18/set/2023
A Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) realizam uma audiência pública à Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) para tratar do tema “Violações de Direitos dos Povos Indígenas no Estado da Bahia”, no dia 26 de setembro de 2023, às 9 horas.
A Bahia é o segundo estado com maior população indígena do país. Com 229,1 mil pessoas de etnias indígenas, atrás apenas do estado do Amazonas. No entanto, o último período registrou um aumento no número de casos de violência, perseguições e assassinatos que, mesmo com a intervenção realizada pelo governo do Estado, ainda não foi contida.
A criação da Frente Parlamentar tem como objetivo “aprimorar a atuação conjunta com movimentos ambientalistas, povos e comunidades tradicionais do estado para fortalecer a agenda de proteção ambiental e da promoção do bem viver de povos e comunidades tradicionais”, como explica o documento que justifica a solicitação.
Desta forma, uma das primeiras atividades da Frente será a apuração em audiência dos casos e denúncias que levaram a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a conceder o pedido de Medidas Cautelares em favor do povo Pataxó, solicitadas pela Apib e Apoinme, em janeiro de 2023. A medida é referente aos casos ocorridos nas Terras Indígenas (TIs) Comexatibá e Barra Velha do Monte Pascoal. A CIDH indicou que os indígenas destas áreas estão em “grave e urgente risco de dano irreparável aos seus direitos”.
Causas da violência
O povo Pataxó do extremo sul baiano aguarda há anos a conclusão da demarcação de suas terras. A falta de eficiência na atuação do Estado brasileiro abre brechas para a promoção de invasões por parte do agronegócio, do setor hoteleiro e da especulação imobiliária na região.
Por esse motivo, a TI Comexatibá se tornou um local de mais disputas de terra do que qualquer outro território indígena no Brasil, refletido na alta quantidade de contestações administrativas no seu processo de demarcação.
O povo originário destes territórios tem sofrido com violência intensa, contínua e desproporcional, por meio de ameaças, cercos armados, tiroteios, difamações e campanhas de desinformação.
Frustrados por ver o agronegócio destruir seu território, membros de várias comunidades indígenas Pataxó, no sul da Bahia, realizaram uma ação de retomada em 22 de junho de 2022, quando 180 indígenas assumiram a Fazenda Santa Bárbara, área utilizada para a criação de gado e cultivo de eucaliptos pela Suzano, empresa transnacional de produção de celulose.
A fazenda, que se encontra no interior dos limites do Território Indígena Pataxó Comexatibá, foi incendiada e, numa tentativa de deter a pressão externa sobre suas terras, os indígenas exigiram que as empresas multinacionais as deixassem para sempre.
A Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (Finpat) afirmou em nota que, “atualmente, fazendeiros na forma de fomento, fazem a exploração da área com plantações de eucaliptos, trazendo sérios problemas ambientais para toda a região, inclusive, desmatamentos e uso excessivo de agrotóxicos”.
Tais práticas vêm afetando os recursos hídricos, ecossistemas, fauna e flora, causando destruição de fragmentos de Mata Atlântica, espécies de plantas, animais e pássaros ameaçados de extinção ainda existentes na região. Para além das empresas de produção de celulose, os Pataxó também enfrentam a expansão dos setores de turismo e outros setores do agronegócio.
Grande parte do eucalipto cultivado no Brasil está na região que compreende o extremo sul da Bahia e o estado vizinho, Espírito Santo, região que tem uma longa história de conflitos envolvendo as plantações para produção de celulose, cujo resultado tem sido o assassinato de ativistas em contextos de grilagem de terra associados à expansão desse cultivo.
Após a retomada, foram assassinados três jovens indígenas. Casos que ainda não foram totalmente elucidados. O povo Pataxó exige justiça aos responsáveis, mandantes e executores dos crimes, e imediata demarcação de seus territórios. Assinam o pedido de audiência o deputado estadual, Hilton Coelho (PSOL), e os representantes jurídicos da Apib, Maurício Terena e Andressa Pataxó.
18/ago/2023
A líder quilombola, Bernadete Pacífico, foi executada a tiros na Bahia, nesta quinta-feira, 17/08. Seu neto encontrou o corpo alvejado no sofá de casa, no Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, região metropolitana de Salvador. Bernadete era Yalorixá da comunidade e já havia perdido o filho, Binho do Quilombo, também assassinado por conflito fundiário, em 2017.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil manifesta sua solidariedade à família, à Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos e a todo movimento negro do Brasil. Reforçamos as denúncias de violência e repudiamos o crime, em coro com a organização.
À dor da perda desta grande liderança, ecoamos os maracás gritando por justiça. Seguiremos em luta pela democratização da terra no Brasil, até que todos, todas e todes lutadoras do povo possam viver em segurança e se respeite os direitos, a dignidade, a sabedoria e a vida dos povos originários deste país.
Confira a nota da Coordenação Nacional de Articulação dos Quilombos.
A Conaq repudia o assassinato da Coordenadora Nacional Bernadete Pacífico
É com profundo pesar que lamentamos o falecimento de Maria Bernadete Pacífico, a popular Mãe Bernadete, como era carinhosamente conhecida por todas as pessoas. Mãe Bernadete era Coordenadora Nacional da CONAQ e liderança quilombola do Quilombo Pitanga dos Palmares, localizada no município de Simões Filho, estado da Bahia. Sua dedicação incansável à preservação da cultura, da espiritualidade e da história de seu povo será sempre lembrada por nós. Nos apoiaremos no seu exemplo e no seu legado na luta por justiça. Nossos sentimentos estão com o Quilombo Pitanga dos Palmares, com suas amigas e amigos, e com sua família, da qual fazemos parte enquanto quilombolas. Sua ausência será profundamente sentida. Seu espírito inspirador, sua história de vida, suas palavras de guia continuarão a orientar-nos e às gerações futuras.
A família Conaq sente profundamente a perda de uma mulher tão sábia e de uma verdadeira liderança. Sua partida prematura é uma perda irreparável não apenas para a comunidade quilombola, mas para todo o movimento de defesa dos direitos humanos.
