24/maio/2021
O ministro do Supremo Tribunal Federal (SFT) Luís Roberto Barroso ordenou, nesta segunda-feira (24), que o Governo Federal retire os invasores das Terras Indígenas Yanomami (Roraima) e Munduruku (Pará). A decisão, feita em caráter liminar, atendeu de forma parcial o pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), dia 19 de maio, de expulsão de invasores dos territórios para evitar novo genocídio indígena devido o agravamento da violência causada, principalmente, pela atividade de garimpos ilegais nas regioes.
Em trecho da decisão o ministro determina “à União a adoção imediata de todas as medidas necessárias à proteção da vida, da saúde e da segurança das populações indígenas que habitam as TIs Yanomami e Munduruku, diante da ameaça de ataques violentos e da presença de invasores, devendo destacar todo o efetivo necessário a tal fim e permanecer no local enquanto presente tal risco.”
Leia a íntegra da decisão do ministro Barroso aqui.
O pedido da Apib foi protocolado nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, protocolada em 2020. A nova petição exige a retirada de invasores de sete terras indígenas em situação de intenso conflito com muitos crimes. Além das TIs Yanomami e Munduruku, que foram alvo da recente decisão do STF, os demais territórios que a Apib exige a saída de invasores são: TI Araribóia (Maranhão), T.I. Karipuna (Rondônia), T.I. Kayapó (Pará), T.I. Trincheira Bacajá (Pará), T.I. Uru-Eu-Wau-Wau (Rondônia).
A ADPF 709 reivindica uma série de medidas emergenciais para proteger os povos indígenas durante a pandemia da Covid-19. Em agosto de 2020, por unanimidade os ministros do STF acataram pedido da Apib e determinaram que governo federal adotasse medidas para conter o avanço da doença entre indígenas.
Trechos da decisão de Barroso:
i) há um plano de isolamento e contenção apresentado pela PF em autos sigilosos (“Na medida em que as operações forem realizadas, a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República apresentarão relatórios, que serão disponibilizados pelo Juízo no âmbito da ADPF 709 e que permitirão uma avaliação crítica das medidas implementadas e o aperfeiçoamento das operações. O Plano 7 Terras Indígenas pode constituir o início do processo de desintrusão de invasores, se executado com seriedade pela União”);
ii) União deve enviar efetivo suficiente para assegurar proteção dos Yanomami e Mdk;
iii) União não deve divulgar nenhuma informação que comprometa operações (ou seja, vão acontecer);
iv) a decisão autoriza queimar tudo que seja instrumento de crime (bom precedente para os casos em que isso acontece – “providência cautelar amparada pelos arts. 25 e 72, V, da Lei 9.605/1998 e pelos arts. 101, I, e do Decreto 6.514/2008”).
24/maio/2021
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Em reportagem divulgada nesta segunda-feira (24), pelo jornal Folha de São Paulo, o Ministério da Saúde distribuiu pelo menos 265 mil comprimidos de cloroquina, azitromicina e ivermectina a indígenas em cinco estados, com o propósito de tratar infecções pelo novo coronavírus. Os três medicamentos não têm eficácia para Covid-19.
Parte dessas drogas foi comprada diretamente por DSEIs (Distritos Sanitários Especiais Indígenas), vinculados ao ministério e com atuação de saúde na ponta, junto às comunidades.
Um informe técnico da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), de junho de 2020, orientou os DSEIs a “instruir seus respectivos processos de aquisição” de cloroquina e hidroxicloroquina, caso municípios e estados se negassem a fornecer o medicamento.
O envio maciço de medicamentos sem eficácia a indígenas entrou no foco da CPI da Covid no Senado. A estratégia da atual gestão do Ministério da Saúde e do general da ativa Eduardo Pazuello, que impulsionou a prática ao longo de sua administração na pasta, é sustentar que os comprimidos se destinaram aos tratamentos previstos na bula.
A cloroquina, por exemplo, é usada no tratamento de malária. A doença atinge cerca de 194 mil brasileiros por ano, dos quais 193 mil (99,5%) na região amazônica.
A azitromicina é um antibiótico usado principalmente no tratamento de doenças respiratórias. E a ivermectina se destina a infecções por parasitas.
Documentos e registros do próprio ministério contrariam a versão de que as compras e distribuição dos medicamentos se destinaram a essas doenças, e não para Covid-19.
Notas de empenho referentes a compras de azitromicina pelos DSEIs Alto Purus, no Acre, e Cuiabá registram que a aquisição do medicamento se destinou ao “enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do Covid-19” ou a “medidas de controle de infecção humana pelo novo coronavírus (Covid-19)”. O empenho é a autorização para o gasto.
Para o tratamento de indígenas no Acre foram adquiridos 20 mil comprimidos de azitromicina com dosagem de 500 mg. É a mesma especificação recomendada em nota técnica do Ministério da Saúde, atualizada em maio, que embasa o combo de medicamentos sem eficácia para Covid-19: cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina e Tamiflu, este último recomendado para gripe.
Cada comprimido saiu por R$ 1,82. O valor total foi de R$ 36,4 mil.
A azitromicina adquirida pelo DSEI Cuiabá também tinha dosagem de 500 mg. O valor unitário foi de R$ 1,25. Os 20 mil comprimidos custaram R$ 25 mil.
Também houve compras de antibióticos por DSEIs em Mato Grosso, para os indígenas do Xingu e para os xavantes, e em Rondônia, para etnias como suruí, cinta larga e terena.
As compras são informadas num portal alimentado pelo Ministério da Saúde, chamado Localiza SUS, criado para divulgar os gastos e ações de combate à pandemia.
O mesmo Localiza SUS faz um detalhamento do envio de 100,5 mil comprimidos de cloroquina, todos eles destinados
a indígenas em Roraima. O objetivo foi o tratamento de Covid-19, segundo o portal.
