do projeto é ampliar a voz dos indígenas entre a sociedade: “Esse projeto não é só para falar com aqueles que compartilham dessa luta, mas também com aqueles que não a apoiam”.

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Após a apresentação do clipe, os artistas animaram o público com a versão ao vivo. Conforme a música ia se desenrolando e o refrão “demarcação já” era repetido, o público elevava a sua voz pouco a pouco, até o ponto em que um coro de centenas de pessoas preencheu o acampamento, encerrando a cantoria como um grande protesto – o que é, de fato, a essência do projeto.

Aproveitando o público vibrante, Felipe Cordeiro e Carlos Rennó apresentaram a canção inédita “Hidrelétricas Nunca Mais”, seguidos por Ian Wapichana, com “Índio Vai Para o Céu?” e “Cerrado em Chamas”, e uma parceria de Djuena Tikuna com Lirinha.

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Confira a letra completa de “Demarcação Já!”

Já que depois de mais de cinco séculos

E de ene ciclos de etnogenocídio,

O índio vive, em meio a mil flagelos,

Já tendo sido morto e renascido,

Tal como o povo cadiveu e o panará –

Demarcação já!

Demarcação já!

Já que diversos povos vêm sendo atacados,

Sem vir a ver a terra demarcada,

A começar pela primeira no Brasil                  

Que o branco invadiu já na chegada:

A do tupinambá –                            

Demarcação já!

Demarcação já!

Já que tal qual as obras da Transamazônica,

Quando os milicos os chamavam de silvícolas,

Hoje um projeto de outras obras faraônicas,

Correndo junto da expansão agrícola,

Induz a um indicídio, vide o povo kaiowá,

Demarcação já!

Demarcação já!

Já que tem bem mais latifúndio em desmesura

Que terra indígena pelo país afora;

E já que o latifúndio é só monocultura,

Mas a TI é polifauna e pluriflora,

Ah!,

Demarcação já!

Demarcação já!

E um tratoriza, motosserra, transgeniza,

E o outro endeusa e diviniza a natureza:

O índio a ama por sagrada que ela é,

E o ruralista, pela grana que ela dá;

Bah!

Demarcação já!

Demarcação já!

Já que por retrospecto só o autóctone      

Mantém compacta e muito intacta,

E não impacta e não infecta,

E se conecta e tem um pacto com a mata

–Sem a qual a água acabará –,

Demarcação já!

Demarcação já!

Pra que não deixem nem terras indígenas        

Nem unidades de conservação

Abertas como chagas cancerígenas

Pelas feridas da mineração

E de hidrelétricas no ventre da Amazônia, em Rondônia, no Pará…

Demarcação já!

Demarcação já!

Já que tal qual o negro e o homossexual,

O índio é “tudo que não presta”, como quer

Quem quer tomar-lhe tudo que lhe resta,

Seu território, herança do ancestral,

E já que o que ele quer é o que é dele já,

                        

Demarcação, tá?               

Demarcação já!

Pro índio ter a aplicação do Estatuto

Que linde o seu rincão qual um reduto,

E blinde-o contra o branco mau e bruto

Que lhe roubou aquilo que era seu,

Tal como aconteceu, do pampa ao Amapá,

Demarcação lá!

Demarcação já!

Já que é assim que certos brancos agem,

Chamando-os de selvagens, se reagem,

E de não índios, se nem fingem reação

À violência e à violação

De seus direitos, de Humaitá ao Jaraguá,

Demarcação já!

Demarcação já!

Pois índio pode ter Ipad, freezer,

TV, caminhonete, voadeira,

Que nem por isso deixa de ser índio

Nem de querer e ter na sua aldeia

Cuia, canoa, cocar, arco, maracá.       

Demarcação já!

Demarcação já!

Pra que o indígena não seja um indigente,

Um alcoólatra, um escravo, um exilado,

Ou acampado à beira duma estrada,

Ou confinado e no final um suicida,

Já velho ou jovem ou – pior – piá,

Demarcação já!

Demarcação já!

Por nós não vermos como natural

A sua morte sociocultural;

Em outros termos, por nos condoermos –

E termos como belo e absoluto

Seu contributo do tupi ao tucupi, do guarani ao guaraná.

Demarcação já!

Demarcação já!