Mãe Bernadete foi insidiosamente executada na noite desta quinta-feira (17/08). Era mãe de Flávio Gabriel Pacífico dos Santos (Binho do Quilombo), liderança quilombola da comunidade Pitanga dos Palmares, também assassinado há 6 anos. O assassinato de Binho, como o de tantas outras lideranças quilombolas, continua sem resposta e sem justiça. Junta-se à injustiça mais uma vítima da violência enfrentada por aqueles que ousam levantar suas vozes na defesa dos nossos direitos ancestrais. Mãe Bernadete, agora silenciada, era uma luz brilhante na luta contra a discriminação, o racismo e a marginalização. Atuava na linha de frente para solucionar o caso do assassinato do seu filho Binho e bravamente enfrentou todas adversidades que uma mãe preta pode enfrentar na busca por justiça e na defesa da memória e da dignidade de seu filho. Nessa luta, com coragem, desafiou o sistema e, como tantas mulheres, colocou seu corpo e sua voz na defesa de uma causa com a qual tinha um compromisso inabalável. Sua voz ressoava não apenas nas reuniões e eventos, mas também nos corações daqueles que acreditavam na mudança.
Este acontecimento trágico evidencia a crueldade das barreiras que se colocam no caminho de quem luta. Enquanto lamentamos a perda dessa corajosa liderança, também devemos nos unir em solidariedade e determinação para continuar o legado que ela deixou. Que sua memória inspire novas gerações a continuar a luta por um mundo onde todas as vozes sejam ouvidas, todas as culturas e religiões sejam respeitadas e todos os direitos sejam protegidos.
A Conaq exige que o Estado brasileiro tome medidas imediatas para a proteção das lideranças do Quilombo de Pitanga de Palmares. É dever do Estado garantir que haja uma investigação célere e eficaz e que os responsáveis pelos crimes que têm vitimado as lideranças desse Quilombo sejam devidamente responsabilizados. É crucial que a justiça seja feita, que a verdade seja conhecida e que os autores sejam punidos. Queremos justiça para honrar a memória de nossa liderança perdida, mas também para que possamos afirmar que, no Brasil, atos de violência contra quilombolas não serão tolerados.
14/ago/2023
A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado vai apreciar o relatório sobre o Projeto de Lei 2903 (antigo PL490, de 2007, na Câmara dos Deputados), ou PL do Marco Temporal, nesta quarta-feira, 16/08, a partir das 14h. Se for aprovado, ele segue para a avaliação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
A relatora da matéria, senadora Soraya Thronicke, ignorou os alertas feitos pela coordenação executiva da Apib e por nossas parlamentares da Bancada do Cocar, dando um parecer favorável para aprovação. A posição da senadora não é novidade, ela faz coro com a bancada ruralista da Câmara dos Deputados.
Eleita pelo partido Podemos, do Mato Grosso do Sul, ela é representante do agronegócio pelo estado que é um dos maiores centros de conflito por invasão de terra indígena no Brasil. O Mato Grosso do Sul abrange grande parte do território Guarani Kaiowá, onde aconteceram, recentemente, o Massacre de Guapoy e outros ataques da Polícia Militar ao povo, que luta pela retomada de sua terra sagrada.
A Senadora foi base do governo fascista de Bolsonaro, quando era filiada ao PSL, e discursou pedindo apoio ao governo, no lançamento do Movimento Brasil Verde Amarelo, em 2019, que reuniu 76 associações de fazendeiros de direita para apoiar os desmandos da bancada ruralista no congresso.
O marco temporal tramita como um projeto de lei, que tem por objetivo datar a demarcação de terras indígenas, limitando as demarcações apenas àquelas terras em posse das comunidades na data da promulgação da constituição. A sua possível aprovação fere o direito originário, previsto nas leis brasileiras pelo menos desde 1834, excluirá a demarcação de áreas de retomadas realizadas a partir de 1988, legalizando áreas invadidas e griladas pelo agrobanditismo.
Os ruralistas justificam o PL 2903, como uma “segurança jurídica para produtores”. O agrobanditismo precisa se garantir juridicamente, alterando as leis constitucionais, visto que estes se apossaram ilegalmente de terras indígenas, passíveis de serem devolvidas para as comunidades originárias.
No relatório, a senadora afirma que “não se mostra razoável, proporcional e legítimo adotar para o conceito “tradicionalmente” uma ocupação que regresse a um marco temporal imemorial, ou seja, ocupação a tempo atávico, a períodos remotos, que, no limite, poderia gerar disputa sobre todo o território nacional”.
Essa disputa sobre o território nacional está nos marcos da colonização brasileira. A retórica dos defensores do PL 2903, esconde os efeitos da lei. Caso o Marco Temporal seja aprovado, todas as TIs, independente da situação e da região em que se encontram, serão avaliadas de acordo com a tese, colocando 1393 terras indígenas sob ameaça direta.
10/ago/2023
O departamento jurídico da Apib publicou uma nota sobre o ataque às lideranças indígenas do povo Tembé. Na sexta-feira, 04/08, dia em que iniciaram as atividades dos Diálogos Amazônicos, em Belém, o jovem indígena Kauã, foi baleado.
Na manhã do dia 07/08, durante preparativos para recebimento da visita do Conselho Nacional de Direitos Humanos, em Tomé-Açu (PA) e véspera das atividades da Cúpula da Amazônia, quando o Pará recebeu Chefes de Estado e o movimento indígena enfatizou a necessidade de pôr fim à violência contra os povos, três lideranças foram baleadas por seguranças privados da empresa Brasil Bio Fulls (BBF). Uma das vítimas afirma em áudio que pegou dois tiros, sendo um no ombro e outro na coxa.
O crime ocorreu dentro da aldeia Bananal do povo Tembé, a 200 km de Belém. O povo Tembé, que denuncia a violação de direitos humanos e a falta de consulta previa, livre e informada no empreendimento de plantação de dendê da BBF.
A nota ressalta que os ataques “não se tratam de episódios isolados”, mas fazem parte de “inúmeros casos de violações de direitos humanos e ambientais ocorridos na região”. Ali encontram-se duas terras indígenas e seis comunidades quilombolas, cercadas por milhares de pés de dendê. São conflitos ligados a décadas de invasões e grilagens dos territórios, cuja ocupação ancestral data de pelo menos 200 anos.
Confira a nota completa:
NOTA PÚBLICA SOBRE OS ATAQUES AO POVO TEMBÉ
Brasília, 08 de agosto de 2023.
