Em declaração publicada no site oficial das Nações Unidas, José Francisco Calí Tzay, relator Especial da ONU sobre os direitos dos Povos Indígenas, expressou grande preocupação com a aprovação da tese do Marco Temporal (PL 490) na Câmara dos Deputados. Ele ressalta que a tese foi “contestada em diversas ocasiões por organismos internacionais, povos indígenas e defensores dos direitos humanos por desrespeitar o direito dos povos indígenas”.

O relator espera que o STF tome suas decisões em “consonância com os padrões internacionais de direitos humanos”, e pede que o Senado rejeite o Projeto de Lei, que agora é chamado de PL 2309. Ele aconselha também o governo brasileiro “a tomar todas as medidas para proteger os Povos Indígenas, suas culturas e tradições, de acordo com a Constituição Federal Brasileira e as obrigações internacionais de direitos humanos”.

Confira a nota traduzida para o português.

Brasil: Especialista da ONU manifesta preocupação com doutrina jurídica que ameaça os direitos dos povos indígenas

GENEBRA (13 de junho de 2023) – Um especialista da ONU expressou hoje grande preocupação com o provável impacto negativo da tese do “Marco Temporal” que pode ser aplicada pelo Supremo Tribunal Federal do país em sua decisão no caso dos Povos Indígenas Xokleng e do Estado de Santa Catarina. O caso tramita na Justiça desde 2021, a partir de recurso da Fundação Nacional do Índio (Funai). O Relator Especial da ONU sobre os direitos dos Povos Indígenas, José Francisco Calí Tzay, emitiu a seguinte declaração:

“O ‘Marco Temporal’ limita o reconhecimento da terra ancestral dos Povos Indígenas apenas às terras que eles ocupavam no dia da promulgação da constituição, 5 de outubro de 1988. A doutrina do ‘Marco Temporal’ teria sido usada para anular processos administrativos de demarcação de terras indígenas, como no caso da Comunidade Guayaroka, dos Povos Indígenas Guarani Kaiowá. A tese contestada em diversas ocasiões por organismos internacionais, povos indígenas e defensores dos direitos humanos por desrespeitar o direito dos povos indígenas às terras das quais foram violentamente expulsos, particularmente entre 1945 e 1988 – um período de grande turbulência política e violações generalizadas dos direitos humanos no Brasil, incluindo a ditadura.

O julgamento pode determinar o andamento de mais de 300 processos pendentes de demarcação de terras indígenas no país. Apelo ao Supremo Tribunal Federal para que não aplique a referida doutrina no caso e decida em consonância com as normas internacionais existentes de Direitos dos Povos Indígenas.

Estou muito preocupado com a aprovação em 30 de maio pela Câmara dos Deputados do Brasil do Projeto de Lei 490/07 que, se aprovado pelo Senado, aplicaria legalmente a tese do “Marco Temporal”.

Se o ‘Marco Temporal’ for aprovado, todas as terras indígenas, independentemente de sua situação e região, serão avaliadas de acordo com a tese, colocando todas as 1.393 Terras Indígenas sob ameaça direta. É particularmente preocupante que o Projeto de Lei 490/07 indique explicitamente que sua regulamentação seria aplicável a todos esses casos pendentes, agravando a situação ao prolongar ou potencialmente obstruir o processo de demarcação e expor os Povos Indígenas a conflitos, contaminação relacionada à mineração, escalada de violência e ameaças aos seus direitos sociais e culturais.

A adoção do ‘Marco Temporal’ é contrária aos padrões internacionais. Espero que a decisão do Supremo Tribunal Federal esteja em consonância com os padrões internacionais de direitos humanos aplicáveis e que proporcione a maior proteção possível aos Povos Indígenas do Brasil.

A decisão precisa garantir reparações históricas para os Povos Indígenas e evitar a perpetuação de mais injustiças. Peço ao Senado brasileiro que rejeite o projeto de lei pendente.

Exorto o Governo do Brasil a tomar todas as medidas para proteger os Povos Indígenas, suas culturas e tradições, de acordo com a Constituição Federal Brasileira e as obrigações internacionais de direitos humanos.”