VITÓRIA! STF suspende desocupação de terra da Comunidade Indígena Tupinambá

VITÓRIA! STF suspende desocupação de terra da Comunidade Indígena Tupinambá

A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, suspendeu nesta terça-feira (27) a decisão da Justiça Federal de Itabuna (BA) que determinou a imediata desocupação, pela Comunidade Indígena Tupinambá de Olivença, do Conjunto Agrícola São Marcos (BA), com área total de 84 hectares. A ministra atendeu a um pedido de liminar na Reclamação (RCL) 46980, ajuizada pela Defensoria Pública da União (DPU).

A Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas (FPMDDPI) manifestou solidariedade ao povo indígena Tupinambá e reforça a necessidade de acelerar processos de demarcação de terras indígenas em todo país para minimizar conflitos nessas regiões.

Apesar de não demarcada, à Terra Indígena Tupinambá de Olivença tem laudo antropológico publicado pela Funai, comprovando a posse tradicional e originária dos índios no local.
Um dos responsáveis pela comunidade da Serra do Padeiro e uma das principais lideranças indígenas do país, Rosivaldo Ferreira da Silva, o Cacique Babau é uma das lideranças protegidas pelo programa de proteção da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS). Ele é uma das 53 lideranças indígenas do estado que são assistidas atualmente pelo programa, por estarem sob diversos tipos de ameaças, inclusive de morte.

A FPMDDPI manifesta repúdio à tentativa de intimidação dos povos indígenas mediante violência para expulsá-los de seus territórios. É inadmissível que lideranças indígenas precisem ser colocadas em programas estatais de proteção para terem sua segurança garantida.

“Nós somos o povo indígena mais antigo de contato do país, vivendo com nossa cultura e nossa tradição e vemos agora neste governo a Funai violar todos os direitos dos povos indígenas”, disse o cacique Babau.

Segundo o cacique, o recurso contra a decisão da Justiça Federal foi feito pela DPU porque a Advocacia-Geral da União (AGU) se recusou a defender o povo Tupinambá, alegando não ter autorização da Funai. De acordo com Babau, a Funai não autoriza mais a defesa de terras em processo de demarcação, só de terras demarcadas e homologadas.

“Que burrice é essa? Terra demarcada e homologada precisa de proteção. A função da Funai é demarcar e fazer valer o direito dos povos indígenas, então ela comete um crime na sua execução”, criticou o cacique.

A decisão da Justiça Federal, derrubada por Rosa Weber, autorizava o uso de força policial para o cumprimento do mandado de reintegração de posse. A ministra do STF lembrou que, em maio do ano passado, o ministro Edson Fachin determinou a suspensão nacional de todos os processos e recursos judiciais que tratem de demarcação de áreas indígenas, até o final da pandemia da Covid-19 ou até o julgamento final do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, com repercussão geral reconhecida. O RE discute a definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena.

Via Frente Parlamentar Indígena 

DENÚNCIA: Invasão da Terra Indígena Lami (RS)

DENÚNCIA: Invasão da Terra Indígena Lami (RS)

NOTA DA COMISSÃO GUARANI YVYRUPA DE DENÚNCIA SOBRE A INVASÃO DA TERRA INDÍGENA LAMI – TEKOÁ PINDO POTY

SOFREMOS UMA INVASÃO CONTÍNUA DE NOSSAS TERRAS DE NOSSO MODO DE SER

A Comissão Guarani Yvyrupa, organização Guarani, representante do povo Guarani do sul e sudeste do Brasil torna pública a manifestação sobre mais um, dos inúmeros, ataques aos direitos fundamentais do povo Guarani: a Terra Indígena Lami (Tekoá Pindo Poty), localizada em Porto Alegre-RS, foi invadida em plena pandemia de COVID-19. No exato momento de publicação desta nota, os invasores continuam no interior da Terra Indígena, e a Funai, órgão que deveria prevenir e combater os danos aos nossos direitos territoriais, permanece omissa, sem cumprir seu papel determinado por lei, pela Constituição, e por seu próprio estatuto.

Desde 1500, somos invadidos diariamente pelos não indígenas – nas nossas maneiras de organização, modo de ser, viver e nos nossos territórios. Tudo isso, infelizmente, tem se intensificado nos períodos atuais. A invasão territorial que ocorre na TI Lami (Tekoá Pindo Poty) é o retrato da situação atual dos povos indígenas do Brasil. A especulação imobiliária encontra terreno fértil para promover ataques aos territórios indígenas na conjuntura atual, pois os especuladores são legitimados por discursos preconceituosos e anti-indígenas. Assim, seguem tentando acabar com o pouco que ainda nos resta de nosso território, o pouco que ainda conseguimos preservar, espaços que defendemos com nossas próprias vidas – pois eles são mesmo parte de nós.

A terra, para o povo Guarani é sagrada, nascemos dela e à ela retornamos, é nela que criamos nossos filhos, mantemos nosso fogo sagrado aceso, entoamos cantos, ouvimos os ensinamentos dos xeramõi e xejaryi kuery e também relembramos aqueles que partiram sem que vissem suas terras demarcadas.

