Ação que está sendo organizada pelo Ministério da Defesa, no Maranhão, descumpre as orientações da Organização Mundial da Saúde, dos órgãos sanitários e de saúde e da nova lei nº 14.021 que obriga realização de quarentena antes da execução de atividades nos territórios indígenas. Em julho, ação similar em aldeias do norte do Pará, que pretendia realizar junto da comitiva de saúde a ida da imprensa, foi adiada devido a nova lei aprovada em 4 de julho.

O Ministério da Defesa está organizando uma comitiva para acompanhar as ações de saúde em comunidades do povo Guajajara, no município de Imperatriz, no Maranhão, sem respeitar protocolos para evitar novas contaminações da Covid-19. A ação, que pretende levar materiais de proteção e cestas básicas entre os dias 2 e 6 de outubro, convida profissionais da comunicação para acompanhar a comitiva. O chamado para imprensa foi feito via Whatsapp pela assessoria do órgão, no dia 28 de setembro. Na convocação é solicitado o envio de testagem PCR com resultado negativo para Covid-19 até o dia 1 de outubro e solicita que as pessoas façam quarentena até o dia 2. Um dia de quarentena está fora dos requisitos solicitados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que orienta o mínimo de 14 dias e desobedece determinação da Lei nº 14.021, que obriga a realização de quarentena antes da entrada nos territórios indígenas.

A pergunta que fazemos é: existe um limite para esse governo provar sua narrativa? Para nós, da Apib, esse limite é muito nítido e está evidente no desrespeito à Lei e nos números de indígenas contaminados ou mortos pelo novo coronavírus.

Dados do Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena, instância criada pela Apib no contexto da pandemia, registrados até 29 de setembro, apontam que 830 parentes já morreram e outros 33.412 foram infectados por Covid-19, impactando diretamente 158 povos (inclusive os Warao, da Venezuela, que se encontram refugiados no Brasil). Não são apenas números, são vidas e mais da metade de todos os povos que vivem no Brasil já foram atingidos de forma direta pelo vírus. Agora, com essa operação criada pelo Governo, que não atende os protocolos básicos exigidos por Lei, colocam mais vidas do povo Guajajara em risco apenas para comunicar a Operação Covid-19, na região.

Já temos alertado o governo, e dados históricos e científicos compravam, que os povos indígenas são os mais suscetíveis à Covid-19, por diversos fatores, dentre os quais o modo de vida comunitária, a vulnerabilidade epidemiológica e sanitária, principalmente por ser uma doença respiratória, que requer tratamento diferenciado na oferta da saúde pública.

Outra ação do Governo Federal que pretendia levar apoio às comunidades do povo Tiriyó, no norte do Pará, com a realização de uma “press trip” (termo usado pelo governo para convocar de profissionais de imprensa) foi cancelada no dia 4 de julho para respeitar os protocolos exigidos na Lei nº 14.021, que dispõe sobre as medidas de proteção às comunidades indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais da pandemia da Covid-19.

De acordo com a nova Lei, devem participar das ações de proteção “Equipes Multiprofissionais de Saúde Indígena (EMSIs) qualificadas e treinadas para enfrentamento à Covid-19, com disponibilização de local adequado e equipado para realização de quarentena pelas equipes antes de entrarem em territórios indígenas”, destaca trecho da lei.

O Governo Bolsonaro poderia ter elaborado um plano de enfrentamento específico ao contexto indígena e tê-lo colocado em prática no início da pandemia, há seis meses. No entanto, medidas começaram a ser tomadas por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), após a Apib entrar com uma ação (ADPF 709), que agora obriga o Governo Federal a adotar medidas de proteção aos povos indígenas e após a aprovação da lei 14.021, no Congresso Nacional.

APOIO DO MOVIMENTO INDÍGENA

Desde o começo da pandemia, a Organização Mundial de Saúde recomendou isolamento social como medida de prevenção à disseminação da Covid-19. Nos territórios, indígenas se organizam, por conta própria, para construir barreiras sanitárias e diminuir a circulação de pessoas e veículos dentro das comunidades.

No Maranhão, desde maio, ações de apoio às comunidades e aos profissionais de saúde indígenas vêm sendo realizadas com apoio da Apib e suas organizações de base. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) junto com a Coordenação das Organizações e Articulação dos Povos Indígenas do Maranhão (COAPIMA) entregam toneladas de alimentos, máscaras, material de higiene e limpeza, também apoiam a instalação de barreiras sanitárias com tecnologia para monitoramento e equipamentos de proteção individual, beneficiando comunidades dos povos Guajajara, Krikati, Gavião, Timbira e Canela.

O apoio aos profissionais de saúde indígena Maranhão foram feitos pelas organizações com a instalação de três Unidades de Atenção Primária Indígena (UAPIs), doação de concentradores e cilindros de oxigênio, mais de 1.800 testes rápidos entregues para seis Polos Bases da Saúde Indígena e mais de 5 mil máscaras para os profissionais.

A ÉTICA DA IMPRENSA

Neste momento de aumento da pandemia entre os povos indígenas, o convite do Ministério da Defesa direcionado a profissionais da imprensa, além de desrespeitar a lei levanta a questão sobre a ética e a responsabilidade do jornalismo, afinal a cobertura sobre a situação dos povos indígenas durante a pandemia e o que o governo tem feito não depende exclusivamente do trabalho em campo, principalmente quando se colocam vidas em risco.

Ao longo da história do Brasil, epidemias de vírus e outras doenças (sarampo, gripe, varíola, entre outras) dizimaram populações indígenas inteiras, inclusive sendo uma estratégia usada pelo Estado no período da ditadura militar. Uma vulnerabilidade apontada na Lei nº 14.021 no trecho que afirma a necessidade de “considerar que os povos indígenas têm maior vulnerabilidade do ponto de vista epidemiológico e têm como característica a vida comunitária, com muitos membros convivendo em uma mesma moradia.”

Lembramos aos profissionais da comunicação, que por ventura aceitem fazer parte da comitiva do Ministério da Defesa, o alerta estabelecido pelo artigo 6º. do Código de Ética da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), segundo o qual é dever do jornalista, “não colocar em risco a integridade das fontes” e “defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas” de grupos sociais.

Além disso, o artigo 7º, registra que o jornalista não pode usar a profissão para incitar a violência e a intolerância. A Apib alerta aos profissionais da imprensa que aceitarem o convite do Ministério da Defesa que estarão ignorando os esforços de isolamento social dos povos indígenas, bem como as denúncias de negligência por parte do governo que vêm sendo feitas desde março.

A imprensa pode ainda incorrer em cumplicidade com as campanhas de desinformação e criminalização que o governo promove contra os povos e organizações indígenas para tentar emplacar a sua narrativa de que este cumprindo a sua obrigação, quando na verdade esconde uma política genocida.