28/abr/2020
A saída do ex-juiz federal Sérgio Moro do Ministério da Justiça e da Segurança Pública não deixou nenhuma saudade entre lideranças indígenas. É citado como anti-indígena, irrelevante, omisso, alheio à temática, executor fiel da ordem anti-demarcação de terras do presidente Jair Bolsonaro e que ajudou a fragilizar a já combalida Funai. Nunca se reuniu com nenhuma liderança indígena de peso nacional e devolveu 17 processos de demarcação de terras indígenas, sem assiná-los.
“O Moro não deixou qualquer legado positivo, qualquer medida essencial que pudesse ter tomado quando era o responsável. O que deixou foi continuar o desmantelamento, o enfraquecimento e o sucateamento do órgão indigenista [Funai], quando precisava ter fortalecido. Em relação aos povos indígenas, foi [uma gestão] péssima”, disse Marivelton Baré, presidente da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro).
“Ele não fez nada pelos povos indígenas. Saudade? Que saudade! Ele nem sabe que nós existimos como povos indígenas. A participação dele foi zero. Nunca nem tocou no nome da Funai. Nas demandas indígenas, pior ainda. Acho que ele nem sabe que no país dele há povos indígenas com línguas diferenciadas, culturas diferenciadas, Ele não entende nada disso”, disse a professora e escritora Eliane Potiguara.
“Para nós, povos indígenas, o ministro Moro foi também um ministro extremamente anti-indígena, que esteve o tempo todo alinhado ao discurso do presidente Bolsonaro”, afirmou o advogado Eloy Terena, assessor jurídico da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
“O que a gente percebe é que desde o início do governo há uma orientação orquestrada por parte da bancada dos ministros. No ano passado, no Abril Indígena, nunca conseguimos ser recebidos pelo ministro da Justiça, foi um dos momentos mais frustrantes para nós”,disse Célia Xakriabá, mestre em educação pela UnB (Universidade de Brasília) e uma das organizadoras da marcha das mulheres indígenas de 2019.
As primeiras impressões negativas das lideranças indígenas sobre o interesse de Moro na temática indígena remontam um ano, durante as atividades do Acampamento Terra Livre, em Brasília. Na ocasião, uma das principais pautas das lideranças indígenas era o retorno da Funai (Fundação Nacional do Índio) ao guarda-chuva do Ministério da Justiça, pois em janeiro Bolsonaro havia desmembrado o órgão indigenista em dois, entregando-o para as pastas das ministras Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e Teresa Cristina (Agricultura). Os indígenas e indigenistas ainda acreditavam que, no MJ, onde esteve nos 29 anos anteriores, a política indigenista teria melhor proteção.
As lideranças indígenas formaram um comitê e tentaram uma audiência com Moro, mas nunca conseguiram falar com o ministro. Foram recebidos pelo número dois do ministério. “Talvez tenha sido a primeira gestão em que os povos indígenas não conseguiram ter acesso ao ministro da Justiça. Mesmo depois que o Congresso devolveu a Funai para o MJ. Até no governo Temer, que era extremamente reacionário, o então ministro Torquato Jardim recebeu a delegação de lideranças indígenas com suas reivindicações”, rememorou Eloy Terena.
‘Não tenho interesse’
A Funai acabou retornando ao MJ em maio, após uma decisão do plenário da Câmara. Nos onze meses em que ficou à frente da política indigenista, Moro foi uma frustração generalizada entre as lideranças indígenas. “Ele não fez diferença nenhuma para nós, foi irrelevante. Ele nem queria a Funai, não queria o tema indígena dentro da pasta do ministério. Não teremos nenhuma recordação dele. […] Também, por outro lado, não temos muito o que esperar desse governo. O que tem vindo dele, em todos os sentidos, é só um processo de retrocesso geral”, disse a indígena kaxuyana Valéria Paye, assessora política da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas Brasileiras).
Quem disse que Moro não queria o órgão indigenista no MJ foi o próprio ministro. Em 8 de maio de 2019, durante um evento no STJ (Superior Tribunal de Justiça), Moro declarou: “Eu não tenho interesse de ficar com a Funai”. Ele se dirigiu à ministra Damares, presente ao evento.
Gilmar Terena, da Ascuri (organização indígena de audiovisual), considera a gestão de Moro “a pior entre os ministros da Justiça”. “Ele efetivou a decadência da Funai em relação aos povos indígenas. Isso já começa com o golpe [impeachment de Dilma Rousseff] de três anos atrás, o governo vem desmantelando e colocando pessoas com interesses pró-ruralistas. Acho que estamos vivendo o apogeu do que eles desenharam. A Funai atuando em prol do agronegócio, das mineradoras e dos grileiros.”.
O ex-ministro Moro foi procurado pela coluna, por meio de sua assessoria, para que comentasse o balanço feito pelos indígenas, mas não houve um retorno até o fechamento deste texto. Caso se manifeste, o texto será atualizado.
Texto de Rubens Valente publicado originalmente no Portal UOL
28/abr/2020
No Brasil, assim como em todo o mundo, a COVID-19 afeta dramaticamente a vida das pessoas. Preocupa-nos, em especial, a situação dos povos originários, que sofrem os efeitos de uma história de mais de 500 anos com processos de genocídios, muitos causados com a disseminação de vírus entre suas populações, de violências e de negação de direitos fundamentais à terra e à diferença. O coronavírus surge como um grave problema que vem se somar aos demais que que os povos indígenas enfrentam cotidianamente.
A situação de alerta e de risco à vida que enfrentada nestes tempos de pandemia é agravada pela omissão e negligência criminosa dos gestores do Estado, que não demarcam e regularizam os territórios indígenas e que permitem as invasões dessas terras. E essa parece ser uma tendência crescente, fruto da lógica que orienta as políticas do governo brasileiro para os povos indígenas, para os quilombolas e outras comunidades tradicionais.
