Apib e DPU pedem afastamento do presidente da Funai na Justiça

Apib e DPU pedem afastamento do presidente da Funai na Justiça

foto: Fábio Nascimento/Greenpeace

No marco dos 33 anos da promulgação da Constituição Federal, Apib reafirma a luta dos povos por direitos e entra pela primeira vez com uma Ação Civil Pública na Justiça Federal.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ingressou, nesta terça-feira (5), no marco dos 33 anos da promulgação da Constituição Federal (CF), com uma Ação Civil Pública (ACP) na Justiça Federal de Brasília (JF-DF) para pedir a saída de Marcelo Xavier da presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai).

O pedido é uma ação inédita da Apib, que pela primeira vez entra com uma ACP na JF. O documento foi elaborado em conjunto com a Defensoria Pública da União (DPU) e denuncia uma série de violações jurídicas e administrativas cometidas por Xavier ao longo de sua gestão.

“A permanência de Marcelo Augusto Xavier da Silva na presidência da Funai, semeando a destruição das estruturas estatais de proteção dos direitos indígenas, como se vê em diversos outros órgãos do atual governo, é a falência do Estado Democrático de Direito”, destaca trecho da ACP ingressada na Justiça.

Para o coordenador jurídico da Apib, Luiz Eloy Terena, a ação contra Xavier no dia dos 33 anos da CF reforça a luta dos por direitos, pois a atual gestão da Funai prática “uma política indigenista totalmente voltada contra os povos indígenas”. “A razão de se ter a Funai é justamente a existência dos povos indígenas e portanto promover a sua defesa e o que nós estamos vivenciando não é isso, a verdade é uma atuação totalmente contrária aos interesses e aos direitos dos povos indígenas”, enfatiza Eloy Terena.

“É muito simbólico a Apib, que já teve o reconhecimento para atuar no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje (5), realize sua primeira Ação Civil Pública, que é uma ação de direitos coletivos e mais uma vez dá um passo importante na luta dos direitos indígenas”, destaca Eloy ao lembrar da ADPF 709, que foi uma ação inédita da Apib.

Acesse a ACP na integra aqui

Confira a linha do tempo da atuação de Marcelo Xavier na Funai ao longo dos últimos três anos:

Em 19 de julho de 2019, Marcelo Augusto Xavier da Silva foi nomeado para ocupar o cargo de presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Durante a gestão de Marcelo Xavier, a Funai passou a retardar processos de demarcação de Terras Indígenas que já estavam em andamento. Em atuação articulada com o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, pelo menos 27 processos de demarcação que já estavam em seus trâmites finais foram devolvidos pela pasta à autarquia para uma nova análise.

  • Exemplo – Caso Terra Indígena Tupinambá de Olivença – em março de 2020, o presidente Marcelo Xavier emitiu despacho comunicando o abandono do interesse da Funai em defender o povo Tupinambá de ação judicial de reintegração de posse movida por particular. A desistência da defesa do povo Tupinambá pela Funai ocorreu oito meses depois do presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, enviar ofício ao Presidente da Funai solicitando expressamente o encerramento do processo de demarcação da TI Tupinambá de Olivença por atrapalhar planos de empreendimento hoteleiro no local.

Em novembro de 2019 foi publicada pela FUNAI a exoneração desmotivada do coordenador Bruno Pereira da Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC). Para o cargo foi nomeado o missionário Ricardo Lopes Dias da entidade americana Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), que atua na evangelização de indígenas na Amazônia desde os anos 1950.

Em março de 2020, a Funai editou a portaria Portaria nº 419/PRES/2020 que ameaçou ainda mais os povos indígenas isolados, na medida em que permitiria que Coordenações Regionais da Funai, espalhadas pelo país, autorizassem o contato com índios isolados, prerrogativa anteriormente exclusiva da CGIIRC. Apenas após forte rejeição por parte da sociedade e das organizações de defesa de direitos indígenas, inclusive com projeto de decreto legislativo para sustar os efeitos do ato, a Funai recuou.

Em abril de 2020, a Funai editou a Instrução Normativa (IN) nº 09/2020, que permite a certificação de propriedades privadas em áreas de ocupação tradicional, facilitando as invasões em territórios indígenas e legitimando a grilagem. Em maio de 2020, pouco após a edição da Instrução Normativa nº 09/2020, mais 72 fazendas foram certificadas em terras indígenas não homologadas.