Pois guaranis e makuxis e pataxós

Estão em nós, e somos nós, pois índio é nós;

É quem dentro de nós a gente traz, aliás,

De kaiapós e kaiowás somos xarás,

Xará.

Demarcação já!

Demarcação já!

Pra não perdermos com quem aprender

A comover-nos ao olhar e ver          

As árvores, os pássaros e rios,

A chuva, a rocha, a noite, o sol, a arara  

E a flor de maracujá,

Demarcação já!

Demarcação já!

Pelo respeito e pelo direito

À diferença e à diversidade

De cada etnia, cada minoria,

De cada espécie da comunidade

De seres vivos que na Terra ainda há,

Demarcação já!

Demarcação já!

Por um mundo melhor ou, pelo menos,

Algum mundo por vir; por um futuro

Melhor ou, oxalá, algum futuro;

Por eles e por nós, por todo mundo,

Que nessa barca junto todo mundo tá,

Demarcação já!

Demarcação já!

Já que depois que o enxame de Ibirapueras      

E de Maracanãs de mata for pro chão,

Os yanomami morrerão deveras,

Mas seus xamãs seu povo vingarão,

E sobre a humanidade o céu cairá,

Demarcação já!

Demarcação já!

Já que por isso o plano do krenak encerra

Cantar, dançar, pra suspender o céu;

E indígena sem terra é todos sem a Terra,

É toda a civilização ao léu                                      

E ao deus-dará,

Demarcação já!

Demarcação já!

Sem mais embromação na mesa do Palácio,

Nem mais embaço na gaveta da Justiça,

Nem mais demora nem delonga no processo,

Nem mais parola nem pendenga no Congresso,

Nem lengalenga, nenhenhém nem blablablá!

Demarcação já!

Demarcação já!

Pra que nas terras finalmente demarcadas,

Ou autodemarcadas pelos índios,

Nem madeireiros, garimpeiros, fazendeiros,

Mandantes nem capangas nem jagunços,

Milícias nem polícias os afrontem.

Vrá!

Demarcação ontem!

Demarcação já!

E deixa o índio, deixa os índios lá  

Acampamento Terra Livre propõe aliança entre povos indígenas de diversos países

Acampamento Terra Livre propõe aliança entre povos indígenas de diversos países

Lideranças internacionais comparecem à maior mobilização indígena dos últimos anos

Representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e lideranças indígenas internacionais reuniram-se, hoje (26/4), no terceiro dia do Acampamento Terra Livre, para discutir a unificação de forças entre povos indígenas de várias regiões do mundo.

Na comitiva indígena internacional, estão representantes de povos do Panamá, Costa Rica, Guatemala, Equador, Bolívia e Indonésia.

“Muitas das coisas que a gente vê em outros países são semelhantes à nossa realidade. Muda o povo, muda a língua, muda a legislação de cada país, mas o propósito da luta é o mesmo”, disse Kléber Karipuna, liderança de base da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasília (Coiab) e da coordenação da Apib.

“Não há nenhum impedimento para que uma aliança entre os povos indígenas na América Latina seja consolidada”, defendeu Paulo Montejo, assessor da Apib.

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Entre os diversos pontos comuns que motivam a luta de povos indígenas no Brasil e no mundo, quatro foram destacados: o direito à terra, a liberdade de autodeterminação, a criminalização de lideranças e o acesso a fundos de financiamento para as organizações indígenas.

“Se você sente que isso nos conecta e que isso está errado, vocês são mais do que bem-vindos para se juntar a nós”, destacou Mina Setra, da Indonésia.

Novas reuniões entre lideranças indígenas estrangeiras e brasileiras vão ocorrer até o fim do ATL, nesta sexta (28/4), para discutir a aliança internacional entre povos indígenas.

Munduruku bloqueiam rodovia no Pará por demarcação de terras e contra o desmonte da Funai

Munduruku bloqueiam rodovia no Pará por demarcação de terras e contra o desmonte da Funai

Indígenas do Tapajós também participam do Acampamento Terra Livre, em Brasília, e lutam pela proteção de suas terras tradicionais.

Cerca de 100 Munduruku do alto e do médio Tapajós, no oeste do Pará, bloquearam, na tarde desta quarta (26) a rodovia Transamazônica (BR-230), em Itaituba (PA), em manifestação contra o desmonte da Funai e pela demarcação da Terra Indígena Sawre Muybu.