Do total distribuído, 39,5 mil se destinaram aos yanomami em Roraima. O restante foi usado em comunidades da terra indígena Raposa Serra do Sol.
Há ainda distribuições feitas pela Aeronáutica e cujos destinos a Força Aérea Brasileira mantém ocultos, como a Folha mostrou em reportagem publicada no último dia 6.
Um desses transportes foi para a região chamada Cabeça do Cachorro, no Amazonas, na fronteira com a Colômbia e a Venezuela. Pelo menos 1,5 mil comprimidos de cloroquina foram transportados para o local, onde estão 23 etnias.
Também houve uma compra direta de cloroquina pelo DSEI de Vilhena (RO). Segundo os registros do Localiza SUS, a aquisição está associada a ações contra a Covid-19.
É a mesma situação de aquisições de 24 mil comprimidos de ivermectina pelos DSEIs Alto Rio Negro, que atende a Cabeça do Cachorro, e Xingu, em Mato Grosso.
O Ministério da Saúde distribuiu ainda 370,2 mil cápsulas de Tamiflu a indígenas em 16 estados. A pasta registra que o medicamento se destinou ao combate à influenza, mas o Tamiflu integra o kit do chamado “tratamento precoce” de Covid-19, previsto em protocolo ainda em vigência.
A Folha de São Paulo questionou o ministério sobre cada compra e distribuição a indígenas de medicamentos sem eficácia para Covid-19. “O antimalárico é adquirido e enviado regularmente a 25 DSEIs que estão em área endêmica”, disse, em nota, em relação à cloroquina.
“Azitromicina e ivermectina são medicamentos que constam na Rename (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) e utilizados em diversos tratamentos de atenção primária do SUS. A aquisição de medicamentos da Rename é feita a partir das demandas de atendimento dos DSEIs”, afirmou.
Segundo o ministério, serviços básicos de saúde não foram suspensos durante o pico da pandemia. “Somente em 2020, foram realizados mais de 12,1 milhões de atendimentos nas aldeias, e contratados mais 700 profissionais para reforçar a assistência em saúde.”
Na CPI da Covid, no segundo dia de depoimento, Pazuello negou que sua gestão tivesse distribuído medicamentos do “tratamento precoce” aos DSEIs. A negativa ocorreu na quinta-feira (20), em resposta a questionamentos do senador Fabiano Contarato (Rede-ES).
O general da ativa contou outras mentiras em seus depoimentos na CPI, em relação a vacinas e à crise do oxigênio em Manaus em janeiro, o que despertou a reação de senadores não alinhados ao governo de Jair Bolsonaro.
24/maio/2021
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou a suspensão imediata do depósito de resíduos ou lançamentos de qualquer tipo de substâncias em barragens de retenção do Complexo Mineral do Pitinga, de responsabilidade da empresa Mineração Taboca, que apresentou vazamento e já contaminou um igarapé e dois rios localizados no interior da terra indígena Waimiri Atroari, em Presidente Figueiredo (AM).
O relatório mais recente sobre a situação no local, produzido pela Frente de Proteção Etnoambiental da Fundação Nacional do Índio (Funai), apontou a necessidade de adoção de medidas urgentes para proteger os kinja, como se autodenominam os indígenas waimiri atroari. A contaminação já alterou a qualidade da água do igarapé Jacutinga e dos rios Tiaraju e Alalaú, de onde os indígenas retiram a água para consumo, higiene e preparo dos alimentos e onde realizam a pesca para alimentação.
Na recomendação, além da suspensão imediata do depósito de resíduos em seis barragens de retenção nas quais foram identificados vazamentos, o MPF requer à Mineração Taboca S.A. que adote medidas de contenção imediatas das barragens ou lagoas extravasadas e garanta, imediatamente, o abastecimento de água potável e complemento de alimentação aos indígenas das aldeias afetadas pelo problema.
O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) também foi acionado pela recomendação para realizar fiscalização no local e apresentar, no prazo de cinco dias, relatório indicando qual o uso dado às barragens/lagoas extravasadas no processo produtivo da empresa; qual o conteúdo dessas barragens e quais substâncias foram lançadas nos cursos d’água afetados; e ainda qual o grau de contaminação do igarapé e dos rios atingidos pelos vazamentos, além da indicação das medidas emergenciais a serem adotadas pela empresa para conter o problema.
Os pedidos do MPF no documento incluem ainda requisição de informações da Agência Nacional de Mineração (ANM) quanto à regularidade das fiscalizações nas barragens por parte da agência e se houve, por parte das operações da empresa no local, algum descumprimento normativo de segurança sobre barragens, entre outros itens.
A empresa Mineração Taboca S.A. e os órgãos destinatários da recomendação terão cinco dias para informar ao MPF sobre o acatamento das medidas indicadas no documento e detalhar as providências adotadas para cumprir todos os itens recomendados. Para conhecimento, a recomendação também foi encaminhada à Frente de Proteção Ambiental Waimiri Atroari e à Associação Comunidade Waimiri Atroari.
Histórico do caso – As alterações na água dos cursos d’água que cortam a terra indígena, na área do município de Presidente Figueiredo, foram identificadas após os kinja notarem, em março deste ano, a morte de peixes e tartarugas sem causa aparente na região. Uma equipe do Programa Waimiri Atroari realizou expedição para coleta de amostras da água e confirmou, inclusive com auxílio de drone, as mudanças no aspecto da água dos rios Tiaraju e Alalaú, com a presença de espuma indicativa de substâncias contaminantes em um trecho do rio Tiaraju.