No que se refere às ações e serviços em saúde, notamos uma evidente intencionalidade do governo Bolsonaro de impedir que o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, que tem por base os Distritos Sanitários Especiais, funcione e assim justificar a sua substituição por ações paliativas a partir de uma perspectiva de municipalização ou privatização da atenção a saúde indígena.
Os povos indígenas e suas organizações, neste período de pandemia, denunciam que o governo brasileiro não adota medidas sanitárias de forma planejada para enfrentar a grave ameaça da COVID-19 dentro das comunidades. Isso se torna evidente com a falta de profissionais em saúde – especialmente médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem e epidemiologistas -, a ausência de infraestrutura para atendimento nos postos de saúde, em polos-base, a precariedade dos equipamentos para o enfrentamento de endemias e epidemias. A chegada da COVID-19 também evidencia as frágeis estruturas de comunicação e de informação, mostra que as medidas de esclarecimento e outras ações foram tomadas tardiamente junto às populações indígenas, quanto a essa pandemia, ficando a atribuição sob a responsabilidade dos agentes de saúde indígena e lideranças regionais ou locais do movimento indígena.
Para além, trata-se de um grande absurdo a notificação de casos de doentes e óbitos de indígenas não serem notificados, sendo considerado apenas o Boletim Epidemiológico da Sesai, que exclui 40% da população indígena, que se encontra fora de seus territórios. Tal subnotificação condiz com o estado de invisibilidade que os governos insistem em dar aos povos indígenas quanto aos seus direitos.
Denunciamos também que a pandemia afeta dramaticamente os povos que não têm terras demarcadas, que estão há muito tempo em situação de vulnerabilidade, pois lhes falta saneamento básico, água potável, alimento, espaço para sustentar adequadamente suas formas de vida. Há situações em que famílias não têm o que comer, pois o governo federal determinou que a Funai não preste assistência em terras não regularizadas ou naquelas em que os povos indígenas lutam por demarcação.
Diante deste contexto, de extrema gravidade, exigimos do governo federal:
1. A imediata demarcação, regularização, fiscalização e proteção de todas as terras indígenas;
2. A revogação do Parecer 001/17 da Advocacia Geral da União;
3. A retirada de todos os invasores de terras indígenas – garimpeiros, grileiros, madeireiros, fazendeiros – dado que eles são agentes propagadores de doenças e em especial, neste momento, da COVID-19; e constituem um grave risco para todos os povos, em especial os povos indígenas voluntariamente isolados.
4. A adoção de medidas que restrinjam o acesso de pessoas estranhas nas comunidades indígenas, dentre eles garimpeiros, comerciantes, madeireiros, bem como de grupos religiosos fundamentalistas proselitistas que propagam, nas terras indígenas, a demonização de modos de vida, espiritualidades, saberes tradicionais, formas de
tratar as doenças;
5. A implementação de ações que visem garantir saneamento básico, água potável,habitação adequada e demais equipamentos que assegurem boa infraestrutura sanitária nas comunidades;
6. A adoção de medidas que garantam boa situação nutricional em todas as comunidades indígenas;
7. A viabilização de ingresso e permanência das equipes de saúde em área, assegurando-se com isso, que as ações de prevenção e proteção a pandemia sejam efetivas e continuadas;
8. A infraestrutura e logística adequadas para as equipes de saúde, destinando-lhes todos os equipamentos necessários para o desenvolvimento das ações de proteção e prevenção às doenças, tais como medicamentos, soros, luvas, máscaras, transporte, combustível;
9. A garantia de que haja, para além das comunidades – nos municípios e capitais – hospitais de referência para o atendimento de média e alta complexidade, onde se poderá realizar exames clínicos e promover adequada internação para tratamento dos doentes do COVID-19 e de outras doenças;
10. A destinação de recursos financeiros para a aquisição de materiais de proteção para todas as pessoas das comunidades indígenas, tais como água limpa, sabão, água sanitária, álcool gel, luvas e máscaras, bem como que haja a adequada orientação das pessoas quanto a uso e sua importância neste período de pandemia;
10. A destinação de recursos financeiros para a aquisição de materiais de proteção para todas as pessoas das comunidades indígenas, tais como água limpa, sabão, água sanitária, álcool gel, luvas e máscaras, bem como que haja a adequada orientação das pessoas quanto a uso e sua importância neste período de pandemia;
11. A capacitação dos agentes indígenas de saúde, dos agentes sanitários e ambientais, das parteiras e de todos os que atuam na área da saúde, dentro das comunidades, tendo em vista a proteção e prevenção da COVID-19;
12. A imediata contratação de profissionais em saúde – médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, epidemiologistas – para atuarem em áreas indígenas, compondo e ampliando as atuais equipes de saúde;
13. A contratação, de imediato, de testes, para realização de exames da COVID-19 em todas as comunidades, em todas as pessoas, para com isso se obter um diagnóstico efetivo sobre a atual situação da pandemia dentro das terras indígenas e aprimorar as ações quanto a sua prevenção, controle e tratamento;
14. A subnotificação de indígenas deve ser interrompida, pois todos os agravos de indígenas devem sejam notificados, como um todo, independente de estarem em Terras Indígenas regularizadas, ou não. Que o Ministério da Saúde e o Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública garantam que o Boletim Epidemiológico da Covid-19 inclua todos os casos de contaminação e óbitos de todos os indígenas, inclusive a fim de apoiar a inclusão de dados que orientem as políticas públicas;
15. A formação de um Comitê de Crise Interinstitucional, com assentos assegurados para os povos indígenas, nomeados pela APIB, para definição das estratégias de proteção dos povos indígenas, visando o monitoramento conjunto de ações de proteção territorial, segurança alimentar, auxílios e benefícios, insumos e protocolos contra transmissão, para todos os povos indígenas. Este Comitê não se confunde com o Comitê de Crise Nacional, o qual envolve unicamente a Secretaria Especial de Saúde Indígena, e exclui cuidados junto aos indígenas fora das Terras Indígenas.