Os povos indígenas do Tapajós foram duramente atingidos pelo corte de recursos e de cargos feitos na Fundação Nacional do Índio (Funai) pelo governo. A situação vivenciada na região é exemplar do que acontece no resto do Brasil: atualmente, apenas cinco servidores são responsáveis por atender uma população de quase vinte mil indígenas de 13 povos diferentes que vivem ao longo do curso do rio Tapajós.

Três dos 14 servidores que trabalhavam na Coordenação Regional responsável por atender os povos indígenas do Baixo, Médio e Alto Tapajós foram exonerados. Para piorar a situação, há servidores licenciados nas três Coordenações Técnicas Locais (CTLs) que atendem a região e problemas para garantir a manutenção das sedes da Funai.

Na CTL de Santarém, no baixo Tapajós, apenas dois servidores precisam dar conta de atender diversos povos e, no momento, estão com a sede fechada, porque a Funai não conseguiu pagar o aluguel do prédio onde funcionava a CTL.

Em Jacareacanga (PA), no alto Tapajós, uma CTL foi recentemente fechada e outra, também sem sede, tem apenas um servidor que atualmente está afastado por licença médica.

Em Itaituba (PA), a sede da Coordenação Regional e a CTL que atende ao médio Tapajós, sediada no mesmo local e atualmente sem coordenador, estão com apenas dois servidores na ativa.

“A Funai praticamente não existe mais. Essa reivindicação é para que a Funai continue tendo autonomia e o ministro da Justiça respeite os povos indígenas. Querem acabar com a Funai para acabar com as terras indígenas, porque este é o órgão que demarca nossas terras”, afirma Alessandra Munduruku.

Alessandra Korap Munduruku. Foto: Mídia Ninja/MNI

Alessandra Korap Munduruku. Foto: Mídia Ninja/MNI

Há anos, os Munduruku também exigem a publicação da portaria declaratória da Terra Indígena Sawre Muybu, pela qual lutam há muitos anos. A TI Sawre Muybu é uma das cerca de 300 que aguardam, em todo o Brasil, o andamento de alguma das etapas do processo de demarcação.

Em abril do ano passado, o relatório de identificação e delimitação da TI Sawre Muybu foi publicado pela Funai e aguarda, desde então, a publicação de sua Portaria Declaratória, função do Ministério da Justiça. Sem a conclusão da demarcação, entretanto, os indígenas permanecem vulneráveis à ação de fazendeiros, madeireiros, grileiros e garimpeiros e aos mega empreendimentos governamentais – como estradas e hidrelétricas. A Funai, com um contingente mínimo, é incapaz de exercer sua função de fiscalizar as invasões à terra indígena.

“Quando o ministro da Justiça falou que terra não enche a barriga, eu pensei: será que o concreto enche a barriga dele? A terra é onde nós plantamos, onde nós colhemos, de onde tiramos nossas frutas para comer, onde caçamos. A terra enche nossa barriga sim, não só dos indígenas, mas também dos ribeirinhos e até das pessoas da cidade, que consomem o peixe e querem peixe saudável”, critica a Munduruku.

Alessandra participa da delegação de Munduruku e demais indígenas do Tapajós que estão participando do Acampamento Terra Livre (ATL), e acompanha à distância as ações de seus parentes.

“Esse encontro dos povos indígenas está sendo muito bom. A gente Munduruku não conhece os problemas que os outros parentes têm, as lutas deles, e aqui acaba sendo um momento para trocar experiências e nos fortalecer”, avalia a indígena.

Contra os “projetos de morte”

Os Munduruku também manifestam-se contra os projetos de hidrelétricas no Tapajós, chamados por eles de “projetos de morte”, e contra as tentativas do governo de fragilizar a proteção ambiental na região e de abrir as florestas das quais os povos e comunidades tradicionais do Tapajós dependem para sobreviver para a exploração privada. Órgãos ambientais do governo têm apresentado propostas de concessão das Florestas Nacionais (Flonas) de Itaituba I e II, contíguas à TI Sawre Muybu, à exploração de madeireiros. Recentemente, povos indígenas e comunidades tradicionais do Tapajós impediram uma audiência que trataria do leilão destas florestas.