Ainda no início de abril de 2020, a Funai recebeu R$ 10,840 milhões em recursos emergenciais voltados à proteção dos povos indígenas no enfrentamento à pandemia de Covid-19. A já reduzida verba recebida não havia sido executada ainda duas semanas após a sua disponibilização, mesmo com o registro oficial de nove indígenas infectados e de três falecidos por COVID-1947 . Nos três primeiros meses da pandemia (até junho), o órgão gastou R$ 6,2 milhões dos R$ 23 milhões que tinha disponível para combate da Covid-19 e proteção aos povos indígenas em 2020, executando aproximadamente apenas 27% do valor disponível para tais ações.

No dia 07 de maio de 2020, no bojo do Recurso Extraordinário n. 1.017.365 com Repercussão Geral (Tema 1031), o Ministro Edson Fachin concedeu liminar de modo a suspender todos os efeitos do supracitado Parecer n.º 001/2017 da Advocacia Geral da União, que defende a tese do marco temporal, inviabilizando sua utilização pela Funai. De acordo com a referida tese, os povos indígenas só teriam direito à demarcação de terras que estivessem comprovadamente em sua posse na data de promulgação da Constituição Federal. No entanto, Funai tem se utilizado de um novo instrumento administrativo para possibilitar a aplicação residual do Parecer nº 001/2017/AGU, qual seja, o Parecer nº 00763/2020/CONJUR-MJSP/CGU/AGU.

Em agosto de 2020, contrariando uma das funções institucionais da Funai, que é a assistência jurídica às comunidades e povos indígenas, Marcelo Xavier publicou o Ofício Circular Nº 28/2020/COGAB, que impede a assistência jurídica aos grupos e comunidades classificados como “indígenas integrados”. A partir de então, foram diversos os casos de desistência da atuação jurídica da Funai sob ordem direta de seu Presidente.

Em setembro de 2020, Marcelo Xavier solicitou à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que realizasse um ‘’monitoramento’’ de campanhas online para arrecadação de recursos de organizações indígenas.
Ao final do primeiro ano de seu mandato, a Funai criou apenas três Grupos de Trabalho de identificação de Terras Indígenas, além de retomar o trabalho de outros cinco GTs. Ocorre que, em todos os oito casos, isso se deu somente por expressa determinação judicial.

Em janeiro de 2021, a Funai adotou outra estratégia para concretizar a paralisação das demarcações, através da Resolução n. 4/2021, visando determinar quem é ou não é indígena a partir de critérios do Estado, em flagrante inconstitucionalidade e na contramão do debate interno e internacional. Esta Resolução encontra-se suspensa por decisão do Ministro Luís Roberto Barroso do STF, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709.

Ainda em janeiro deste ano, de acordo com o Despacho n. 00244/2021/GAB/PFE/PFE-FUNAI/PGF/AGU, a Diretoria Colegiada da Funai, presidida pelo Presidente Marcelo Xavier, criou a tese da “defesa mínima”, de acordo com a qual a atuação processual do órgão indigenista deve ficar adstrita à defesa de Terras Indígenas já homologadas por meio de decreto.

Em fevereiro de 2021, foi publicada a Instrução Normativa Conjunta n. 1/2021 da Funai e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que dispõe “sobre procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de Terras Indígenas cujo empreendedor seja organizações indígenas”, possibilitando a exploração do agronegócio dentro das terras indígenas, no intuito de fragilizar a proteção ambiental e abrir espaço para que não-indígenas venham a explorar atividades de interesse econômico no interior desses territórios.

Em março de 2021, Marcelo Xavier permitiu que o site oficial da Funai fosse utilizado para perseguir opositores de sua gestão. Foi publicada uma carta de agricultores indígenas que tecem palavras de baixo calão em desfavor de Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

No final de abril de 2021, houveram dois alarmantes casos de perseguição da Funai a lideranças indígenas. No dia 26 deste mês, uma das coordenadoras executivas da APIB, Sônia Guajarara, liderança indígena conhecida internacionalmente por sua luta em defesa dos direitos indígenas, teve o inquérito policial nº 2020.0104862 instaurado contra si na Polícia Federal, tendo sido intimada a depor. A investigação deu-se em razão da APIB produzir a série Maracá – Emergência Indígena em 2020, que denunciou as violações do direito à saúde dos povos indígenas, por parte do governo federal. A representação atribuía à APIB a difamação do governo federal e o cometimento de crime de estelionato, em razão de suas campanhas de arrecadação de fundos para combater as mazelas da Covid-19 junto aos povos indígenas. A APIB impetrou Habeas Corpus em favor de Sônia, solicitando o trancamento do inquérito policial, o qual foi concedido pelo respectivo juízo, diante de tamanha ilegalidade envolta. Já no dia 30 de abril de 2021, a liderança Almir Suruí, um renomado defensor dos direitos dos povos indígenas, também foi intimado para ser inquirido pela Polícia Federal. Em ambos os casos, a provocação da Polícia Federal foi feita pela Funai.