Entre a última sexta-feira (04/08) e esta segunda (07/04), quatro indígenas da etnia Tembé foram atingidos por disparos de armas de fogo em Tomé-Açu, no Pará. O primeiro ataque ocorreu na sexta, quando Kauã, indígena do povo Tembé de 19 anos, foi baleado. Na mesma data foi dado início às atividades que antecedem a Cúpula da Amazônia, sediada em Belém, a 200km da região dos ataques, em ocasião na qual o Pará recebe Chefes de Estado e o movimento indígena enfatiza a necessidade de pôr fim à violência contra os povos. O crime ocorreu dentro da aldeia Bananal do povo Tembé. O momento em que a vítima foi socorrida, após ser atingida entre as pernas, foi registrado em um vídeo que circula pelas redes sociais.
A Associação Indígena Tembé Vale do Acará enviou comunicado ao Ministério Público Federal (MPF), relatando que a comunidade verificou que, no dia 03/08, chegou forte e ostensivo grupamento de Polícia Militar especializada no município de Tomé-Açú, e que, no dia seguinte, passaram a intervir de maneira truculenta no local ocupado pela comunidade indígena Tembé. Acompanhados de seguranças fortemente armados da empresa Brasil Bio Fuels – BBF, os policiais interditaram a ponte que dá acesso à área de ocupação. Segundo informações divulgadas pelo Ministério Público Federal (MPF), o disparo pode ter sido feito pelos policiais militares ou pelos seguranças privados.
Diante do episódio de 04/08, o MPF solicitou ao governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que sejam tomadas medidas urgentes para pôr fim à violência policial. Ainda no dia 04/08, o órgão requisitou à Polícia Federal que fosse aberta investigação sobre o caso com urgência, bem como fosse deslocado efetivo para a área indígena. Além disso, a Justiça Estadual em Tomé-Açu foi oficiada pelo MPF, que solicitou informações sobre o caso.
Já nesta segunda, dia 07/08, outros três indígenas foram baleados por seguranças privados da BBF. Daiane Tembé, que filmava a ação, foi atingida por tiros no pescoço e no maxilar e transportada por UTI aérea a Belém/PA. Dois outros indígenas encontram-se desaparecidos.
O novo crime ocorreu momentos antes da chegada de uma missão especial coordenada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que se dirigia ao município de Tomé-Açú/PA para apurar as violações de direitos humanos denunciadas pelos indígenas durante uma mesa paralela dos “Diálogos Amazônicos”, ocorrida dias antes em Belém. A conselheira do CNDH Virgínia Berriel, presente na missão, afirmou que trata-se de “mais um ataque covarde aos direitos humanos, porque isso só aconteceu devido a nossa vinda ao local”.
Tais ataques não se tratam de episódios isolados. Os episódios aqui narrados somam-se aos inúmeros casos de violações de direitos humanos e ambientais ocorridos na região. Cercadas por milhares de pés de dendê, encontram-se: i) a Terra Indígena Turé Mariquita (a menor em território do Brasil), do povo Tembé, com 13 aldeias; ii) a TI Turyuara, que aguarda homologação e possui três aldeias; e iii) seis comunidades quilombolas, reunidas em torno de uma associação, a Amarqualta, com cerca de 350 famílias. Não se tratam se conflitos novos, mas que estão ligados a décadas de invasões e grilagens dos territórios, cuja ocupação ancestral data de pelo menos 200 anos.
É a partir deste contexto que os indígenas do povo Tembé vêm reivindicando o direito coletivo sobre as terras em que é produzido o óleo de palma e questionando o impacto ambiental dos agrotóxicos e do descarte de rejeitos da produção. Devido a isso, vêm sofrendo diversos ataques.
Em maio deste ano, o Cacique Lúcio Gusmão, do povo Tembé, foi alvejado com tiros na cabeça em emboscada em razão de sua atuação na defesa dos territórios tradicionais de 16 (dezesseis) aldeias indígenas, 6 (seis) quilombos da Associação Amarqualta e comunidades ribeirinhas constantemente ameaçadas pela maior produtora de óleo de palma da América Latina, a empresa Brasil Biofuels (BBF).
Logo após o episódio com o Cacique Lúcio, o povo Tembé passou a denunciar campanha criminalizadora da Brasil BioFuels, que vem chamando os indígenas de “invasores”, acusando-os de se beneficiarem do “status de indígenas” para invadir áreas da companhia, “colher e comercializar o dendê plantado pela empresa”, e “utilizar veículos de imprensa, ONGs e redes sociais para se colocarem como vítimas”. Trata-se de uma tentativa de deslegitimação dos indígenas em luta pela demarcação de suas terras, cujo resultado é um aumento da revolta das populações locais contra os indígenas.
O próprio Ministério Público Federal do Pará reconheceu que há um nível intenso nível de conflituosidade na região que traz riscos concretos à vida e à integridade física dos indígenas, havendo ligação direta entre tais episódios de violência e os conflitos com empresas produtoras de dendê na região, o que inclusive impõe a atuação dos órgãos federais, tendo em vista que a disputa envolve direitos coletivos dos povos indígenas. Ainda de acordo com o MPF-PA, tais ataques vêm ocorrendo desde a instalação da empresa Biopalma, empresa adquirida pelo Grupo BBF em 2020, ao redor da Terra Indígena Turé Mariquita, em Tomé-Açu.
Em abril, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) chegou a pedir a prisão do dono da BBF, Eduardo Schimmelpfeng da Costa Coelho, e do chefe de segurança da empresa, Walter Ferrari, acusados de tortura de 11 ribeirinhos da região. Apesar de um suspeito de ser o mandante do crime ter sido preso dois dias após o ataque, lideranças da comunidade alegam não estar satisfeitas e tampouco entendem que o caso foi elucidado.
A denúncia do MPPA aponta que um “grupo com características paramilitares” atua reprimindo comunitários que vivem em terras reivindicadas pela BBF. Tal milícia armada seria comandada pelo dono e pelo chefe de segurança da BBF, que recrutaram e treinaram funcionários que trabalham na colheita do dendê para que atuassem em situações de conflito, fato esse que também é investigado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Além disso, tanto o MPPA quanto o MPF alegam que: i) a empresa também comete crimes ambientais; ii) há indícios de fraudes em seus licenciamentos junto à Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Semas); iii) a consulta prévia, livre e informada, segundo prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), não foi cumprida.