16. Que A Funai e a Sesai, assim como as Coordenações Regionais da Funai e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) sejam incorporados nos Centros de Operações de Emergência em Saúde Pública em níveis nacional, estaduais e municipais;
A Mobilização Nacional Indígena, neste contexto de pandemia, exige responsabilidade do governo federal para que passe a assumir seu dever constitucional de proteger e promover, de forma específica e diferenciada, a saúde dos povos originários no Brasil, incluído os indígenas que moram nas cidades cujos casos de contaminação não estão sendo contabilizados pelo fato de não morarem nos seus territórios ou aldeias.
Brasília – DF, 27 de abril de 2020.
ASSINAM A PRESENTE NOTA:
APIB-Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
APOINME- Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.
Arpinsul- Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul.
Arpinsudeste- Articulação dos povos Indígenas da Região Sudeste.
Aty Gussu- Grande Assembleia do Povo Guarani e Kaiowá
Conselho do Povo Terena.
COIAB- Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira.
Yvy Rupã – Organização do Povo Guarani.
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
CTI- Centro de Trabalho Indigenista.
INA – Indigenistas Associados
ISA – Instituto Socioambiental
INESC – Instituto de Estudos Sociais e Econômicos
IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil
IEPE- Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
Uma Gota No Oceano.
ISPN- Instituto Sociedade, População e Natureza
RCA – Rede de Cooperação Amazônica
Greenpeace Brasil
OPI – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato
Comissão Pró-índio de São Paulo
A PRESENTE NOTA ESTÁ ABERTA PARA DEMAIS ADESÕES.
Acesse o documento: Medidas Urgentes em Defesa da Saúde e da Vida dos Povos Originários do Brasil
27/abr/2020
Mais de 225 organizações internacionais apoiam demandas das comunidades indígenas, incluindo o pedido de uma moratória para todas as atividades econômicas que colocam em risco os povos indígenas e seus territórios
Em solidariedade aos povos indígenas da Amazônia, mais de 225 de organizações de direitos humanos, ambientais e de justiça social de todo o mundo publicaram uma declaração aberta dirigida a governos, corporações, instituições multilaterais e organizações religiosas para que sejam adotadas medidas urgentes pela proteção e segurança de comunidades indígenas frente à pandemia do Covid-19, que pode promover um novo genocídio dessas populações. A declaração foi elaborada a partir de solicitações feitas por diversas organizações indígenas da Amazônia [1] às organizações.
Comunidades indígenas de toda a região amazônica, não apenas do Brasil, exigem a expulsão de todos os invasores e o cessar de todas as atividades econômicas ilegais praticadas por esses criminosos em territórios indígenas e proximidades, como garimpo, mineração, exploração madeireira, criação de gado e, mais fortemente no Equador e Peru, exploração de petróleo. Os indígenas defendem uma moratória a todas as atividades que promovam fluxo e acesso de não-indígenas no entorno de seus territórios; a expulsão de missionários religiosos; a aplicação rigorosa da lei sobre ameaças de crime organizado em torno de territórios indígenas; respeito ao direito de afirmação à autodeterminação e autoproteção; atendimento médico adequado e respeito às questões culturais; e a criação urgente de grupos de trabalho para emergências nos territórios indígenas referentes à saúde, alimentação e segurança.
Na semana que é celebrado o 50o aniversário do Dia da Terra, este esforço destaca a importância central de apoio aos verdadeiros guardiões da floresta amazônica na mitigação das mudanças climáticas e na prevenção de futuras pandemia. Segundo a Rede Eclesial Pan- Amazônica (REPAM), na segunda-feira, 20 de abril, foram registrados 7.349 casos de Covid-19 na região, sendo 383 mortes confirmadas. É esperado que esses números estejam abaixo do número real de casos e mortes. No Brasil, de acordo com dados da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) e da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), já são mais de 30 casos positivos e dez mortes entre indígenas brasileiros.
“O garimpo é uma das principais armas que mata os povos indígenas, não podemos conceber essa insanidade de Bolsonaro de legalizar a exploração de minérios em terras indígenas, o que irá nos trazer mais doenças, invasões, conflitos, prostituição e alcoolismo, alterando e gerando um grande impacto e prejuízo ao modo de vida dos povos indígenas e total destruição da floresta. Em tempos de pandemia, é urgente que uma política efetiva de retirada de invasores e missionários de nossos territórios seja feita”, disse Sônia Guajajara, coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib.
As ameaças colocadas pelo coronavírus às comunidades indígenas variam ao longo da enorme extensão da Amazônica e são agravadas por invasões aos territórios indígenas e pelo aumento da violência e ameaças às lideranças indígenas.
Atividades e invasões ilegais assim como o crime organizado próximo ou dentro de terras indígenas continuam a ser uma ameaça crítica à segurança e aos direitos humanos dos povos indígenas atualmente, bem como à conservação dos seus territórios. Grandes corporações e instituições financeiras globais desempenham um papel determinante neste cenário, investindo bilhões de dólares em traders produtoras de commodities em áreas de conflitos e desmatamento ilegal, conforme os relatórios da Amazon Watch denunciaram [2].
No Brasil, Bolsonaro representa uma ameaça sem precedentes para os povos indígenas. O primeiro ano de seu governo registrou o maior número de lideranças indígenas assassinadas dos últimos 11 anos, sendo o garimpo o carro-chefe dos problemas no agravamento da ofensiva sobre as terras indígenas, além de invasões, roubo de madeira e minérios, grilagem e até mesmo loteamentos, segundo relatório Conflitos no Campo Brasil 2019 da Comissão Pastoral da Terra (CPT). No início deste ano, Bolsonaro enviou ao Congresso o projeto de lei para regulamentar a mineração e a geração de energia elétrica em terras indígenas. De acordo com a Associação Hutukara Yanomami, mais de 25.000 garimpeiros estão hoje dentro do território Yanomami, sendo apontados por lideranças como responsáveis por trazer o coronavírus para a região após a morte do primeiro indígena Yanomami, um jovem de 15 anos.
