INFORME N. 01/2019 – AJUR/APIB

EMENTA: REFORMA DA PREVIDÊNCIA. PEC 06/2019. IMPACTO NOS POVOS INDÍGENAS.

O Sr. Paulo Tupiniquim coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), solicitou informações a respeito da reforma da previdência proposta pelo governo Bolsonaro.
Pois bem.
A chamada reforma da previdência foi proposta por meio da Emenda Constitucional n. 06/2019, do Poder Executivo, que “modifica o sistema de previdência social, estabelece regras de transição e disposições transitórias, e dá outras providências”, irá impactar a vida de milhões de brasileiros, residentes no contexto urbano e rural. No caso dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais, o impacto será imediato, tendo em vista o enquadramento destes, na qualidade de segurados especiais.

Em síntese, as mudanças que devem afetar os indígenas, são:

– Elevação da idade mínima de 55 anos para a mulher indígena, para 60 anos, igualando o homem;
– A reforma institui a contribuição previdenciária no valor de R$ 600,00 por ano, com um tempo mínimo de 20 anos de contribuição para o segurado indígena alcançar o salário mínimo;
– Muitos não conseguirão cumprir as exigências e serão deslocados para o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que será ancorado em um valor de R$ 400,00 até os 70 anos de idade, quando, finalmente, será convertido em um salário mínimo.

Confira o informe completo:

REGIME PREVIDENCIÁRIO APLICADO AOS POVOS INDÍGENAS

A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência social e à assistência social.

A Previdência Social é uma política pública definida pela Constituição Federal em seus artigos 201 e 202 e pela Lei n° 8.213/91. É um seguro oferecido ao trabalhador que garante renda ao contribuinte e sua família, em casos de doença, acidente, gravidez, morte e velhice. Para os povos indígenas, a Previdência Social assegura uma classificação de Segurado Especial.

Segundo a Instrução Normativa nº 45 do INSS, enquadra-se como Segurado Especial Indígena, a pessoa indígena reconhecida pela Fundação Nacional do Índio (Funai), que trabalhe como artesão e utilize matéria-prima proveniente de extrativismo vegetal, ou o que exerça atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar e faça dessas atividades o seu principal meio de vida e de sustento, independentemente do local onde resida ou exerça suas atividades, sendo irrelevante a definição de indígena aldeado, indígena não-aldeado, índio em vias de integração, índio isolado ou índio integrado.

O segurado especial indígena é a única espécie de segurado com definição no próprio texto constitucional, o qual determina o tratamento diferenciado a ser dado a estas pessoas, conforme determinação do art. 195, § 8°, CF/88, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 20 de 1998:

“O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei”.

E ainda, segundo entendimento da Turma Nacional de Uniformização (TNU) serão considerados segurados especiais os integrantes de entidade familiar que exerçam a atividade rural, mas o fato de algum dos integrantes não realizar o trabalho em regime de economia familiar não descaracteriza a condição dos demais familiares, in verbis:

Súmula n. 41/TNU- “A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto”.

Cabe ainda ressaltar que a aposentadoria é o direito que tem o trabalhador de passar para a inatividade, isto é, parar de trabalhar, recebendo uma quantia chamada proventos e que, em tese, deve garantir-lhe um final de vida tranquilo depois de um período de trabalho. A aposentadoria pode ser por tempo de serviço, por idade ou por invalidez.
O Art. 201, § 7°, da Carta Magna, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/1998, assegurou a aposentadoria no RGPS, nos termos da lei previdenciária, obedecidas as seguintes condições:

[…]; II – sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.

A concessão da aposentadoria do trabalhador rural por idade, prevista no art. 48, § 1° da Lei n. 8.213/91, está condicionada ao preenchimento de dois requisitos, quais sejam, a idade mínima de 60 anos para o homem e de 55 anos para a mulher, e a comprovação do exercício de atividade rural.

PRINCIPAIS MUDANÇAS COM A PEC 06/2019

A Reforma da Previdência proposta pelo presidente Jair Bolsonaro por meio da PEC 06/2019 irá produzir graves impactos na Previdência Social e na vida de milhões de brasileiros, especialmente no que diz respeito aos povos indígenas. Pois, irá retirar direitos, traduzindo-se em flagrante retrocesso no que tange aos direitos sociais de muitos brasileiros e brasileiras.

Ademais, é possível vislumbrar a imensa desigualdade de tratamento que não leva em consideração a realidade do mundo do trabalho, como, por exemplo, ao igualar a idade de aposentadoria de homens e mulheres e ao não considerar as diferenças entre o trabalho no mundo urbano e no campo.

Pois bem, dentre as mudanças que devem afetar os indígenas, são:

Elevação da idade mínima de 55 anos para a mulher indígena, para 60 anos, igualando o homem; A reforma institui a contribuição previdenciária no valor de R$ 600,00 por ano, com um tempo mínimo de 20 anos de contribuição para o segurado indígena alcançar o salário mínimo; Muitos não conseguirão cumprir as exigências e serão deslocados para o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que será ancorado em um valor de R$ 400,00 até os 70 anos de idade, quando, finalmente, será convertido em um salário mínimo.

Nesta esteira, observa-se que tais mudanças afetam diretamente o segurado especial indígena. Isto porque, além de elevar a idade mínima de 60 anos para as mulheres indígenas, a proposta impõe o caráter contributivo aos povos indígenas. Neste sentido, tal exigência atinge fundamentalmente o regime econômico de várias sociedades indígenas que compõe a realidade brasileira, tendo em vista que em sua grande maioria tem como base a agricultura familiar.
Esta exigência afronta o comando constitucional esculpido no art. 231 da Carta Magna, pois ali reconheceu-se a organização social dos povos originários deste país. Exigir recolhimento mensal sobre o salário mínimo pelos povos indígenas à previdência, como requisito a ter direito a aposentadoria é inconstitucional, vez que o poder constituinte originário outorgou um regime constitucional pluriétnico na República Federativa do Brasil.

Por fim, tal proposta está em desacordo com a Convenção 169 da OIT, que prevê um regime harmônico com o texto vaticinado no art. 231 da CF/88, reconhecendo o contexto multicultural compatível com a dignidade da pessoa humana dos povos indígenas, princípio basilar de nosso ordenamento jurídico. O art. 24 da citada Convenção apregoa que “os regimes de seguridade social deverão ser estendidos progressivamente aos povos interessados e aplicados aos mesmos sem discriminação alguma”. Assim, estabelecer aos povos originários qualquer imposição estatal que afete diretamente seu modo tradicional de vida atenta contra a ordem constitucional e contra os princípios internacionais que protegem a dignidade da pessoa humana.

Ante o exposto, respondendo ao questionamento formulado pelo Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), tem-se que a Emenda Constitucional n. 06/2019, que “modifica o sistema de previdência social, estabelece regras de transição e disposições transitórias, e dá outras providências”, irá elevar a idade mínima para as mulheres indígenas e impor o caráter contributivo para os povos indígenas.

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Segue como informação.

Brasília, 27 de maio de 2019.

Luiz Eloy Terena Assessor Jurídico OAB/MS 15.440