Não há dúvida, portanto, que estamos diante de graves violações a preceitos fundamentais protegidos pela Carta Magna. Existem claras violações ao direito à vida e à integridade física (art. 5º), ao direito à terra tradicionalmente ocupada (art. 231) e ao direito à segurança pública (art. 144º).
Diante disso, no dia 07 de agosto, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), organização que articula e representa os povos indígenas a nível nacional, formada pelas organizações indígenas de base das distintas regiões do país, enviou comunicação à Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (SEGUP/PA), solicitando informações e providências urgentes com vistas a garantir os direitos e a segurança do povo Tembé em Tomé-Açú-PA.
Mauricio Serpa França
Coordenador Jurídico da APIB – OAB/MS 24.060
Victor Hugo Streit Vieira
Assessor Jurídico da APIB – OAB/PR 115.553
Ingrid Gomes Martins
Assessora Jurídica da APIB – OAB/DF 63.140
07/ago/2023
A melhor forma de frear e solucionar a crise climática global é dar ouvidos aos povos indígenas. Sabemos o que dizemos e não somente nós: segundo a ONU, mesmo representando apenas 5% da população mundial, preservamos cerca de 80% da biodiversidade do mundo. Isso decorre de nossa cosmovisão; não nos limitamos a enxergar somente o que está ao alcance de nossas vistas, mas além.
As florestas tropicais são as barreiras terrestres mais eficientes contra o avanço das mudanças climáticas. Sem nós, não haverá Amazônia; e, sem ela, o mundo que conhecemos não existirá mais. Porque nós somos a Amazônia: sua terra e biodiversidade são o nosso corpo; seus rios correm em nossas veias. Nossos ancestrais não só a preservaram por milênios, como ajudaram a cultivá-la. Vivemos nela e por ela. E, ao longo dos séculos, temos dado nossas próprias vidas para protegê-la.
Dito isso, nos dirigimos aos representantes e Chefes de Estado presentes à Cúpula da Amazônia e aos que vão participar da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2023 (COP-23), no fim deste ano, em Dubai:
CONSIDERANDO:
A discussão coletiva e os acordos firmados pelos povos indígenas de seis países amazônicos, representados pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Organização Indígena de Suriname (OIS), Associação dos Povos Ameríndios (APA) da Guiana Inglesa, Confederação das Nacionalidades Indígenas da Amazônia Equatoriana (CONFENIAE), Federação dos Povos Indígenas da Guyana Francesa (FOAG), Confederação dos Povos Indígenas da Bolívia (CIDOB) e Organização Nacional dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana (OPIAC) presentes em Belém para os “Diálogos Amazônicos”, realizado nos dias 4, 5 e 6 de agosto de 2023, e na Cúpula da Amazônia, dias 8 e 9 deste mês;
A importância dos povos indígenas representados aqui em Belém, reconhecendo nossas proteções históricas à Amazônia, e nossa visão de seguir protegendo-a no presente e no futuro;
Que os tratados, convenções e declarações firmados e ratificados pelos Estados membros da Amazônia, que garantem os direitos humanos e coletivos dos povos indígenas da Amazônia, a exemplo da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 2007, precisam ser adotados, implementados e respeitados;
Que entre esses Direitos Humanos e Coletivos estão o direito à autodeterminação, ao desenvolvimento, à segurança e à vida;
Que o direito à autodeterminação abrange os princípios e valores dos povos indígenas, levando-se em conta nossas diferentes visões de mundo, e a diversidade cultural e linguística que nos caracteriza;
Que nossas visões de mundo se expressam em nossos territórios desde tempos imemoriais, muito antes da formação dos Estados da Amazônia, e possuímos sistemas próprios de governança e justiça comunitária, de acordo com os usos e costumes de nossos povos, e independentes do reconhecimento por parte destes Estados;
Que as políticas e práticas desenfreadas e irresponsáveis de desenvolvimento estão levando nossa Amazônia a um ponto crítico de não retorno e ao extermínio dos nossos povos, causados principalmente pelo desmatamento, a mineração, a exploração e extração de petróleo e gás, a poluição e contaminação dos rios e a exploração de recursos naturais para abastecer as cadeias produtivas globais;
Que, para os povos indígenas, a conservação da biodiversidade tem estreita relação com o respeito e a convivência harmônica com a Mãe Terra, a prosperidade e fortalecimento das culturas indígenas e nossos modos de vida;
Que a conservação da biodiversidade e dos ecossistemas que temos protegido desde tempos ancestrais, que incluem as matas, as águas e todos os biomas amazônicos, é resultado direto de nossos conhecimentos e sistemas tradicionais, praticados coletivamente e transmitidos por gerações;
Que, apesar de os povos indígenas representarem apenas 5% da população mundial, conservamos cerca de 80% da biodiversidade existente, que é essencial para que a natureza faça sua parte em conter as mudanças climáticas;
Que os povos indígenas são os mais afetados pelo aquecimento global e seus impactos, tais como as enchentes, secas e deslizamentos de terra, entre outros, e que, apesar disso, encontramos tempo e disposição para liderar a luta contra as mudanças climáticas;
Que os povos indígenas criaram, desenvolveram e estabeleceram práticas agrícolas tradicionais alinhadas com os processos naturais e, portanto, com segurança e soberania alimentar sustentável;
Que os povos indígenas são atores-chave para a promoção de uma economia indígena que proteja a Amazônia e garanta o seu desenvolvimento sustentável;
Que, na COP-26, realizada em Glasgow, na Escócia, e, 2021, foi acertado que os povos originários teriam direito a um financiamento direto, por parte dos países mais ricos e desenvolvidos, para realizarem seu trabalho, fundamental para o mundo inteiro, e que essa promessa ainda não foi cumprida;
Os povos indígenas da Bacia Amazônica vêm, por meio desta carta, exigir dos Chefes de Estado desses países e demais líderes dos países mais desenvolvidos:
1. A garantia do direito originário aos territórios indígenas e aos recursos naturais e seu reconhecimento, demarcação e titulação, até no máximo 2025, como forma de nos assegurar a segurança jurídica necessária para que possamos nos concentrar em nossas práticas de conservação da floresta, usando nossos conhecimentos ancestrais.
