O advogado Eloy Terena, representante da APIB e COIAB participou da audiência de ofício convocada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em Washington, D.C. para tratar da proteção ambiental da Amazônia e dos direitos dos povos indígenas no Brasil.

Confira na íntegra o discurso de Eloy Terena:

Boa tarde, meu nome é Luiz Eloy, sou do povo indígena Terena, do Mato Grosso do Sul, estou aqui como advogado da APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira.

Mais uma vez estamos aqui para falar sobre a situação dos povos indígenas do Brasil, em especial, da Amazônia Brasileira.

No início deste ano, nós já havíamos alertado o mundo para a gravidade da situação do Brasil, pois após 30 anos da Constituição Federal Brasileira, temos pela primeira vez na história, um presidente declaradamente anti-indígena, que insiste em seu discurso criminoso de não demarcar terra indígena, na medida que se prolifera no país uma doutrina de ódio ao índio e as populações tradicionais.

Defender a Amazônia e os povos que ali habitam não se trata de questão “ideológica” no sentido perpetrado por Bolsonaro, mas é medida que se impõe, tendo em vista o importante papel que este bioma desempenha no equilíbrio climático. Qualquer ser humano no gozo de suas capacidades mentais e com bom senso consegue enxergar a importância da proteção desses territórios para o bem da humanidade.

O Estado brasileiro continua em mora com os povos indígenas, pois temos ainda um número significativo de terras indígenas a ser demarcada. Entretanto, o órgão indigenista oficial do Estado – a Funai – passa por uma situação aguda terminal, sistemicamente provocada. O projeto de lei orçamentária para o ano de 2020 prevê um orçamento ínfimo, que passará dos atuais 600 milhões para 130 milhões.

Os incêndios que assolaram a Amazônia foi fruto de uma política ambiental irresponsável. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre 20 de julho a 20 de agosto, foram 33.060 focos de calor na Amazônia Legal no Brasil. Nesse período, as dez Terras Indígenas mais afetadas pelos incêndios foram o Parque Indígena Araguaia (TO), a TI Pimentel Barbosa (MT), TI Parabubure (MT), TI Apyterewa (PA), TI Marãiwatsédé (MT), TI Kayapó (PA), TI Areões (MT), TI Kanela (MA), TI Mundurucu (PA) e a TI Pareci (MT). Ao todo, foram 3.553 focos de calor em 148 Terras Indígenas da Amazônia brasileira.

As queimadas também atingiram os territórios habitados por grupos isolados. Desde julho, foram 3.699 focos de incêndio em território com a presença de isolados. A Floresta Extrativista (Florex) Rio Preto-Jacundá com 1.538 focos, o Parque Nacional (Parna) do Araguaia com 239, a Estação Ecológica (Esec) da Terra do Meio com 188, o Parque Indígena do Xingu com 179 e a Terra Indígena Kayapó com 160, foram os territórios mais atingidos.

Além disso, grilagem, pecuária, garimpo e flexibilização da legislação provocaram o desmatamento de 39 mil hectares na bacia do Xingu entre maio e junho 2019; isso equivale a 533 arvores derrubadas por minuto.

Muitas terras indígenas estão sendo invadidas por garimpeiros e madeireiros ilegais, tal como a TI Vale do Javari, Alto Rio Guaná no Pará e o território do povo Tembé. Isto tem gerado muitos conflitos, pois na medida que o Estado brasileiro não protege estas áreas, os povos indígenas têm protegido seu território com a própria vida. O indigenista Maxciel Pereira dos Santos foi assassinado na frente de seus familiares na cidade de Tabatinga, no extremo oeste do Amazonas, exatamente neste contexto criminoso anti-ambiental.

Há poucos dias atrás, a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Fiocruz) divulgou estudo constatando a contaminação de mercúrio no povo Yanomami. O estudo revela a presença de mercúrio em 56% das mulheres e crianças da região de Maturacá. O metal faz parte de um processo tradicional utilizado no garimpo para viabilizar a separação do ouro dos demais sedimentos. A TI Yanomami, que possui 9 milhões de hectares, cerca de 27 mil pessoas, e mais de 300 aldeias distribuídas pelo território, e a comunidade denunciam a de 20 mil garimpeiros ilegais. O mercúrio provoca alterações diretas no sistema nervoso central, causando problemas de ordem cognitiva e motora, perda de visão, doenças cardíacas entre outras debilidades.

Por isso, requeremos desta Comissão que recomende novamente ao Estado brasileiro: a imediata retomada das demarcações das terras indígenas como medida necessário para garantir a dignidade dos povos indígenas e garantia dos seus direitos humanos; a adoção de políticas que visem a efetiva proteção da Amazônia brasileira e dos povos que ali habitam; e por fim, que Comissão recomende ao Estado brasileiro a necessidade de se respeitar o direito a consulta e consentimento prévio, livre e informado dos povos indígenas.