Bolsonaristas e ruralistas aprovam projeto que abre caminho a novo genocídio indígena

Bolsonaristas e ruralistas aprovam projeto que abre caminho a novo genocídio indígena

PL 490 é aprovado em comissão da Câmara e segue para votação em plenário. Movimento continua na luta contra a agenda anti-indígena no Congresso.

Brasília 26/06/2021 – Sob liderança de parlamentares ruralistas e bolsonaristas, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, por 40 votos contra 21, o Projeto de Lei (PL) 490/2007. A votação terminou, hoje (23) à tarde, após uma batalha de requerimentos e questões regimentais apresentados pelos oposicionistas, que tentaram retirar a proposta da pauta durante todo o dia. Nesta quinta-feira (24) a comissão analisa oito destaques ao relatório do deputado Arthur Maia (DEM-BA) e a proposta segue para votação em plenário. o movimento indígena continua mobilizado contra a agenda anti-indígena no Congresso.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e a presidente da CCJ, Bia Kicis (PSL-DF), manobraram para retardar o início da sessão do plenário principal, permitindo que a reunião da comissão fosse prolongada e o PL fosse aprovado. Desde o meio da manhã, Kicis rejeitou, um a um, os inúmeros requerimentos, pedidos de audiência pública e os apelos pelo diálogo com o movimento indígena, que pede, há semanas, para ser ouvidos sobre a proposta, como determina a Constituição e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O PL 490 é uma bandeira de Jair Bolsonaro e da bancada que diz representar o agronegócio. Se aprovado, na prática vai inviabilizar as demarcações, permitir a anulação de Terras Indígenas e escancará-las a empreendimentos predatórios, como garimpo, estradas e grandes hidrelétricas. A proposta é inconstitucional, na avaliação do movimento indígena e dos juristas.

Kicis suspendeu a reunião da comissão marcada para ontem, após um protesto pacífico de indígenas contra o PL 490 ser reprimido com violência pela polícia, do lado de fora da Câmara. Num ato considerado incomum e autoritário, ela pautou a proposta como único item da pauta de hoje.

A violência policial deixou três indígenas feridos e outros dez passando mal. Os manifestantes protestavam pacificamente, no estacionamento do Anexo 2 da Câmara, quando foram reprimidos de forma violenta pela PM, com balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e efeito moral. Crianças e idosos estavam entre os manifestantes.

Em nota, 170 organizações (indígenas e aliados das lutas dos povos originários) manifestaram repúdio à repressão feita contra a mobilização, em Brasília. “Os indígenas que saíram de suas comunidades, em um momento em que a pandemia ainda aterroriza o país, para exporem nas ruas a sua indignação diante desse violento avanço de diversos setores sobre os seus territórios são aqueles dispostos a ajudar a sociedade a construir esse novo caminho”, destaca trecho da nota. Confira o documento completo aqui.

“O que nós queremos é que a lei seja cumprida, que a Constituição Federal seja respeitada. Esse projeto de lei pode anular as demarcações de terras indígenas no país, é uma agressão aos povos originários”, comenta Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

A manifestação faz parte do Acampamento Levante da Terra (ALT), que está instalado ao lado do Teatro Nacional, em Brasília, há três semanas, para protestar contra a agenda anti-indígena do governo e do Congresso, e também em defesa de decisões favoráveis no Supremo Tribunal Federal (STF). Cerca de 850 indígenas, de 48 povos diferentes de todas as regiões do Brasil, participam do acampamento. Estão todos vacinados e seguindo os protocolos sanitários (distanciamento, uso de máscara e higienização constante das mãos).

Inconstitucionalidade

“Nossa Constituição não pode ser mudada por qualquer interesse egoísta, individual, de que tem olhar de cobiça para as Terras Indígenas. Esse olhar que a gente vê em todos os discursos que querem emplacar o PL 490. Pura cobiça nos recursos naturais das terras indígenas, que são garantidas pela Constituição Federal”, criticou a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR).

De acordo com a parlamentar, o procedimento legislativo na CCJ foi falho, justamente por não identificar a inconstitucionalidade da matéria. Ela lembrou que qualquer regulamentação do Artigo 231 da Constituição, que dispõe sobre os direitos indígenas, deveria ser feita por meio de Lei Complementar, e não por meio de um Projeto de Lei Ordinária, como é o caso do PL 490.

