A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) diante do repugnante e ridículo discurso do Senhor Jair Bolsonaro, dirigido a sua base eleitoral – forças econômicas, políticas e militares que lhe dão sustentação em razão de interesses não sempre ocultos – na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, neste dia 24 de setembro de 2019, vem de público manifestar.

  • Bolsonaro se denuncia ele próprio, como uma vergonha para o Brasil, ao demonstrar sérias carências na compreensão da geopolítica, da história e da realidade sociocultural de seu país, ao querer batalhar por vezes até com inimigos imaginários e fazer afirmações acusatórias, infundadas, imprecisas, demagógicas, mentirosas, mais do que falaciosas, contra governos, organizações sociais, a mídia e principalmente contra nós, povos originários, que nada devemos a ele, a sua prole, e às elites que se apossaram até os dias de hoje por meio de práticas isso sim colonialistas, arrasadoras e genocidas dos nossos territórios e os bens naturais que viemos protegendo milenarmente. Ao contrário, a dívida histórica e social do Brasil para conosco, continua impagável. Não por isso negamos a nossa brasilidade, e é exatamente por isso que reivindicamos respeito ao nosso direito de sermos parte deste país, assegurando a base da nossa existência – os nossos territórios, o pouco que nos sobrou -, a nossa diversidade étnica e cultural, os nossos modos de vida, a nossa visão de mundo.
  • Rechaçamos as afirmações racistas e caluniosas de Bolsonaro, que revelam ignorância extrema sobre a evolução das ciências sociais e do direito, perspectivas consagradas, nas últimas décadas, pela  legislação internacional e a Constituição Federal, que elevou ao status de cláusulas pétreas os nossos direitos, nos reconhecendo como sujeitos de direito, participantes da formação social do Estado e protagonistas do nosso destino. Somos hoje, segundo levantamento de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 305 povos, falantes de 274 línguas diferentes, e não 220 povos como o presidente afirmou no seu discurso.

Por tanto, é descabível, o mandatário se referir a nós “como verdadeiros homens das cavernas” e muito menos achar que os nossos líderes, como o cacique Raoni, “são usados como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia”. Bolsonaro desrespeita a nossa condição de sujeitos políticos, de cidadãos plenos e a nossa autonomia, que no seu entendimento só vale se formos nos dobrar aos interesses do capital, das corporações nacionais e internacionais, para as quais ele quer entregar as riquezas do país, isso sim, uma verdadeira atitude vende-pátria, de transnacionalização do patrimônio nacional, incluindo as terras indígenas, bens da União.

  • Repudiamos a intenção de culpabilizar, a nós e as comunidades tradicionais, pelas queimadas na Amazônia. Bolsonaro sabe que seus discursos de ódio e a sua vontade de legalizar práticas criminosas como o garimpo, além de escancarar a abertura das áreas protegidas (terras indígenas, territórios quilombolas e de comunidades tradicionais e unidades de conservação) para invasores de toda espécie, e à expansão do agronegócio e dos grandes empreendimentos, foram combustível para acender em proporções nunca vistas, na história recente do Brasil, o fogo, principalmente contra os biomas Amazônia e Cerrado. Mesmo assim, descaradamente afirma, no seu discurso, que a Amazônia permanece praticamente intocada e que tem “compromisso solene” com ela.
  • Repudiamos também as tentativas de desmoralizar e deslegitimar a luta que os nossos autênticos líderes, como o cacique Raoni, seus povos e organizações, travam no âmbito nacional e internacional para defender a Mãe Natureza – o patrimônio inigualável do Brasil (florestas, biodiversidade, recursos hídricos etc), e, sobretudo a vida, as nossas vidas e a dos demais brasileiros, cuja existência também fica insustentável com o agravamento da crise ambiental, hídrica, enfim, bioclimática.
  • É bom que o mundo saiba: Se é verdade que ocupamos mais de 13% do território nacional, mais da metade desses territórios não está demarcada, apesar de que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu para esse ato administrativo cinco anos de prazo. Por outro lado, a demarcação não é um ato de cessão de terras para os indígenas brasileiros, é apenas um ato formal, administrativo, de reconhecimento, uma vez que o direito sobre as terras que tradicionalmente ocupamos é um direito originário, isto é, precede a criação do Estado nacional brasileiro. Isso, o Senhor Jair Bolsonaro não sabe, apesar de ter sido parlamentar por 28 anos. Ou simplesmente quer ignorar, ao grau de querer rever demarcações consolidadas, ou seja, de terras indígenas que já passaram por todas as fases do processo: identificação, delimitação, declaração, demarcação física, homologação e registro em Cartório o Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
  • Repudiamos, por fim, o uso ridículo que Bolsonaro fez no seu discurso na ONU de uma manifestação escrita de alguns indígenas brasileiros, indivíduos que têm dificuldades de representatividade nos seus povos e comunidades, e que em razão de interesses pessoais, se prestam a manipulações desta natureza, sem medir as consequências danosas de seus atos, tal como a indígena Isani Kalapalo, como se a presença dela na comitiva governamental conseguisse restar credibilidade à relevante e reconhecida atuação internacional do nosso líder Raoni.
  • Por fim, mesmo que agora a comunidade internacional toda saiba, uma vez que Bolsonaro avisou que não pretende nunca demarcar mais terras indígenas, alertamos para o aumento das invasões nos nossos territórios e consequentemente da violência, contra as nossas lideranças, povos e organizações. E desde já responsabilizamos o Senhor Bolsonaro, pelos conflitos, que alimentados por seus discursos publicamente anti-indígenas, possam atentar contra as nossas vidas.
  • Às nossas bases, organizações e movimentos sociais aliados, chamamos para que não se intimidem e jamais recuem na defesa de seus direitos fundamentais, principalmente os nossos direitos à vida, às terras e territórios que tradicionalmente ocupamos.

PELO DIREITO DE VIVER

SANGUE INDÍGENA. NENHUMA GOTA A MAIS.

Brasília – 25 de setembro de 2019.