Em 06 de maio de 2021, a APIB foi surpreendida com o OFÍCIO Nº 30/2021/COGAB – DPDS/DPDS/FUNAI, determinando a todas as regionais da Fundação Nacional do Índio encaminhar informações sobre a atuação da APIB em suas organizações de base. No mesmo dia, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, organização regional da APIB, também recebeu outro ofício da Funai, solicitando informações sobre o quantitativo de doações realizadas às comunidades indígenas do Amazona pela COIAB, restando evidente a conduta abusiva da entidade estatal, que busca, ilegal e sistematicamente, intimidar a atuação de organizações indígenas.

Entre os dias 07 e 30 de junho de 2021, durante a realização do acampamento Levante pela Terra em brasília, que contou com a presença de 850 indígenas de 43 povos que foram à capital do país lutar contra o Projeto de Lei n. 490/07, pedir o fim da tese do Marco Temporal e se posicionar contra os ataques a seus territórios, o Presidente da Funai reuniu-se, no dia 15 de junho, com a presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, deputada Bia Kicis, para defender o referido projeto de lei.

#ForaXavier Linha do tempo da atuação do presidente da Funai ao longo dos últimos três anos:

#ForaXavier Linha do tempo da atuação do presidente da Funai ao longo dos últimos três anos:

Confira a linha do tempo da atuação de Marcelo Xavier na Funai ao longo dos últimos três anos:

– Em 19 de julho de 2019, Marcelo Augusto Xavier da Silva foi nomeado para ocupar o cargo de presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai).

– Durante a gestão de Marcelo Xavier, a Funai passou a retardar processos de demarcação de Terras Indígenas que já estavam em andamento. Em atuação articulada com o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, pelo menos 27 processos de demarcação que já estavam em seus trâmites finais foram devolvidos pela pasta à autarquia para uma nova análise.

Exemplo – Caso Terra Indígena Tupinambá de Olivença – em março de 2020, o presidente Marcelo Xavier emitiu despacho comunicando o abandono do interesse da Funai em defender o povo Tupinambá de ação judicial de reintegração de posse movida por particular. A desistência da defesa do povo Tupinambá pela Funai ocorreu oito meses depois do presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, enviar ofício ao Presidente da Funai solicitando expressamente o encerramento do processo de demarcação da TI Tupinambá de Olivença por atrapalhar planos de empreendimento hoteleiro no local.
– Em novembro de 2019 foi publicada pela FUNAI a exoneração desmotivada do coordenador Bruno Pereira da Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC). Para o cargo foi nomeado o missionário Ricardo Lopes Dias da entidade americana Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), que atua na evangelização de indígenas na Amazônia desde os anos 1950.

– Em março de 2020, a Funai editou a portaria Portaria nº 419/PRES/2020 que ameaçou ainda mais os povos indígenas isolados, na medida em que permitiria que Coordenações Regionais da Funai, espalhadas pelo país, autorizassem o contato com índios isolados, prerrogativa anteriormente exclusiva da CGIIRC. Apenas após forte rejeição por parte da sociedade e das organizações de defesa de direitos indígenas, inclusive com projeto de decreto legislativo para sustar os efeitos do ato, a Funai recuou.

– Em abril de 2020, a Funai editou a Instrução Normativa (IN) nº 09/2020, que permite a certificação de propriedades privadas em áreas de ocupação tradicional, facilitando as invasões em territórios indígenas e legitimando a grilagem. Em maio de 2020, pouco após a edição da Instrução Normativa nº 09/2020, mais 72 fazendas foram certificadas em terras indígenas não homologadas.