Vários parlamentares oposicionistas lembraram que o Supremo Tribunal Federal (STF) deverá se pronunciar sobre vários dos pontos previstos no PL 490, a exemplo do “marco temporal”. Trata-se de uma tese ruralista que defende que as comunidades indígenas só teriam direito às terras que estivessem sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

“Tentam apressar esse assunto dentro de um Projeto de Lei para que justamente haja uma competição com o Supremo. Isso é um absurdo”, frisou Joenia.

Preconceitos e discriminação contra os indígenas

Entre ontem e hoje, deputados governistas fizeram falas que podem ser consideradas preconceituosas e discriminatórias contra a mobilização contra o PL e os povos indígenas em geral. A deputada Alê Silva (PSL-MG) chegou a comparar reservas indígenas a “zoológicos humanos” e acusou os manifestantes do lado de fora do Congresso de “arruaceiros” e “boçais”.

Ontem, Arthur Lira acusou os indígenas de fazer uso de drogas no teto do parlamento. “Na semana passada, chegaram aqui alguns representantes dos índios invadiram o Congresso Nacional, subiram ao teto das cúpulas e ficaram usando algum tipo de droga”, afirmou sem nenhuma evidência.

Joenia Wapichana também anunciou que irá fazer uma denúncia contra outra líder da tropa de choque bolsonarista, Carla Zambelli (PSL-SP), no Conselho de Ética. De acordo com Wapichana, ao encontrar com Zambelli nos corredores da Câmara ela afirmou que “os seus índios são assassinos” e que Joenia não representaria os indígenas na Câmara.

Vida é luta!

Vida é luta!

Vida é luta!
Nota da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Brasília 23 de junho de 2021

Lutamos com nossas rezas e cantos. Os nossos escudos são os maracás e nossa ancestralidade. O Governo recebe os ruralistas pela porta da frente e os indígenas com bomba de gás, spray de pimenta, balas de borracha, tropa de choque e ódio!

Em meio a pandemia da Covid-19, decidimos mobilizar o Levante pela Terra, em Brasília, e impedir o avanço da agenda anti-indígena do Governo Federal. Pela primeira vez na história um presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) fecha o diálogo e reprime com a polícia o movimento indígena, na capital federal.

Estamos atentos ao Projeto de Lei 490, que está na pauta de votação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Uma proposta inconstitucional que pode acabar com as demarcações de Terras Indígenas. Desde o dia 8 de junho estamos realizando manifestações contra a votação do PL, nos arredores do Congresso, mas ontem (22) nossa mobilização foi reprimida pela polícia em mais uma tentativa de calar nossas vozes.

A Constituição Federal de 1988 está sendo rasgada para violar nossos direitos e ampliar os ataques ambientais. Decidimos lutar até o fim para garantir, não apenas o futuro dos povos indígenas, mas também o futuro da humanidade.

Sabemos que os ataques não irão parar e que não temos o privilégio de parar de lutar. Seguiremos na capital federal balançando nossos maracás para que o mundo inteiro saiba da importância das nossas vidas até o último indígena.

Não temos escolha ou morremos com o vírus ou somos massacrados pela política de morte do Governo. Não podemos sofrer tantas violências sem reagir. Estamos nessa luta pela vida e por isso seguimos gritamos: Sangue indígena nenhuma gota mais!

Pela vida e continuidade histórica dos nossos povos, “Diga ao povo que Avance”.

Articulação dos Indígenas do Brasil
Organizações regionais de base da Apib:
APOINME – Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
ARPIN SUDESTE – Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste
ARPINSUL – Articulação dos Povos Indígenas do Sul
ATY GUASU – Grande Assembléia do povo Guarani
Comissão Guarani Yvyrupa
Conselho do Povo Terena
COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira

Repressão à manifestação indígena em Brasília deixa três feridos e dez pessoas intoxicadas com gás 

Repressão à manifestação indígena em Brasília deixa três feridos e dez pessoas intoxicadas com gás 

Foto: Léo Otero

Protesto pacífico com presença de crianças e idosos, nos arredores da Câmara, foi reprimido de forma violenta. Os três feridos já foram liberados e passam bem

Brasília, 22/6/2021 – A repressão violenta da PM ao protesto pacifico de indígenas, no final da manhã de hoje (22), nos arredores da Câmara, em Brasília, deixou três pessoas feridas e outras dez passando mal, em virtude do gás lacrimogêneo, spray de pimenta e balas de borracha. 

