17/jun/2024
Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil
A solicitação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao Estado Brasileiro ocorre após pedido da Apib e Apoinme
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) determinou que o Estado Brasileiro amplie as medidas de proteção ao povo Pataxó Hã Hã Hãe, localizado na Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, no sul da Bahia, que está em processo de autodemarcação. Eles estão enfrentando episódios de violência e ameaças devido a disputas pela delimitação de seu território, bem como pela presença de grupos do crime organizado na região.
A determinação ocorreu após um pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). Após analisar as informações apresentadas pelas organizações do movimento indígena e a manifestação do país, a CIDH concluiu que os indígenas Pataxó Hã Hã Hãe estão vivendo uma situação grave e urgente. Com isso, a CIDH solicitou que o Brasil:
a) Adote as medidas necessárias e culturalmente adequadas para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros do povo indígena Pataxó Hã Hã Hãe, inclusive de atos perpetrados por terceiros. Tais medidas devem permitir que as lideranças Pataxó Hã Hã Hãe possam seguir desempenhando seus trabalhos de defesa dos direitos humanos, assim como garantir que as pessoas beneficiárias possam retornar às suas aldeias sem serem objeto de ameaças, intimidação ou atos de violência;
b) Coordene as medidas a serem implementadas com as pessoas beneficiárias e seus representantes;
c) Informe sobre as ações adotadas para a investigação dos fatos que motivaram a presente medida cautelar e, assim, evite sua repetição.
Leia a decisão completa: Medidas Cautelares nº 61-23 Membros do Povo Indígena Patoxó Hã-Hã-Hãe a respeito do Brasil
Em abril de 2023, a Comissão já tinha solicitado ao Brasil medidas de proteção aos indígenas Pataxó localizados nas Terras Indígenas Barra Velha e Comexatibá, também no sul do estado da Bahia.
Escalada da violência
No pedido à CIDH, a Apib e Apoinme informaram que, desde 2012, foram registradas 32 mortes de lideranças indígenas da região, sendo sete delas ocorridas somente entre janeiro e setembro de 2023.
Uma das vítimas mais recentes foi a Pajé Nega Pataxó, assassinada em janeiro de 2024, logo após a homologação da Lei 14.701 em dezembro de 2023, mais conhecida como Lei do Genocídio Indígena, que legaliza o marco temporal e diversos crimes contra os povos indígenas.
A liderança Nega Pataxó Hã Hã Hãe foi assassinada por disparo de arma de fogo de um jovem de 19 anos, filho de um fazendeiro. A Polícia Militar da Bahia, pistoleiros e fazendeiros teriam organizado, por meio do denominado movimento “Invasão Zero” via WhatsApp, uma ação contra o Povo Pataxó Hã Hã Hãe em um contexto de retomada dentro do território Caramuru-Paraguaçu. A Apib e Apoinme entraram com uma representação criminal contra o Invasão Zero. Leia mais: https://apiboficial.org/2024/02/03/apib-e-apoinme-entram-com-representacao-criminal-contra-organizacao-de-fazendeiros-que-assassinou-a-paje-nega-pataxo/
A ação ocorreu sem decisão judicial, mediante meios próprios e violentos, utilizando armamento letal. O Cacique Aritana e Nailton Muniz Pataxó também sofreram disparos de arma de fogo e foram hospitalizados. Além deles, outras pessoas sofreram ferimentos menos graves.
Com a decisão da CIDH, o Estado brasileiro tem 20 dias para informar sobre as medidas tomadas e atualizá-las periodicamente.
05/jun/2024
Oito ações em andamento no judiciário buscam anular o procedimento demarcatório do povo Tapeba, no Ceará. O argumento utilizado pelos fazendeiros, especuladores imobiliários e empresas autoras dos processos é a ausência de notificação pessoal dos interessados para participar do procedimento administrativo da demarcação da terra indígena.
Todos os processos foram indeferidos em primeira instância, no entanto, com a apelação eles chegaram à segunda instância. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região determinou a anulação do procedimento demarcatório. E o Ministério Público Federal no estado seguiu o mesmo parecer. Ao mesmo tempo, o Tribunal vem concedendo reintegrações de posse em favor aos fazendeiros, sob a justificativa de que a Portaria Declaratória seria irrelevante e não autoriza o uso da “força”.
Os povos indígenas não foram ouvidos pelo tribunal estadual. A interferência da justiça em tais instâncias são arbitrariedades, visto que, o art. 109 inciso XI, 231 e 232 da constituição federal de 1988, determina que a justiça federal deve decidir sobre os interesses coletivos indígenas.
Marco Temporal
Processos como este vêm se multiplicando impulsionados pela aprovação da lei do marco temporal (14.701) no Congresso. Enquanto o STF não se posiciona novamente, declarando a violação da constituição pela lei, fazendeiros, mineradores, especuladores utilizam de suas influências econômicas e políticas nos Estados, para ameaçar e atacar os territórios indígenas.
A tese do marco temporal foi declarada inconstitucional por nove dos onze ministros do STF. No entanto, a relatoria da lei aprovada no legislativo está sob as mãos do Ministro Gilmar Mendes, publicamente conhecido por sua posição anti-indígena.
Defesa da Demarcação
A Funai entrou com dois recursos ao mesmo tempo: um no Superior Tribunal de Justiça e outro diretamente no Supremo Tribunal Federal. Atualmente os recursos encontram-se em análise de admissibilidade, ou seja, o TRF5 ainda vai dizer se cabe encaminhar os recursos para o STJ e STF.
