Foto: Marcello Camargo/Agência Brasil

Clima de tensão e incitação ao ódio está presente em veículos de comunicação na região, que conta com apoio financeiro do agronegócio

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), juntamente a organizações de base e demais parceiros, vem denunciando o clima de tensão vivenciado pela comunidade Pataxó, no extremo sul da Bahia e aguarda, há aproximadamente um mês, por uma audiência pública solicitada via Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA).  O documento é assinado por organizações parceiras como Justiça Global, Terra de Direitos e Conectas Direitos Humanos: BrasilApoinmePovosIndigenas_230119_204425

O pedido foi feito para o início de 2023, a fim de relatar três situações de violação de direitos contra os povos indígenas Pataxó (Bahia), Tuxá (Minas Gerais, Pernambuco e Bahia) e Maxakali (Minas Gerais).  Na tarde do dia 17, os jovens Samuel Cristiano do Amor Divino, 25, e Nawy Brito de Jesus, 16, ambos da etnia Pataxó, foram assassinados na região, com tiros nas costas.  

A entidade está tomando as medidas judiciais cabíveis e acompanha o trabalho do gabinete de crise instalado pelo Ministério dos Povos Indígenas, com solicitação de envio da Força Nacional, via Ministério da Justiça e Segurança Pública. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), por meio da presidente Joenia Wapichana, também pediu providências para proteção dos indígenas da região. 

A incitação ao ódio aliado ao clima de conflito instalado na região do sul da Bahia sempre foi explícita por meio de ameaças que se intensificaram desde junho de 2022 e que contam com o apoio de veículos de comunicação da região, mantido por empresários do agronegócio local. 

A menos de um mês, homens armados, em uma caminhonete, invadiram outra aldeia dentro da Terra Indígena de Barra Velha do Monte Pascoal, a Quero Ver, e dispararam abertamente contra indígenas da comunidade Pataxó. Nos últimos meses, ao menos quatro indígenas morreram na região. 

No dia 16.01, um dia antes do assassinato dos Samuel e Nawy Pataxó, próximo a uma área de retomada do território, no município de Itabela (BA), o apresentador do programa Café Rural, Carlos Brito, ao abordar a situação de conflito local, fez as seguintes declarações, em tom de alerta: “na hora que morrer um bocado, o grande culpado (sic) são os homens da lei” e “Deixa um produtor cortar na bala um daqueles lá para ver o que acontece; agora, se for ao contrário, não dá nada”. 

Samuel e Nawy Pataxó foram mortos na BR-101 enquanto pilotavam uma motocicleta, no final da tarde de terça (17/1). Conforme testemunhas, ambos levaram tiros nas costas e na cabeça após serem perseguidos por homens em um carro, de acordo com informações da Polícia Civil da Bahia.  

No programa que vai ao ar para toda a região sul da Bahia e parte de Minas Gerais, além da transmissão via Youtube, o apresentador questiona a legitimidade das terras em disputa, cujo reestudo foi identificado pela FUNAI e dos indígenas a quem se refere como “supostos índios”. Ao menos 20 empresas locais ligadas ao agronegócio anunciam no programa.

Nos grupos de Whatssapp, conforme denúncia recebida pela Apib, circulam informações de que lideranças indígenas estariam com ‘a cabeça a prêmio’ pelo valor de R$ 200 mil. No programa do dia 17, o apresentador Carlos Brito, alerta para todos “tomarem cuidado no grupo de Whatsapp, em relação ao que aconteceu ou não”. 

“O Território Pataxó Barra Velha e Tupinambá de Olivença não é uma invenção antropológica como alegam os fazendeiros. Esta é uma região que representa o berço da História desses povos, onde estão enterrados seus antepassados, há uma relação de pertencimento. Não há como negar a real presença indígena na região ao longo da história e isto é público e acessível, antes mesmo da posse que fazendeiros alegam ter direito”, afirma o coordenador executivo da Apib, Dinamam Tuxá. 

A TI Barra Velha do Monte Pascoal abrange áreas em quatro municípios do sul da Bahia: Itabela, Itamaraju, Porto Seguro e Prado. A região desperta o interesse não apenas de empresários do setor agropecuário, mas também de empresas do setor de turismo, o que vem desencadeando muita especulação imobiliária. Entenda o histórico da sobreposição de terras AQUI.  

Desde junho, as comunidades dos Territórios Indígenas de Barra Velha e Comexatibá vêm denunciando a atuação dos criminosos, que ameaçam o povo Pataxó diariamente, disparam tiros contra suas casas, impedem a livre circulação no território e matam jovens inocentes.  

Em julho de 2022, O Ministério Público Federal (MPF) realizou uma série de reuniões em comunidades indígenas da região Sul da Bahia, para debater sobre os direitos dos povos tradicionais e a atual insegurança vivida por eles, após constantes episódios de violência na região.

Na ocasião, o procurador da república José Gladston ouviu o relato de lideranças da região que apontaram a atuação de grupos milicianos nas TIs, o que vinha provocando um verdadeiro clima de terror dentro das comunidades.   

No mês de Setembro, uma Comissão de lideranças Pataxó do Sul e do Extremo Sul da Bahia, representados pelas suas organizações dos territórios Comexatibá, Barra Velha e Território Coroa Vermelha, realizaram diversas reuniões em Brasília-DF, denunciando os ataques de pistolagem, por meio de milicianos, a mando de fazendeiros (grileiros) e suas organizações.  

Em carta, lideranças relataram a presença de drones sobrevoando moradias locais e a circulação de notícias falsas também têm sido amplamente utilizadas, numa guerra de informação criada para difamar as lideranças e apoiadores históricos, a fim de deslegitimar o movimento indígena, além de um depósito de armas em uma das fazendas locais, que seria o QG dos milicianos. 

Nas eleições de 2022, as comunidades indígenas do município de Prado (BA), deixaram de votar por falta de transporte e segurança. A cidade registro índice de abstenção de 27,84%. Várias comunidades ficaram isoladas e impedidas de sair, algumas, por cerco armado de pistoleiros e fazendeiros da região, fato que chegou a ser denunciado como violação de direito constitucional pela APIB e Associação Brasileira de Imprensa (ABI).