Também preocupa os Munduruku a Medida Provisória (MP) 756/2016, que propõe a transformação de outra Flona da região, a do Jamanxim, que incide diretamente sobre a TI Sawre Muybu, em uma Área de Preservação Ambiental (APA).

Ao contrário das Flonas, as APAs permitem a existência de propriedades privadas em seu interior. Como a TI Sawre Muybu ainda não está demarcada, existe a possibilidade de que pessoas reivindiquem títulos sobre a terra indígena, aumentando a destruição da área e impedindo que os indígenas tenham acesso ao seu território. Na prática, a APA não protege a floresta.

Aprovada em comissão mista do Congresso, a Medida Provisória (MP) 756/2016, ainda tem que passar pelos plenários da Câmara e do Senado.

Os Munduruku afirmam que permanecerão mobilizados até que obtenham alguma resposta a respeito de suas reivindicações.

“Se eles não querem que os indígenas tranquem a BR, que nos respeitem. Que o governo demarque a Sawre Muybu e não faça mais hidrelétricas”, afirma Alessandra Munduruku.

Nesta semana, Juarez Saw Munduruku, cacique da aldeia Sawre Muybu, e Arnaldo Kaba Munduruku, cacique geral dos Munduruku, estão em Nova York denunciando estas mesmas questões em espaços da Organização das Nações Unidas (ONU).

Saúde Indígena na Pauta do Acampamento Terra Livre

Saúde Indígena na Pauta do Acampamento Terra Livre

O terceiro dia da 14ª edição do Acampamento Terra Livre, as lideranças indígenas se dividiram em seis grandes grupos de trabalho temáticos. O que debateu o tema da saúde indígena foi um dos mais numerosos e movimentados. Representantes de várias regiões também contaram suas realidades locais, demandas e reivindicações.

Uwira Xakriaba, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) de Altamira, no Pará, relata que a ingerência política faz com que pessoas ocupem cargos estratégicos sem nenhum conhecimento da saúde indígena, apenas por apadrinhamento político.

“Coordenadores distritais escolhidos por deputados A ou B caem de paraquedas, não fazem seu trabalho de gestão e inviabilizam nosso trabalho de controle social. Esse é um entrave. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) precisaria ter autonomia”, reitera. “Nosso sistema devia trabalhar com prevenção e promoção da saúde, mas na verdade funciona como bombeiro apagando incêndio. Ela desarticula nossos modelos tradicionais de saúde”, afirma.

Para os participantes dos grupos, o maior desafio da política de recursos humanos da Sesai é viabilizar o apoio à capacitação dos profissionais indígenas. Eles também apontaram a necessidade de contratar e valorizar os profissionais indígenas indicados e residentes nas comunidades. Também foi colocada a importância de processos de seleção dos profissionais de forma diferenciada levando em consideração a cultura de cada povo.

Em outubro, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, tentou promover alterações no subsistema de saúde sem consultar as populações indígenas. Poucos dias após publicar as portarias 1.907/16 e 2.141/16, teve de voltar atrás e revogá-las. As medidas retiravam a autonomia administrativa e financeira da Sesai e dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). A revogação ocorreu depois de um movimento nacional de resistência, com ocupação de DSEIs e rodovias.

Dicas para cobertura do 14º Acampamento Terra Livre

Dicas para cobertura do 14º Acampamento Terra Livre

  1. Ao acompanhar a cobertura da mídia relativa às atividades do 14º Acampamento Terra Livre percebemos que muitos veículos tem desconhecimento da causa e acabam usando terminologias em dissonância com o movimento. Por isso, preparamos um documento com dicas para uma cobertura humanizada e que trate nossos parentes com respeito.

– Narrativa de resistência: mesmo que diante de grande desafios e de uma conjuntura com desmonte de direitos, os povos indígenas são resilientes e autônomos.

– Não falamos em tribos ou índios: falamos em povos indígenas, povos originários ou indígenas.

– Ao se referir às localidades, indicar sempre comunidades ou aldeias, Terras Indígenas e Estado; preferencialmente checar com o entrevistado.

– Atenção: há sempre participantes indígenas que são lideranças e outros que não são. Sempre perguntar à pessoa como ela quer ser identificada.