Duas das reintegrações de posse estão sob o nome da empresa Mineração Água Suja Ltda e de uma fazendeira. Nestes casos, o mesmo tribunal determinou a imediata saída do povo Tapeba, com o argumento de que é irrelevante saber se a área tem abrangência da portaria declaratória. Isto porque, mesmo com a conclusão do processo demarcatório, não seria legítimo o desapossamento dos supostos proprietários por meio da força.
As decisões ainda estão vigentes e a Funai está se organizando para realizar a retirada referente a decisão de um processo, pois no outro houve a determinação de suspensão por 120 (cento e vinte) dias para conciliação.
A Defensoria Pública da União (DPU), então, ajuizou um processo chamado Suspensão de Tutela Provisória diretamente no Supremo Tribunal Federal, no intuito de anular as decisões de reintegração de posse. O processo aguarda a decisão do da Presidência do STF, ou seja, o Ministro Luís Roberto Barroso, que deve abarcar todos os processos envolvendo o Povo Tapeba.
31/maio/2024
O alerta ocorreu após a decisão do ministro Gilmar Mendes de criar uma câmara de conciliação para discutir a tese do marco temporal
Representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e do Conselho Terena entregaram a relatora de direitos ambientais da Organização das Nações Unidas (ONU), Astrid Puentes Riaño, um relatório sobre mudanças climáticas. A entrega ocorreu no dia 29 de maio em um evento fechado e paralelo à audiência pública de emergência climática e direitos humanos da Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH), realizada em Manaus (AM).
No documento, as organizações do movimento indígena alertaram sobre a negociação dos direitos indígenas pelo Estado brasiliero. O relatório reforça a importância da demarcação de terras indígenas como meio para mitigar as mudanças climáticas no Brasil e afirma que a tese do marco temporal, transformada em lei por meio da lei 14.701/2023, ameaça o direito ao território dos povos indígenas, a proteção ambiental e o combate aos efeitos das mudanças climáticas.
O alerta ocorreu após a decisão do ministro Gilmar Mendes no Supremo Tribunal Federal (STF). No dia 22 de abril, o ministro suspendeu todas as ações que estão sob sua relatoria e que pedem o reconhecimento de constitucionalidade da lei 14.701, conhecida como Lei do Genocídio Indígena. O ministro manteve a vigência da lei e determinou a criação de uma câmara de conciliação para discutir a tese. A Apib, em conjunto com suas sete organizações de base, repudiam a decisão.
Os povos indígenas e seus territórios ancestrais são guardiões do meio ambiente e estudos científicos comprovam os relevantes serviços ambientais oferecidos por eles. Segundo estudo publicado pelo Mapbiomas, ao longo de 30 anos as terras indígenas no Brasil perderam apenas 1% de toda a vegetação nativa. Já nas áreas privadas, a perda de vegetação nativa foi de mais de 20%. Além disso, dados da ONU demonstram que os territórios indígenas contêm 28% da superfície terrestre do mundo, mas abrigam 80% de toda a biodiversidade do planeta.
Audiência com a Corte IDH
A Apib, Apoinme, Conselho Terena e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) foram algumas das organizações ouvidas pela Corte IDH durante a audiência pública na cidade de Manaus, capital do Amazonas. Entre os dias 27 e 29 de maio, organizações de defesa dos Direitos Humanos e representantes de Estados, organismos internacionais, academia e instituições nacionais foram ouvidas pela Corte, após uma solicitação dos Estados do Chile e Colômbia.
O objetivo é que a Corte IDH oriente sobre a extensão das obrigações estatais em relação aos direitos humanos no contexto atual de emergência climática. Para isso, o órgão interamericano deverá responder, por exemplo, sobre como os Estados devem prevenir catástrofes climáticas, fornecer informações ambientais às comunidades e como irão proteger os defensores das causas ambientais, dentre eles mulheres, crianças e povos originários.
Na audiência, as lideranças Luiza Tuxá, da Apoinme, e Ednaldo Tukano, da Coiab e Apib, enfatizaram a necessidade da derrubada do marco temporal e expressaram preocupação com os impactos dos grandes empreendimentos voltados à produção de energias renováveis.
“A presença desses empreendimentos, bem como a mineração de lítio (necessário para a produção de baterias de celulares e carros elétricos, por exemplo), repete a lógica da expropriação territorial do período colonial e a lógica da implementação de Usinas Hidrelétricas das décadas de 1970/1980 na Bacia do Rio São Francisco, responsáveis por impactos em mais de uma dezena de povos indígenas (a exemplo dos povos Pankararé, Truká, Pankará, Pankararu e o meu Povo Tuxá, que teve seu território inundado completamente sem qualquer medida de reparação até os dias atuais)”, disse Tuxá.
Tukano completou: “Não podemos ser os responsáveis por todos os ônus da transição energética e da descarbonização da matriz energética mundial. Do mesmo modo que a negociação de nossos direitos resulta em violência em nossos territórios, a extração de minerais críticos também tem como resultado mortes e ameaças contra nossos parentes”.
Marco temporal
O marco temporal é uma tese jurídica que defende que os povos indígenas só têm direito à demarcação de suas terras tradicionais se estivessem ocupando essas terras em 5 de outubro de 1988, data da publicação da Constituição Federal do Brasil. Segundo essa tese, as terras que estavam desocupadas ou ocupadas por outras pessoas naquela data não podem ser demarcadas como terras indígenas. Esses territórios podem ser considerados propriedade de particulares ou do Estado, e não mais dos povos originários que a habitam.
Em setembro de 2023, os ministros do STF formaram maioria de votos para a derrubada da tese no judiciário e declararam a tese inconstitucional. Porém, o marco temporal foi aprovado por meio da lei 14.701, aprovada no mês de dezembro do mesmo ano. Além do marco temporal, mais sete crimes contra os povos indígenas foram legalizados.