2. Garantir que as legislações nacionais estejam em conformidade com a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, e às normas e marcos legais internacionais de direitos humanos.
3. A garantia do cumprimento imediato das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, bem como de sentenças judiciais no âmbito nacional, que afetam diretamente a vida dos povos indígenas, a fim de que seus direitos sejam garantidos.
4. A garantia da segurança e proteção da vida, usos e costumes de todos os povos indígenas da Amazônia, com especial atenção à proteção e à segurança das mulheres, jovens, anciãos e anciãs, pois são eles os principais pilares de sustentação da família, da comunidade e da coesão social.
5. A implementação urgente das ações necessárias para evitar o ponto de não retorno e garantir a conservação efetiva de, pelo menos, 80% da Amazônia até 2025, com o objetivo de atingir o desmatamento zero até 2030.
6. A desintrusão de todos os territórios indígenas ilegalmente ocupados por não-indígenas e por empresas.
7. A implementação urgente das ações necessárias para a restauração das terras indígenas degradadas pelos impactos ambientais gerados pelo extrativismo, indústria e atividades agropecuárias intensivas, bem como outras práticas não-sustentáveis.
8. O cumprimento integral da Carta Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas; da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, sobre povos indígenas e tribais; do Acordo de Paris e da Declaração de Glasgow, do novo Marco Global para a Biodiversidade de Kunming-Montreal, e outros tratados internacionais e regionais. Especialmente, no que se refere ao respeito aos direitos humanos, à autodeterminação, à consulta prévia, livre e informada, e ao reconhecimento e apoio ao papel desempenhado pelos povos indígenas na proteção, conservação e uso sustentável da biodiversidade e dos recursos naturais, e sua relação com os objetivos de ação climática e objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030.
9. O reconhecimento, por parte dos governos nacionais e subnacionais da Amazônia, da importância dos territórios indígenas para combater as mudanças climáticas e para a conservação da biodiversidade; a garantia do cumprimento das salvaguardas de Cancun e do Novo Acordo Global de Biodiversidade Kunming-Montreal em qualquer política, programa ou projeto que venha ser implementado, assegurando, assim, o direito dos povos indígenas à justa repartição dos benefícios e aos financiamentos públicos e privados que estão sendo implantados no âmbito das convenções internacionais, especialmente a Convenção de Mudanças Climáticas e a Convenção de Biodiversidade.
10. A implementação efetiva de mecanismos transparentes e inclusivos para a participação dos Povos Indígenas que optarem por acessar novos processos, como os mercados de carbono, respeitando seu consentimento prévio, livre e informado.
11. A implementação efetiva de políticas para a participação dos produtos da economia indígena nos mercados nacional, regional e internacional.
12. A implementação efetiva da consulta transparente e inclusiva para garantir o consentimento prévio, livre e informado dos Povos Indígenas para qualquer projeto relacionado à prospecção e/ou exploração de recursos naturais, incluindo recursos minerais, hidrocarbonetos, água, recursos florestais e recursos genéticos, entre outros, em territórios indígenas, terras públicas ou territórios em disputa.
13. A participação efetiva dos Povos Indígenas nos projetos de produção agroecológica a serem realizados em seus territórios, sempre obtendo seu consentimento prévio, livre e informado.
14. A criação de zonas de exclusão da exploração de petróleo, incluindo Yasuni, no Equador, e a foz do Rio Amazonas, no Amapá.
15. Acesso direto ao financiamento de todas as fontes, incluindo bancos multilaterais de desenvolvimento, e reconhecendo os mecanismos financeiros próprios dos povos indígenas.
16. A formação de redes de educação e comunicação ambiental na Bacia Amazônica.
17. A garantia de que os princípios aqui estabelecidos serão respeitados e valorizados por todos os Estados da Amazônia para garantir o respeito a todos os Povos Indígenas da Bacia Amazônica.
18. Reivindicamos que os Países da Bacia Amazônica reconheçam efetivamente a existência dos PIACI e implementem programas e políticas públicas baseadas nos princípios de respeito ao isolamento, a demarcação e proteção de seus territórios. Esta demanda, até agora relegada a um segundo plano nos espaços de decisão para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, precisa considerar os que vivem e fazem a floresta. A Amazônia para todo Planeta, que sustenta nossas emergências, que reúne povos de tantas origens de todos os continentes, nunca seria tão diversa sem nós.
Para discutir mudanças climáticas, será necessário discutir, primeiro, o modelo de economia que queremos; desenhar as políticas públicas a partir das iniciativas indígenas, e não o contrário. Em se tratando de governança, é preciso criar cargos no governo baseados em nossos conhecimentos e habilidades.
Se uma economia se propõe transformadora, é fundamental mudar a lógica atual de mercado, que é voltada para as commodities e despreza a economia indígena; e aliar saberes tradicionais com conhecimentos científicos, para que o modelo de desenvolvimento adotado de agora em diante não continue sobrecarregando os mais vulneráveis.
É preciso rever conceitos; não falar de bioeconomia, mas de economia indígena. Uma economia genuinamente amazônica depende de mudanças nos conceitos de economia, tanto em se tratando do campo jurídico, como político. O projeto de lei que pretende estabelecer o “marco temporal”, sem que fôssemos consultados, não é só inconstitucional, desumano e injusto, mas um retrocesso que, em vez de trazer a tão falada segurança jurídica, fomenta a violência e agrava a crise climática.
O direito à vida e aos territórios indígenas devem ser definitivamente assegurados!
Subscrevem esta carta as organizações indígenas da Bacia Amazônica e as organizações indígenas da Amazônia brasileira.
03/ago/2023
O Ministro do STF, Alexandre de Moraes, votou contra o marco temporal, mas sua proposta de tese é desastrosa para os Povos Indígenas. Durante a votação realizada no Supremo, dia 7 de junho de 2023, ele supôs a existência de proprietários rurais de “boa fé”, que poderiam receber indenização do Estado pela terra nua, diante da desapropriação para demarcação das terras indígenas.
É possível que existam pequenos proprietários sobre a terra indígena, que não necessariamente estejam agindo de má fé. No entanto, a suposição do ministro ignora a vasta história de grilagem de terras no Brasil e a ação criminosa de ruralistas, que usam das mais diversas ilegalidades e da violência para tomar o que é de direito dos povos originários.
