A Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (APIB) organizou uma denúncia internacional através de documento enviado ao relator especial das Nações Unidas para os Direitos dos Povos Indígenas, José Francisco Cali Tzay, solicitando contribuição do mandato do relator para apresentar as denúncias ao Conselho de Direitos Humanos. As denúncias elucidam que o Estado brasileiro segue omisso quanto ao cumprimento das ações mínimas de combate à pandemia e aos impactos aos povos indígenas.

Com o avanço e o descontrole da COVID-19 no Brasil, os povos indígenas tornaram-se vítimas letais do vírus, independentemente do estado e região em que estão inseridos, tanto os indígenas aldeados, como os que estão em contexto urbano e até mesmo os indígenas isolados e de recente contato. Todos se tornaram vítimas da postura omissiva do Estado brasileiro.

Enquanto o governo foi omisso em promover um plano de enfrentamento da pandemia, também contribuiu para o vírus se difundir, incentivando o avanço da exploração econômica em territórios indígenas, como as atividades ilegais de garimpeiros, madeireiros e grileiros, além de apoiar a entrada e a permanência de missões religiosas em terras indígenas com povos isolados e de recente contato. Além disso, também contribuíram na difusão do vírus os problemas e dificuldades no acesso ao pagamento do auxílio emergencial do governo federal, que forçaram o deslocamento de indígenas para as cidades.

São vários os fatores sociais que ocasionam o deslocamento de indígenas para os centros urbanos, como casos de tratamento de saúde, formação profissional, busca de trabalho e renda, problemas fundiários decorrentes da falta de demarcação de suas terras, dentre outros.

O número de indígenas contaminados e mortos pela COVID-19 no Brasil cresceu acentuadamente nos últimos meses. Segundo dados apurados pelo Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena, até o dia 26 de fevereiro de 2021, no Brasil haviam 49.450 casos de indígenas contaminados, 973 indígenas mortos e 162 povos afetados. Os dados são contabilizados pelas organizações indígenas desde o início da pandemia, uma vez que ainda hoje há falta de transparência e acesso adequado às informações oficiais por parte do Estado em relação à disponibilização de dados epidemiológicos individualizados da COVID-19 entre os povos indígenas. Mesmo com determinação judicial, o governo brasileiro segue descumprindo a obrigação.

Diante da escancarada situação de letalidade e vulnerabilidade dos povos indígenas à COVID-19, a decisão do Ministério da Saúde foi a de incluir no grupo prioritário para a vacinação somente os indígenas aldeados em terras homologadas, o que é manifestamente inconstitucional e vai de encontro à dignidade humana e ao direito à igualdade de todos os povos indígenas, principalmente daqueles que estão em terras indígenas não regularizadas e dos que estão em contexto urbano, que mais uma vez sofrem com a postura discriminatória do Estado brasileiro.

Desde o início da pandemia, através de mobilizações e articulações, muitas delas de iniciativa dos próprios povos indígenas, as organizações indígenas provocaram o Poder Legislativo e o Judiciário com o intuito de obrigar o Estado brasileiro a adotar medidas mínimas de contenção e enfrentamento à COVID-19.

Em junho de 2020, a APIB e seis partidos políticos com representação no Congresso Nacional, ingressaram com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 709), no Supremo Tribunal Federal (STF) denunciando as graves violações do Estado brasileiro a princípios e direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, tais como: a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF/88), o direito à vida (art. 5º, caput) e à saúde (art. 6º e 196), e o direito dos povos indígenas de viverem em seus territórios, de acordo com suas culturas e tradições (art. 231).

Em um cenário dramático no qual se encontravam os povos indígenas em decorrência da COVID-19, se fazia necessário a adoção de medidas que trouxessem respostas e providências rápidas. Nesse sentido, a APIB levou os pedidos referidos como medidas cautelares ao STF, que em decisão monocrática do Ministro Relator do processo, e em seguida referendada por unanimidade pelo pleno da Suprema Corte, acatou parcialmente os pedidos das organizações indígenas. Definindo que o Estado brasileiro passasse a ser obrigado através de um “diálogo intercultural” – o qual nunca aconteceu – a adotar e executar uma série de medidas com vistas à proteção das vidas dos povos indígenas.

No entanto, após oito meses desde a decisão do STF, a União não foi capaz de apresentar nem sequer um plano de ações que tenha por objetivo a proteção integral dos povos indígenas, assim como até hoje não conseguiu implementar a contento as ações e medidas previstas na Lei nº 14.021/2020. O que se evidencia é que cada vez mais se impossibilita haver um “diálogo intercultural” com um governo que está implementando uma política indigenista de retrocessos nos direitos dos povos indígenas.

A APIB já noticiou tamanha violação de direito à Suprema Corte brasileira, e ainda aguarda decisão judicial no sentido de que seja oportunizado a todos os povos indígenas o direito à vacinação contra a Covid-19.
“Diante disso, é possível verificar que o Estado brasileiro tem gerenciado a pandemia com extrema negligência e omissão no que tange aos seus impactos aos povos indígenas. As posturas até aqui adotadas, são inócuas e incapazes de resguardar a vida e o acesso à saúde dos povos indígenas, o que tende a vilipendiar o direito dos povos indígenas, não cumprindo assim com tratados de Direito Humanos e à própria Constituição brasileira” – Afirma Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da APIB que assina o documento.

Leiam os documentos enviados à ONU no dia 26 de fevereiro de 2021: 

Contribuições ONU. Povos indígenas e Covid-19.

Contribuições ONU. Povos indígenas em contexto urbano.