No Supremo, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e solicitou que a lei seja declarada inconstitucional e suspensa até a finalização do julgamento na Corte.
A Apib repudia a decisão do ministro Gilmar Mendes e afirma que a ADI não foi levada em consideração por ele. A Articulação aponta que a decisão do ministro contraria o posicionamento do movimento indígena, do próprio STF e a Constituição Federal de 1988, visto que na Constituição o direito dos povos indígenas são direitos fundamentais, ou seja, não podem ser negociados.
Agora, o plenário do STF irá definir se acata ou não a decisão de Mendes. Caso a decisão seja aprovada pelos demais ministros, uma câmara de conciliação será formada por entidades de defesa dos direitos indígenas e do agronegócio, partidos políticos, poderes Executivo e Legislativo, Procuradoria-Geral da República e Advocacia-Geral da União. Cada uma das partes terá 30 dias para apresentar propostas para alcançar um consenso sobre o tema.
Informe para ONU: https://apiboficial.org/files/2024/05/Informe-preliminar-.pdf
Nota técnica da Apib sobre decisão do Gilmar Mendes: https://apiboficial.org/files/2024/05/Nota_Técnica_sobre_a_Ação_Declaratória_de_Constitucionalidade.pdf
27/maio/2024
A Apib, a Coiab, a Hutukara Associação Yanomami (HAY), Urihi Associação Yanomami (URIHI), Associação Parawami Yanomami (Parawami), a Associação Wanasseduume Ye’kwana e outras 76 organizações do Movimento Nacional Indígena assinam a nota de repúdio à comissão criada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que teria a função de “investigar” a situação dos Yanomami.
“Manifestamos nosso repúdio e indignação por mais uma ação truculenta da Câmara dos Deputados que, longe de manifestar preocupação e compromisso com nosso povo, pretende utilizar a dor e a morte do povo Yanomami e Ye’kwana para objetivos simulados de disputas políticas e de defesa do garimpo e da mineração em territórios indígenas”, afirma a nota. Após, as declarações contrárias à comissão, a deputada Célia Xakriabá passou a integrara a comissão, como única representante indígena.
A calamidade que afeta o povo Yanomami e Ye’kwana é responsabilidade da política anti-indígena estabelecida durante os quatro anos do governo Bolsonaro, que estimulou publicamente a invasão das Terras Indígenas e o garimpo. É inadmissível que os mesmos partidários da promoção do genocídio indígena assumam o papel de investigar as ações de reparação que estão em curso neste momento.
Em 2022 e 2023 já foram constituídas duas Comissões especiais no Congresso Nacional para acompanhar a situação na TI Yanomami, que apontaram o descaso, a omissão e o abandono do atendimento à saúde pelo Estado brasileiro como causas do flagelo que enfrentam os indígenas. Para os povos originários, se trata de “um escárnio e uma afronta ao sofrimento dos povos Yanomami e Ye’kuana e de todos os povos indígenas do Brasil”.
As organizações que compõem o Movimento Nacional Indígena reforçam que a obrigação do Estado brasileiro é realizar as medidas necessárias para garantir o direito à vida, à saúde e à proteção dos territórios. Urge ao Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade da lei 14.701/2023, que instalou arbitrariamente o marco temporal, na tentativa criminosa de abrir os territórios aos interesses do capital. Esperamos também que o Poder Executivo intensifique as ações de combate ao garimpo e desintrusão na TI Yanomami e fortaleça a política de atendimento à saúde.
Leia a nota de repúdio aqui.
17/maio/2024
A lei 14.703/2023, que regulamentou a tese do marco temporal e outras violações à constituição e aos direitos indígenas, aprovada no final de 2023, foi contestada no Supremo Tribunal Federal através de quatro ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO). O relator, ministro Gilmar Mendes, suspendeu as ações de número ADC 87, ADI 7.582, ADI 7.583, ADI 7.586 e a ADO 86, monocraticamente.
A decisão individual do ministro vai contra a votação da suprema corte, que derrubou a tese com 9 votos contrários e 2 favoráveis. O ministro aponta para um processo de mediação e conciliação com o agronegócio. Trata-se de mais uma violação ao direito originário indígena. Gilmar Mendes já havia exposto sua posição anti-indígena durante o julgamento realizado em 21 de setembro de 2023.
O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), se manifestou através de nota pública, na última sexta-feira, indicando a “necessidade de garantia e respeito aos direitos originários dos povos indígenas sobre seus territórios” e reafirmando que a posição sobre a inconstitucionalidade da lei deve ser mantida pelo STF.
De acordo com a nota “a tese do marco temporal, assim como os demais dispositivos da Lei 14.701/2023, são inconstitucionais e inconvencionais, e aumentam a susceptibilidade dos povos indígenas às investidas criminosas contra seus territórios, que já estão sofrendo com invasões, grilagem, arrendamentos, garimpos, pesca e caça ilegais, exploração ilegal de madeira e o tráfico de drogas”. A CNDH também relembrou seus diversos posicionamentos emitidos durante o julgamento da tese da inversão da história.
O marco temporal estabelece que a demarcação dos territórios indígenas está condicionada à ocupação das áreas reivindicadas na data da promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.
Acesse a nota completa aqui.
15/maio/2024
O departamento jurídico da Apib realizou um estudo sobre as leis que agravam a catástrofe climática que ocorre no Rio Grande do Sul, a crise que afeta todo o Brasil e o mundo.
A análise está dividida em três pontos: a Lei 14.701/2023 e a intensificação da crise climática; os impactos das fortes chuvas no Rio Grande do Sul aos povos indígenas; e os Projetos de Lei anti-indígenas em tramitação no Congresso Nacional.
