Na última segunda-feira, 25, um grupo de moradores do município de Novo Repartimento, sudeste do Pará, bloqueou a rodovia Transamazônica, na entrada da Terra Indígena Parakanã. A motivação era um protesto após três homens que teriam desaparecido no último domingo (24) para caçar dentro da Terra Indígena. Além disso, relatos que chegaram ao Ministério Público Federal (MPF) diziam que outros moradores da região, armados, teriam ido até o território Parakanã para acusar os indígenas de serem responsáveis pelo desaparecimento.

Após horas de tensão, com acusações e ataques verbais, a situação se acalmou com mediação da Funai e a promessa de que agentes da Polícia Federal seriam enviados ao local. Os indígenas estão apoiando o Corpo de Bombeiros nas buscas pelos desaparecidos. Cabe lembrar que os Awaeté-Parakanã têm contato recente, cerca de 40 anos, e maioria vem buscando estudar para melhor se comunicar com a sociedade não-indígena, tendo poucos falantes de português. Além disso, ainda lidam com as sequelas do deslocamento compulsório para a Construção da Hidroelétrica de Tucuruí e de uma Tutela traumática do Programa Parakanã.

Abaixo publicamos relato sobre a situação ocorrida no Posto Taxakoakwera, na T.I. Parakanã, na última segunda-feira, 25.

Relato
Nesta segunda-feira (25/04), um coletivo de estudantes Awaeté e docentes, dos Cursos de Agroecologia e Magistério Indígena do Campus Rural de Marabá – IFPA, foram surpreendidos por volta das 13:15h com a intrusão abrupta de um grupo de não indígena (Tôria) com gritos, ameaças e a obstrução da entrada do Posto Taxakoakwera, na T.I. Parakanã. Estes se utilizando da coação e do preconceito a indígenas confessaram e afirmaram que três caçadores invadiram a T.I no dia anterior (26) para caçar e estariam desaparecidos, sendo isso responsabilidade de todos os Awaeté. Alguns Awaeté que presenciaram a situação descrevem que alguns dos que ali estavam portavam armas. Após cerca de uma hora de tensão, com a voluntária inação e parcimônia dos coordenadores do Programa Parakanã, os não indígenas desobstruíram a entrada do Posto Taxakoakwera e se dispersaram temporariamente. Uma hora depois chegou a Taxakoakwera algumas lideranças Awaeté, entre estas, Xeteria e seu filho Taranã. Instantes depois ocorreu uma nova intrusão dos mesmos não indígenas (a maioria vizinhos ligados ao agronegócio local ou a empreendedores de Novo Repartimento-PA). Neste instante, após dialogar com os estudantes awaeté e professores do IFPA que presenciaram a primeira intrusão, Tarãna conduz uma interlocução com os não indígenas e os convida a aguardar fora do Posto, o que foi com a mediação de uma das mães de um dos desaparecidos de pronto aceito. Duas mães e um pai dos caçadores solicitaram uma reunião com Tarãna, este de pronto e em um gesto de solidariedade aos familiares os convidou a entrar e a explicar o acontecido com calma aos Awaeté, que como Tarãna, que até então pouco compreendiam da situação de fato. Tarãna, seu pai Xeteria, entre outras lideranças e estudantes Awaeté, ouviram a suplica dos pais dos caçares para que ajudassem nas buscas, bem como o reconhecimento que a caçada em terras indígenas é um ato ilícito. Por sua vez, as lideranças responderam que a T.I Parakanã é o território soberano dos Awaeté e não é espaço de realização das caçadas esportivas dos toria. Tarãna lembrou que nenhum Awaeté invade as terras “dos brancos” da região. Na mesma ocasião, Xeteria indagou aos pais: imagine se nós entrássemos na terra de vocês e matássemos o seu gado ou outros animais? A reunião fluía com a escuta mútua e promessa dos Awaéte, mesmo tendo a T.I invadida, que iriam ajudar nas buscas, quando um sargento da polícia militar de Novo Repartimento, sem nenhuma solicitação prévia, se introduziu na reunião. Tal sargento, parou a reunião, iniciando a sua fala dizendo que “entendia os indígenas, mas que cárcere privado era crime” e que teria recebido informações de um desaparecimento, seguido de um “cárcere privado”. Os estudantes, lideranças e professores ficaram perplexo com fala do sargento. Um professor pediu a palavra e se dirigiu ao policial, explicando a situação por este vislumbrada até aquele momento: “O senhor ou seu informante não estariam equivocados? Aqui até o momento não houve ‘cárcere privado’. Até então o que temos é uma situação de desaparecimento”. Esclarecido por todas as partes, entre elas as mães e o pai presente, o policial se desculpou, disse que foi mal informado e que alguém tinha acabado de fazer um boletim de ocorrência de “cárcere privado” na delegacia da polícia civil mais próxima em relação aos familiares ali presentes. Todos de bom senso que presenciavam a situações e suas fricções desde meio dia se perguntavam. Por que tanta desinformação? O que justificaria a construção tão rápida de argumentos incondizentes com o ocorrido? Por que tamanho ódio aos indígenas? Por que uma mídia local reproduziria a narrativa do ‘cárcere privado’ no dia seguinte? Qual o interesse dos agentes políticos e econômicos da região nesta nova fricção com os indígenas Awaeté?
Cabe ressaltar que os Awaeté-Parakanã tem contato recente, cerca de 40 anos com os não indígenas. A maioria vem buscando estudar para melhor se comunicar com os Toria; poucos são falantes do português. Vivem ainda sob as sequelas do deslocamento compulsório da Eletronorte para a Construção da Hidroelétrica de Tucuruí e de uma Tutela traumática do Programa Parakanã.
No dia 26, a rodovia Transamazônica foi bloqueada por alguns moradores da região nas proximidades da região. Neste instante, além de uma longa fila de veículos no trecho da T.I., a entrada do Posto Taxakoakwera e de algumas aldeias Awaeté se encontram sitiadas por não indígenas hostis aos Awaeté. Áudios com ameaça a vida dos indígenas começam a circular. Um clima de insegurança e ameaças vêm aumentando e preocupando os Awaeté e seus parceiros institucionais, como os/as professores/as dos cursos de Magistério Indígena e Agroecologia.
Esse episódio expõe a cobiça pelo fragmento de território Awaeté que compõe a T.I Parakanã, as ressalvas em relação aos Awaeté pelos colonos da frente de expansão, a visão dos regionais sobre os Awaeté como atrasadores do desenvolvimento local ou como um grupo privilegiado com um programa da Eletronorte. Enfim, a carga de preconceitos e etnocentrismo vêm alcançando dos desdobramentos nos corpos indígenas. Basta! Cobramos de todas as autoridades responsáveis a máxima proteção para os Awaeté neste momento.