Um jovem de 26 anos, do povo Sapará, de Roraima, foi atingido por balas de borracha no torso e bombas de efeito moral nas costas. Chegou a ser hospitalizado no Hospital de Base de Brasília. Segundo exames, não tem lesões internas mais graves. De acordo com o último informe médico, está com contratura muscular, muitas dores e vista embaçada. Foi liberado e agora está sob cuidados médicos no Acampamento Levante pela Terra (ALT), mobilização indígena instalada ao lado do Teatro Nacional, há três semanas.  

Uma senhora do povo Guarani Kaiowá, de Mato Grosso do Sul, foi atingida por estilhaços de bomba, tendo desmaiado durante o ataque. Ela foi resgatada pelo serviço médico móvel de urgência e foi atendida no local. No momento se encontra bem, sem maiores complicações e sem demanda de observação médica. 

O terceiro ferido, do povo Xokleng, da Região Sul, foi atingido pelo impacto de uma bomba de efeito moral, tendo sido muito exposto ao gás lacrimogêneo. Chegou ao acampamento com muita dor de cabeça e sangramento nasal. Foi atendido e, no momento, também encontra-se bem. 

Outras 10 pessoas que participavam do protesto no momento do ataque apresentaram irritações nas vias aéreas, com dificuldades para respirar, em virtude do gás lacrimogêneo. Todos foram atendidos no acampamento e agora também se encontram em bom estado. 

Segundo o relato dos atingidos, foi difícil se defender durante o ataque da polícia, pois não sabiam de onde vinham as bombas, e por isso, não tiveram condições de se abrigarem de forma segura durante o ataque. 

Ataque

Os indígenas protestavam pacificamente, no estacionamento do Anexo 2 da Câmara, contra a votação do Projeto de Lei (PL) 490/2007, quando foram reprimidos de forma violenta pela PM, com balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e efeito moral. Crianças e idosos estavam entre os manifestantes. 

Eles vieram em marcha pacífica pela Esplanada dos Ministérios. Em seguida, foram atacados, a partir de uma  barricada montada pelo Batalhão de Choque, na entrada do Anexo 2. Não houve nenhuma ação ou incidente da parte dos indígenas que justificasse a reação violenta. Segundo informações, estavam no local equipes das polícias Legislativa, Militar e Batalhão de Choque, com forte aparato de repressão, inclusive um ‘caveirão’ (carro blindado da Tropa de Choque) e cavalaria. 

A marcha indígena faz parte do ALT, que está instalado ao lado do Teatro Nacional, há três semanas. Os cerca de 850 indígenas que participam da mobilização, de 48 povos diferentes de todas as regiões do Brasil, foram ao local para acompanhar a votação do projeto na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. 

O PL 490 é uma bandeira ruralista e bolsonarista e, se aprovado, na prática vai inviabilizar as demarcações, permitir a anulação de Terras Indígenas e escancará-las a empreendimentos predatórios, como garimpo, estradas e grandes hidrelétricas. De acordo com organizações indígenas e indigenistas, a proposta é inconstitucional.

 

Presidente do STF recebe Carta de lideranças da Apib em defesa das terras indígenas

Presidente do STF recebe Carta de lideranças da Apib em defesa das terras indígenas

Na tarde desta terça-feira, 22, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),  Luiz Fux, recebeu Carta da a Articulação dos Povos Indígenas (Apib) solicitando que a Corte reafirme o direito originário e refute o Marco temporal, o ministro se colocou à disposição das lideranças a fim de que se cumpra o direito indígena e contra a violação de direitos nos territórios.

