Indígenas Kaingang bloquearam nesta segunda-feira, 24/4, a BR-386, na altura do município de Iraí, norte do Rio Grande do Sul. A rodovia RS-343 também foi fechada, nas proximidades de Vicente Dutra, mais a noroeste do estado. Os protestos reuniram cerca de 700 indígenas nas rodovias durante 8 horas. Outros movimentos foram realizados pelos Kaingang hoje: na Terra Indígena Serrinha, município de Ronda Alta, e Terra Indígena Campo do Meio, município de Gentil.

Foram as primeiras mobilizações indígenas que ocorreram paralelamente ao início da 14ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), que acontece em Brasília. Um grande número de indígenas Kaingang já está acampado na Esplanada dos Ministérios. O objetivo é sincronizar as ações para enfrentar de forma contundente “uma conjuntura de morte muito e pior do que estava nos últimos anos”, nas palavras de Kretã Kaingang, que está em Brasília acompanhando a delegação da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ArpinSul).

No Rio Grande do Sul, os Kaigang protestaram pela demarcação das terras indígenas, mas sobretudo contra o desmonte em curso da Fundação Nacional do Índio (Funai) e exigindo o fim da pressão de deputados estaduais e federais ruralistas para a nomeação de ao menos 50 indicados ao órgão indigenista no Estado.

Morador da Terra Indígena Rio dos Índios, o cacique Luiz Salvador afirmou que se trata de uma luta que ocorre desde a invasão dos territórios indígenas. “Estamos sendo engolidos por um governo, por um capitalismo que não enxerga como a situação está hoje. Estão precarizando a Funai. O Alceu Moreira [deputado ruralista do PMDB-RS] está indicando gente pra Funai”, diz.

Salvador pede que a Funai retome a criação de Grupos de Trabalhos para a demarcação de terras e que conclua os procedimentos ainda em aberto. “Quem sofre mais com isso são as crianças, os idosos. O governo precisa se normalizar, o jeito que está é realmente fora”, diz Salvador, A previsão, de acordo com o cacique, é de mais ações durante os próximos três dias.

Foto: Ivan César Cima / Cimi Sul

Para os Kaingang é inaceitável a interferência de políticos ruralistas que “ontem queriam o fim da Funai, fizeram CPI e tudo e agora querem indicar gente de confiança para ocupar cargos”, diz o cacique. Além de Moreira, o deputado federal ruralista Luiz Carlos Heinze (PP-RS) indicou Ubiratan de Souza Maia para ocupar um cargo importante na Funai, em Brasília. Ubiratan foi condenado pela Justiça Federal pelo arrendamento ilegal da Terra Indígena Xapecó, em SC.

O presidente Michel Temer e os ministros da Justiça, Osmar Serraglio, e do Planejamento, Dyogo de Oliveira, publicaram, no dia 24/3, o Decreto 9010/17, que extinguiu 87 cargos comissionados, entre eles 51 cargos de Coordenação Técnica Local (CTL), e três Frentes de Proteção Etnoambiental dos Povos Isolados. Este ano, os recursos da Funai tiveram um corte de 38% com relação a 2016.

No ATL e em todo país, indígenas também protestam contra o corte de gastos e postos na Funai. Quase um mês depois do decreto, em 19 de abril, Dia do Índio, o presidente da Funai, Antônio Costa, acabou demitido por se negar a nomear indicados pelos parlamentares ruralistas André Moura (PSC-SE), líder do governo na Câmara Federal, e Carlos Marun (PMDB-MS).

Reforma da Previdência

Os Kaingang também protestam contra as reformas da previdência e trabalhista. As lideranças indígenas enviaram documentos com essas reivindicações que serão protocolados em Brasília durante o ATL.

“Sobrevivemos da terra, sem uma relação de mercadoria. A Constituição entende isso, mas esse governo, que não foi eleito pelo povo, mas sim por uma meia dúzia de oportunistas, pretende desrespeitar tudo e beneficiar uns poucos. Estamos com os trabalhadores e toda a sociedade do país contra essas reformas”, diz Salvador.

A Reforma da Previdência é uma preocupação não apenas dos Kaingang. A proposta modifica a seguridade especial, destinada a trabalhadores rurais, indígenas, ribeirinhos e demais comunidades tradicionais. Pela atual regra, este segurado pode se aposentar por idade cinco anos antes dos demais. Isso irá acabar, e o segurado especial passa a se aposentar com a mesma idade dos demais, se a reforma for aprovada.

“A proposta é igualar a idade mínima dos trabalhadores urbanos e rurais, bem como instituir uma cobrança individual mínima e periódica para o segurado especial, substituindo o modelo de recolhimento previdenciário sobre o resultado da comercialização da produção”, diz trecho de parecer do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Leia o documento na íntegra aqui.