Enquanto isso, a bancada evangélica, base de apoio de Bolsonaro, pressiona para que sejam feitas mudanças na política de não contato com os povos isolados, facilitadas pela nomeação de um missionário para a coordenação destes povos na Funai. O contato com missionários pode levar a um novo genocídio. Agora, além de combater o novo coronavírus, os povos indígenas precisam resistir e expulsar missionários de seus territórios.
No Equador, os efeitos da pandemia do Covid-19 expuseram uma profunda fraqueza na infraestrutura de saúde pública, particularmente para as comunidades historicamente marginalizadas como os povos indígenas, afrodescendentes e povos tradicionais. Atualmente, são mais de dez mil casos de coronavírus no país, com 1.333 mortes registradas. A emergência sanitária na Amazônia equatoriana foi agravada por grandes inundações nas comunidades indígenas e pela recente ruptura de dois oleodutos, que derramaram petróleo nos rios Coca e Napo e poluíram as fontes de água de mais de 90 mil pessoas, incluindo duas mil famílias indígenas, comprometendo ainda mais a segurança hídrica e alimentar das comunidades locais que já lidam com a disseminação do novo coronavírus.
No Peru, nas últimas semanas, a principal federação indígena da Amazônia, AIDESEP, vem pedindo ao governo do presidente Martin Vizcarra que implemente uma estratégia nacional de atendimento aos povos indígenas, que ainda não foi publicada. O Covid-19 está avançando em territórios indígenas, com casos iniciais de infecções documentados na comunidade Shipibo de Nuevo Bethel, na região central da Amazônia. A situação precária dos líderes comunitários ameaçados e da falta de justiça permanece: um líder indígena de Cacaitaibo foi assassinado em 12 de abril e um juiz local libertou seu assassino confesso após a audiência inicial. Enquanto isso, algumas indústrias extrativas continuam operando, como empresas de dendezeiros na Amazônia central do Peru.
Sem orientação das secretarias de saúde, muitos grupos indígenas estão tomando medidas preventivas por conta própria para impedir que o Covid-19 chegue a seus territórios, com isolamento voluntário, campanhas de higiene, suspensão de grandes mobilização, eventos, viagens e até o fechamento do tráfego entre aldeias para impedir a progressão da doença.
Depoimentos de lideranças indígenas do Brasil, Equador e Peru
Para Nara Baré, coordenadora da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira):
“Desde que Jair Bolsonaro assumiu o governo brasileiro, as terras indígenas estão cada vez mais ameaçadas por atividades econômicas predatórias que ameaçam a integridade dos nossos territórios ancestrais e os recursos naturais para a nossa sobrevivência. Com a crise do Covid19, a ação de garimpeiros, madeireiros, missionários, narcotraficantes e outros invasores representa uma ameaça ainda maior, pois podem levar o vírus aos nossos territórios e comunidades. Por isso, exigimos que toda e qualquer atividade econômica em nossos territórios seja paralisada imediatamente, garantindo, assim, a proteção de todas as nossas crianças, mulheres, homens, jovens, sábios anciões e dos nossos parentes em isolamento voluntário.”
Para Marlon Vargas, presidente da Confeniae (Confederação de Nacionalidades Indígenas da Amazônia Equatoriana): “Enquanto os povos indígenas da Amazônia equatoriana enfrentam a crise do Covid-19, estamos lutando pela nossa sobrevivência na ausência de apoio do governo às nossas comunidades vulneráveis. Estamos lutando pela soberania alimentar e pela água potável, bem como pelo acesso a suprimentos sanitários básicos. Enquanto isso, nossa água potável foi contaminada pelo recente derramamento de óleo. Se já houve um momento para o mundo atender ao nosso chamado para manter os combustíveis fósseis no solo, é agora – pelos direitos indígenas, biodiversidade e mudanças climáticas. O petróleo tem sido uma maldição para nossos povos e nosso país. Nós somos os guardiões da floresta. Nossas formas tradicionais de gerenciamento florestal protegem nosso mundo do caos climático e das pandemias globais – esperamos que este seja um despertar global para uma economia pós-petróleo que respeite os direitos e a necessidade de manter as florestas em pé e o petróleo no solo.”
Para Lizardo Cauper, presidente da Aidesep (Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana): “Os povos indígenas estão sendo discriminados. Aqui estamos no bicentenário do estado peruano e continuamos invisíveis, não estamos incluídos e não há um sistema de saúde para atender os povos indígenas. Isso não começou com o Covid-19, o governo nunca atendeu às nossas necessidades. Passaram-se 36 dias desde que a quarentena foi declarada e o governo ainda não aprovou nenhuma norma, diretiva ou outra medida concreta. São apenas promessas. Exigimos um plano, com um orçamento, que garanta informações, remédios e alimentos para as mais de 1800 comunidades indígenas da Amazônia peruana. ”
Depoimentos de porta-vozes da organização de direitos humanos Amazon Watch, que liderou a articulação com as organizações:
Para Christian Poirier, diretor de Programas da Amazon Watch: “Nossa declaração de solidariedade com os povos indígenas da Amazônia ocorre quando essas comunidades enfrentam múltiplas ameaças, desde uma emergência de saúde pública até a invasão de milhares de garimpeiros e do crime organizado em seus territórios. Para conter esse desastre socioambiental em desenvolvimento, governos, empresas e tomadores de decisão multilaterais devem garantir que as demandas dos povos indígenas sejam atendidas, com a suspensão imediata de todas as atividades ilegais em suas terras, mantendo os rigorosos padrões de governança para conter atividades criminosas. Neste momento, se pouco for feito, será um convite para o etnocídio e a devastação ambiental. ”
Para Kevin Koenig, diretor de Clima e Energia da Amazon Watch: “A perfuração de petróleo é uma ameaça primária para os povos indígenas da Amazônia Ocidental, tanto nos tempos do coronavírus quanto antes da pandemia. O recente colapso dos preços do petróleo é um ponto mortal para a indústria de combustíveis fósseis e demonstra o que os povos indígenas e os defensores do clima vêm dizendo há anos: o petróleo tem sido uma maldição para as economias locais, comunidades indígenas, biodiversidade, clima e, cada vez mais, para o bolso de cada um de nós. Enquanto os povos indígenas lutam para sobreviver a esta pandemia.