No Brasil existem atualmente 305 povos indígenas, falando mais de 274 línguas e 114 povos indígenas isolados e de recente contato, habitando 1.298 terras indígenas, sendo 408 homologadas e 829 em processo de regularização e/ou reivindicadas. Neste contexto atual, os povos indígenas sofrem com várias demandas
sociais, como: a falta de demarcação de suas terras, alto índice de invasões por parte de madeireiros e garimpeiros ilegais, as queimadas criminosas, alto índice de suicídio, desassistência à saúde e à educação específica, processo de criminalização e encarceramento de indígenas, mortalidade infantil, e assassinato  sistêmico de lideranças indígenas. Todo esse contexto social está intimamente ligado ao conflito territorial, resultado do processo de perda de terra que se deu de maneira diferente em relação a cada povo.

Confira na íntegra DOC FUX STF

Indígenas são atacados pela polícia em Brasília durante protesto pacífico contra PL 490

Indígenas são atacados pela polícia em Brasília durante protesto pacífico contra PL 490

Um grupo de indígenas, com crianças e pessoas idosas, foi atacado pela Polícia Militar, na tarde desta terça-feira (22), durante um protesto pacifico, em Brasília, contra a votação do Projeto de Lei (PL) 490/2007. A proposta que pode anular a demarcação de Terras Indígenas está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Os ataques aconteceram no estacionamento do Anexo 2 da Câmara, com balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e efeito moral.

Dois indígenas (um homem e uma mulher) estão sob observação no Hospital de Base em Brasília, com ferimentos graves. Uma dezena de crianças, idosos e mulheres tiveram ferimentos leves e estão em atendimento na tenda da saúde do Acampamento Levante pela Terra (ALT), ao lado do Teatro Nacional. O atendimento de urgência aos indígenas foi dificultado pela Tropa de Choque que estava no local, como registrado em alguns vídeos do momento do ataque.

Os manifestantes vinham em marcha pacífica pela Esplanada dos Ministérios, quando foram recebidos com bombas de gás e efeito moral, a partir de uma barricada montada pelo Batalhão de Choque na entrada do Anexo 2 da Câmara. Não houve nenhuma ação ou incidente da parte dos indígenas que justificasse a reação violenta dos policiais. Segundo informações, estavam no local equipes das polícias Legislativa, Militar e Batalhão de Choque, com forte aparato de repressão, inclusive presença de um ‘caveirão’ (carro blindado da Tropa de Choque) e cavalaria.

A marcha indígena faz parte do ALT, que está instalado ao lado do Teatro Nacional, há três semanas. Os cerca de 850 indígenas que participam da mobilização, de 48 povos diferentes de todas as regiões do Brasil, foram ao local para acompanhar a votação do projeto na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

“Fomos brutalmente atacados de forma covarde antes de chegarmos para acompanhar a votação. Nós temos indígena feridos e a polícia jogou bomba encima dos paramédicos dificultando o atendimento.”, ressaltou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)

A luta continua

A sessão de hoje na CCJ foi adiada, com previsão de retorno para amanhã. Parlamentares aliados à causa indígena montaram um escudo humano e conseguiram conter o avanço das tropas, que seguiam ameaçando os indígenas que realizavam seus rituais e cantos. Em seguida, vários parlamentares da oposição reuniram-se com os manifestantes. Eles criticaram a ação das polícias Legislativa e Militar e prometeram denunciá-la ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

O PL 490 é uma bandeira ruralista e bolsonarista e, se aprovado, na prática vai inviabilizar as demarcações, permitir a anulação de Terras Indígenas e escancará-las a empreendimentos predatórios, como garimpo, estradas e grandes hidrelétricas. É uma medida inconstitucional representando um novo genocídio aos povos indígenas.

Evangelização de povos indígenas isolados: até quando?

Evangelização de povos indígenas isolados: até quando?

 Guilherme Gnipper Trevisan/FUNAI/Hutukara

Missões religiosas, como quer o governo Bolsonaro, aviltam direito de escolha

Para o Supremo Tribunal Federal, a atividade de alcançar o outro, mediante persuasão, é inerente à atividade religiosa, não sendo ilícita, por si só, a comparação, a hierarquização e até mesmo a animosidade entre crenças. Essa afirmação é plenamente cabível quando todos compartilham do mesmo horizonte normativo, para usar uma expressão do filósofo alemão Jürgen Habermas. Mas ela se aplica aos povos indígenas isolados?