A indenização para invasores não vai coibir a ação ilícita, ao contrário, ela pode incentivar oportunistas, que receberão dinheiro público pela terra invadida. Trata-se de uma premiação aos invasores.
De acordo com os protocolos da Funai, a demarcação de uma Terra Indígena (TI) depende de várias etapas:
– Levantamento de dados sobre as TIs, como localização, tamanho, benfeitorias, bens naturais e elaboração do estudo antropológico.
– Consulta às comunidades indígenas sobre as suas reivindicações territoriais.
– Negociação com terceiros, como fazendeiros, madeireiros, prefeituras e outros interessados.
– Pagamento das benfeitorias, como casas, currais, plantações, etc.
– Reassentamento dos pequenos produtores, caso estejam dentro da TI. Atribuição do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA.
– Publicação do decreto de demarcação do TI no Diário Oficial da União.
A troca de uma terra por outra para pequenos produtores, portanto, já está prevista no processo como uma responsabilidade do INCRA. No entanto, para os povos indígenas, aos quais a própria existência está vinculada ao território ancestral, a possibilidade de negociar suas terras representa a morte de sua cultura e da vida.
Outro ponto é que o pagamento da terra nua, para grandes extensões de terra, vai inviabilizar as demarcações visto que os recursos do Estado para estas políticas têm sido mais reduzidos a cada ano. O orçamento para demarcação de terras indígenas caiu 80% desde 2013, de R$ 500 milhões para R$ 100 milhões em 2023 (Dados: Cimi).
O orçamento necessário para demarcar as terras indígenas em espera na FUNAI é estimado em R$ 10 bilhões (Dados: Cimi). Se a terra nua for paga, esse valor será três vezes maior, inviabilizando as demarcações.
As Comunidades Quilombolas já seguem a lógica de indenização pela terra nua, assim como a Reforma Agrária. Para os quilombolas, o valor destinado à área caiu 93% entre 2010 e 2019. Nesse caminho, calcula-se que o Brasil vai demorar mil anos para titular seus Quilombos (Dados: Terra de Direitos). A tese de Alexandre de Moraes nos colocará no mesmo caminho.
Este ano a união destinou R$ 513,3 milhões para ações em defesa dos povos indígenas. Parece muito. Mas é nada, se compararmos com os R$ 340,8 bilhões destinados ao agronegócio (Agência Senado). Os ruralistas ganham 6 vezes mais recursos públicos.
Na última década houve uma escalada de violência contra os movimentos que lutam pela democratização da terra. O aumento da pistolagem revela a ganância sem limites do Capital no campo. O agronegócio domina 45% das terras no Brasil, enquanto apenas 15% do território nacional é reconhecido como Terra Indígena.
De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 2022, foram registrados 230 casos de violência contra indígenas, incluindo assassinatos, ataques, ameaças e invasões de terras. Isso representa um aumento de 12% em relação ao ano anterior.
A violência contra os povos indígenas é causada por uma série de fatores, incluindo o desmatamento, a mineração ilegal, a grilagem de terras e a expansão da fronteira agrícola, mas o principal motivo é a morosidade na demarcação das terras. Esses fatores ameaçam a sobrevivência dos povos indígenas, que são os guardiões da biodiversidade brasileira.
Nosso Direito Originário está previsto na legislação brasileira pelo menos desde 1680. Como votou o Ministro do STF, Edson Fachin, os Direitos Territoriais servem para garantir o próprio Direito de Existir. Sem Terra demarcada não há cultura, não há tradição, não há modo de vida indígena. Portanto, para os povos indígenas, a Mãe Terra não se negocia! A solução dos conflitos está na demarcação, na derrubada do marco temporal e na real garantia do Direito Originário.
Acesse informe completo da coordenação jurídica da Apib aqui
Confira nossa página da campanha Contra o Marco Temporal aqui
31/jul/2023
A Aldeia Jacó Pataxó, na vila de Itaúnas, Espírito Santo, receberá o I Festival de Samba Indígena e Cultura Pataxó entre os dias 7 e 10 de setembro. O evento será uma celebração da cultura indígena e contará com atrações da cultura tradicional da Vila, além do Awê, performances do samba de raiz, degustação da culinária medicinal, feira agroecológica com legumes e verduras produzidos na região, produtos extrativistas artesanais, feira de artesanato, pinturas corporais, ervas medicinais e outras atrações.
O festival faz parte de um projeto do grupo Marujos Pataxó, que lançará seu primeiro álbum este ano, com a produção musical de Lenis Rino (Fernanda Takai, Matheus Aleluia, Tatá Aeroplano, Palavra Cantada), masterização de Tejo Damasceno (BNegão e os Seletores de Frequência, Sabotage Instituto) e apoio do Natura Musical.
Os Marujos Pataxó atuam pelo reconhecimento da influência indígena na criação do samba brasileiro, promovendo o samba indígena de raiz. Muitas vezes, a contribuição dos povos originários para o que consideramos brasileiro é invisibilizada. Isso ocorre na vida pública, na língua, nos costumes, na culinária, na medicina, na arte e na música. Presentes na formação do gênero no sul da Bahia, as tradições percussivas e rítmicas seguem preservadas na Aldeia Mãe Barra Velha, no território Pataxó, onde o samba é um ritual sagrado no qual os indígenas expressam sua fé e cultura com originalidade, passando de geração em geração através de músicas que retratam a natureza e a vida no campo.
O território, que conta com o Parque Nacional do Monte Pascoal e fica tão perto de onde começou a invasão em 1500, foi o primeiro aldeamento do Brasil e já consta com 523 anos de resistência. Depois do trágico massacre ocorrido em 1951, houve uma diáspora do povo Pataxó por diversos pontos do país, que ainda enxergam aquela aldeia e região como parte de suas raízes.
Um retrato da resiliência e da força, a cultura do povo Pataxó segue firme apesar de massacres, dores e de mais de quinhentos anos de invasões sofridas. Assim, a Aldeia Jacó Pataxó, em Itaúnas, também é símbolo desta resiliência. Fruto da diáspora do chamado “fogo de 1951”, esta é a primeira vez que o local receberá a marujada e além de toda celebração da cultura indígena Pataxó, este será um grande encontro entre os parentes que foram separados pela violência da colonização.