Conforme a recomendação, a expedição identificou que os dejetos se originavam de um canal construído pela Mineração Taboca, próximo da barragem de retenção identificada como Grota Orquídea, que apresentava seis barragens/lagos com as laterais rompidas e transbordamento dos rejeitos.
Após informada a Mineração Taboca, responsável pelo Complexo Mineral do Pitinga, foi realizada vistoria, no último dia 11 de maio deste ano, com a participação do coordenador de Meio Ambiente da empresa, o qual constatou que a origem da poluição estava, de fato, em local utilizado pela mineradora e se comprometeu a resolver o problema em 15 dias.
No entanto, a água com aspecto turvo e denso atingiu a aldeia Arykawa no dia seguinte, tornando-se imprópria para o consumo, indicando agravamento da situação do transbordamento das barragens. Em nova expedição realizada pela equipe do programa Waimiri Atroari no dia 18 deste mês, ficou constatado que a água estava ainda mais turva e com maior volume em relação à última coleta.
Por esse motivo, o MPF também requisitou, na recomendação, explicações da empresa Mineração Taboca S.A. sobre as razões pelas quais, embora o extravasamento tenha sido identificado por indígenas ainda em março de 2021, não houve acionamento de Plano de Ações Emergenciais (PAE), com a devida comunicação aos órgãos competentes.
21/maio/2021
Há 21 anos o povo Xukuru, do agreste de Pernambuco, organiza à grande Assembleia que reuni lideranças e caciques da terra indígena do Reino do Ororubá.
Em mais um ano a programação foi virtual, que aconteceu de 17 a 20 de maio, com o tema “Limolaygo Toype – Na aldeia, na rua, na rede!”.
Para os Xukuru as conquistas dos povos indígenas nunca sofreram tantos retrocessos, e neste último ano do governo Bolsonaro estamos vivendo um cenário de violações sem precedentes.
O abril marcado pelas lutas indígenas passou, mas a Assembléia do Povo Xukuru veio para dar continuidade a luta pela garantia da manutenção dos direitos conquistados e pelo avanço de novas conquistas.
POVO INDÍGENA XUKURU DO ORORUBÁ CARTA DA XXI ASSEMBLEIA – 2021:
Munidos da Força Encantada, nós Povo Indígena Xukuru do Ororubá, realizamos de 17 a 20 de maio a vigésima primeira (21ª) assembleia anual, que devido à situação pandêmica que nos assola e a crescente propagação da COVID-19, em mais uma edição utilizamos o formato on-line por meio da Ororubá Filmes, da APIB e da Mídia Ninja aglutinando povos numa mesma energia, a que emana da Pedra do Reino do Ororubá, onde cada casa, mesmo para além das fronteiras, tornara-se uma extensão do nosso Território Sagrado.
No Terreiro Sagrado, na Aldeia Pedra D’água, as Lideranças Religiosas e o Cacique realizaram a pajelança de abertura de forma restrita; em seguida, na Aldeia Santana com transmissão ao vivo, invocamos a Força do Encantamento pela chamada do Memby seguindo com o Ritual Sagrado fortalecendo o Espírito, a Alma e a Matéria e norteando as discussões desta edição sob a proteção do nosso Pai Tupã e da nossa Mãe Tamain.
O Povo Xukuru do Ororubá, em Assembleia, discute a participação efetiva dos Povos Originários nas políticas públicas e na defesa dos Direitos Constitucionais (CRFB 88), assim como as políticas de enfrentamento à pandemia do Novo Coronavírus (Sars-CoV-2) em três perspectivas que estão indissociáveis: Na Aldeia, Na Rua e Na Rede, fortalecidos pela força da Terra dos Ancestrais.
Na pauta, abordaram-se assuntos pontuais como o enfrentamento à pandemia de COVID-19 e como as Instâncias de Organização Sociopolíticas do Povo Xukuru têm se organizado e atuado no Território Sagrado a partir do nosso Projeto de Vida, e os cenários que vivenciamos para além das fronteiras, seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde – OMS e do Ministério da Saúde por meio das portarias e decretos, para vencermos a grave situação mundial, e principalmente brasileira, como frisara o Cacique Marcos na fala de abertura. Ainda, trabalharam-se as políticas públicas partindo do cenário nacional e a aplicabilidade no Território seja na Educação, na Saúde, no Meio Ambiente e nos demais setores, e a inserção dos povos indígenas na política partidária confirmando que a Assembleia Xukuru é um espaço de formação política cujo discernimento é dado pelo Sagrado fortalecendo o Ser Xukuru.
Na Rua, reafirmamos que seguimos firmes na defesa e na ocupação de espaços de poder colocando-os numa outra perspectiva a partir da Aldeia sob a orientação da Sabedoria Ancestral num protejo de vida coletivo, espaços esses antes limitados a uma pequena massa elitista e oligárquica. Somos cidadãos de direitos capazes de gerir espaços outros, respeitando a diversidade social, entendendo que chega de invisibilidade, chega de exploração; chega de genocídio. Desprezamos toda forma de governo que criminalize as Lideranças Indígenas, que seja a favor da cultura de morte, que defende a LGBTfobia, o machismo e toda forma de preconceito, que propague a intolerância religiosa e que endemonize a Cultura e a Tradição Indígenas em detrimento do agronegócio, da mineração e do desmatamento que ferem a vida e matam, e que não aceita a participação dos Povos Originários nos espaços de poder. Colocamo-nos solidários ao Povo Yanomami perante o conflito que enfrentam e numa única voz afirmamos: “Nunca Mais Um Brasil Sem Nós!”.
As candidaturas do Povo Xukuru, em especial a do Cacique Marcos, refletem a necessidade a partir das discussões das Assembleias Xukuru em ocupar espaços de poder para efetivação do projeto de governo construído com a participação popular. Entendemos que o Cacique Marcos é novamente injustiçado ao ser impedido de assumir o cargo de prefeito de Pesqueira. Defendemos a Democracia e que a decisão da população seja respeitada, a começar pelas urnas que expressam de fato a vontade e o desejo de mudança numa gestão participativa, e resistentes dizemos: Deixa Xukuru Governar!