O debate volta agora ao STF com um novo desafio na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 6622. Nela, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) questiona dispositivo da lei 14.021/2020 que permite a permanência de missões religiosas em territórios de povos indígenas isolados.
Talvez muita gente não saiba, mas no Brasil existem inúmeros povos indígenas que, conscientemente, escolheram viver em isolamento. Esses coletivos não vivem na ignorância, ou sem saber da nossa existência, mas sim optaram pela forma de vida que levam. Na opção e ação de seu isolamento está a vontade manifesta de ter maior controle sobre as relações que estabelecem com grupos ou pessoas que os rodeiam e de viver segundo seus usos e costumes.

Especialistas que trabalham há décadas com esses grupos já demonstraram que, devido aos seus costumes e tradições, eles estão sujeitos a uma vulnerabilidade socioepidemiológica muito maior que a nossa. Se protegermos seus territórios e garantirmos que sigam com suas estratégias milenares de controles de epidemias, permanecerão saudáveis. Porém, se a proteção falha, quando ocorre um processo de contato e, também, no período pós-contato, essas populações ficam mais suscetíveis a adoecer e morrer em função, principalmente, de doenças infecciosas — pelo fato de não terem memória imunológica para os agentes infecciosos corriqueiros na população brasileira e acesso à imunização ativa por vacinas.
Por essas razões, a restrição ao ingresso de terceiros em áreas com a presença confirmada de indígenas isolados é diretriz da política indigenista desde 1987. No entanto, no ano passado, o governo Bolsonaro editou a lei 14.021, que permite a permanência de missões religiosas em terras indígenas de isolados.

O que todos os presidentes da República entenderam, e Bolsonaro parece não compreender, é que, ao optarem pelo isolamento, esses indígenas não desejam viver em contato constante com sociedades que não as deles e, muito menos, decidir se vão “abrir-se ou não ao recebimento de religiosos”, como defendeu o governo perante o STF.
A liberdade religiosa dos missionários pode ser exercida em todo o território nacional, e não há nada de antidemocrático em compatibilizá-la com pequenas regiões onde esses grupos de indígenas isolados, minoritários e vulneráveis resistem para manter seus próprios modos de vida, conforme lhes garante o artigo 231 da nossa Constituição.

Esse indigenismo que o Planalto e suas normas querem estabelecer merece não apenas atenção sanitária, jurídica e social, mas também o reforço do repúdio que há mais de 30 anos a Constituição já consolidou contra essa visão integracionista e colonizadora dos povos indígenas.

Artigo originalmente publicado na Folha de São Paulo em 21/06/2021

Construção do Linhão de Tucuruí está na pauta de votação da Câmara

Construção do Linhão de Tucuruí está na pauta de votação da Câmara

publicação da Frente Parlamentar Indígena

Estará em votação no plenário da Câmara, nesta segunda-feira (21), a partir das 15 horas, a Medida Provisória (MP) 1.031/2021, que trata da privatização da Eletrobrás. Na tentativa de angariar votos suficientes para a aprovação dessa MP, foi aprovado um Substitutivo, apresentado pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO) como Projeto de Lei de Conversão (PLV nº 7/21), que inclui um “jabuti”, autorizando o início das obras do Linhão de Tucuruí, na Terra Indígena Waimiri-Atroari. A MP foi votada no Senado na quinta-feira, 17.

Conforme dispositivo incluído na MP, no artigo 10, § 9º, uma vez concluído o Plano Básico Ambiental- Componente Indígena (PBA-CI), traduzido na língua originária e apresentado aos indígenas, fica a União autorizada a iniciar as obras do Linhão do Tucuruí. O linhão foi leiloado em setembro de 2011, formado pela Eletronorte e Alupar, e concedido à Transnorte, mas nunca saiu do papel. A obra planejada para conectar Roraima ao sistema elétrico nacional deveria ser entregue em 2015, mas as empresas não conseguiram iniciar o empreendimento devido aos impasses com comunidades indígenas.

A deputada Joenia Wapichana (REDE-RR), na sessão plenária, na quinta-feira(17), repudiou o ato. “Venho aqui repudiar o jabuti que acabou de passar na MP 10.31 que foi votado no Senado que autoriza de uma forma absurda a passagem do Linhão de Tucuruí, uma obra que já vem se arrastando há década na Terra Indígena Waimiri-Atroari, sem os devidos procedimentos como o licenciamento ambiental, ouvir os povos indígenas”, repudiou a parlamentar.