##
Nota:
[1]: COICA (Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica) e
seus membros (COIAB, CIDOB, AIDESEP, CONFENIAE, OPIAC, ORPIA, APA, FOAG, OIS), assim como as associações indígenas brasileiras (APIB, CONAIE, ONIC).
[2]: Relatórios Amazon Watch: Investing in Amazon Crude e Cumplicidade na Destruição II.
CONTATOS
Ana Paula Vargas, Brazil Team Manager [email protected] ou +1.510.999.5569
Camila Rossi, Brazil Communications Advisory [email protected] ou +55 11 98152 8476
27/abr/2020
Dentro da programação virtual do Abril Vermelho deste ano, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a Indigenistas Associados (INA) lançam nesta segunda-feira (20) um manual de orientações para indígenas sobre o Coronavírus e o acesso ao Auxílio Emergencial do governo federal.
O Auxílio Emergencial tem se apresentado como uma das principais medidas de proteção social diante da crise causada pela pandemia do Coronavírus. Até duas pessoas por família de baixa renda têm direito a receber o benefício no valor de R$ 600,00 por três meses, segundo critérios específicos, conforme informado no material. Os indígenas também têm direito a esse benefício. Porém, grande parte dos indígenas beneficiários tem dificuldade de acesso às informações, à internet e ao aplicativo de cadastro. Além disso, o deslocamento da Terra Indígena à cidade para acessar a internet ou sacar o dinheiro aumenta o risco de contágio da covid-19.
Neste sentido, o manual vem para orientar indígenas que queiram acessar o auxílio e indigenistas que apoiam diretamente as comunidades indígenas. O manual tira dúvidas como quem pode receber o auxílio, como baixar o aplicativo e quanto tempo o recurso fica disponível. Além disso, dá orientações de higiene e dicas sobre como acessar o benefício sem quebrar o isolamento social nas terras indígenas.
O Abril Vermelho busca mobilizar e articular ações em defesa da vida dos povos indígenas em tempos de coronavírus no mês em que se comemora o dia da resistência indígena.
Acesse o manual de orientações aos povos indígenas: Coronavírus e Auxílio Emergencial aqui
Acesse a página do Auxílio Emergencial aqui
Acesse a página da INA sobre o Coronavírus aqui
Acesse a página da quarentena indígena aqui
26/abr/2020
Para enfrentar as ameaças da pandemia da Covd-19, a 16ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), acontece virtualmente entre os dias 27 e 30 de abril.
A programação do evento terá início na segunda-feira, dia 27, a partir das 9h, e transmitirá encontros, reuniões, lives, pajelança, cantos, danças tradicionais, mostra de filmes indígenas, debates entre mulheres de diferentes etnias, além de mesas com grandes lideranças, indigenistas, antropólogos e outras interações que conectam povos de todo o Brasil no ambiente online.
27de abril – segunda-feira
09 às 12hrs – Abertura ATL em redes: a cada novo ataque uma nova estratégia de luta
12 às 14hrs – Mostra indígena de filmes
14 às 16hrs – Falas da Coordenação da APIB sobre o ATL 2020
Com Sonia Guajajara, Kretã Kaingang, Dinaman Tuxá, Kerexu Yxapyry, Eliseu Guarani e Alberto Terena
16 às 18hrs – Lideranças indígenas regionais de base apresentam
Com Nara Baré, Paulo Tupiniquim, Neguinho Truka, Marquinho Xucuru, Lindomar Terena, Marciano Guarani, Jozileia Kaingang, Watatakalu Yawalapiti, Tuire Kayapó, Sonia Guarani, Shirley Krenak, Alessandra Munduruku e Dourado Tapeba
18 às 20 hrs – Mensagens de apoiadores aos indígenas do Brasil
20 às 22 hrs – Canta Parente
Com Guaja Wera Guarani, João Vitor Pataxò, Kaê Guajajara, Wena Tikuna, Nelson Oficial, Cíntia Guajajara, Edivan Fulniô e DJ Eric Terena
28 de abril – terça-feira
09 às 13h – Diálogos indígenas no ATL: Gestão dos territórios, retirada de direitos e a pandemia
Com Conselho Indigena de Roraima – CIR, Comissão Guarani Yvyrupa – CGY, Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo – APOINME, Articulação dos Povos Indígenas do Norte do Maranhão – Apinoma, Conselho Terena, Articulação dos Povos Indígenas do Tocantins – ARPIT e Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado – MOPIC.
11 às 13h – Vulnerabilidade, impactos e enfrentamentos ao COVID-19 no contexto dos povos indígenas.
Com Andrey Cardoso (ENSP/Fiocruz), Antonio Oviedo (ISA), Elaine Moreira (ELA/UNB), Marta Azevedo (Unicamp) e Sonia Guajajara (APIB)
12 às 14h – Juventude Indígena comunicação e ação: Um pé na aldeia e outro no mundo
14 às 18h – Povos Indígenas: ameaças históricas nos tempos de COVID-19 e mudanças climáticas: Conferência brasileira de mudança do Clima
Com Sonia Guajajara (APIB), Sinéia Bezerra (CIR e CIMC) e Joziléia Kaingang (UFSC)
15 às 17h – Jornada Sangue Indígena Nenhuma Gota Mais – desdobramentos
16 às 18h – Os embates necessários frente aos ataques aos direitos indígenas em tempos de Isolamento Social
Com Dinaman Tuxá – Advogado e membro da APIB, Joênia Wapichana – Deputada Federal, Márcia Brandão Zollinger – Procuradora Regional da República – Tribunal Regional Federal – 1ª Região de Brasília -DF, Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira – Secretário Executivo do Cimi e Fernando Vianna – Coordenador de politica indigenista INA.