O Povo Xukuru do Ororubá coloca-se contrário à regularização fundiária das ocupações em terras da União ou do INCRA pelo Projeto de Lei 2633/20. Não aceitamos um governo genocida que atira a culpa nos Povos Originários, em especial os que habitam a Amazônia Brasileira. Defendemos a vacinação como imunizante ao COVID-19 de todos os indígenas que habitam para além das fronteiras dos territórios demarcados e para toda a população brasileira, e reiteramos a necessidade em continuarmos com os cuidados de enfrentamento ao vírus através das recomendações sanitárias.
Na Rede, seguiremos utilizando o que se tem de moderno para fortalecer o que temos de ancestral, lutando pela democratização das mídias e quebrando os monopólios, assim garantiremos que nossa voz e nosso projeto de futuro ecoem em todos os espaços, mobilizando e politizando a todos para que o Estado brasileiro não retroceda naquilo que já conquistamos.
Confiantes na Força Encantada, o Povo Xukuru do Ororubá, segue firme na Aldeia, na Rua, na Rede como espaços de resistência e de colaboração em favor da vida e da luta dos povos defendendo uma nação pluriétnica, justa e solidária. – Diga ao Povo que Avance! – Avançaremos!
Aldeia Santana, 20 de maio de 2021.
20/maio/2021
Washington D.C./ Santiago – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Escritório Regional da América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas expressam sua grave preocupação com os atos de violência que afetaram os povos indígenas Yanomami e Munduruku no Brasil. Nesse sentido, exortam o Estado a cumprir seu dever de proteger a vida, a integridade pessoal, aos territórios e aos recursos naturais desses povos.
A CIDH e o Escritório Regional da ACNUDH tomaram conhecimento sobre o enfrentamento em um território yanomami em Roraima, no dia 10 de maio, no qual garimpeiros ilegais supostamente abriram fogo contra membros da comunidade de Palimiú, incluindo contra crianças que se encontravam no local. Lideranças indígenas, por meio de declaração à imprensa realizada no dia 15 de maio, afirmaram que duas crianças, de 1 e 5anos, perderam a vida por conta do ataque. Por sua vez, informações recebidas demonstram que, no dia 25 de março, a sede da Associação Feminina Munduruku Wakobor’n, na cidade de Jacareacanga, sudoeste do Pará, também há sofrido um ataque. Sobre isso, o Ministério Público Federal emitiu uma ação urgente às forças federais para impedir a invasão de grupos armados formados por garimpeiros ilegais, ação que ainda não haveria surtido grandes efeitos.
A Comissão e o Escritório Regional da ACNUDH têm acompanhado de perto as graves violações dos direitos humanos a que estão sujeitos os povos Yanomami e Munduruku, resultado de atividades realizadas em seus territórios principalmente por garimpeiros ilegais, madeireiros e agronegócios, sem o seu consentimento. Segundo informações públicas, estima-se que mais de 20 mil garimpeiros ilegais estejam presentes apenas no território yanomami, a maior reserva indígena protegida doBrasil. Nas palavras de um jovem Munduruku, os graves efeitos de tais atividades são que: “Vemos nossas florestas se tornarem grandes piscinas de lama. Vemos como as fontes de nossos rios estão se estabelecendo e como seus cursos estão se desviando. Vemos as sombras das árvores desaparecerem, como os frutos que coletamos diminuem, e como a água cristalina do Rio Tapajós, os riachos e as nascentes, se torna cada vez mais turva a cada dia. Vemos, em suma, como a fumaça dos incêndios obscurece nosso pôr do sol.
Além desse grave contexto, a Comissão e o Escritório Regional da ACNUDH observam com preocupação que a Câmara dos Deputados aprovou, no dia 13 de maio, o Projeto de Lei nº 3.729/2004, que visa flexibilizar as exigências ambientais para os empreendimentos agrícolas e energéticos. Caso uma lei desse escopo seja promulgada, os direitos humanos dos povos indígenas e seus territórios, incluindo os povos Yanomami e Munduruku, serão ainda mais impactados. Da mesma forma, ambas as instituições veem com preocupação a proposta do Projeto de Decreto Legislativo nº 177/2021, de 27 de abril de 2021, que autorizaria o Presidente da República a denunciar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), bem como o Projeto de Lei nº 191/2020, que busca liberar as atividades de mineração em terras indígenas.
A CIDH e o Escritório Regional da ACNUDH lembram ao Estado que a relação única de existência entre povos indígenas e tribais e seus territórios tem sido amplamente reconhecida no direito internacional dos direitos humanos, como é evidente na Convenção Americana de Direitos Humanos, a Convenção 169 da OIT e as Declarações da Organização das Nações Unidas e a da Organização dos Estados Americanos sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Além disso, o direito à autodeterminação dos povos indígenas, reconhecido pelo direito internacional, tem estreita relação com o uso e o arranjo de terras e territórios, resultando em obrigações específicas aos Estados em termos de proteção para tomar medidas especiais para reconhecer, respeitar, proteger e garantir o direito à propriedade comum. Nesse contexto, lembra que, tanto os povos indígenas Yanomami, quanto Munduruku, são beneficiários de medidas cautelares da CIDH em favor de sua proteção.
