Eles temiam que a exploração desses blocos e os ofertados na Bacia de Pelotas, no litoral de Santa Catarina, trouxessem risco à fauna e flora marinhas

Por Carol Knoploch
RIO — Ativistas que fizeram protesto contra a 17ª Rodada de leilão de petróleo da Agência Nacional do Petróleo (ANP) nesta quinta-feira, comemoraram a falta de oferta para a exploração dos blocos das bacias de Pelotas (na área do litoral catarinense) e Potiguar (área de Fernando de Noronha e Atol das Rocas, no litoral Rio Grande do Norte e Ceará), áreas de preservação ambiental.

Cerca de 150 ativistas protestaram em frente ao hotel Windsor Barra da Tijuca, onde aconteceu a licitação na manhã desta quinta-feira. Teve até manifestante vestido de tiranossauro rex na frente do local.

— Isso significa uma enorme derrota para o governo e para a ANP e confirma o que estávamos dizendo há tempos. É inviável a exploração em áreas de proteção ambiental. Saímos do Rio de Janeiro aliviados. Ao menos por ora. Foram meses de mobilização em vários estados e municípios do movimento ambientalista e climático brasileiros e continuaremos — declarou Juliano Bueno de Araújo, diretor do Observatório de Petróleo e Gás e do Instituto Arayara.
Entre os 92 blocos ofertados havia alguns próximos aos arquipélagos que formam o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha e a Reserva Biológica do Atol das Rocas.

Além do resultado vazio para os blocos da chamada Bacia Potiguar, onde se localiza a área do arquipélago e da reserva biológica, não houve propostas para a Bacia de Pelotas, também considerada como região de sensível preservação

Lances apenas para Bacia de Santos
Igualmente não houve lances para blocos da Bacia de Campos. Apenas cinco blocos da Bacia de Santos, onde está a maior parte do pré-sal brasileiro, foram arrematados — quatro pela Shell e um em parceria da Shell com a Ecopetrol. No total, foram arrecadados R$ 37,14 milhões, sem ágio.

Araújo liderou o protesto desta quinta-feira e contou com ativistas de Pernambuco, Santa Catarina, Ceará, Paraná e Rio Grande do Norte, além do Rio de Janeiro.

Ele disse que este é um momento crítico e que teme pela manutenção destas bacias em leilões futuros.

— O momento é difícil para não dizer terrível do movimento ambientalista, climático, das comunidades tradicionais e da indústria da pesca e turismo, além é claro, dos impactos climaticos que vamos sofrer fruto de leilões do tipo — desabafa Araújo.

Ele complementou:

— A sociedade civil e governos sérios como o de Santa Catarina e Pernambuco se mobilizaram e judicializaram várias ações. Não houve suspensão, é verdade. Mas saímos vitoriosos com o resultado do leilão.

Ações na Justiça
A ONG moveu cinco ações civis públicas e entrou na Justiça com oito mandatos de segurança coletiva na tentativa de suspender o leilão.

A 17ª Rodada chegou a ser questionada na Justiça. Em junho, uma decisão da Justiça Federal da 4ª Região havia determinado a retirada dos blocos da Bacia de Pelotas do leilão. A determinação foi revertida posteriormente.

Na noite de quarta-feira, o governo de Pernambuco, em cujo litoral está Fernando de Noronha, se somou a uma ação do partido Rede Sustentabilidade no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a suspensão do leilão. A licitação é contestada em tribunais de Pernambuco, Distrito Federal, Santa Catarina e no STF.

Questões ambientais
A 17ª Rodada de Licitações da ANP marca a retomada dos leilões de petróleo no país. O último foi o chamado megaleilão, em 2019, que também teve um resultado frustrante para o governo. De acordo com a ANP, estavam habilitadas para participar do leilão, além da Petrobras, as petroleiras Chevron, Shell, Total, Ecopetrol, Murphy Karoon, Wintershall e 3R Petroleum.

As bacias onde estão os 92 blocos ocupam uma região de quase 54 mil quilômetros quadrados nos litorais de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte.

Araújo cita que cerca de 90% da frota de pesca embarcada do país trabalham na região de Santa Catarina, um dos pontos incluídos no leilão, mas que não houve proposta. Segundo ele, a perda estimada para quem trabalha nesta área, em 20 anos, seria de R$ 70 bilhões. Ele diz que esses são dados coletados em audiência pública na Assembleia Legislativa de Santa Catarina.

— O pescado depende deste ambiente preservado.

Além disso, chamou a atenção para outro ponto crítico: a preservação de várias espécies de baleias. Explica que a rota migratória da baleia azul pode ser afetada assim como os berçários de outras espécies (ele se refere ao litoral de Santa Catarina e a ilha de Fernando Noronha).

— Se a questão da baleia azul não chama a atenção, pense então nas suas férias. Ninguém quer viajar para onde o mar está banhado de óleo e não tem peixe para comer. A questão turística e da economia que ela gera está integrada.

Transição energética
O biólogo Paulo Horta, professor de ecologia marinha e oceonografia na Universidade Federal de Santa Catarina, afirmou que se sente feliz, mas não por completo. Ele levantou outra questão fundamental para o ambiente, além da preservação imediata das bacias Potiguar e Pelotas: a transição energética.

Ele aponta para a queima de combustível fóssil ao citar que os blocos vendidos na bacia de Santos, no leilão da ANP, tem potencial para bilhões de barris de petróleo.

Lembra que o leilão se realizou justamente na véspera da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas deste ano, a COP26, que está marcada para novembro. E após alarmante relatório do IPCC sobre mudanças climáticas divulgado no último mês pela ONU.

— Isso é ruim do ponto de vista diplomático, inclusive. Foi péssimo o momento, uma vez que o mundo discute como diminuir a queima do combustível fóssil. Poderíamos estar em outro patamar, o da discussão sobre transição energética e o impacto na economia global. O petróleo foi importante no seu devido contexto de tempo e agora as próprias empresas entendem melhor suas obrigações moral e ética na transição que o planeta precisa — opinou Paulo.

Daniel Galvão, mestre em oceonagrafia e professor universitário do Instituto Federal do Ceará, foi prático ao comentar o resultado do leilão:

— Era o único possível porque as áreas sem lances são áreas de proteção ambiental forte e mesmo que alguma empresa as comprasse, enfrentaria batalha judicial eterna e sem precedentes. O cenário é de saturação, de risco ambiental planetário — falou Galvão, um dos líderes do movimento Salve Maracaípe, de Pernambuco. — Em casos assim, o lucro é da empresa, é privado. Mas o dano é socializado, todos perdem

Galvão criticou a atuação do governo federal em insistir neste leilão após batalha com ambientalistas e lembrou que até hoje “este mesmo governo não concluiu a origem do oléo do maior desastre ambiental que o Brasil sofreu, em 2019, no Nordeste e no litoral do Espírito Santo e Rio de Janeiro.”

À época, o Salve Maracaípe identificou o vazamento, denunciou, investigou e até colocou a mão na massa para a retirada, segundo ele de mais de mil toneladas de óleo “no braço”.

 

Matéria originalmente publicada no jornal O Globo em 07/10/2021