– Diversificar as vozes indígenas dando visibilidade às pautas locais e regionais.

– A recomendação é buscar dar visibilidade, na cobertura de foto e vídeo, à diversidade indumentária dos povos indígenas contemporâneos, tentando não reforçar estereótipos ou imagens exóticas.

– Buscar relacionar, sempre que possível, as situações macro-políticas nacionais com suas consequências locais. Conversar com as lideranças sobre como as políticas afetam a vida nas aldeias.

– Atenção à grafia e pronúncia dos nomes dos povos, organizações, Terras Indígenas, aldeias e pessoas, estado, conforme apontadas pelos indígenas.

– Evitar juízos como “principais lideranças”, “mais importantes lideranças” etc. Todas as lideranças são importantes.
– Atentar para os recortes geracionais e de gênero: importante equilibrar falas de lideranças de diferentes gerações políticas, assim como de mulheres e homens, locais, regionais e nacionais.

– Tentar viabilizar conteúdos em vídeo e áudio nas línguas maternas dos povos de cada uma das regiões, buscando tradutores indígenas.

– Buscar apresentar as pautas políticas de forma simples e direta. No caso de temas mais complexos, cobertura pode ficar centrada nos editores das organizações.

Indígenas são barrados pela Polícia Militar no Senado

Indígenas são barrados pela Polícia Militar no Senado

Grupo foi impedido de entrar em Audiência previamente marcada na Comissão de Direito Humanos

Um grupo de cerca de 80 indígenas, participantes da 14ª da edição no Acampamento Terra Livre, foi impedido pela Polícia Militar de entrar no Senado. Os indígenas estavam a caminho de uma Audiência Pública prevista para a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa.

Os indígenas foram escoltados pela Polícia Militar na caminhada do acampamento até o Senado. As lideranças indígenas contaram que o grupo foi abordado de forma truculenta e provocado pelos policiais. Ao chegar no Senado, foi barrado por um grande contingente de policiais militares, incluindo cavalaria. O grupo de manifestantes seguiu seu caminho de forma pacífica e em nenhum momento aceitou as provocações.

Policiais escoltaram indígenas. Foto: Rogério Assis / MNI

Policiais escoltaram indígenas. Foto: Rogério Assis / MNI

“Tinham combinado que entrariam 80 indígenas para a Audiência marcada na Comissão de Direitos Humanos, isso foi aprovado por meio de Requerimento, estava tudo certo. No Senado tinha mais uma fileira policial que disse que só podiam entrar 20 indígenas”, afirma Sônia Gujajara, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Impossibilitados de entrar, os indígenas decidiram voltar para o acampamento. O retorno também foi conturbado, pois a polícia decidiu escoltar novamente o grupo. Depois da chegada dos índios, o acampamento foi cercado por vários carros da polícia.

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Policiais escoltaram indígenas. Foto: Mídia Ninja / MNI

 

Procurado, o secretário de Direitos Humanos do governo do Distrito Federal, Gutemberg Gomes afirmou que não há nenhuma intenção em recolher arcos e flechas dos manifestantes e que esses objetos pertencem a cultura indígena. Ele garantiu que os policiais estão no local para assegurar a segurança e a integridade da mobilização.

“Eu vivi durante a ditadura e sei como eram tratados os movimentos sociais, a repressão que existia. Estão usando os mesmos métodos”, disse a Senadora Regina de Souza (PT-PI) que iria participar da reunião com as lideranças, mas foi para o lado de fora ao saber da repressão.

 

Deputada Regina Silva no ATL depois do epsódio no senado. Foto: Mídia NINJA / ATL

Senadora Regina de Souza no ATL depois do epsódio no senado. Foto: Mídia NINJA / ATL

Operação destrói acampamento Guarani e Kaiwoá, e apreende duas armas de brinquedo

Operação destrói acampamento Guarani e Kaiwoá, e apreende duas armas de brinquedo

Uma operação de guerra foi organizada, nesta terça-feira, 26, na Terra Indígena Dourados Amambai-Peguá I, do povo Guarani e Kaiowá, município de Caarapó (MS). Ao menos 200 policiais e soldados do Exército entraram na aldeia – em caminhonetes, cavalos e helicóptero – com o objetivo de recuperar produtos de roubo e furto supostamente realizados durante retomadas indígenas a três fazendas incidentes no tekoha Tey’i Kue, em 2016. O resultado foi constrangedor.