Nesse sentido, a Comissão Interamericana e o Escritório Regional da América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas exortam o Estado do Brasil a cumprir seu dever de proteger a vida, a integridade pessoal, territórios e recursos naturais dos povos indígenas Yanomami e Munduruku. Isso é necessário e urgente para acabar com os graves efeitos das ações dos invasores que se destinam a apreender seus recursos naturais em seus territórios. Situações que, ademais, geram a morte dos povos indígenas, a contaminação de suas fontes de subsistência, o desmatamento de grandes áreas de seus territórios, assim como a destruição de uma parte significativa de seus territórios e um risco permanente de sua sobrevivência cultural e econômica como povos.
O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) é a principal entidade das Nações Unidas para os direitos humanos. A Assembleia Geral confiou ao Alto Comissário e ao seu Gabinete a missão de promover e proteger todos os direitos humanos de todas as pessoas. Os Direitos Humanos da ONU prestam assistência sob a forma de competências técnicas e capacitação para apoiar a implementação em campo de normas internacionais de direitos humanos. Os Direitos Humanos da ONU ajudam os governos, que têm a responsabilidade primária de proteger os direitos humanos, a cumprir suas obrigações e apoia os indivíduos na reivindicação de seus direitos. Além disso, denuncia objetivamente as violações dos direitos humanos.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato decorre da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem o mandato de promover a aplicação e a defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA nesta área. A CIDH é composta por sete membros independentes que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA de forma pessoal, e não representam seus países de origem ou residência.
20/maio/2021
Processo é capitaneado pela deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) e assinado pela bancada do PSOL, lideranças da oposição, APIB e Frente Ambientalista.
A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) encaminhou via ofício ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, o extenso pedido de impeachment apresentado em junho de 2020 ao MPF contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, frente à operação da Polícia Federal realizada na manhã desta quarta-feira (19).
O objetivo da ação é mostrar ao ministro, responsável pela operação, que as acusações investigadas já são de conhecimento do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, no mínimo, desde junho de 2020, quando o pedido foi apresentado.
“Nós estamos denunciando os crimes de Salles há muito tempo, sem que a PGR dê continuidade nas investigações, blindando o antiministro. Nesse tempo, quantos hectares de floresta foram derrubados? Quantas vidas indígenas poderiam ter sido salvas? Nós esperamos que as operações se hoje sejam só o começo e que o fim da gestão Salles seja imediato. Por isso, encaminhamos ao STF cópia das denúncias que estão paradas na gaveta de Augusto Aras”, afirma Fernanda Melchionna.
O ofício ao STF e o pedido de impeachment são coordenador por Fernanda e assinados pela bancada do PSOL, pelas lideranças do PT, PCdoB, PT, PSB, PDT e REDE, além da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e da Frente Parlamentar Ambientalista.
O pedido de impeachment denunciou à PGR uma série de indícios de irregularidades e crimes de responsabilidade, com grave dano pro meio ambiente e para a administração pública, cometidos pelo Ministro Ricardo Salles.
De acordo com a deputada Fernanda Melchionna, não há dúvidas de que os fatos e as ações do ministro constituem crimes de responsabilidade e improbidade administrativa, além de eventuais crimes comuns. A denúncia é densa e, com os documentos, soma mais de 400 páginas. O PGR já determinou o arquivamento e o grupo recorreu da decisão. Até o momento, entretanto, não houve retorno do recurso.
As denúncias encaminhadas ao STF são as listadas abaixo:
– Da edição de normas que desmontam o sistema de proteção ambiental sob a responsabilidade do ministro e reduzem o nível de proteção em diversos biomas;
– Da prática de silenciamento e perseguição a servidores do MMA;
– Do desmonte do IBAMA e do ICMBio, seja pela nomeação de pessoas não especializadas seja pela demora em nomear superintendentes;
– Da redução da transparência e participação social no CONAMA;
– Da intervenção do Ministro em ações de fiscalização ambiental após encontro com infratores;
– Da falta de transparência sobre os encontros do Ministro com multinacionais na Europa, em 2019;
– Da recusa do Ministro em responder na íntegra os questionamentos feitos pelo parlamento por meio dos requerimentos de informação;
– Do desmonte de operações de fiscalização em terras indígenas que tinham como objetivos, além do combate ao desmatamento, a proteção das populações indígenas contra a COVID-19 por meio da expulsão de invasores e garimpeiros.
19/maio/2021
O ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a União faça um levantamento completo sobre a vacinação de indígenas que vivem em contexto urbano. A decisão do dia 17 de maio também mantém suspensa a Resolução 04/2021 da Fundação Nacional do Índio (Funai), que estabelecia “critérios de heteroidentificação” para avaliar a autodeclaração de identidade dos povos indígenas. No dia 16 de março de 2020, o ministro já havia anulado a resolução racista da Funai, que recorreu da decisão.
“O serviço especial de atenção à saúde indígena deveria ser prestado não apenas aos povos indígenas localizados sobre terras já demarcadas, mas igualmente a povos indígenas aldeados localizados em terras não homologadas. O serviço, em alguns casos, não vinha sendo prestado, sob o fundamento de que só são indígenas os que se localizam em terras indígenas e de que só são terras indígenas aquelas definitivamente identificadas como tal pela União. Ora, trata-se de fato incontroverso e de conhecimento geral as declarações do Presidente da República de que, em seu governo, não se demarcarão terras indígenas. Portanto, condicionar o atendimento de saúde à demarcação significa abandonar os indígenas à própria sorte em meio à pandemia.”, enfatiza trecho da decisão de Barroso.
Acesse a íntegra do documento aqui
A Funai publicou nova resolução, no dia 22 de janeiro, para estabelecer critérios sobre a identificação de indígenas no Brasil. Esta medida diz, basicamente, que agora é a Funai quem dirá quem é e quem não é indígena no Brasil, o que antes era um papel dos próprios indígenas, um direito garantido pela Constituição Federal e por tratados internacionais assinados pelo Brasil, como a Convenção 169 da OIT.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denunciou a nova medida do Governo Federal publicamente e ao STF. O ato da Funai tem suas raízes na ditadura militar, época em que mais de 8 mil indígenas foram mortos no Brasil.