Um dos principais motivos de judicialização do caso é a falta de consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas que é garantida pela Constituição, que determina que as comunidades indígenas devem ser consultadas previamente sobre o tema, em atendimento a uma convenção da Organização Internacional do Trabalho que garante esse direito. Joenia ainda reforçou que a obra que interliga os estados Amazonas e Roraima não será a solução da energia no estado de Roraima.

Essa é uma tentativa de angariar votos suficientes para aprovar a Medida Provisória (MP) da privatização da Eletrobras, passando por cima do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Nacional do Índio (Funai). Dos 721 quilômetros de extensão da obra do Linhão de Tucuruí, 125 km estavam previstos para passar pela Terra Indígena Wamiri-Atroari, que é paralela à BR-174. Estima-se que mais de 2 mil indígenas vivem na região, em 56 aldeias. A etnia quase foi dizimada durante o período da ditadura militar no Brasil.

Essa proposta inconstitucional foi apresentada pelo líder do Republicanos no Senado, Mecias de Jesus (RR), com a intenção de promover a desestatização da Eletrobras, afirmando que essa medida não deve impedir as obras de infraestrutura destinadas à geração de energia elétrica no Linhão de Tucuruí. O texto ainda afirma que a União promoverá a interligação dos sistemas isolados dos estados ao Sistema Interligado Nacional.

Desde 2019, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) busca maneiras de destravar essas obras, sem sucesso. No mesmo ano, foram incluídas obras estratégicas no rol de prioridades, na tentativa de acelerar a concessão do licenciamento. O Ministério de Minas e Energia se pronunciou e também entrou nas discussões sobre a viabilidade financeira do empreendimento, já que uma das propostas envolve o repasse de um complemento da receita para a concessionária, que seria pago por meio de subsídios nas tarifas de energia, mas a ideia não seguiu adiante.

Por unanimidade, STF determina imediata proteção para povo Munduruku e Yanomami

Por unanimidade, STF determina imediata proteção para povo Munduruku e Yanomami

O julgamento durou sete dias e atendeu pedido feito pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), diante da escalada de violência nos territórios indígenas.

As ministras e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) determinaram, de forma unânime, a proteção dos povos Munduruku e Yanomami para evitar novos massacres. A corte decidiu sobre pedido feito pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) pela retirada urgente de invasores, especialmente das Terras Indígenas (TIs) Munduruku, no Pará, e Yanomami, em Roraima, e pela garantia da integridade física das pessoas ameaçadas nesses locais. O julgamento durou sete dias e, na noite do dia 18 de junho, foi confirmada a votação que representa uma conquista para os povos afetados.

As invasões aos territórios indígenas aumentaram durante a pandemia de covid-19, e estão agravando as violências contra comunidades e lideranças, provocando surtos de doenças além do novo coronavírus, como a malária, e intensificando a degradação ambiental. A solicitação da Apib ao STF para proteção dos territórios foi feita no âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709. Acesse a íntegra do pedido aqui.

O relator da ação, ministro Luís Roberto Barroso, acatou parcialmente a solicitação da Apib e decidiu em caráter liminar, no dia 24 de maio, para que a União adote imediatamente “todas as medidas necessárias à proteção da vida, da saúde e da segurança das populações indígenas que habitam as TIs Yanomami e Munduruku, diante da ameaça de ataques violentos e da presença de invasores, devendo destacar todo o efetivo necessário a tal fim e permanecer no local enquanto presente tal risco.”

As ministras e ministros do Supremo iniciaram no dia 11 de junho a votação sobre a decisão de Barroso. O julgamento aconteceu de forma virtual, sem transmissões ao vivo, que por unanimidade confirmou o voto do relator.