18 às 20h – Enfrentamento às mudanças climáticas, aumento do desmatamento e o impacto disto no pós pandemia
19h – Painel jurídico: A inconstitucionalidade do Marco Temporal e a disputa dos direitos indígenas no judiciário
Com Eloy Terena (APIB), Rafael Modesto (CIMI), Juliana Batista (ISA), Aluisio Azanha (CTI) e Rodrigo Guarani (CGY)
20 às 22hrs – Luta e melodia: A Revolução será poética
Com Célia Xakriabá, Márcia Kambeba, Gean Pankararu, Analu Pankararu, Antonio Araunã e Jera Guarani
29 de abril – quarta-feira
9h – Mensagem de saudação do Cacique Raoni Metuktire
09 às 11hrs – Os processos migratórios dos povos indígenas no Acre e a COVID – 19
Com representantes dos Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Purus/DSEI/AP e Alto Juruá/DSEI/AJ; Odilce – Coordenadora Substituta da Regional Alto Purus da FUNAI, Maria Evanizia do Nascimento dos Santos – Consultora da Comissão Pró/Índio do Acre/CPI/AC, Solene Costa – Defensora Pública do Acre e Cláudia Aguirre – defensora pública do Acre no núcleo de Cruzeiro do Sul.
11 às 13hrs – A situação dos povos indígenas em situação de isolamento voluntário e contato inicial no contexto do novo coronavírus: Vulnerabilidade epidemiológica e territorial
13 às 14hrs – Apresentação da Revista Fagtar a força delas
14 às 16hrs – Historias sobre as primeiras retomadas no Brasil
15h – A expressão da arte e a conexão dos povos
Com Maria Gadu e Ibraim Nascimento
15 às16hrs – Estereótipos e racismos nas “representações” indígenas
Com Luiz Paiva e Mauricio Serpa França
16 às 17hrs – Mineração e garimpo ameaçam povos indígenas e territórios na Amazônia brasileira
Convidados do Brasil e exterior
16 às 18hrs – Diálogo indígena em rede sobre medidas regionais de enfrentamento ao COVID-19 na Amazônia
Com Valéria Paye – COIAB, Marivelton Baré – FOIRN, Dário Yanomami – Hutukara, Enock Taurepang – CIR, Paulo Marubo – UNIVAJA, Priscila Karipuna – APOIANP, Roseno Wajãpi – Apina, Maria Puyanawa/Cpi- Acre, Eldo Shanenawa – OPIAC, Ianukula Kaiabi – ATIX, Jonas Gavião – Wyty Cate
17 às 19hrs – Mulheres Indígenas: o sagrado da existência e o nosso espaço de direitos
Com Cristine Julião Pankararu, Nyg Kaingang, Leonice Tupari, Shirley Krenak, Jaqueline Guarani, Telma Taurepang
19 às 21hrs – Painel jurídico: Direitos Indígenas, violações e autoritarismos no Brasil
Com Dr. Eloy Terena (APIB), Dr. Paulo Machado Guimarães (CEDDPI/OAB), Dr. Renan Vinícius (DPU/CNDH)
Dra. Débora Duprat (MPF)
21 às 22hrs – Visibilidade dos LGBTQi+ indígenas – Tire seu preconceito do meu caminho, irei passar com meu cocar
Com Erick Miller, Erisvan Guajajara, Katrina Guarani e Flavia Xacriabá
30 de abril – quinta-feira
09 às 12hrs – Frente parlamentar mista em defesa dos direitos indígenas
12 às 14hrs – Saudações dos movimentos sociais
Com MST, MTST, CONAC, MTST, CNS, Aliança dos Povos da Floresta, Mídia NINJA
14 às 17hrs – Saúde indigena em tempos de pandemia e as iniciativas dos povos indígenas de auto proteção
Mediação – Carmem Pankararu (Sindicato dos Profissionais Indígenas de saúde), Inesc, SESAI, Dr Douglas Rodrigues (Projeto Xingu), Ana Lucia Pessoa (Fiocruz), Cacique Babau, Marta Azevedo (da Unicamp), Antônio Roberto Liebgott (Membro da CISI na representação da CNBB) e Angela Kaxuyana (COIAB)
15 – 17h – Desafio dos estudantes Indígenas frente a Pandemia
Com Jheniffer Tupinikim, Suliete Baré, Alisson Pankararu e Fêtxawewe Tapuya
17hrs – Painel juridico: presos indígenas e a Covid-19
Com Ela Wiecko (UnB), Eloy Terena (APIB), Natália Dino (UnB), Ana Lazo (UnB) e Judith Guajajara (UnB)
19hrs – Painel jurídico: Os riscos de genocídio dos indígena no contexto da Covid-19 e proteção internacional dos direitos humanos
Com Eloy Terena – APIB, Antonio Bigonha (Subprocurador-Geral da República e Coordenador da 6aCCR/MPF de populações indígenas e comunidades tradicionais), Sonia Guajajara (Indígena Guajajara da Amazônia e coordenadora da APIB), Antonia Urrejola Noguera (Relatora dos povos indígenas/CIDH/OEA)
20hrs – Show Doralyce & Bia Ferreira (@missbelezauniversal & @igrejalesbiteriana)
20h15 – Show Carlos Malta (@carlos_malta_oficial)
20h30 – Apresentação DJ MAM (@dj_mam)
20h45 – Show Rita Bennedito (@ritabenneditto)
21hrs – Show BNegão (@bnegaooficial)
21h30 – Show Chico César (@oficialchicocesar)
22hrs – Show Majur (@majur)
22h30 – Show Maria Gadu (@mariagadu)
23hrs – Show Digital Dubs (@digitaldubs)
26/abr/2020
Vítima histórica da banalização do preconceito e da violência, o Brasil indígena testemunha os efeitos do desmonte da política ambiental e da perspectiva integracionista que contaminou a política indigenista. Alimentados pela retomada do discurso de ódio que recrudesceu entre os segmentos mais atrasados da sociedade brasileira, a intolerância e o preconceito contra os indígenas têm se traduzido num aumento alarmante dos casos de violação dos direitos, sem uma resposta efetiva daqueles que têm a obrigação de proteger e promover tais direitos.