Acesse a nota completa da APIB aqui
19/maio/2021
Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil
Indígenas sofrem com a escalada da violência e doenças em consequência da atividade garimpeira. Organizações e lideranças indígenas realizaram pronunciamento sobre a situação dos povos Yanomami e Munduruku nesta quarta-feira, 19
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) entra hoje, 19, com mais um pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar novos massacres contra vidas indígenas. A solicitação pede a retirada imediata dos invasores de sete Terras Indígenas (TI), em especial da TI Yanomami, em Roraima, e TI Munduruku, no Pará, para garantir o direito à vida e a integridade física dos povos ameaçados nesses locais. A coordenação da Apib, juntamente com a deputada federal Joenia Wapichana e lideranças Yanomami e Munduruku, realizaram um pronunciamento sobre as medidas de proteção aos povos e denunciam a escalada da violência nas terras indígenas.
A escalada de violência, degradação ambiental e surtos de doenças em decorrência da exploração de minérios em territórios indígenas têm provocado uma série de violações de direitos fundamentais dos povos originários. Na Terra Indígena Yanomami, por exemplo, os ataques a tiros e as intimidações se tornaram parte da rotina. “É um cenário desolador com crime organizado, mortes de crianças, surtos de malária, Covid-19, contaminação dos rios, insegurança alimentar e falta de assistência médica. Como se não bastasse tudo isso, a violência é cada vez mais intensa, o que nos leva a temer a possibilidade iminente de um novo massacre”, alerta a coordenadora executiva da Apib, Sonia Guajajara.
Desde a primeira semana de maio, quando começou uma ofensiva na comunidade Palimiú, na TI Yanomami, organizações e lideranças indígenas buscam providências por parte do poder público. A situação foi relatada em ofício destinado à Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami da Fundação Nacional do Índio (Funai), à superintendência da Polícia Federal em Roraima (PF/RR), à 1ª Brigada de Infantaria da Selva do Exército (1ª BIS) e ao Ministério Público Federal em Roraima (MPF/RR).
O pronunciamento sobre a situação do garimpo em terras indígenas apresentou dados sobre a violência, doenças, como malária e covid-19, contaminação por mercúrio e desmatamento. Participaram a coordenadora executiva Sonia Guajajara e a coordenadora jurídica da Apib Samara Pataxó, a deputada federal Joenia Wapichana, o vice-presidente da Associação Hutukara Dario Yanomami, e a vice-coordenadora da Fepipa Alessandra Munduruku.
No pronunciamento desta manhã, Samara Pataxó explicou o procedimento: “Dentre os pedidos que a Apib levou, na ADPF 709, estava o pedido da retirada de invasores de sete terras indígenas. Claro que nós temos invasores em mais terras indígenas, é uma realidade vivida por muitos povos, só que essas terras em especial são terras em que há problemas e conflitos muito antes da pandemia e que a gente já alertava ao Supremo Tribunal Federal e demais autoridades brasileiras, de que a questão da pandemia poderia agravar ainda mais o cenário caótico vivenciado. São elas: Terra Indígena Araribóia, T.I. Karipuna, T.I. Kayapó, T.I. Munduruku, T.I. Trincheira Bacajá, T.I. Uru-Eu-Wau-Wau e T.I. Yanomami”, detalhou.
Na peça, a Apib também relembra a reincidente recusa da União em cumprir com determinações do STF: “Conforme passaremos a demonstrar, da data da propositura da ação, em 1º de julho de 2020, até março deste ano, o desmatamento e as invasões nas Terras Indígenas cresceram assustadoramente. Neste período, a União não foi capaz de apresentar um Plano ou indicar quais medidas concretas realizará para conter e isolar invasores. Em suas manifestações, a União se limita a descrever as funções dos entes que poderão ser envolvidos e a propor monitoramentos satelitais que poderiam ter sido entregues na primeira semana em que a ADPF foi proposta”, descreve a petição.
É urgente a mobilização estatal, de forças de segurança, e mecanismos de seguridade social para as populações das terras nomeadas na proposta. A delicada situação de ataques e agressões vem acompanhada de insegurança alimentar, exposição a doenças agravada pela pandemia de covid-19, e falta de assistência médica. “Esperamos muito que o Supremo de fato possa trazer essa garantia de socorro para o povo Yanomami e demais povos sob ataque”, ponderou Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Apib.
Acesse o canal de Youtube da Apib e veja a íntegra do pronunciamento: https://youtu.be/8Z6WmfbMnj8
Leia o documento completo protocolizado esta tarde no STF: https://apiboficial.org/files/2021/05/Pet-APIB-Cautelar-Incidental-STF-Versa%CC%83o-Final-.pdf
17/maio/2021
Foto: Rogério Assis/ISA
Na noite de ontem, 16, às 21h40, a comunidade Palimiu, na Terra Indígena Yanomami (RR) sofreu novo ataque. O relatos informa que cerca de 15 barcos se aproximaram da comunidade, e além de tiros, houve arremesso de bombas de gás lacrimogêneo.
Na manhã de hoje, 17, a Associação Hutukara emitiu ofício reiterando pedidos de proteção e apoio logístico de reforço da segurança à FUNAI, Polícia Federal, Ministério Público Federal de Roraima e ao Exército. No documento, é pedido que: “Proceda-se com a instalação de um posto avançado emergencial na comunidade de Palimiu, com o objetivo manter a segurança no local e no rio Uraricoera; O Exército brasileiro, por meio da 1ª Brigada de Infantaria da Selva, promova apoio logístico imediato para ações dos demais órgãos públicos para garantir a manutenção da segurança no local.