A vigência da Lei nº 14.701/2023 (antigo PL 490), que instituiu o marco temporal, entre outras inconstitucionalidades, implica não só o aumento da violência contra os povos indígenas e seus territórios, como gera consequências ambientais drásticas à toda a sociedade indígena e não-indígena.
As terras indígenas são as áreas mais preservadas diante da degradação ambiental que ameaça todos os biomas brasileiros, por isso são responsáveis por serviços ambientais essenciais à sociedade e à economia, como a regulação climática, o regime de chuvas, a manutenção dos mananciais de água, o controle de pragas e doenças e a polinização.
As Terras Indígenas do bioma Amazônia são responsáveis por armazenar quase um terço (32,8%) do carbono acima da superfície da região. Uma quantidade de carbono suficiente para alterar irreversivelmente os regimes climáticos e de chuvas em escala continental. A Lei nº 14.701/2023 coloca todo esse patrimônio ambiental em risco.
A catástrofe que ocorre no Rio Grande do Sul é consequência direta da devastação da floresta amazônica. E as populações negras e indígenas são mais afetadas em razão do racismo ambiental que acentua seus efeitos entre as populações mais vulnerabilizadas.
O Ministério dos Povos Indígenas e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas identificaram 8.000 famílias indígenas atingidas direta ou indiretamente pelo desastre, dentre as quais ao menos 466 se encontram desalojadas após os temporais que atingiram o estado gaúcho.
Já o mapeamento feito pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e pela organização de base da Apib, Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), identificou mais de 80 comunidades e territórios indígenas afetados, em 49 municípios do Rio Grande do Sul, totalizando 40 mil pessoas indígenas impactadas. Entre os casos de maior gravidade, destacam-se os riscos vivenciados por comunidades dos povos Guarani Mbya, Kaingang, Xokleng e Charrua.
Existem seis projetos de lei tramitando no Congresso Nacional, conduzidos pelos interesses do ruralismo, que compõem o Pacote da Destruição do Observatório do Clima. Portanto, a Apib e suas organizações de base buscam o apoio de parlamentares aliados ao movimento indígena nacional para que sua tramitação seja interrompida.
Confira a nota técnica e os projetos de lei: INFORME_LEGISLATIVO_Projetos_Anti_indígenas_e_Crise_Climática
26/abr/2024
Foto: Thiago Walker
Declaração Urgente dos Povos Indígenas do Brasil
Nós, povos indígenas, somos o próprio tempo. Somos encantadores desse tempo que é como uma serpente, com muitas curvas, uma história que não pode ser simplificada como uma linha reta. Quem poderia imaginar que, após mais de cinco séculos de colonização e extermínio, estaríamos aqui, firmes como nossas florestas, entoando nossos cantos e tocando nossos maracás, em resistência pela vida e pelo bem viver de toda a sociedade. 20 anos de Acampamento Terra Livre! O primeiro, realizado em 2004, reuniu 240 indígenas. Hoje, em Brasília, estamos aqui com cerca de 9 mil pessoas, representando mais de 200 povos, que vieram de todas as regiões e biomas desse território brasileiro para dizer: ‘NOSSO MARCO É ANCESTRAL! SEMPRE ESTIVEMOS AQUI!’
Entre os dias 22 e 26 de abril, estivemos na capital federal mobilizados para reivindicar nossos direitos! Nós da da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em conjunto com todas as nossas organizações regionais de base, Apoinme, Arpinsul, Arpinsudeste, Aty Guasu, Comissão Guarani Yvyrupa, Coiab e o Conselho do Povo Terena, buscamos medidas efetivas que assegurem a proteção e o fortalecimento dos direitos indígenas, alinhadas com a dignidade e a justiça reivindicadas por nossos povos.
Começamos nossa mobilização histórica reivindicando 25 pontos, que estão na ‘Carta dos Povos Indígenas do Brasil aos Três Poderes do Estado’, com exigências para medidas urgentes. E finalizamos nossa mobilização reafirmando essas urgências! NOSSO TEMPO É AGORA! Já não podemos esperar mais tempo e precisamos de respostas concretas!
A decisão deliberada dos poderes do Estado de suspender a demarcação das terras indígenas e de aplicar a lei 14.701 (Lei do Genocídio Indígena) equivale a uma DECLARAÇÃO DE GUERRA contra nossos povos e territórios. Isso representa uma quebra no pacto estabelecido entre o Estado brasileiro e nossos povos desde a promulgação da Constituição de 1988, que reconheceu exclusivamente nossos direitos originários, anteriores à própria formação do Estado brasileiro.
Alertamos que essa ruptura intencional resultará no aumento das violências e das políticas e práticas de genocídio historicamente promovidas tanto pela sociedade quanto pelo próprio Estado contra os povos indígenas. Desde os períodos mais remotos da história até os dias atuais, incluindo o legado sombrio da ditadura militar, cujas consequências ainda ecoam em nossas vidas.
Também ressaltamos que, assim como fizeram nossos ancestrais, resistiremos até o fim, mesmo que isso signifique colocar em jogo nossas próprias vidas, para proteger o que é mais sagrado para nós: nossa Mãe Terra. Estamos comprometidos com o direito de viver com dignidade e liberdade, buscando o bem viver das gerações atuais e futuras dos nossos povos e da humanidade.
O que nos preocupa não é a morte. Esta, nós conhecemos de perto. Morte e vida são parte dessa serpente do tempo que transita sobre a terra, dentro das águas e na copa das árvores mais altas. O que nos preocupa é a covardia de quem tenta dominar o tempo indomável e busca lucrar com as nossas mortes. Nesta declaração afirmamos: NÃO HÁ MAIS TEMPO PARA VOCÊS!
