Por que e Para Quem – Foi publicado o Decreto municipal 082/2022

Para Tomar a Terra Indígena Pataxó Comexatiba, em Cumuruxatiba – Prado-BA?

Incentivar, Descriminalizar, Legitimar e Regularizar as Invasões na Terra Indígena?

A Serviço do Que e de Quem foi Decretado a Invasão da Terra Indígena Comexatiba, da Aldeia Tibá, o Sonho da Zabelê? Quem Ganha? Quem Perde com o Decreto municipal?

CARTA ABERTA DO(A)S PATAXÓ ÀS AUTORIDADES PÚBLICAS MUNICIPAIS, ESTADUAIS, FEDERAIS, PESSOAS INTERESSADAS DE TODA COMUNIDADE DE CUMURUXATIBA E REGIÃO

Não se pode negar o direito ao acesso à água, energia elétrica, saneamento básico, moradia, alimentação segura, escola, saúde, enfim, aos serviços e políticas públicas. Somos favoráveis que as famílias e pessoas que, ainda irregularmente, dentro da nossa Terra Indígena Pataxó Comexatiba, construíram suas moradas, suas ocas e kijémi, tenham seus direitos mais imediatos, atendidos já. Nós, Pataxó, das organizações indígenas, estamos dispostos a dialogar e colaborar no que for necessário para o nosso Bem-Viver. Por Uma Cumuruxatiba para Ser Feliz. Como afirma nosso hino que Corina Medeiros, nossa primeira professora compôs, no início de 1940.

É nosso desejo enfrentar o desafio de encontrar caminhos e soluções para enfrentarmos os desafios dos limites e das possibilidades de expansão das moradias conforme as necessidades reveladas. Queremos que outras direções e rumos sejam tomados para que não aconteça com nossa antiga e invadida “vila índia” (FUNAI, 2015), a mesma expulsão, exclusão e marginalização do(a)s parentes nativos que vêm sendo atirados para as periferias em condições indignas de se viver. Como em Trancoso, Arraial D’Ajuda, Caraíva, Coroa Vermelha, Santo André, enfim, o mesmo que acontece nas outras antigas vilas deste litoral, depois de consolidadas o mercado das atividades voltadas para o turismo. Daí porque, nós, nativo(a)s, povos originários identificados em Cumuruxatiba: Pataxó e demais etnias reconfiguradas e classificadas pelo Estado na categoria de pescadores artesanais extrativistas, residualmente pertencentes a outros grupos étnicos minoritários (negríndios, famílias Tupinikim, Tupinambá, Aimoré, Maxakali, afrobrasileiro(a)s, etc.), possamos co-habitar a mesma Terra-Mãe que nutriu nossos antepassados, onde deles, também se nutriu.

O cemitério de Cumuruxatiba é indígena, lá, nossos antepassados, pais, mães, avós, bisavós foram enterrados. Estamos cientes que temos um passado, um presente e um futuro comum que nos une. Cujo Decreto investe para destruir e nos separar, colocando-nos uns contra os outros. É isso que após entendermos, nos trouxe até aqui para esclarecer. Nós não concordamos é com o Decreto e tudo que ele semeia para colher sem nada nos favorecer ou garantir.

Não são as definições, os princípios, termos e ajustes de nossas condutas desejadas em nossos modos de relacionamento, envolvimento e desenvolvimento na comunidade Mangabeiras e posteriormente, Jamelão, ambas auto instaladas organizada a partir de 2012, que recusamos acolher para dialogarmos, definições, contratos e pactuações com a mediação do MPF e da FUNAI.