17/maio/2021
Para: Autoridades Municipais, Estaduais e Federais; Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; e para a sociedade em geral
Prezados Senhores e Senhoras,
Nós, caciques e lideranças Mbya Guarani de mais de 30 aldeias do Rio Grande do Sul, estivemos reunidos nos dias 13, 14 e 15 de maio de 2021, na Tekoa Pindó Poty, bairro Lami, em Porto Alegre/RS, com o objetivo de fortalecer a luta em defesa de nosso território. O presente encontro aconteceu na tekoa Pindó Poty por ser uma terra cujo processo de demarcação encontra-se paralisado na FUNAI em Brasília, enquanto a área vem sofrendo esbulho e ataques praticados pelo juruá (não-indígena).
Se fizeram presentes lideranças e parentes de diversas regiões da Yvyrupa, nosso território tradicional sem fronteiras, fortalecendo a luta e a segurança da comunidade do Lami. As delegações visitantes foram recebidas com celebrações culturais, com jerojy e o tangara que são nossas danças.
Ao longo dos três dias de encontro, discutimos sobre a realidade dos Povos Indígenas no RS e sobre os direitos que nos são garantidos na Constituição Federal, mas que vêm sendo constantemente descumpridos pelo poder público. Nós sabemos que o juruá não reconhece devidamente a importância da cultura Guarani para a formação do território do Rio Grande do Sul, nem respeita a própria lei juruá que confere direito aos povos indígenas de viverem de acordo com sua cultura. Nosso povo vem sendo atacado há mais de 500 anos e, mesmo assim, nós resistimos de forma pacífica e mantemos vivo o Arandu, que é nosso conhecimento tradicional indígena Mbya Guarani.
Aprendemos com o Xeramoi e com a Xejaryi, nossos anciões e anciãs, que nossa relação com o território vem dos ancestrais, que viviam livremente e em harmonia com as matas e com os rios e com os animais, e por isso dependemos de áreas de terra para garantir condições permanentes para a manutenção dos cultivos das nossas sementes tradicionais e o acesso à medicina indígena. Somente assim temos acesso livre ao ka’aguy heté reguá (recursos naturais originários), como yy porã (fontes de água pura), mymba (animais silvestres), yva’a (frutas nativas), ei hete’i (abelhas nativas) e as fibras necessárias para os nossos artesanatos, tais como takua hete’i (taquara), guembé pi (cipó), yvíra (fibras) e outras plantas.
Infelizmente, o que acontece quando o juruá destrói a natureza é que ele acaba destruindo os espaços que temos para viver no modo de ser guarani. Nossas terras, que eram grandes e abundantes, hoje são muito pequenas, e além disso ainda não são identificadas ou reconhecidas oficialmente pelo poder público. A maioria das comunidades encontra-se em situação de insegurança e vulnerabilidade social, de pouco acesso a recursos básicos de educação e saúde e, com essa situação que nos força a viver em locais fora de nossa natureza, surgem diversos preconceitos contra as comunidades indígenas, de que nós não estaríamos vivendo no nosso modo de vida tradicional, enquanto estamos preocupados primeiramente em encontrar algum local adequado às nossas origens, o que pode durar décadas.
Atualmente, habitamos 56 aldeias no Estado, sendo que grande parte está em situação de insegurança jurídica, o que gera ameaças de invasão ao território e de reintegração de posse contra as comunidades. Nós somos vistos muitas vezes pelo juruá como invasores na própria terra, esta terra que nos foi deixada pelos ancestrais. Mas a verdade é que o Povo Guarani habita o território, que o juruá chama de Rio Grande do Sul, muito antes dos tempos de Sepé Tiaraju.
Estamos muito preocupados com as comunidades que vivem em áreas habitadas tradicionalmente e que deveriam ser reconhecidas pelo governo estadual sob a forma de Reservas Indígenas, mas como isso não aconteceu essas comunidades estão ameaçadas de serem removidas. São comunidades constituídas em áreas públicas estaduais, muitas vezes ali assentadas por obra do próprio poder público. O governo do estado, no entanto, não tem dialogado com as lideranças de nosso povo para resolver a questão de forma favorável às comunidades indígenas. Pelo contrário, vem atuando para vender parte dessas terras junto a empresas públicas em processo de privatização, ou para negociá-las junto ao governo federal, sem que entidades representativas dos guarani possam acompanhar devidamente esses processos ou serem sequer informadas das tratativas em curso.
A ausência de diálogo e de quaisquer garantias de respeito aos nossos direitos tradicionais gera enorme preocupação e insegurança em nossas famílias. Nesse sentido, os casos mais urgentes a se destacar são os das aldeias Tekoa Karandy (Três Bicos, Camaquã) e Tekoa Guabiju (Piquiri, Cachoeira do Sul), assentadas sobre propriedades da Companhia Estadual de Silos e Armazéns (CESA), cujo patrimônio está sendo leiloado sem levar em consideração nossos direitos territoriais, e também aquelas assentadas sobre patrimônio da CEEE, como Tekoa Ka’aguy Poty (Estrela Velha) e Guajayvi (Charqueadas) – esta última também ameaçada por uma obra de mineração – entre outras. É urgente que o governo do estado retire todas as áreas habitadas pelos povos indígenas e que são consideradas terras públicas estaduais dos processos de negociação e venda do patrimônio do estado a empresas privadas.
