Possível escassez de potássio é usada como desculpa por Bolsonaro e aliados para aprovação de medida que afeta diversos territórios

Reflexos da guerra entre Rússia e Ucrânia podem afetar as causas indígenas no Brasil, ameaçando a saúde de suas terras e dos povos originários. Os últimos dias têm sido permeados por discussões de lideranças políticas sobre o interesse de se explorar minério em territórios indígenas na Bacia do Amazonas e manifestações da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

Na quarta-feira (9), o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, por 279 votos a 180, o requerimento do líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), para tramitação em regime de urgência do Projeto de Lei 191/20, sobre a mineração em terras indígenas.

Tudo teve início no dia 2 de março, quando o presidente da República, Jair Bolsonaro, publicou em sua conta do Twitter:

O potássio é um insumo importante na produção de fertilizantes e, com a guerra na Ucrânia, poderá se tornar escasso. Com essa justificativa, Bolsonaro e seus aliados intensificaram as ações em prol da aprovação do Projeto de Lei 191/20, que pretende “estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos”. Em outras palavras, um projeto de lei que facilita a mineração em terras indígenas.

Segundo o advogado indígena Eloy Terena, coordenador jurídico da Apib, o presidente não só ignora a manifestação da vontade expressa dos povos indígenas, os principais afetados por essa medida, como desrespeita as normativas internacionais que regulam o tema da CPLI (Consulta Prévia, Livre e Informada). “Ou seja, as referidas medidas desrespeitam os direitos indígenas assegurados no direito nacional e internacional. O anseio do governo Bolsonaro em abrir fronteiras em terras indígenas para a mineração tem pulsão de morte. Ignora os dados que a ciência e a história apresentam sobre a tragédia humanitária anunciada. É a sobreposição do lucro insaciável em detrimento dos territórios indígenas”, diz Eloy, que afirma que o movimento indígena está analisando os meios mais adequados para discutir os aspectos de inconstitucionalidade, inconvencionalidade e ilegalidade que permeiam o projeto.

Para Eloy, são vários os riscos que a exploração minerária traz para os territórios, como a destruição do ecossistema, da fauna, da flora, e, por consequência, dos modos tradicionais de viver dos povos indígenas.

E o pior: a argumentação do presidente não só flerta com a inconstitucionalidade e ilegalidade, mas ainda por cima não faz sentido. Segundo Bruno Manzolli, pesquisador pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), as principais fontes de potássio no Brasil NÃO estão em terras indígenas. O mineral é mais comum fora delas. “Na Bacia do Amazonas, há uma região de 13 milhões de hectares com potencial para exploração de potássio, onde apenas 11% estão sobre terras indígenas demarcadas”, contextualiza Manzolli a partir de dados da ANM (Agência Nacional de Mineração), do Serviço Geológico do Brasil — CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais) e da extinta Petromisa (Petrobrás Mineração S.A.) para embasar sua pesquisa.

 

Texto originalmente publicado no Portal Terra em 12/03/2022. Acesso em: https://www.terra.com.br/nos/por-que-a-guerra-na-ucrania-nao-pode-ser-um-pretexto-para-a-mineracao-em-terras-indigenas,7a063191738e972a6229f118cf4736ddp9b25d5n.html