O preconceito é uma forma constante e invisível de repressão, experimentada por muitos, mas debatida por poucos. O Festival é uma grande oportunidade de mostrar para o Brasil como os povos indígenas guardam verdadeiros tesouros culturais. Seja através da música, do artesanato, da culinária, da medicina e da história há muita coisa interessante para compartilhar.
O Festival em Itaúnas é perfeito para essa imersão cultural e certamente o público irá se surpreender com a força do samba indígena Pataxó e com a história desse povo guerreiro que emana cultura, força e resistência.
Confira as atrações:
MÚSICA Pataxó: apresentação do samba indígena que é patrimônio histórico do município de Porto seguro;
ARTESANATO (Exposição): valorização do Artesanato indígena com as biojóias produzidas com sementes nativas brasileiras. Diferentemente das jóias convencionais feitas com metais que promovem a destruição e poluição do meio ambiente; as biojóias indigenas são produzidas com matéria prima natural e ecológica, pois os povos indígenas plantam muitas árvores e plantas nativas para utilizar as sementes na sua confecção de seu artesanato promovendo o reflorestamento e a preservação do meio ambiente e ao mesmo tempo produzindo verdadeiras obras de arte que merecem ser apreciadas e valorizadas;
PINTURA CORPORAL: através da oficina de Pintura indígena o público poderá apreciar os grafismos do povo Pataxó com pinturas belíssimas feitas por artistas supertalentosos com a tinta natural feita com carvão e o sumo da fruta Genipapo;
PALESTRAS: aprendendo na prática e assistindo as palestras sobre a história da Aldeia Mãe, do povo Pataxó, da história do samba indígena as pessoas irão aprender e valorizar a luta desse povo que recebeu os portugueses há 523 anos atrás
MEDICINA NATURAL ANCESTRAL: certamente uma das coisas que realmente falta na educação básica no Brasil é aprender o nome das plantas e para que elas servem. Através da oficina das plantas medicinais ou ouvintes poderão aprender o nome, ver as plantas (fotos e amostras) e aprender as propriedades de plantas medicinais brasileiras básicas importantes que são utilizadas por muitos povos indígenas para tratar enfermidades comuns como inflamações, infecções, febre, diarreia e outras doenças
CINEMA: através da exibição do documentário “Sambadores e sambadeiras da Aldeia Mãe – Raíz indígena do samba Brasileiro” daremos a oportunidade do público visualizar a Aldeia Mãe e conhecer um pouco mais sobre o samba indígena Pataxó e sua história
CULINÁRIA TRADICIONAL: muitas pessoas desconhecem, mas os povos indígenas brasileiros influenciaram muito a culinária popular brasileira e através de uma oficina iremos apresentar um pouco dessa riqueza saborosa e das propriedades nutricionais de plantas e alimentos nativos brasileiros.
04/jul/2023
Estamos na resistência contra a tese que inverte a história e viola o direito originário. O antigo PL 490/2007, recebeu o nome de PL 2903 quando passou para o Senado. Ele tramita para aprovação no congresso nacional e também está em votação no Supremo Tribunal Federal, onde defendemos a tese do direito originário como é previsto na constituição. O marco temporal é uma tese política, que foi transformada em dispositivo jurídico, defendida pelo agronegócio e por setores que pretendem explorar os territórios tradicionais.
Mas você já se perguntou quem quer inverter essa história? Quem são os novos colonizadores que promovem o genocídio legislado? Os estudos feitos pela página “De olho nos ruralistas” resultaram nos dossiês “Os Invasores” I e II. Eles mostram que bancos e fundos de investimento fazem pressão contra as Terras Indígenas, como Itaú (por meio da subsidiária Kinea) e Bradesco, seguidos por XP, Gávea Investimentos, IFC e Mubadala. Empresários e setores econômicos somam 1.692 casos de invasão de terras em territórios delimitados pela Funai, somando 1,18 milhão de hectares e se beneficiariam do marco temporal, caso fosse aprovado.
Políticos brasileiros, representantes no congresso nacional e no executivo, possuem 96 mil hectares de terras sobrepostas às Terras Indígenas. Eles são financiados por fazendeiros invasores de Terras Indígenas, que doaram R$ 3,6 milhões para campanha eleitoral de ruralistas. Esse o grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL). É muita terra para pouco fazendeiro.
Ou seja, o marco temporal, ao datar o direito à terra apenas aos indígenas que a ocupavam em 1988, não representa segurança jurídica, mas a legalização dos crimes dos ruralistas, a continuidade da invasão de terras indígenas e do extermínio.
Aqui você poderá conhecer quem são, na economia e na política, nome por nome, empresas, deputados, prefeitos e investidores da violação dos nossos direitos. Baixe os dossiês.
Os invasores I
Os invasores II
27/jun/2023
Nesta segunda-feira, 26/06, nosso Coordenador Executivo, Dinamam Tuxá, representou a Apib na Organização das Nações Unidas (ONU), na 138ª Sessão do Comitê de Direitos Humanos, que acontece em Genebra, na Suíça. Dinamam realizou um discurso breve sobre o relatório de violações dos direitos, ameaça aos territórios e a vida dos povos indígenas do Brasil e pediu às autoridades internacionais que recomendassem aos três poderes do Brasil a refutação da tese do marco temporal e a celeridade nas demarcações de terras indígenas.
Confira o discurso completo:
Prezados Distintos Membros do Comitê de Direitos Humanos,
Gostaríamos de agradecer a oportunidade de expor contribuições à revisão do Estado brasileiro pelo ICCPR. Sou Dinamam Tuxá, indígena do Povo Tuxá, e sou Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, APIB, organização que representa o movimento indígena brasileiro a nível nacional e internacional. Minha fala representa coletivamente as contribuições enviadas pela APIB, pelo Conselho Indigenista Missionário, Cimi, e pela Amazon Watch.