Na TI Yanomami os ataques a tiros e as intimidações se tornaram parte da rotina. Nos dias 17 e 18 de junho a Associação Hutukara denunciou novos ataques com grupos de garimpeiros encapuzados que atacaram indígenas nas comunidades Korekorema e Tipolei, em Roraima. Confira as denúncias aqui e neste outro link

No dia 26 de junho, dois dias depois da decisão liminar de Barroso, a casa da coordenadora da Associação das Mulheres Wakoborũn, Maria Leusa Kabá, foi incendiada por garimpeiros em retaliação à luta feita pela proteção da TI Munduruku, no município de Jacareacanga, Pará. Nas semanas seguintes, durante o julgamento que estava em curso no STF, as lideranças munduruku relataram novos ataques. No dia 9 de junho, o ônibus que levava lideranças e caciques até Brasília foi atacado por garimpeiros e só pôde seguir viagem dias depois com apoio de escolta policial. Em 14 de junho, a aldeia de Maria Leusa foi novamente atacada em mais um ato de intimidação, onde animais que eram criados no local foram mortos.

“Registro com desalento o fato de que as Forças Armadas brasileiras não tenham recursos para apoiar uma operação determinada pelo Poder Judiciário para impedir o massacre de populações indígenas”, declarou o ministro no dia primeiro de junho, quando intimou o Ministério da Defesa para adoção de medidas urgentes e solicitou informações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.

“O que está acontecendo na região, na verdade, se deve a uma operação sem inteligência investigativa, que perdeu eficiência em seu fim primeiro e foi interrompida prematuramente, no auge do conflito. As organizações criminosas e grupos paramilitares que atuam na região não foram reprimidos deixando as lideranças mais vulneráveis. Se há conflitos, eles estão ocorrendo em razão do não cumprimento de todas as medidas necessárias à proteção da vida dos Munduruku”, alerta o coordenador jurídico da Apib, Luiz Eloy Terena.

Povos Indígenas participam de movimento contra governo Bolsonaro neste sábado

Povos Indígenas participam de movimento contra governo Bolsonaro neste sábado

Por vacina, segurança alimentar e garantia de direitos, mais de 850 indígenas de 45 povos se unem à manifestação, em Brasília, contra o presidente. Ato reuniu cerca de 30 mil pessoas na capital.

O movimento indígena, que está mobilizado em mais de 45 povos em Brasília, participou do ato por vacina, segurança alimentar e contra a agenda anti-indígena de Bolsonaro, realizado na manhã deste sábado (19). Com direitos em risco e demarcações paralisadas, povos indígenas de todas as regiões do país estão, desde o dia 8 de junho, acampados na capital federal no ‘Levante pela Terra’ para lutar por direitos. De acordo com os organizadores, a manifestação em Brasília reuniu cerca de 30 mil pessoas.

“Se não morrermos com o vírus, vamos ser mortos pelas políticas anti-indígenas de Bolsonaro e nao podemos assistir isso sem resistir”, afirma Kretã Kaingang, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) sobre os motivos dos povos indígenas somarem nas mobilizações que acontecem neste sábado, em todo o Brasil.

Ao longo da última semana, os povos indígenas presentes em Brasília manifestaram-se e acompanharam as sessões da Comissão de Constituição e Justiça (CCJC) da Câmara dos Deputados, onde o PL 490 corre risco de ser votado a qualquer momento e pode anular as demarcações de terras indígenas no Brasil. Com a mobilização dos povos indígenas e a pressão de parlamentares aliados, com a liderança da deputada federal Joenia Wapichana, a votação foi adiada sucessivas vezes e vai para pauta da CCJC do dia 22 de junho.

Inconstitucional, o PL 490 abre as terras indígenas para exploração econômica predatória e inviabiliza, na prática, novas demarcações. O movimento também exige o arquivamento dos projetos que representam um novo genocídio aos povos indígenas e estao em tramitaçao do Congresso Nacional.

Além das agendas relacionadas com o parlamento, os povos indígenas também se mobilizaram e conseguiram que o julgamento de repercussão geral sobre demarcação de terras indígenas seja recolocado na pauta de votação no Supremo Tribunal Federal (STF). Agora os ministros e ministras do Supremo irão decidir sobre o futuro dos povos indígenas no dia 30 de junho

O status de repercussão geral dado ao processo pela Suprema Corte significa que a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para o governo federal e todas as instâncias do Judiciário no que diz respeito às demarcações, além de servir para balizar propostas legislativas que tratam dos direitos territoriais dos povos originários – como o PL 490.

