Menos de 12 horas após o início do protesto, em Novo Progresso, União pede liminar a juíza de Itaituba (PA) para desintrusão da estrada e é atendida. Fundação Nacional do Índio se recusa a negociar e caminhoneiros reiteram apoio aos indígenas

Via Instituto Kabu, Novo Progresso, 18/08/2020 – O bloqueio da rodovia Cuiabá-Santarém anunciado pelos Kayapó Mekragnotire das Terras Indígenas (Tis) Baú e Menkragnoti foi iniciado no km 302 às 7h da segunda-feira (17). Às 15:30h, a juíza Sandra Maria Correia da Silva, da Justiça Federal em Itaituba (PA), concedeu liminar de reintegração de posse à União e transformou o Relações Públicas do Instituto Kabu, Doto Takak-Ire em réu.

Cansados de promessas não cumpridas, os Kayapó cobravam dívidas da Funai em forma de repasses para compensação ambiental, apoio para o enfrentamento da pandemia e ações para expulsar madeireiros e garimpeiros das duas TIs, que somam mais de 6 milhões de hectares e são a última floresta contínua da Amazônia Oriental, numa região conhecida por desmatamento ilegal, onde dois grandes grileiros, considerados os maiores da Amazônia, foram presos.

No despacho, a juíza determina que providências para a desintrusão em 24 horas por parte da Polícia Rodoviária Federal e aciona a Polícia Federal para auxiliar na reintegração de posse em até 48 horas. A ação está prevista para a manhã desta terça-feira (18). Informados, os indígenas se sentiram desrespeitados e enviaram um recado: vamos resistir.

No mesmo despacho, Sandra da Silva concede uma medida cautelar, impedindo novos bloqueios do tráfego na estrada no futuro, com multa diária de R$ 10 mil. Em setembro de 2019, garimpeiros ilegais fecharam a BR-163 para protestar contra operações do Ibama para reprimir o garimpo ilegal. O fechamento da estrada durou cinco dias e e acabou com a promessa de uma reunião com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que aconteceu em seguida em Brasília.

No caso das lideranças indígenas que são contra mineração ilegal na Amazônia em geral e em suas terras em particular e vêm denunciando o aliciamento de aldeias que se desfiliaram do Kabu para permitir a entrada de dragas de ouro no rio Curuá, o único aceno de negociação por parte do governo veio através de um telefonema da Secretária de Apoio ao Licenciamento Ambiental e à Desapropriação do Programa de Parcerias Privadas (PPI) da Casa Civil, Rose Hofmann. Ela ofereceu um voo da FAB para as lideranças indígenas e um encontro com um assessor do Ministério da Infraestrutura, já que estava entrando em licença e não poderia encontrá-los.

Os Kayapó foram informados da disposição para negociação por parte do DNIT (responsável pela obra da rodovia e seus impactos) e do Ministério da Infraestrutura (encarregado do projeto de concessão ao setor privado da BR-163 e do projeto da Ferrogrão – ambos em curso, sem que os indígenas tenham sido consultados). Mas não tiveram qualquer sinalização por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai), criada para proteger seus interesses.

Os caciques das aldeias, entre os quais, três mulheres e o cacique-geral recém-empossado recusaram a oferta da PPI. Eles pedem a presença de autoridades do Ministério da Saúde, da Funai e do DNIT, além do governador do Pará, para iniciar as negociações.

Os Kayapó fecharam a BR-163 em 2016 para reivindicar o fim da construção de uma Casa de Saúde Indígena em Novo Progresso. Na época, a Casa Civil fez a mediação e o presidente da Funai foi à rodovia conversar com eles e ouvir as queixas. As obras foram assumidas pela prefeitura de Novo Progresso e apresentam problemas estruturais. Ela está novamente entre as demandas: em plena pandemia, ela tem goteiras, problemas estruturais e foi construída sem poço artesiano num bairro conhecido pela constante falta d’água.

Desta vez, eles também denunciam adiamentos na renovação do Plano Básico Ambiental, que é uma das condicionantes para a concessão do licenciamento ambiental da rodovia e que tem financiado nos últimos 10 anos o trabalho de monitoramento da floresta, com o uso de imagens de satélite e bases de vigilância. E garantiu que o desmatamento no interior das duas TIs seja inferior a 1% no período. E reclamam de atrasos nos repasses: os montantes de 2019 foram pagos em abril de 2020 e o acordo de pagamento de um emergencial, que cobriria o período de janeiro a junho de 2020, ainda não havia nem sido assinado pelo presidente da Funai até a última sexta-feira.

Os Kayapó prometem resistir e sindicatos locais de caminhoneiros demonstraram seu apoio. O acordo entre indígenas e caminhoneiros é abrir o tráfego nesta terça-feira, entre 18h e 24h, para reiniciar o bloqueio a partir de zero hora da quarta-feira (19).

““No contexto dos direitos humanos há princípios que devem ser respeitados e valores que não podem substituir a dimensão concreta dos povos que lutam pela sua existência e seus direitos”, afirma Melillo Diniz, advogado do Instituto Kabu.

A BR-163, cujo asfaltamento foi concluído em fevereiro deste ano, é a principal via de escoamento dos grãos do Centro-Oeste para os portos fluviais de Miritituba (rio Xingu) e Santarém (foz do Tapajós) e tem um fluxo diário de mais de 2,5 mil carretas ao dia. Nesta época do ano, elas estão terminando o transporte da safrinha de milho do Centro-Oeste para os portos de Miritituba e Santarém.

Para o enfrentamento da Covid-19, que já chegou às aldeias, há apenas um médico e os testes rápidos só chegaram em junho. Oficialmente 403 indígenas já foram infectados e quatro morreram – todos anciãos. A Secretaria Especiall de Saúde Indígena não tem motorista para a remoção de doentes da aldeia e nem contrato de manutenção dos carros.