– Ainda no início de abril de 2020, a Funai recebeu R$ 10,840 milhões em recursos emergenciais voltados à proteção dos povos indígenas no enfrentamento à pandemia de Covid-19. A já reduzida verba recebida não havia sido executada ainda duas semanas após a sua disponibilização, mesmo com o registro oficial de nove indígenas infectados e de três falecidos por COVID-1947 . Nos três primeiros meses da pandemia (até junho), o órgão gastou R$ 6,2 milhões dos R$ 23 milhões que tinha disponível para combate da Covid-19 e proteção aos povos indígenas em 2020, executando aproximadamente apenas 27% do valor disponível para tais ações.

– No dia 07 de maio de 2020, no bojo do Recurso Extraordinário n. 1.017.365 com Repercussão Geral (Tema 1031), o Ministro Edson Fachin concedeu liminar de modo a suspender todos os efeitos do supracitado Parecer n.º 001/2017 da Advocacia Geral da União, que defende a tese do marco temporal, inviabilizando sua utilização pela Funai. De acordo com a referida tese, os povos indígenas só teriam direito à demarcação de terras que estivessem comprovadamente em sua posse na data de promulgação da Constituição Federal. No entanto, Funai tem se utilizado de um novo instrumento administrativo para possibilitar a aplicação residual do Parecer nº 001/2017/AGU, qual seja, o Parecer nº 00763/2020/CONJUR-MJSP/CGU/AGU.

– Em agosto de 2020, contrariando uma das funções institucionais da Funai, que é a assistência jurídica às comunidades e povos indígenas, Marcelo Xavier publicou o Ofício Circular Nº 28/2020/COGAB, que impede a assistência jurídica aos grupos e comunidades classificados como “indígenas integrados”. A partir de então, foram diversos os casos de desistência da atuação jurídica da Funai sob ordem direta de seu Presidente.

– Em setembro de 2020, Marcelo Xavier solicitou à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que realizasse um ‘’monitoramento’’ de campanhas online para arrecadação de recursos de organizações indígenas.
Ao final do primeiro ano de seu mandato, a Funai criou apenas três Grupos de Trabalho de identificação de Terras Indígenas, além de retomar o trabalho de outros cinco GTs. Ocorre que, em todos os oito casos, isso se deu somente por expressa determinação judicial.

– Em janeiro de 2021, a Funai adotou outra estratégia para concretizar a paralisação das demarcações, através da Resolução n. 4/2021, visando determinar quem é ou não é indígena a partir de critérios do Estado, em flagrante inconstitucionalidade e na contramão do debate interno e internacional. Esta Resolução encontra-se suspensa por decisão do Ministro Luís Roberto Barroso do STF, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709.

– Ainda em janeiro deste ano, de acordo com o Despacho n. 00244/2021/GAB/PFE/PFE-FUNAI/PGF/AGU, a Diretoria Colegiada da Funai, presidida pelo Presidente Marcelo Xavier, criou a tese da “defesa mínima”, de acordo com a qual a atuação processual do órgão indigenista deve ficar adstrita à defesa de Terras Indígenas já homologadas por meio de decreto.

– Em fevereiro de 2021, foi publicada a Instrução Normativa Conjunta n. 1/2021 da Funai e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que dispõe “sobre procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de Terras Indígenas cujo empreendedor seja organizações indígenas”, possibilitando a exploração do agronegócio dentro das terras indígenas, no intuito de fragilizar a proteção ambiental e abrir espaço para que não-indígenas venham a explorar atividades de interesse econômico no interior desses territórios.

– Em março de 2021, Marcelo Xavier permitiu que o site oficial da Funai fosse utilizado para perseguir opositores de sua gestão. Foi publicada uma carta de agricultores indígenas que tecem palavras de baixo calão em desfavor de Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

– No final de abril de 2021, houveram dois alarmantes casos de perseguição da Funai a lideranças indígenas. No dia 26 deste mês, uma das coordenadoras executivas da APIB, Sônia Guajarara, liderança indígena conhecida internacionalmente por sua luta em defesa dos direitos indígenas, teve o inquérito policial nº 2020.0104862 instaurado contra si na Polícia Federal, tendo sido intimada a depor. A investigação deu-se em razão da APIB produzir a série Maracá – Emergência Indígena em 2020, que denunciou as violações do direito à saúde dos povos indígenas, por parte do governo federal. A representação atribuía à APIB a difamação do governo federal e o cometimento de crime de estelionato, em razão de suas campanhas de arrecadação de fundos para combater as mazelas da Covid-19 junto aos povos indígenas. A APIB impetrou Habeas Corpus em favor de Sônia, solicitando o trancamento do inquérito policial, o qual foi concedido pelo respectivo juízo, diante de tamanha ilegalidade envolta. Já no dia 30 de abril de 2021, a liderança Almir Suruí, um renomado defensor dos direitos dos povos indígenas, também foi intimado para ser inquirido pela Polícia Federal. Em ambos os casos, a provocação da Polícia Federal foi feita pela Funai.