Em meio ao cenário de pandemia que se instalou no mundo e no Brasil, urge que a sociedade brasileira exija a aniquilação do vírus da violência que se espalha pelas terras indígenas, forçando o governo federal e segmentos atrasados a renunciarem ao discurso preconceituoso e integracionista; sob pena de testemunharmos uma reedição do triste legado da expansão colonial nas Américas: o maior genocídio da história da humanidade, que culminou com o extermínio de pelo menos 70 milhões de indígenas.
Análises preliminares do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) explicitam como esse contexto de intolerância e preconceito se manifesta no cotidiano do Brasil indígena. Tais análises denotam que só nos primeiros seis meses de 2019 ocorreram nada menos que 160 casos de invasão, em 150 terras diferentes, produzindo crimes que vão desde homicídios, grilagem de terras públicas, extração ilegal de ouro a exploração ilegal de madeira e outros recursos naturais.
É fato que a omissão do Estado, o preconceito e a intolerância têm sustentado a política de extermínio que ainda ceifa a vida de lideranças indígenas, especialmente daquelas que seguem denunciando e cobrando que o Estado brasileiro assuma uma política de proteção eficiente aos territórios e aos direitos indígenas; a exemplo do que vinham fazendo Zezico Guajajara e Ari Uru-Eu-Wau-Wau, assassinados em 31 de março e 18 de abril respectivamente.
Para pôr fim nessa política de extermínio, é imperativo conter a disseminação do vírus da violência que segue impondo a perda de vidas e de biodiversidade nos territórios indígenas, bem como comprometendo a eficiência das medidas sanitárias que buscam conter a disseminação do coronavírus pelo Brasil indígena.
Mais do que recursos financeiros, o que se cobra é que aqueles que juraram cumprir a Constituição e as leis do país, para além das conveniências políticas e impressões pessoais, rompam com a inércia e a omissão que têm levado ainda mais desespero ao Brasil indígena, e atuem com energia em desfavor das redes criminosas que atuam de forma organizada contra as terras indígenas brasileiras.
Sônia Guajajara é coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e Danicley de Aguiar é membro da Campanha da Amazônia do Greenpeace Brasil
Artigo publicado no site ‘O Globo’
25/abr/2020
A violência contra os povos indígenas está aumentando. Ontem (17 de abril), Ari Uru-eu-wau-wau foi brutalmente assassinado, no município de Jaru, em Rondônia. Ele integrava o grupo de vigilantes indígenas do seu território (Terra Indígena Uru-eu-wau-wau), uma das regiões mais ameaçadas pela ação criminosa de madeireiros ilegais.
O assassinato de Ari é o segundo atentado cometido, em menos de 20 dias, contra a vida de lideranças que trabalham no monitoramento, proteção e vigilância dos seus territórios. Zezico Guajajara também foi morto, dia 31 de março de 2020, por lutar pela defesa dos direitos do seu povo. Ambos, Ari e Zezico, estavam ameaçados e trabalhavam para proteger as comunidades ameaçadas por invasores e consequentemente evitar a chegada da Covid-19 nos territórios.
Nós da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) reforçamos o que estamos afirmando desde o início desta pandemia: não estamos expostos apenas ao Coronavírus. É impossível proteger as comunidades apenas fazendo o isolamento social, pois as invasões de madeireiros, garimpeiros e grileiros seguem intensas violando nossos direitos, destruindo nossa natureza e potencializando a contaminação da Covid-19.
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), publicados nesta sexta-feira (17) no marco do Abril Vermelho, 49.750 famílias indígenas sofreram algum tipo de violência em conflitos por terra no Brasil, em 2019. Uma situação alarmante e que está piorando.
É urgente a intervenção dos organismos internacionais de direitos humanos para pressionar o Governo brasileiro no respeito à Constituição e na adoção de medidas para garantir a proteção dos povos indígenas. Seguiremos exigimos um plano de ação emergencial do Governo Federal para proteção da vida dos povos e uma resposta séria dos governadores de cada estado para adoção das medidas sugeridas pela APIB, com intuito de evitar um novo genocídio.
Exigimos justiça para Ari Uru-eu-wau-wau. Nos solidarizamos com a família e todo povo Uru-eu-wau-wau neste momento de dor. Seguiremos na luta para NENHUMA GOTA MAIS de sangue indígena seja derramado.
25/abr/2020
Para enfrentar as ameaças da pandemia da Covd-19, a 16ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), acontece virtualmente entre os dias 27 e 30 de abril.
O Acampamento Terra Livre é o evento em que povos indígenas de todo o País se reúnem para fortalecer a luta e a resistência do movimento indígena.
Esse ano, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) convoca uma mobilização virtual para realizar a 16ª edição do ATL. Diante da nova ameaça causada pela pandemia da Covid-19, do crescimento das invasões nos territórios indígenas, do aumento de assassinatos e criminalização de lideranças, o formato virtual do encontro pretende alertar sobre a real possibilidade de um novo genocídio e denuncia o descaso do Governo Bolsonaro em garantir a proteção de nossos povos ancestrais.
A programação do evento terá início na segunda-feira, dia 27, a partir das 9h, e transmitirá encontros, reuniões, lives, pajelança, cantos, danças tradicionais, mostra de filmes indígenas, debates entre mulheres de diferentes etnias, além de mesas com grandes lideranças, indigenistas, antropólogos e outras interações que conectam povos de todo o Brasil no ambiente online.