Nosso relatório apresenta diversas violações aos direitos individuais e coletivos dos povos indígenas, as quais se agravaram no Brasil nos últimos anos. Concretamente, apresentamos casos relacionados à discriminação e discurso de ódio perpetrado contra povos indígenas no país; aos conflitos territoriais relacionados a processos de invasão e retomada de territórios; às elevadas taxas de assassinatos de defensores e, especificamente, de indígenas, incluindo crescente execução de indígenas por forças policiais; e, também, contribuições relacionadas às taxas de óbito por negligência estatal, incluindo dados alarmantes de mortalidade de crianças indígenas.
No Brasil, a questão territorial é o principal vetor de violação dos nossos direitos. Apesar de o Estado brasileiro ser signatário de tratados que reconheçam os direitos territoriais dos povos indígenas e ter este direito reconhecido em sua Constituição, nosso relatório destaca o iminente risco da tese do Marco Temporal à proteção do nosso direito originário aos nossos territórios. A tese do Marco Temporal pretende impor que apenas os territórios ocupados por povos indígenas na data de promulgação da Constituição do Brasil, em 05 de outubro de 1988, podem ser passíveis de demarcação.
Nosso relatório denuncia que o Marco Temporal se constitui como a principal ameaça aos direitos territoriais dos povos indígenas e, nesse sentido, solicitamos que este Comitê adote recomendações concretas para que o Estado brasileiro, em suas três esferas de Poder, refute a tese do Marco Temporal e implemente com celeridade a demarcação dos territórios indígenas, política fundamental para a proteção de nossos direitos coletivos e individuais.
Obrigado.
21/jun/2023
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) realizou uma audiência com líderes indígenas para receber informações atualizadas sobre a situação dos direitos humanos dos povos indígenas no Brasil, nesta terça-feira, 20 de junho.
O pedido de audiência foi solicitado ainda em 2022 pelas seguintes organizações: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIVAJA), Terra de Direitos, Conectas, Robert F. Kennedy Human Rights, Greenpeace Brasil, Amazon Watch, Washington Brazil Office, Anistia Internacional Brasil e Fundação para o Devido Processo.
A primeira audiência pública foi realizada em outubro de 2022, sendo esta agora uma oportunidade de reforçar as solicitações apresentadas na ocasião e contextualizar os representantes da CIDH sobre os atuais desdobramentos e riscos frente o cenário de ameaça dos direitos dos povos indígenas do Brasil com a votação do PL 2903/2023 no Senado e a retomada do julgamento da tese do Marco Temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Nessa segunda audiência, houve a presença da Comissária Esmeralda Arosemena, Relatora para os Povos Indígenas. Do lado brasileiro, participaram Kleber Karipuna (APIB/COIAB), Maurício Terena (advogado da APIB), Alessandra Korap Munduruku (presidente da Associação Indígena Pariri) e Eliesio Marubo (advogado do UNIVAJA).
Durante a audiência de seguimento, as lideranças indígenas destacaram as preocupações urgentes relacionadas aos direitos humanos dos povos indígenas no Brasil. Em particular, enfatizaram a necessidade de abordar o Marco Temporal, uma tese jurídica que não reconhece os direitos territoriais dos povos indígenas brasileiros.
“Justamente a bancada do agronegócio tem feito uma empreitada de diversas violações de direitos humanos e ambientais, por isso buscamos o apoio da comunidade internacional, que pode se tornar um aliado fundamental dos povos indígenas.” disse Maurício Terena
Ainda, Alessandra Korap Munduruku e Eliesio Marubo compartilharam informações sobre o impacto do Marco Temporal em seus respectivos territórios e alertaram sobre o estado de grave violência e desproteção ao qual estão expostas as comunidades indígenas.
“O Marco Temporal já está nos afetando diretamente no território. No meu caso, não temos o território demarcado, a cidade está crescendo e é muito fácil para os brancos (grileiros, fazendeiros etc.) mapearem a terra, comprarem e dizerem que é deles. Enquanto isso, os povos indígenas estão em uma luta há muitos anos pela terra. Antigamente não precisávamos pedir terra para ninguém, porque era nossa. Agora temos que pedir para o Estado. Muitos pedaços dessa terra estão sendo destruídos para tirar madeira, tirar ouro, construir rodovia, esmagar comunidades… as nossas crianças e mulheres estão adoecendo por conta do mercúrio.” frisou Alessandra.
“Nós temos apresentado para o governo brasileiro desde junho do ano passado e nós não temos só apresentado o problema, mas apresentado a solução para o problema. Eu ouso dizer que o Brasil tem descumprido tantas obrigações como os países em guerra. Só no ano passado, 1/3 das mortes decorrentes por conflitos no campo foram de indígenas. É preciso que tomemos uma decisão conjunta para trazer responsabilidade do Governo… nós esgotamos todas as instâncias internas e estamos buscando instâncias internacionais para garantir a proteção dos direitos à vida, à saúde, ao bem-estar e ao território que rege nossa tradicionalidade, coletividade e meio de vida. Seguimos no combate entrincheirado até o último minuto.” reforçou Eusébio Marubo em sua fala.
Durante a audiência, as organizações indígenas solicitaram à CIDH:
1. Designação de uma pessoa de contato permanente na CIDH para receber informações e atualizações sobre a situação indígena no Brasil, bem como sobre as atividades empreendidas pela APIB.
2. Criação de um grupo de trabalho liderado pela Comissão, com a participação de representantes do Estado brasileiro, a fim de abordar de maneira aprofundada as questões relacionadas aos direitos humanos dos povos indígenas no país.
3. Realização de uma nova visita ao Brasil pela CIDH, a fim de documentar a situação dos direitos humanos dos povos indígenas e fornecer recomendações específicas ao Estado brasileiro.
4. Emissão de uma declaração conjunta da CIDH e das Nações Unidas, reconhecendo a importância de proteger e promover os direitos humanos dos povos indígenas no Brasil.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos reafirmou seu compromisso de monitorar e proteger os direitos humanos dos povos indígenas no Brasil e em toda a região. A CIDH comunicou que levará em consideração as solicitações apresentadas pelas organizações indígenas e buscará abordá-las de maneira apropriada e oportuna.
A audiência de hoje representa mais um passo importante para destacar a necessidade contínua de proteger e promover os direitos humanos dos povos indígenas no Brasil. Esperamos que a CIDH permaneça comprometida em buscar soluções concretas para as preocupações levantadas e trabalhe em prol da garantia dos direitos fundamentais dos povos indígenas.