Rejeitamos veementemente qualquer tentativa do governo federal de retomar políticas públicas sem garantir o essencial: a demarcação, proteção e sustentabilidade dos territórios indígenas em primeiro lugar. Qualquer iniciativa que não priorize esses aspectos será apenas uma medida paliativa e insuficiente. É fundamental que a demarcação de terras seja respeitada e protegida, sem desvios ou manipulações, incluindo ações que visem desvirtuar esse processo, como as declarações recentes do presidente Lula. Os direitos territoriais dos povos indígenas são INEGOCIÁVEIS e devem ser preservados a todo custo.
No primeiro dia de mobilização do ATL, uma decisão do Ministro Gilmar Mendes, relator de ações sobre a Lei do Genocídio Indígena (14.701), evidenciou mais uma vez sua parcialidade favorável aos ruralistas e historicamente anti-indígena. Apesar de reconhecer que a Lei contraria decisões feitas pelo STF sobre terras indígenas, Mendes, ao invés de anular a Lei, ele suspendeu todas as ações que visam garantir a manutenção dos direitos indígenas. Além disso, ele submeteu ao núcleo de conciliação do Tribunal a questão dos direitos fundamentais dos povos indígenas e mais uma vez afirmamos:
NOSSOS DIREITOS NÃO SE NEGOCIAM! O ministro quer assim dar sinal verde para os que querem invadir nossas terras passarem a boiada sobre nossas vidas. Diante dessa decisão anti-indígena que foi feita por um único ministro, RESTA SABER SE TODOS OS DEMAIS MINISTROS E MINISTRAS DO STF IRÃO SE ACOVARDAR OU IRÃO SER CONTRÁRIOS A ESSA DECISÃO DE MORTE!
Jamais aceitaremos a legalização do genocídio contínuo de nossos povos. Da mesma forma, repudiamos veementemente a abertura de nossos territórios a empreendimentos que contrariam a urgência da crise climática e do aquecimento global. Tais empreendimentos representam uma ameaça direta à mãe natureza, às florestas, aos nossos rios, à biodiversidade, à fauna e à flora, assim como a todas as riquezas e formas de vida que preservamos ao longo de milênios. Se há recursos disponíveis para compensar invasores, por que não utilizá-los para demarcar as Terras Indígenas? Se houver necessidade de comprar terras, que seja para reassentar os invasores, e não deslocar nossos povos de suas terras originárias. PRESIDENTE LULA, NÃO QUEREMOS VIVER EM FAZENDAS! É preciso impedir que Rui Costa, Ministro Chefe da Casa Civil, siga “mandando” sobre as homologações de Terras Indígenas.
Não admitimos esta situação. Estaremos vigilantes para que o Presidente Lula cumpra o compromisso de instalar, em um período de 15 dias, uma Força-Tarefa, composta por Ministério da Justiça, Ministério dos Povos Indígenas, Secretaria-Geral da Presidência e Advocacia Geral da União, para dialogar com os Três Poderes e demarcar definitivamente todas as nossas terras. Esperamos, ainda, que essa Força-Tarefa conte com participação efetiva de nossos povos e organizações.
Lutamos pela terra, porque é nela que cultivamos nossas culturas, nossa organização social, nossas línguas, costumes e tradições. E, principalmente, está nas nossas terras e territórios o nosso direito de permanecermos indígenas. Somos cidadãos de direitos, somos nossos próprios representantes, aldeamos a política e continuaremos a demarcar o Brasil.
NOSSO MARCO É ANCESTRAL. SEMPRE ESTIVEMOS AQUI. E SEMPRE ESTAREMOS AQUI! SEM DEMARCAÇÃO NÃO HÁ DEMOCRACIA!
Acampamento Terra Livre, Brasília, 26 de abril de 2024
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme)
Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul)
Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpinsudeste)
Assembleia Geral do Povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu)
Comissão Guarani Yvyrupa
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)
Conselho do Povo Terena
25/abr/2024
Foto: Kauê Terena
Nós somos!
A Terra Livre que dá nome ao maior encontro de nossos povos, nos aponta um horizonte de liberdade. Para nós, ser livre sem a Terra não faz o menor sentido.
Se é da Terra que nascem as águas, que brotam as matas, que se fortalecem as raízes, as folhas, as flores, os frutos e toda flora, que se dá abrigo e alimento ao pássaro, ao peixe, a onça, a cabra, e toda fauna… se é da Terra que toda vida emana, é por ela também que nós nos afirmamos LGBTQIA+ Indígenas.
É a partir do horizonte da Terra Livre que nós há 20 anos ocupamos Brasília para reafirmar a soberania de nossos povos. É a agenda do ATL que empurra, há anos, o Estado brasileiro para um sentido de reconhecimento, de acolhimento, de reparação!
As nossas identidades LGBTQIA+ transcendem os sentidos dados pelo colonialismo europeu ou pela modernidade ocidental. Nossas identidades são fruto da transmutação da dor em alegria, do sofrimento em prazer, das perdas em vitórias.
Mais ainda, nossas identidades são a representação de uma consciência de nós sobre nós, de nós sobre o outro, de nós sobre a Terra.
Como LGBTQIA+ indígenas, nós temos orgulho de nossas identidades sexuais e de gênero, pois elas se tornaram ferramentas de luta política que se articula e soma ao nosso orgulho de sermos centenas de pessoas em diversas terras indígenas do Brasil.
Falamos diferentes línguas, temos nossos costumes e modos de vida. Acreditamos em um mundo onde a natureza e seus povos sejam mais valorizados do que o lucro e as violências.
Somos múltiplos e estamos trilhando um caminho de respeito e reconhecimento por nosso corpo na mesma intensidade que por nossos territórios.