A tese do “marco temporal”, que restringe o direito dos povos indígenas à demarcação de suas terras, também deverá ser analisada neste processo. Por este motivo, os povos indígenas seguem mobilizados, na expectativa de que o STF reafirme os direitos constitucionais indígenas e afaste qualquer possibilidade de restrição ou reversão do que foi garantido pela Constituição Federal de 1988.

Após mobilização dos povos indígenas, STF retoma julgamento que define o futuro das demarcações no país

Após mobilização dos povos indígenas, STF retoma julgamento que define o futuro das demarcações no país

Julgamento volta à pauta do Supremo dia 30 de junho em formato telepresencial; indígenas realizam manifestação nesta sexta (18), em Brasília, contra o Marco Temporal

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma, no dia 30 de junho, o julgamento que definirá o futuro das demarcações das terras indígenas no Brasil. No dia 11 de junho, o Supremo chegou a iniciar o julgamento do caso, mas ele foi interrompido após pedido de destaque feito pelo ministro Alexandre de Moraes. O movimento indígena, mobilizado em Brasília e em todo país há mais de dez dias, vinha reivindicando que o processo de repercussão geral voltasse à pauta da Corte. Nesta quinta (17) foi publicada a decisão do presidente do STF, ministro Luiz Fux, com a nova data do julgamento.

Após o pedido de destaque, o julgamento será retomado no formato presencial – que, por conta da pandemia, está ocorrendo por videoconferência. Ou seja, o julgamento passa a ter leitura e apresentação dos votos e sustentações orais em tempo real, e não mais no plenário virtual, em que os votos escritos são incluídos no sistema pelos ministros.

Neste processo, a Corte vai analisar a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklanõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang. Em 2019, o STF deu status de repercussão geral ao processo, o que significa que a decisão sobre ele servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios, além de balizar propostas legislativas que tratem dos direitos territoriais dos povos originários – como o PL 490/2007, que corre risco de ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJC) da Câmara dos Deputados, e contra o qual os povos indígenas também têm se mobilizado intensamente nas últimas semanas.
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Um dos temas em análise neste julgamento será a aplicação da tese do “marco temporal”, uma interpretação defendida por ruralistas e setores interessados na exploração das terras indígenas, que restringe os direitos constitucionais dos povos indígenas. De acordo com ela, essas populações só teriam direito à terra se estivessem sobre sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Alternativamente, se não estivessem na terra, precisariam estar em disputa judicial ou em conflito material comprovado pela área na mesma data.

Os ministros também vão analisar neste julgamento a determinação do ministro Edson Fachin que, em maio do ano passado, suspendeu os efeitos do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU). A norma oficializou o chamado “marco temporal”, entre outros pontos, e vem sendo usada pelo governo federal para paralisar e tentar reverter as demarcações. Na mesma decisão do ano passado, Fachin suspendeu, até o final da pandemia da Covid-19, todos os processos judiciais que poderiam resultar em despejos ou na anulação de procedimentos demarcatórios. Essa decisão também deverá ser apreciada pelo tribunal.

Em síntese, há duas teses em disputa. De um lado, a chamada “teoria do Indigenato”, uma tradição legislativa que vem do período colonial e que reconhece o direito dos povos indígenas sobre suas terras como um direito originário – ou seja, anterior ao próprio Estado. Do outro lado, a tese do chamado “marco temporal”, que busca restringir os direitos constitucionais dos povos indígenas.

Saiba mais sobre o julgamento.

Povos indígenas mobilizados
O movimento indígena está mobilizado no Acampamento Levante pela Terra, em Brasília, desde o dia 8 de junho e realiza um ato na tarde desta sexta (18), na Praça dos Três Poderes, para reforçar a importância do julgamento ter retornado à pauta do Supremo.

O movimento indígena está mobilizado no Acampamento Levante pela Terra desde o dia 8 de junho e realizou um ato na tarde desta sexta (18), na Praça dos Três Poderes, para reforçar a importância do julgamento ter retornado à pauta do Supremo. São cerca de 850 indígenas de 45 povos de todas as regiões do país que participam da mobilização na capital federal.

Os indígenas manifestaram-se em defesa de seus direitos constitucionais e em apoio à Corte, e pedem aos ministros que reafirmem os direitos indígenas garantidos na Constituição e digam não, definitivamente, à tese do marco temporal.