O direito aos nossos territórios é reafirmado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 231, que diz que é dever da União demarcar e fazer respeitar os territórios indígenas e reforçado pelo artigo 13 da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Funai, por sua vez, é o principal órgão responsável por conduzir essa função, de fazer valer o respeito aos nossos territórios, nossa saúde e nossa cultura. É o que suas próprias regras internas chamam de “proteger e promover os direitos dos povos indígenas” (art. 2º do Regimento Interno). Um dos princípios que deve mover a Funai é o da garantia aos direito territoriais originários, que significa, entre outras coisas, a demarcação das terras indígenas e a segurança de que essas terras não serão tomadas por invasores, não terão seu meio ambiente devastado pelos não-indígenas. Aliás, o próprio Estatuto da Funai diz com todas as letras que a “retirada dos invasores” das terras indígenas é papel da sua Diretoria de Proteção Territorial, que deve inclusive mobilizar toda a ajuda de outros órgão que precisar para isso. No entanto, até agora, nada de concreto foi feito pela Funai, que está descumprindo suas próprias obrigações.

Nesse sentido, a Comissão guarani Yvyrupa, repudia toda e qualquer ação ou omissão, de particulares e órgãos públicos que afrontem o nosso mais sagrado direito, o direito aos nossos territórios, de onde nascem todos os outros direitos. Um povo sem terra é um povo sem mãe, sem possibilidade de sobrevivência, sem possibilidade de dar continuidade ao nhandereko (modo de ser/viver guarani).

Reafirmamos nosso posicionamento de que lutaremos pela defesa de nosso povo e nossos territórios até quando e onde for necessário e que só nos realizaremos quando tivermos todas as nossas terras demarcadas e todos os nossos direitos garantidos.
Estamos atentos às investidas do atual governo que tem adotado políticas anti-indigenas e que tem tentado suprimir nossos poucos direitos que duramente foram conquistados.
Estamos conectados em luta.

Em cada tekoá existem xondaros e xondarias, xeramõi e xejaryi kuery que se conectam à nossa luta.

Pelo direito originário à terra, a Comissão Guarani Yvyrupa vem denunciar a invasão criminosa que ocorre na Tekoa Pindo Poty e a repudiar a omissão da Funai e das demais autoridades públicas diante dos fatos.

PINDO POTY É GUARANI!

Aguyjevete pra quem luta!

Porto Alegre – RS
22 de abril de 2021

‘Direito dos povos indígenas à terra é cláusula pétrea’, diz Barroso em entrevista ao Jornal O GLOBO

‘Direito dos povos indígenas à terra é cláusula pétrea’, diz Barroso em entrevista ao Jornal O GLOBO

Relator de ação no STF que cobra do governo um plano de combate à Covid-19 em aldeias, ministro lamenta ‘dificuldade em sensibilizar atores governamentais’

Por Daniel Biasetto, para O Globo

RIO – Relator de processos no Supremo Tribunal Federal (STF) ligados às questões indígena, climática e ambiental, o ministro Luís Roberto Barroso entende que estas causas não podem ficar dissociadas ao defender um novo modelo de desenvolvimento para a Floresta Amazônica, tema sobre o qual tem se debruçado há um ano e que deve ocupar parte da agenda da Corte em 2021.

Entre os casos mais polêmicos está a ação que defende que povos indígenas só possam reivindicar terras onde já estavam em 5 de outubro de 1988, quando a Constituição foi promulgada. Esse julgamento terá repercussão geral, ou seja, a decisão deverá ser aplicada por juízes de todo o Brasil. A respeito do assunto, Barroso é taxativo.

— Não tenho dúvida de que o direito dos povos indígenas à terra é cláusula pétrea — afirmou o ministro em entrevista ao GLOBO por email, a primeira sobre a ação que cobra do governo um plano de combate à Covid-19 nas aldeias.

Covid-19 nas aldeias
Ao homologar parcialmente a quarta versão do plano do governo, no mês passado, Barroso afirmou em sua decisão que via um quadro de “profunda desarticulação” por parte dos órgãos responsáveis na elaboração do documento. Questionado sobre a lentidão nas ações do Executivo, que levou nove meses para entregar um planejamento aceitável, Barroso avaliou que se trata de um problema crônico e que falta sensibilidade a alguns “atores governamentais” sobre a importância devida à questão indígena:

— Encontramos uma estrutura de atendimento aos povos indígenas muito depreciada, que é produto de problemas de longa data e de sucessivos governos. A essa situação, que já era grave, se somam múltiplos fatores, como a dificuldade em sensibilizar alguns atores governamentais para a importância da questão indígena; a complexidade técnica de um plano dessa natureza; e a gravidade da pandemia, que levou a uma grande sobrecarga de todas as estruturas governamentais, com agravamento do quadro — disse o ministro.

Apesar das críticas, Barroso diz enxergar avanços e descarta a necessidade de uma ação de responsabilização contra o Estado, como defende a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), autora da ação.

— Minha preocupação é salvar vidas. Esse é o objeto da ação. Como juiz, tenho que me limitar a ele. Não acho positivo falar em responsabilização neste momento. As decisões estão sendo progressivamente cumpridas — afirma.