– Em 06 de maio de 2021, a APIB foi surpreendida com o OFÍCIO Nº 30/2021/COGAB – DPDS/DPDS/FUNAI, determinando a todas as regionais da Fundação Nacional do Índio encaminhar informações sobre a atuação da APIB em suas organizações de base. No mesmo dia, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, organização regional da APIB, também recebeu outro ofício da Funai, solicitando informações sobre o quantitativo de doações realizadas às comunidades indígenas do Amazona pela COIAB, restando evidente a conduta abusiva da entidade estatal, que busca, ilegal e sistematicamente, intimidar a atuação de organizações indígenas.

– Entre os dias 07 e 30 de junho de 2021, durante a realização do acampamento Levante pela Terra em brasília, que contou com a presença de 850 indígenas de 43 povos que foram à capital do país lutar contra o Projeto de Lei n. 490/07, pedir o fim da tese do Marco Temporal e se posicionar contra os ataques a seus territórios, o Presidente da Funai reuniu-se, no dia 15 de junho, com a presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, deputada Bia Kicis, para defender o referido projeto de lei.

Indígenas não vão abrir mão de territórios se marco temporal passar, diz Sonia Guajajara

Indígenas não vão abrir mão de territórios se marco temporal passar, diz Sonia Guajajara

Sonia Guajajara, 47, liderança da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, é formada em letras e em enfermagem, com especialização em educação especial. Foi vice-coordenadora da Cúpula dos Povos na Conferência Rio+20, além de primeira indígena a participar de uma candidatura à Presidência da República, em 2018, como vice de Guilherme Boulos, pelo PSOL, partido ao qual atualmente é filiada. Integra ainda a coordenação-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a Apib, e a Articulação Nacional de Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade, a Anmiga.

Em entrevista à Folha de São Paulo, Guajajara disse que os indígenas não vão abrir mão de suas terras e que retornarão a Brasília nesta terça-feira (5) para pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a decidir contra o marco temporal. A Apib ainda levará a questão das demarcações a Glasgow, na COP-26, a fim de angariar mais apoio para a causa.

A tese debatida no Supremo, não prevista no texto constitucional, cria um novo critério para demarcações: os indígenas que não estivessem em suas terras na data da promulgação da Constituição de 1988 não teriam direito de reivindicar a demarcação da área —o que ignoraria o histórico de expulsões e violência contra os diferentes povos. Ruralistas afirmam que a regra traria segurança jurídica, pois limitaria desapropriações.

Ela fala ainda sobre a possibilidade de se candidatar em 2022, a proximidade do movimento indígena com partidos de esquerda e sobre a violência doméstica indígena.

O acampamento Luta pela Vida foi a maior mobilização indígena desde a Constituinte, chamando a atenção de uma parte da população brasileira não só para a luta dos direitos territoriais indígenas, mas também para o enfrentamento ao bolsonarismo e para a defesa da diversidade. Como você avalia a evolução do movimento indígena desde a Rio+20?
Na Rio+20, nós conseguimos assinar a PNGATI [Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena] no governo Dilma Rousseff [PT]. Para nós, foi bem importante. Conseguimos ter cerca de 1.100 lideranças indígenas, transferindo o Acampamento Terra Livre (ATL) para o Rio de Janeiro. De lá para cá nós temos avançado com a presença indígena nos acampamentos em Brasília, e, neste ano, realizamos a maior mobilização desde a redemocratização.

Agora realizamos o ATL para pressionar sobre esse julgamento do marco temporal, para poder ganhar mais visibilidade, para a comunidade nacional e internacional entender o que está acontecendo. E nós seguimos no enfrentamento a Bolsonaro, por tudo que ele vem fazendo contra os direitos dos povos indígenas, os direitos sociais da população brasileira, os direitos ambientais. Nós entendemos que é uma luta coletiva, não só nossa, mas de todas as pessoas que pensam num futuro para as próximas gerações. E, claro, lutar também ainda por um presente em que a gente viva, e não só sobreviva.