Se as desigualdades sociais, raciais, sexuais e de gênero, de classe, e tantas outras formas estruturais de violência, têm na mineração desenfreada, no agronegócio predatório e nas invasões contra nossas terras e culturas, uma aliança formada e articulada para nos aniquilar… cabe a nós, e somente a nós, costurar o outro rumo que o horizonte da Terra Livre deseja apontar!
Nossa identidade LGBTQIA+ INDÍGENA não é contemporânea, não é moda. Nós existimos e resistimos na luta pela terra desde o princípio. Nós somos herdeiras do legado de Tibira.
O colonialismo, herdeiro presente da colonização de territórios e povos, segue tentando impor um único modelo de vida, baseado em culturas que condenam e criminalizam tudo que lhes é diferente, diverso.
Se as herdeiras da sociedade colonial seguem negando a possibilidade de nossa existência, livre, afetiva, prazerosa, tal qual negam a demarcação de nossos territórios… nós responderemos marchando juntas, somando forças, como um encontro de águas, que de onde nascem parecem frágeis e dóceis, mas que quando se encontram, formam correntezas e oceanos.
Nós acreditamos em um Brasil que é território indígena. As filhas e os filhos desse território se levantam por demarcação. Se levantam por reparação. Se levantam por igualdade na diversidade. As LGBTQIA+ indígenas são parte do projeto de uma sociedade verdadeiramente feliz. A felicidade e a liberdade só serão possíveis se nossas existências também forem respeitadas.
Somos indígenas e LGBTQI+… Nós e a Terra somos LIVRES!
25/abr/2024
Foto: Thiago Walker
O presidente Lula vai receber comitiva de 40 lideranças indígenas. Mais de 9 mil pessoas são esperadas para marcha na Esplanada dos Ministérios nesta quinta-feira
Uma marcha histórica tomará a Esplanada dos Ministérios nesta quinta-feira (25), às 15h em Brasília. Com o lema “Nosso Marco é Ancestral: Sempre Estivemos Aqui!”, a mobilização da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) receberá o apoio de pelo menos três grandes movimentos sociais por uma luta única: o acesso à terra e ao território.
Após a marcha, o presidente Lula vai receber uma comitiva de 40 lideranças indígenas, às 16h no Palácio do Planalto, onde será apresentada a carta de reivindicações do movimento com 25 demandas endereçadas ao governo.
São esperadas mais de 9 mil pessoas na mobilização, entre integrantes do movimento indígena nacional e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) e do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).
“A luta pela terra não é só dos povos indígenas”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Apib. “O que estamos pedindo é o direito ao acesso à terra e ao território, não só dos povos indígenas, mas também de outros segmentos que fazem essa luta. Então essa marcha, o dia de amanhã, vai marcar um momento histórico dessa união de forças que lutam pela vida, que são todos os movimentos sociais que estão lutando e militando em favor da vida”.
Percurso e visual da marcha
A mobilização sairá do Eixo Cultural Ibero-americano (Complexo Cultural Funarte), onde acontece a 20ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), e seguirá até a Praça dos Três Poderes. No percurso, os manifestantes devem parar em Ministérios chave para o movimento indígena, como o Ministério dos Povos Indígenas.
A marcha terá um visual forte para marcar os 20 anos de mobilização indígena em Brasília. Uma cobra de 100 metros de comprimento será carregada pela esplanada para simbolizar a trajetória de lutas e diversidade dos povos indígenas.
22/abr/2024
Carta dos Povos Indígenas do Brasil aos Três Poderes do Estado Acampamento Terra Livre, Brasília, 22 de abril de 2024
Ao marcar os vinte anos de luta e resistência do Acampamento Terra Livre, a maior manifestação indígena do Brasil, redigimos esta carta no contexto de um momento crucial para os povos indígenas do Brasil. Apesar da recente mudança de governo, as ameaças aos nossos territórios, culturas e direitos persistem, reforçadas pelo contexto do ano mais quente já registrado na história, evidenciando a contínua emergência indígena. Seguimos afirmando a URGÊNCIA para as demarcações de nossas Terras! Presidente Lula, não queremos viver em fazendas! A proposta feita de comprar terras para assentar nossos povos afronta o direito originário de ocupação tradicional assegurado pela Constituição Federal de 1988. Já estamos no segundo ano de Governo, e as suas promessas sobre demarcações continuam pendentes. Rui Costa, Ministro Chefe da Casa Civil, segue “mandando” sobre as homologações de Terras Indígenas e não podemos admitir esta situação.
Em recente declaração do presidente Lula, foi mencionado que os governadores precisam de “um tempo” para negociar sobre as demarcações de terras indígenas. Mas e o nosso tempo, os tempos dos povos indígenas? Nosso tempo é agora, urgente e inadiável. Enquanto se discute marcos temporais e se concede mais tempo aos políticos, nossas terras e territórios continuam sob ameaça, nossas vidas e culturas em risco e nossas comunidades em constante luta pela sobrevivência. Não podemos simplesmente dar um tempo enquanto nossos direitos fundamentais estão sendo negligenciados. O tempo que queremos é o tempo de ação imediata, onde cada segundo conta para honrarmos nossa ancestralidade e para proteger o futuro de nossas gerações e da humanidade.