Nos painéis de discussões, os temas variam entre “Saúde indígena e o racismo institucional”, “Os povos indígenas em tempos de Coronavírus”, “Agenda LGBTQ + Indígenas”, “Enfrentamento às mudanças climáticas, aumento do desmatamento e o impacto no pós-pandemia”, “Direitos Indígenas, violações e autoritarismos”, “Os processos migratórios dos povos indígenas no Acre e a Covid-19”, “Histórias sobre as primeiras retomadas no sul do Brasil”, “Mesa internacional”, entre muitos outros.
Em tempos em que o isolamento social incentiva as criminosas invasões de madeireiros, garimpeiros, missionários e grileiros nas Terras Indígenas, quando a violência e os ataques aos territórios só aumentam e o governo federal acintosamente desarticula instituições importantes na defesa dos povos, como IBAMA e FUNAI; a APIB e a MNI (Mobilização Nacional Indígena) convocam a sociedade brasileira para participar do ATL 2020, que representa a luta e a resistência dos indígenas do Brasil.
“O alerta está dado, a luta indígena é urgente e a sociedade precisa apoiar essa causa, que é de todos nós”, convida Sônia Guajajara, coordenadora da APIB.
O evento é organizado pela APIB e suas organizações de base junto à MNI – e as organizações que a compõem.
Serviço:
Data: de 27 a 30 de abril de 2020
Onde: nas redes sociais da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil)
A programação será hospedada no site http://apib.info/
Contatos pra imprensa: Yaponã Bone (99) 98126 4090 e Caio Mota: (65) 99686 6289
Youtube: https://bit.ly/2VQtwvd
Instagram: @apiboficial
Facebook: @apiboficial
Hashtags: #ATL2020 #SangueIndigenaNenhumaGotaMais #AbrilVermelho #ATLOnline #ATLEmRedes #ResistenciaIndigenaOnline
23/abr/2020
As mortes de indígenas contaminados por Covid-19 aumentaram 800% em 15 dias, durante o mês de abril. Foram 9 casos registrados entre os dias 6 e 21 deste mês, um salto no número de casos comparado com o mês de março, que registrou a primeira morte pela doença de uma indígena do povo Borari, de 87 anos, no município de Santarém, Pará. Este dado pode ser ainda maior se outros óbitos que estão como casos suspeitos tiverem exames confirmados para doença e as subnotificação de casos por parte do Governo Federal pararem.
Dos 10 casos registrados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) até hoje (23), apenas 4 são contabilizados pela estatística da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde. Para nós da APIB as subnotificações e o fato da SESAI não acompanhar e registrar os indígenas que vivem nas cidades fora dos territórios tradicionais é um ato de racismo institucional. Continuamos exigindo a revogação urgente da portaria 070/2004 para garantir o atendimento de todos os indígenas, aldeados ou não.
A APIB orienta que os parentes que vivem fora dos territórios ou que estão nas cidades para realizar tratamento para Covid-19 exijam que no cadastro do SUS seja registrado seu atendimento como indígena, indicando o nome do seu povo.
Não aceitamos ações que invisibilizam os povos indígenas para camuflar o risco real de um novo genocídio. Parentes essa doença não é uma gripizinha como afirma o presidente Bolsonaro. A taxa de mortalidade entre povos indígenas por doenças como a gripe é muito alta. Um estudo divulgado, hoje (23), alerta que mais de 81 mil indígenas estão em situação de extrema vulnerabilidade no Brasil durante a pandemia da Covid-19.
Nós da APIB recebemos diariamente denúncias de casos suspeitos em diversos territórios e que não estão sendo testados e devidamente acompanhados. Seguimos exigindo do governo federal e dos governadores em cada estado a adoção de medidas para proteção dos povos indígenas. Não estamos expostos apenas ao vírus, mas também ao aumento das invasões e crimes cometidos contra natureza e as nossas vidas.
Acompanhe a luta dos povos indígenas para enfrentar a pandemia. Acesse: quarentenaindigena.info
22/abr/2020
Nos últimos dois dias, mais três indígenas morreram por Covid-19, em Manaus, (AM) e as primeiras confirmações de indígenas contaminados no sudeste do País foram registradas. Os casos suspeitos já chegaram em todas as regiões do Brasil. A falta de testes rápidos e a inexistência de um plano do Governo Federal para proteção aos povos ancestrais amplia a cada dia o risco de um novo genocídio.
Adenilson Menandes dos Santos, 77, faleceu no dia 20/04, e seu irmão Antônio Menandes, 72, morreu ontem, 21/04, por Covid-19. Eles eram do povo Apurinã e viviam em Manaus, cidade com o maior número de indígenas contaminados hoje. Antônio Frazão dos Santos, 61, do povo Kokama, também morreu ontem, 21/04, em Manaus, e é o décimo indígena que perde a vida para a doença. Mas os registros do Governo Federal contabilizam apenas 4 indígenas mortos até o momento. Isto acontece porque a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), segue sem fazer o atendimento e o registro dos indígenas não aldeados. Uma ação de racismo institucional que invisibiliza as vidas indígenas.
A epidemia causada pelo Coronavírus está aumentando a cada dia no Brasil e ontem, 22/04, uma mulher do povo Tupinikin, 64, foi a primeira indígena a testar positivo na região Sudeste. Ela vive na aldeia Pau Brasil, localizada no município de Aracruz, (ES), onde existem outros seis casos suspeitos. Hoje, 22/04, um indígena do povo Guarani Mbya, da Terra Indígena Jaraguá, na capital paulista, também foi confirmado com a doença.
Na nossa história, muitos povos foram dizimados pela livre circulação de doenças, como na época da invasão portuguesa ou durante a ditadura militar, quando muitas pestes foram usadas como armas biológicas para nos exterminar. Agora, em meio a uma pandemia global e diante de um governo omisso em relação à proteção dos povos indígenas, não nos calaremos ante as ameaças que a Covid 19 representa para nossa sobrevivência.
Acompanhe a luta dos povos indígenas para enfrentar a pandemia. Acesse: quarentenaindigena.info