Conforme declarou à imprensa o comandante da ação, Ary Carlos Barbosa, ela “visou trazer uma maior sensação de segurança aos moradores”. O Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) não foram informadas da operação, que apresentou como saldo a apreensão de duas réplicas de arma de fogo, um estojo de munição e um coldre. Não há informações sobre a recuperação de objetos supostamente roubados. Ninguém foi preso.

Apesar do resultado ter sido desproporcional ao tamanho da operação, os Guarani e Kaiowá denunciam a completa destruição do acampamento na retomada de Tey’i Kue. De acordo com liderança indígena ouvida e que pediu para não ser identificada por razões de segurança, “os policiais quebraram barracos, reviraram pertences pessoais, destruíram material de reza”.

Na declaração sobre o saldo da operação, os policiais frisaram que viram marcas de tiros, aparentemente de calibre 12, nas portas das casas.

“Será que não sabem que pistoleiro ataca o acampamento a mando do fazendeiro? Essa operação tá mais pra uma retaliação pelo fato da gente seguir na nossa terra mesmo depois dos assassinatos, ataques e ameaças”, afirma a liderança.

Em junho de 2016, o agente de saúde Guarani e Kaiowá Clodiodi Aquileu de Souza foi assassinado e outros nove indígenas ficaram feridos com armas de fogo durante ataque de fazendeiros e pistoleiros à Fazenda Yvu, retomada pelos Guarani Kaiowá e onde fica o tekoha Tey’i Kue. Outros episódios de ameaças, racismo e violência se seguiram ao ataque fortemente armado dos fazendeiros – um grupo chegou a ser preso, responsabilizado pela violência contra os indígenas.

O episódio ocorre durante a realização da 14º Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília. Mais de 3 mil indígenas, representando cerca de uma centena de povos, estão desde segunda-feira, 24/4, reivindicando o direito à terra, a retomada das demarcações, denunciando o desmonte da Funai e o loteamento de seus cargos pelos ruralistas e contra a retirada de direitos fundamentais, caso das reformas da Previdência e Trabalhista.

Conversa com Lula: faltou autocrítica

Para Elizeu Guarani e Kaiowá, porta-voz da Aty Guasu, principal organização política do povo Guarani Kaiowá, “a operação é o resultado da falta de demarcação”. Integrante do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), Elizeu esteve reunido na noite anterior à Operação Caarapó com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, junto com uma comitiva do ATL. A reunião foi uma solicitação do Instituto Lula.

“Falei para o presidente que o governo dele foi muito ruim para os povos indígenas. O da Dilma também. Não avançou as demarcações. Agora com o Temer, é que piorou de vez, mas já vem de anos de desrespeitos aos nossos direitos. Estamos resistindo, e isso nos mantém vivos”, relata. Fome, agrotóxicos lançados nas aldeias, polícia, pistoleiros: “Essa é a realidade no Mato Grosso do Sul”.

De acordo com o indígena, Lula afirmou estar ciente do quadro, mas não se posicionou de maneira autocrítica e foi acompanhando pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), que, em 2013, quando ministra da Casa Civil, afirmouo que no Paraná não havia índios e, se existissem, eram “paraguaios”. Outro fato embaraçoso é a relação de Lula com José Carlos Bumlai, que possui uma usina de cana em terras tradicionais Guarani e Kaiowá na região de Dourados.

Líderes indígenas buscam diálogo com presidente da Câmara

Líderes indígenas buscam diálogo com presidente da Câmara

No início da tarde de hoje (26/4), uma comitiva de 20 líderes indígenas de todo o país, que participam da 14ª edição do Acampamento Terra Livre, em Brasília, encontraram-se rapidamente com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O objetivo do encontro foi buscar o diálogo com a casa. Os indígenas criticaram projetos contra seus direitos em tramitação. Também cobraram o fim da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O colegiado é dominado por ruralistas e pretende impedir a oficialização de Terras Indígenas e territórios quilombolas, além de criminalizar líderes indígenas, antropólogos, organizações e militantes indigenistas.