É o Decreto Municipal (082/2022), na forma como foi decidido, condicionando o atendimento das justas demandas da comunidade à violação de nossos direitos, sem consultar se a comunidade concordava com o conteúdo de seu texto ou não, com ou sem alterações. Pelo que entendemos, as necessidades justificadas não passam de um álibi para esta chantagem oportunista de burlar os direitos indígenas e colocar moradores uns contra os outros e todos contra nós, indígenas Pataxó. Somente com a intenção de favorecer o sucesso da estratégia de liberar os condomínios luxo, entre outros igualmente fechados nas áreas pertencentes as aldeias, que estão sendo construídos, se multiplicam, prosperam enriquecendo bem poucos vindos de fora no território em questão. Aspecto que vem gerando muitos prejuízos e agressões racistas contra nós, povo Pataxó que vem sofrendo ameaças de toda ordem, inclusive riscos de morte, gerando insegurança e nos tornando vulneráveis a mais invasões e agressões. São prejuízos que envolve assédio moral, perdas patrimoniais, material e imaterial da comunidade e cultura que queremos interromper e evitar. Se, lermos com atenção e analisarmos o Artigo 2º. do Decreto Municipal 082/2002 que cria o Bairro Mangabeira como ‘Núcleo Informal Consolidado’, é possível perceber que os seus limites e fronteiras não foram definidos, foram empurrados para ‘depois’, ignorando completamente a Terra Indígena e os nossos direitos constitucionais. Observemos o Artigo 2º afirma o seguinte: “Os limites do Núcleo ‘Núcleo Informal Consolidado’ o Bairro Mangabeira, situado no Distrito de Cumuruxatiba, para fins de Reconhecimento de Domínio Municipal e posterior objeto de Regularização Fundiária Urbana de interesse social – REURB-S, ocupado preponderantemente por população de baixa renda do Município de Prado Bahia”. Este artigo falta com a verdade porque atualmente, a maioria das famílias que residem na área já não são mais nativas, muitos venderam irregularmente suas supostas posses, há parentes fazendo mercado com isso, aprenderam com nossos algozes, a má fé vinda de fora pra dentro. É a minoria nativa que vive lá, entre 20 e 30% de seus moradores, no máximo. Precisamos da realização deste cadastro, até porque a necessidade dos serviços público e da infraestrutura são reais e justificados.

Então, a serviço de quem está este Decreto? Quem perde e quem ganha com tudo isso?

Diante do exposto é possível concluir que todo este contorcionismo jurídico-administrativo foi feito para usar as famílias que verdadeiramente necessitam de moradia digna para contrariar os direitos constitucionais (Art.231 e 232); acomodar grandes interesses, colocando-se a serviço do lucro de menos de 10 famílias abastadas camufladas de supostos proprietários – influentes e poderosos, como: um vereador da Câmara Municipal de Prado, o presidente do Associação do PA Cumuruxatiba – que também comanda um grupo religioso local; o dono da pousada Boa Sorte, situada no povoado, entre outros.

São estes que se apresentam como principal ameaça que, muito além do tráfico de influência, de recursos da natureza. Por isso seus mentores recorrem a agenciamentos, associações perigosas envolvendo forças milicianas armadas e forças de segurança particular, além de violações à cultura indígena trazendo festas e bagunças generalizadas para as proximidades das comunidades indígenas. Porque as famílias Pataxó que vivem nas aldeias apresentam as mesmas demandas por água potável, energia elétrica, escola, conservação das estradas, nos unimos para que estes mesmos direitos sejam garantidos e cheguem até nós, por meio do poder público que desejamos dialogar. Queremos que estes direitos sejam assegurados para todos sem privilégios ou distinção.

Por todo o exposto é que nós, das comunidades e aldeias indígenas prejudicadas e impactadas por este Decreto e determinação política-administrativa autoritária, queremos:

  • Que sejam suspensas e interditadas toda a venda de lotes e projetos de condomínios fechados e irregulares que foram criados na Terra Indígena Comexatiba.

 

  • Que seja declarado proibidos os bailes e ‘batidões’ e torneios regados a bebidas, som alto e circulação de estranhos nas nossas aldeias que chegam atraídos por tais festas financiadas por vereador da câmara municipal de Prado-BA e seus aliados locais e de fora do distrito e município. Estamos sendo invadidos, incomodados por tais eventos quase todo feriado, final de semana e períodos de veraneio. Nossos jovens, nossas crianças, os velhos e as demais famílias precisam ser protegidos, inclusive, nossa cultura, visto que vem ferindo e corrompendo nossos usos e costumes locais.

 

  • Que medidas de compensação e reparação à comunidade Pataxó, pelo poder público sejam discutidas e asseguradas para que possamos dialogar sobre as flexibilizações necessárias para um Plano Diretor e Georreferenciamento da área de expansão urbana do Distrito de Cumuruxatiba e outros que se encontram sob as mesmas condicionantes dos direitos indígenas e comunidades tradicionais, incluindo a da pesca artesanal.

 

  • A liberação de todos os acessos das antigas estradas de servidão que foram fechadas para o acesso à praia em toda a faixa litorânea do distrito.

 

  • Que este episódio em vez de semear e cultivar conflitos entre nativos, moradores vindos de fora e comunidade Pataxó, possa servir de baliza para a construção da Cumuruxatiba que desejamos construir e compartilhar com pradenses, outros baianos, brasileiros, cidadãs e cidadãos do mundo que sonham com o Bem Viver sem as desigualdades que vêm se aprofundando entre nós