Basta de genocídio legislado! Nossos direitos não podem ser negociados e ninguém tira os Direitos Indígenas da Constituição! A entrada em vigor da Lei no 14.701/2023 é o maior retrocesso aos nossos direitos desde a redemocratização e resulta no derramamento de sangue indígena em todo o país. O assassinato da Pajé Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe pelo atentado de milicianos contra a retomada do território Caramuru-Paraguaçu, na Bahia, é exemplo disso. A nova lei proporciona a “legalização” de crimes e premia os invasores dos territórios. Apenas no primeiro mês da Lei no 14.701/2023, a expansão do agronegócio e o arrendamento de terras para monoculturas e garimpo causaram 09 assassinatos de indígenas e 23 conflitos em territórios localizados em 07 estados e 05 biomas. A bancada do boi e da bala atenta contra nossas vidas e territórios e quer tirar os direitos indígenas da Constituição, mas o STF reafirmou que nossos direitos originários não podem sofrer retrocessos.
Enquanto eles querem passar a boiada, nós aldeamos o Estado! Depois de muita luta e articulação da Campanha Indígena, elegemos a Bancada do Cocar no Congresso Nacional e ocupamos pela primeira vez cargos de alto escalão no Governo Federal e em Governos Estaduais. Mas, para seguir ocupando espaços de poder, precisamos da regulamentação das ações afirmativas para enfrentar o racismo institucional. Dessa forma, reconhecemos os esforços do Tribunal Superior Eleitoral e do Conselho Nacional de Justiça em garantir reserva de fundos e de propaganda eleitoral para candidaturas indígenas e de pelo menos 3% das vagas para indígenas em concursos públicos para a Magistratura. Contudo, precisamos que os 3 Poderes se comprometam com a regulamentação imediata e com a ampliação de cotas para pessoas indígenas em todos os concursos públicos.
Alguns veículos de comunicação têm dito que o ATL excluiu a presença de Lula na mobilização, mas na verdade quem está sendo excluído são os povos que não têm tido suas Terras demarcadas. Na iminência da Amazônia brasileira sediar a COP 30, temos pouco a comemorar enquanto nossos direitos territoriais e nossos saberes ancestrais não forem compreendidos como a principal solução para a emergência climática.
Diante desta realidade inegável, esta carta, endereçada aos três poderes do Estado – Executivo, Legislativo e Judiciário –, carrega as exigências e urgências do nosso movimento. Nós da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em conjunto com todas as nossas organizações regionais de base (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpinsudeste), a Assembleia Geral do Povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu), a Comissão Guarani Yvyrupa, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o Conselho do Povo Terena) buscamos medidas efetivas que assegurem a proteção e o fortalecimento dos direitos indígenas, alinhadas com a dignidade e a justiça historicamente reivindicadas por nossos povos.
Ao Poder Executivo
1. Demarcação imediata das Terras Indígenas Morro dos Cavalos (SC), Toldo Imbu (SC), Xucuru Kariri (AL) e Potiguara de Monte-Mor (PB), anunciadas entre as terras indígenas que seriam homologadas nos primeiros 100 dias de mandato, conforme indicado no relatório do Governo de Transição.
2. Finalização do processo de demarcação das 23 Terras Indígenas cujos processos administrativos de demarcação aguardam apenas a portaria declaratória, e que estão na relação enviada pelo Ministério dos Povos Indígenas ao Ministério da Justiça à época da reforma ministerial de 2023.
3. Determinação política e dotação orçamentária para o prosseguimento da demarcação, homologação, proteção e garantia da posse plena e permanente de TODAS as Terras Indígenas existentes em todas as regiões e biomas do Brasil: Cerrado, Pampa, Pantanal, Caatinga, Mata Atlântica e Amazônia.
4. Fortalecimento do Ministério dos Povos Indígenas, FUNAI e Sesai com dotação orçamentária robusta e compatível com os desafios de fortalecer as políticas e ações voltadas para os povos indígenas.
5. Maior empenho do Governo Federal para interromper a agenda anti-indígena no Congresso Nacional, com compromisso concreto da Casa Civil e do Ministério de Relações Institucionais e das lideranças do Governo no Parlamento, no Senado e na Câmara dos Deputados.
6. Garantir o fortalecimento do Subsistema da Saúde Indígena por meio da Sesai e impedir a municipalização das políticas e ações voltadas para os povos indígenas na área da saúde. Garantir, no âmbito de quaisquer políticas públicas de saúde, o Controle Social para a Saúde Indígena, com a participação efetiva dos Conselhos Locais, Distritais, Fórum de Presidentes dos Condsi’s e do movimento indígena.
7. Criar a Secretaria Específica para a Educação Escolar Indígena, no âmbito do Ministério da Educação, para a gerir as políticas públicas voltadas para os povos indígenas e articular um Sistema Próprio, composto por equipes formadas por indígenas e especialistas, assegurando recursos financeiros específicos para implantação e funcionamento do Sistema, valorização dos profissionais e formação continuada.
8. Introduzir o Ensino Médio e Técnico Profissionalizante nas escolas indígenas, proporcionando uma formação mais abrangente e alinhada com os projetos societários dos povos indígenas. Bem como garantir o acesso e a permanência de estudantes indígenas ao ensino superior e à pós-graduação, com inclusão dos saberes tradicionais e línguas indígenas nos planos político-pedagógicos.
9. Assegurar a autoaplicabilidade da Convenção 169 da Organização Internacional Do Trabalho (OIT), no tocante ao direito de consulta livre, prévia e informada sobre quaisquer medidas administrativas e legislativas que nos afetem, tais como a instalação de empreendimentos nos nossos territórios, que nos exclui da fase de planejamento, monitoramento e avaliação, e políticas diversas decorrentes na nova economia verde. É fundamental que o governo respeite os protocolos comunitários produzidos coletivamente pelos nossos povos
10. Garantir a implementação efetiva dos espaços institucionais de participação e do controle social, respeitando a autonomia dos nossos povos e das suas instâncias legítimas de representatividade.