O cacique Raoni Metuktire Kayapó afirmou que tem tido dificuldades para ser ouvido por políticos e autoridades. “Hoje, vim dialogar. Uma coisa que nunca vou aceitar, e que tenho visto nos noticiários, é que os parlamentares querem aprovar projetos que querem prejudicar nossos direitos”, alertou. Raoni cobrou a retomada das demarcações e o fortalecimento da Funai.

Cacique Raoni Metuktire Kayapó durante coletiva de imprensa na Câmara. Foto: Mídia NINJA / MNI

Cacique Raoni Metuktire Kayapó durante coletiva de imprensa na Câmara. Foto: Mídia NINJA / MNI

Maia comprometeu-se a não pautar projetos que ameaçam os direitos indígenas sem “dialogar com os indígenas”. Ele afirmou que, no caso de propostas polêmicas, buscaria evitar “afetar direitos históricos”.

“O debate será sempre democrático e aberto. Temos dialogado. Eu não vejo ambiente e preocupação para que a PEC 215 seja colocada em votação”, afirmou. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 pretende transferir do governo federal ao Congresso a última palavra sobre as demarcações indígenas, entre outros pontos. Se for aprovada, as demarcações serão paralisadas definitivamente.

Maia disse que a CPI foi finalizada e que não haverá uma nova renovação de seu prazo de funcionamento. “A CPI acabou. Não haverá outra”, afirmou. Se o colégio de líderes resolver pautar um requerimento para renovar o prazo da comissão e o plenário aprová-lo, no entanto, o presidente da Câmara não pode impedi-lo. Se não houver nova renovação de prazos, o relatório da comissão tem de ser aprovado até 23/5..

Na tarde de ontem, indígenas que protestavam foram atacados com bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha ao tentar depositar quase 200 caixões no espelho de água do Congresso. Ninguém ficou ferido (saiba mais).

Mulheres indígenas: a força do 14º Acampamento Terra Livre

Mulheres indígenas: a força do 14º Acampamento Terra Livre

Quem viu a multidão indígena tomar a Esplanada dos Ministérios, na tarde de ontem (25/4), talvez não tenha notado que quatro mulheres estavam à frente da marcha: Sonia Guajajara, Nara Baré, Angela Katxuyana e Pui Tembé.

Esta cena é apenas um reflexo da importância da luta das mulheres indígenas neste 14º Acampamento Terra Livre: estima-se que pelo menos mil mulheres estejam na mobilização. Elas se reuniram em uma grande plenária na noite desta terça-feira, para discutir a saúde da mulher indígena e a articulação nacional da luta das mulheres indígenas.

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A primeira pauta da plenária foi a proposta para 1ª Conferência Livre da Saúde das Mulheres Indígenas, antes da 2ª Conferência Nacional de Saúde, em outubro. A proposta foi preparada por 36 mulheres de todos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), está sendo discutida e será levada para as aldeias pelas participantes deste ATL.

“A saúde da mulher indígena tem deixado muito a desejar”, sintetizou Letícia Yawanawa, do Acre, pontuando problemas de saúde específicos das mulheres e lembrando da importância das parteiras indígenas e suas plantas medicinais. Dorinha Pankararu (PE) reforçou a mensagem: “Mulher tem que ficar onde ela quiser; não é só ficar fazendo comida. Queremos discutir políticas públicas voltadas para as mulheres!”.

Tsitsina Xavante (MT) fechou a plenária convocando as mulheres e homens presentes para uma homenagem: “Não tem como falar sobre mulheres e sobre Acampamento Terra Livre, sem falar de Rosane Kaingang”. Nos últimos quatorze anos, Rosane foi uma das grandes apoiadoras das delegações indígenas nos acampamentos em Brasília, garantindo que todos tivessem seu momento de incidência política. Este é o primeiro ATL desde seu falecimento, no ano passado.

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Elas dançaram para lembrar Rosane, ao som das mulheres xinguanas, que entoaram cantos do ritual Yamiricumã, passado de mãe para filhas no Território Indígena do Xingu (MT). “Essa música é de irmã; estamos oferecendo pra essa grande guerreira”, contou uma guerreira.

Também foi apresentada na plenária a proposta de organização de uma assembleia nacional das mulheres indígenas, para dezembro deste ano.