Sonia, de cocar azul e máscara branca, olha diretamente para a câmera, com um sorriso nos olhos
Sonia Guajajara em protesto contra Bolsonaro em Brasília – Adriano Machado – 14.jun.21/Reuters

Com a suspensão do julgamento da tese do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quais são as prioridades agora do movimento indígena para sustentar a mobilização?
Além do marco temporal, nós temos também o projeto de lei [PL] 490, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, que a qualquer momento pode ir para o plenário e depois para o Senado. Tem também o PL 191, que autoriza mineração nos territórios indígenas, tem o PL 2.633, o PL da Grilagem, que foi aprovado já na Câmara e seguiu para o Senado.

Nós vamos voltar a Brasília em 5 de outubro, no aniversário da Constituição de 1988. Vamos estar lá com estudantes indígenas e quilombolas pela manutenção desses estudantes no ensino superior. Estaremos lá mais uma vez para acompanhar todas as agendas do Congresso também. Em novembro, estamos preparando uma outra mobilização e nossa delegação para participar da COP-26 em Glasgow.

Alguns representantes do agronegócio dizem que há terras que foram colocadas no mercado imobiliário pelo Estado e adquiridas de boa-fé por proprietários e que uma decisão contrária a essa tese geraria muita insegurança jurídica no campo. Como vocês têm respondido a questões desse tipo?
Os ruralistas sempre agiram para acabar com os direitos territoriais dos povos indígenas. Quando eles falam que, se o marco temporal não passar, vai abrir uma insegurança jurídica, isso é uma falácia. Porque insegurança jurídica existe agora, com mais de 400 terras indígenas sem nenhuma providência do Estado e com mais outras 400 que têm já algum estudo, mas que o Estado tomou a decisão política de não concluir. Essa insegurança jurídica tem provocado muitos conflitos.

O marco temporal passando, vão aumentar ainda mais esses conflitos, porque os povos indígenas não vão abrir mão dos seus territórios. Esses territórios que eles falam tanto, que foram entregues pelo Estado no período da ditadura militar. O Estado brasileiro com todas as suas alianças, com o agronegócio, com a especulação imobiliária, com os fazendeiros.

Pela Constituição de 88, as terras indígenas deveriam ter sido demarcadas até 1993, cinco anos depois da promulgação, o que não aconteceu. O Supremo dando uma decisão contrária ao marco temporal, quais seriam as providências mais urgentes para o Estado brasileiro cumprir, enfim, essa obrigação constitucional?
Por mais que o Estado brasileiro insista, e a bancada ruralista sempre queira trazer esse argumento de que quase 14% do território brasileiro já é terra indígena, como um percentual alto, nós precisamos esclarecer que, desses 13%, 97% estão na Amazônia. E, mesmo esses 97% na Amazônia sofrem um processo muito grande de exploração ilegal, de invasão, de conflitos, e precisam de uma política efetiva de proteção.

As demais regiões do país têm um passivo muito grande de terras a serem demarcadas, são apenas 3% de território demarcado nessas áreas. Isso não quer dizer que, demarcando todas essas terras demandadas, esse número vá dobrar para 26% como eles insistem. São áreas menores as que estão sendo requeridas nas demais regiões.

Mobilização nacional
 Mobilização nacional

O que significa dizer hoje que “o Brasil é terra indígena”?
O Brasil é terra indígena porque nós somos povos originários, cuidamos desse Brasil, brigamos por ele, pela manutenção dos nossos biomas. Se fala muito em defesa da Amazônia, que é importante, claro, a maior floresta tropical do mundo, mas nós temos aí o cerrado, a mata atlântica, que igualmente estão ameaçados. A caatinga, o Pantanal, os pampas, que, da mesma forma, precisam estar protegidos.

Hoje, dentro do Brasil, o que não é terra indígena está totalmente ameaçado. Basta você comparar as terras indígenas demarcadas ou habitadas por indígenas com as demais terras públicas. E, quando se compara com terras privadas, aí que o disparate é grande.

Nós estamos vivendo uma emergência climática e nós temos de entender o quanto é urgente proteger o meio ambiente. E, aqui no Brasil, proteger o meio ambiente é proteger os modos de vida dos povos indígenas.

A que você atribui que uma parcela da população urbana, inclusive muita gente que vive aí em condições bem precárias, enxergue a luta por direitos territoriais indígenas como um privilégio que não está assegurado para os outros brasileiros que não são índios?
Há um desconhecimento gigante da população. Muita gente não sabe nem que existe indígena no Brasil, acha que só tem indígenas na Amazônia. As escolas não estão preparadas para falar sobre sobre povos originários, sobre os quilombolas.