11. Instituir uma Política de segurança e proteção territorial específica que priorize a repressão e eliminação rigorosa de todo tipo de organizações criminosas que acirram conflitos e a violência contra os nossos povos e territórios, intimidando as nossas comunidades, perseguindo e assassinando as nossas lideranças.
12. Reestruturar de forma efetiva o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), de modo que haja adequação orçamentária necessária, seja considerada a especificidade das lideranças indígenas ameaçadas, seja dada atenção por parte do Governo Federal aos problemas políticos nas relações com estados federados e órgãos de segurança pública para a implantação de medidas protetivas e se consiga estabelecer um diálogo pedagógico com o Sistema de Justiça para sensibilizar e instrumentalizar os operadores do Direito a respeito da pauta dos defensores e defensoras de Direitos Humanos.
13. Financiar os Planos de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas como alternativa comunitária de conter o avanço da mineração industrial e do garimpo em terras indígenas.
14. Implementar medidas para eliminar os impactos da cadeia de produção e exportação de commodities nos territórios indígenas, incluindo a adoção de um sistema nacional de rastreabilidade e o endosso a regulações internacionais que busquem promover a cadeias produtivas livres de desmatamento e de violações de direitos. Além disso, refutar acordos bilaterais ou multilaterais que promovam a expansão da fronteira agrícola, como o Acordo de Livre Comércio Mercosul – União Europeia.
15. Fomentar a sustentabilidade econômica dos nossos territórios, estimulando e financiando as múltiplas formas de produção indígena. Uma forma eficaz de promover a proteção territorial contra os arrendamentos, a agricultura extensiva que utiliza agrotóxicos e as invasões de grileiros, madeireiros e diversas organizações criminosas. Precisamos gerar renda e valorizar os conhecimentos ancestrais de nossos povos que vivem em equilíbrio com o meio ambiente há gerações.
16. Criar políticas públicas específicas para mulheres, jovens e pessoas indígenas em contexto urbano, com a finalidade de enfrentar as vulnerabilidades vivenciadas, considerando as diversidades e a organização social de cada povo.
17. Impulsionar a descarbonização da matriz energética brasileira, com incentivo às energias renováveis que previnam e reparem danos socioambientais, com o devido respeito aos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, de modo a proteger nossos modos de vida, tradicionalidades e biodiversidades da produção em larga escala de energia. A produção de energia limpa deve, portanto, incluir entre as salvaguardas o controle público do uso da terra, a obrigatoriedade de realização da consulta prévia, do EIA/RIMA, o monitoramento dos empreendimentos e a reparação integral dos danos causados.
18. Consolidação da experiência do Comitê de Desintrusão, derivado das conquistas judiciais do movimento indígena na ADPF 709, em política pública de Estado, que regulamente e preveja orçamento para a desintrusão de todas as terras indígenas invadidas.
19. Esforço interministerial para a implementação da Convenção de Minamata no Brasil, garantidos os espaços para a efetiva participação indígena neste processo e o compromisso do Poder Público com a apresentação de medidas e respectivo orçamento para a recuperação dos territórios indígenas contaminados pelo mercúrio utilizado no garimpo ilegal.
Ao Poder Legislativo
20. Retirada de tramitação e arquivamento definitivo das Propostas de Emenda à Constituição que desconstitucionalizam os direitos indígenas, a exemplo da PEC 132/2015, PEC 48/2023, PEC 59/2023 e PEC 10/2024, tendo em vista que os direitos indígenas são cláusulas pétreas e não podem sofrer retrocessos mesmo na forma de propostas de emenda à Constituição Federal.
21. Interromper o genocídio legislado e aprovar projetos de lei que garantam direitos aos povos indígenas, tornando a PNGATI uma política de Estado (PL 4347/2021), reconhecendo os Agentes Indígenas de Saúde e Agentes Indígenas de Saneamento no Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (PL 3514/2019), viabilizando medidas de enfrentamento às violências contra as mulheres indígenas (PL 4381/2023) e garantindo cotas para pessoas indígenas em concursos públicos federais, estaduais e municipais (PL 4386/2019, PL 5.476/2020 e PL 1.958/2021).
22. Ratificação do Acordo de Escazú pelo Estado brasileiro, para comprometer o Brasil internacionalmente com a defesa do meio ambiente e de seus defensores e aumentar a transparência e a participação social na tomada de decisões ambientais e climáticas.
Ao Poder Judiciário
23. Declaração imediata da inconstitucionalidade da Lei no 14.701/2023 pelo STF para conter as violências contra os povos indígenas, reafirmando o Direito Originário e excluindo em definitivo a aplicação da tese do Marco Temporal, em consonância com a decisão do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365.
24. Regulamentação já da Consulta em que o TSE reconheceu o direito de candidaturas indígenas à reserva de fundos e de propaganda partidária, para impulsionar o aldeamento da política institucional a partir das eleições municipais de 2024, ampliando a bancada do cocar nos Poderes Legislativo e Executivo. Além da autodeclaração das candidaturas indígenas, o movimento indígena reivindica que haja a declaração de lideranças indígenas que atestem o pertencimento étnico da pessoa candidata segundo os usos, costumes e tradições de cada povo.
25. Garantir o acesso à justiça dos povos indígenas, por meio da obrigatoriedade de atuação de intérpretes da línguas maternas e da elaboração de laudo antropológico que leve em conta o entendimento da comunidade indígena sobre a conduta típica imputada pela justiça criminal e observe nossos mecanismos próprios de julgamento e punição.
SEM DEMARCAÇÃO NÃO HÁ DEMOCRACIA! DIGA AO POVO QUE AVANCE!
NOSSO MARCO É ANCESTRAL SEMPRE ESTAREMOS AQUI!