Também há de se destacar as áreas da extinta Fepagro, retomadas pelo povo guarani em Maquiné, Rio Grande e Terra de Areia. A comunidade desse último município, Tekoa Yy Rupa, foi ignorada em suas demandas pela Secretaria de Agricultura e Desenvolvimento Rural (SEAPDR) e hoje corre o risco de ser expulsa de seu solo ancestral e suas matas nativas para dar lugar a um presídio. A Tekoa Ka’aguy Porã, retomada de Maquiné, sofre com a morosidade das instituições em regularizar suas áreas sagradas como Reservas Indígenas ou como Terras Indígenas de ocupação tradicional. Do mesmo modo, a Tekoa Pará Roke, de Rio Grande, depende tanto do governo municipal quanto do governo estadual para que se encaminhe de forma devida a regularização fundiária das terras de sua aldeia.
Além dessas, há comunidades em situação de acampamento que aguardam o andamento dos processos demarcatórios da FUNAI, como as aldeias do Irapuá (região central do estado), Mato Preto (Erebango, norte do estado), aldeia do rio Capivari (Capivari do Sul, região litorânea) e Ponta do Arado (zona sul de Porto Alegre); e aqueles acampamentos sem providências em nível administrativo: aldeia Pekuruty/Arroio Divisa; Papagaio e Araxaty, em Cachoeira do Sul. Também há os casos de espera pelos procedimentos de delimitação da FUNAI, paralisados mesmo em estágios avançados de demarcação, como em Itapuã, Irapuá e Lami. Consideramos urgente que a FUNAI e demais autoridades tomem as medidas necessárias para proteger sobretudo as terras e as matas das aldeias do Lami e da Ponta do Arado, ambas no extremo sul do município de Porto Alegre, seriamente ameaçadas pelo avanço da especulação imobiliária e da destruição de suas matas sagradas.
Os nossos direitos constitucionais, em todo país, estão sendo ameaçados por uma nova leva de ataques dos setores que nos consideram inimigos e desejam acabar com nosso direito originário à terra. Como exemplos das ofensivas lançadas contra nossas comunidades e povos podemos destacar: a tese do Marco Temporal a ser julgada pelo STF; as tentativas parlamentares de retirar o Brasil da Convenção 169 da OIT; as ações de intimidação da FUNAI a organizações representativas dos povos indígenas, como a APIB; o avanço descontrolado do desmatamento, do garimpo e da grilagem de terras indígenas.
O que pedimos nesse documento são medidas específicas que se encontram ao alcance do governo estadual e da FUNAI. Demandamos do governo do estado do Rio Grande do Sul, de forma manifesta, a exclusão de áreas habitadas por povos indígenas das negociações em curso tanto com empresas em processo de privatização quanto de secretarias com projetos que envolvem a remoção de nossas comunidades. As áreas da CESA e da CEEE habitadas pelo nosso povo guarani e também pelos parentes Kaingang devem ser respeitadas e, para isso, devem ser desmembradas dos processos que envolvem a privatização e/ou extinção dessas empresas. Do mesmo modo, as áreas retomadas da Fepagro devem ser regularizadas como áreas sagradas do Povo Guarani e não transformadas em presídios ou áreas de turismo. Exigimos também que seja respeitado nosso direito de tomar parte em todos processos de negociação que envolvem nossas terras, pois é inadmissível que governos negociem a portas fechadas nossas terras originárias. Nesse sentido, é urgente que se constitua uma comissão de representantes do povo guarani e que acompanhe as reuniões entre o governo estadual e o federal que buscam negociar, inclusive, áreas já consagradas e regularizadas como Reservas Indígenas. Da FUNAI, bem como do poder público municipal e estadual, incluindo órgãos ambientais, demandamos que tomem as medidas cabíveis para garantir a segurança e o bem-estar das comunidades do Lami e de Ponta do Arado, bem como que protejam as matas sagradas de nosso povo contra as invasões e destruições promovidas pelos juruá.
Como encaminhamento, formamos uma comissão de caciques e lideranças que deverá acompanhar as negociações em curso que dizem respeito às nossas terras. Dessa forma, exigimos que o governo estadual e o governo federal assumam suas responsabilidades e respeitem os nossos direitos originários e territoriais, reconhecendo a Comissão de Caciques e Lideranças como parte legítima e incontornável em todos os processos de negociação em curso que incidem sobre nossos territórios e nossas vidas. Nossa Comissão será composta por caciques e lideranças de todo estado, bem como por organizações indígenas como a Comissão Guarani Yvyrupa e a ArpinSul, além de entidades indigenistas de apoio. Iremos solicitar audiências no âmbito estadual e federal, com todas as instituições competentes que vêm tomando parte nas negociações e tratativas acima referidas.
Por fim, destacamos a força dos kunumi kuery, nossos jovens, que estiveram presentes desde o início nas mobilizações, ajudando nos mutirões de construção e plantio dentro da aldeia, bem como buscando o conhecimento do Nhande Reko, o sistema guarani, que se relaciona com a nossa espiritualidade. No encerramento, realizado no dia 15, os kunumi kuery apresentaram às lideranças suas reflexões sobre o fortalecimento do nhande reko e apontaram os caminhos a seguir pela frente na continuidade da luta pelos territórios. A partir de agora, os jovens estão inspirados, motivados e organizados para fazerem encontros e atenderem aos chamados de parentes que tenham seus territórios ameaçados. Esses encontros não serão realizados apenas para discussões, mas para fortalecer efetivamente o Nhande Reko, ajudando em mobilizações comunitárias de construção de casas tradicionais, plantio e fortalecimento dos Karai e das Kunhã Karai, nossos rezadores.
Encerramos esse encontro com as belas palavras dos Xeramoi e das Xejaryi, nossos anciões e anciãs, que iluminam nossos caminhos e nossa luta com os ensinamentos de nossos ancestrais, sob o olhar de Ñhanderu.
Aguyjavete!
Tekoa Pindó Poty, 15 de maio de 2021
Acesse o documento: DOCUMENTO FINAL DO ENCONTRO DE LIDERANÇAS E CACIQUES MBYA GUARANI DO RIO GRANDE DO SUL