É preciso investimento mesmo no sistema educacional para mostrar a história a partir dos povos indígenas. Hoje nós temos escritores, muitos indígenas que estão trazendo essa história real, para além do que foi contado pelos próprios colonizadores.

Qual a pauta de reivindicações que a Apib pretende levar para a próxima conferência do clima, a COP26 em Glasgow?
A gente segue apresentando essa pauta da urgência da demarcação dos territórios indígenas. O outro tema é uma política efetiva de proteção ambiental no Brasil. Porque se apresentam metas, mas o que se faz aqui está na contramão do que tem de ser feito para reduzir as mudanças climáticas.

É preciso garantir leis que já existem. A legislação ambiental no Brasil está totalmente ameaçada, são mais de 200 projetos de lei no Congresso Nacional que têm foco na flexibilização. É preciso garantir uma legislação ambiental que venha reduzir, acabar com o desmatamento no Brasil.

Há pessoas que associam a luta indígena, de forma pejorativa, à esquerda, ao PT, a partidos de esquerda, progressistas. Como ampliar o apoio à causa indígena diante da polarização política no país?
É um absurdo essa atribuição aos indígenas, como simplesmente lideranças de esquerda, petistas. Mas o movimento indígena está realmente próximo dos partidos de esquerda, porque é o que se aproxima das nossas lutas. É o que defende as nossas pautas. Não tem como a gente estar lá no partido de direita, que está lutando contra nossos interesses, o tempo todo se colocando como inimigo.

Indígenas protestam contra alteração da política de demarcação de terras
Indígenas protestam contra alteração da política de demarcação de terras

É verdade que você pode deixar o PSOL para se filiar ao PT? E por que você faria esse movimento?
Olha, há um diálogo, mas ainda não tem uma decisão, até porque eu ainda nem decidi se vou ser candidata em 2022.

Você já teve oportunidade de discutir com lideranças do PSOL ou do PT o chamado neodesenvolvimentismo na Amazônia, que conduziu, por exemplo no governo Dilma Rousseff, à construção e a todos os impactos da usina hidrelétrica de Belo Monte na Amazônia?
É exatamente esse o ponto sensível de estar ou não no PT, ou num partido político que tenha essa visão desenvolvimentista. Nós vivemos muitas situações contraditórias no governo do PT. Belo Monte é um exemplo disso. Essas hidrelétricas no Tapajós, no Madeira, no Xingu, são exemplos desse embate com o governo Dilma.

Mas não podemos esquecer o quanto o PT fez de políticas afirmativas, de cotas, de bolsa permanência, de acesso à universidade, de habitação. Tivemos acesso a muitos programas, políticas afirmativas. Mas exatamente esse neodesenvolvimentismo na Amazônia nos faz pensar: o que seria diferente num governo do PT? Lula já disse diretamente que num outro possível governo ele jamais tomaria uma decisão sem consultar os povos indígenas. A gente quer acreditar que isso venha a ser verdade.

E sobre mercado de carbono, qual é a posição da Apib? Pode ser uma fonte de renda também?
Mercado de carbono é uma atividade ainda não regularizada no Brasil. Primeiro, acho que precisa ter mais informações, muito mais informações do quê que é isso, do que representa, do quanto vale. A segurança de que não é mais uma forma de tomar posse dos territórios indígenas. O mercado de carbono pode ser uma alternativa, mas desde que seja discutida, regularizada, e desde que seja um contrato bem elaborado sobre o que é permitido e o que é perigoso.

Você esteve com as mulheres guarani kaiowá durante o Levante pela Vida. Quais são as principais reivindicações delas nesse momento?
Terra, soberania alimentar e o combate à violência doméstica. Essa questão da violência doméstica é uma realidade em muitos povos, muitos territórios e nas guarani kaiowá isso está muito crescente.

Sonia Guajajara, 47
Formada em letras e enfermagem, é uma das lideranças da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão. Atualmente filiada ao PSOL, foi a primeira indígena a participar de uma chapa à Presidência da República, como candidata a vice de Guilherme Boulos (PSOL), no pleito de 2018. É ainda coordenadora-executiva da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e membro da Anmiga (Articulação Nacional de Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade)

Via Folha de São Paulo