Entre os avanços citados por ele estão barreiras sanitárias em favor de povos isolados e de recente contato; instalação da Sala de Situação para o acompanhamento da pandemia com representantes indígenas; e extensão, ao menos parcial, do serviço especial de saúde aos povos que vivem em terras indígenas não homologadas.

Na decisão que homologou o plano do governo, Barroso tocou num dos temas mais delicados da ação que corre no Supremo: a retirada de invasores de sete terras indígenas, o que requer planejamento e uso das forças policiais. Os indígenas se queixam da presença maciça de garimpeiros, madeireiros e grileiros nessas áreas. Barroso determinou que o Ministério da Justiça e a Polícia Federal (PF) apresentassem um plano de isolamento de invasores e cobrou também a colaboração do Ibama, da Funai e da Agência Nacional de Mineração (ANM).

— O foco de um plano desse tipo é conter invasões e evitar o contato dos invasores com as comunidades locais. Um novo Plano de Isolamento acaba de ser apresentado e será examinado. A desintrusão é uma questão que está no meu “radar”, mas sem desconsiderar as complexidades da pandemia. Desintrusão, com envio de tropas, em meio à pandemia, aumentaria muito o risco de contaminação — analisa Barroso.

Consulta às comunidades
Marcada por uma escalada de conflitos nos últimos dias, a Terra Indígena Munduruku, no sudoeste do Pará, é uma das áreas em que os invasores serão isolados. Por conta da decisão do STF, Jacareacanga, a 1,8 mil quilômetros da capital Belém, vive um clima tenso com depredação de uma associação de indígenas mulheres e ameaças aos indígenas que não compactuam com a prática da extração ilegal de ouro.

Na quinta-feira, O GLOBO revelou que garimpeiros aliciaram indígenas para viajarem em dois ônibus para Brasília com o objetivo de pressionar o Supremo e o Congresso contra a retirada dos invasores e a favor do projeto de lei 191/20, que libera a exploração de minérios em terras indígenas, encaminhado pelo Executivo à Camara dos Deputados.

Perguntado sobre o fato de o Executivo incentivar a exploração de minérios das terras indígenas, Barroso recorre ao artigo da Constituição que versa sobre os direitos dos povos indígenas assegurando que as comunidades afetadas devem ser ouvidas antes de qualquer uso da terra.

— O art. 231 prevê que “o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei”. Tratados internacionais de que o Brasil é parte também disciplinam a exploração de empreendimentos em terras indígenas e questões atinentes à preservação ambiental. A minha preocupação, como juiz, é de que – o que quer que venha a ser decidido – seja compatível com tais normas — defende o ministro.

Dia do Fogo
Diversas entidades indígenas acusam o governo federal de apoiar e incentivar não só o garimpo, mas também a ação de grileiros e desmatadores. Afirmam ainda que os criminosos se valem do discurso oficial para realizar seus ilícitos. Perguntado se reconhece nas ações do governo algum traço de estímulo a essas práticas e se, na sua opinão, as queimadas realizadas no Dia do Fogo em diversas regiões do país têm a ver com isso, Barroso foi cauteloso, mas não se furtou de fazer um conexão entre os atos.

— Evito emitir juízos políticos, assim como manifestar convicção sobre eventos que ainda não tive a oportunidade de examinar e sobre os quais posso vir a ter que decidir. De resto, me parece que o número de quilômetros quadrados de floresta desmatada e/ou queimada nos últimos anos fala por si.

Barroso não quis comentar sobre a lei aprovada pelo Congresso (14.021) que libera a presença de missionários em terras com registro de povos isolados em plena pandemia.

— A questão é objeto de ação sob a minha relatoria e está sendo examinada. Evito antecipar entendimentos — diz.

O ministro chama atenção para “urgência” que demanda a Amazônia, crucial diz, não só para o Brasil, mas também para toda a humanidade.

— Precisamos tratar com urgência da Amazônia. O Brasil pode prestar um grande serviço à humanidade e a si próprio propondo um novo modelo de desenvolvimento que se baseie na bioeconomia da floresta e na geração de produtos de alto valor agregado, com base em sua enorme biodiversidade. É uma grande oportunidade que não podemos desperdiçar de produção de novos medicamentos, cosméticos, produtos e patentes, que permitiriam o desenvolvimento da região, a melhoria da vida das pessoas, mantendo a floresta preservada. Precisamos enfrentar os crimes ambientais, proteger as áreas indígenas e criar uma bioeconomia da floresta — afirma Barroso.

Artigo originalmente publicado em O Globo no dia 19.04.2021

DE NOSSOS ANCESTRAIS AOS DIAS ATUAIS: NOSSA RESISTÊNCIA INDÍGENA

DE NOSSOS ANCESTRAIS AOS DIAS ATUAIS: NOSSA RESISTÊNCIA INDÍGENA

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, no meio da crise sanitária provocada pela Covid-19, piorada pelo pior vírus da história política e democrática do país – o Governo Bolsonaro – realiza o XVII Acampamento Terra Livre (ATL), a maior mobilização indígena que mesmo de forma virtual, faz ecoar junto à sociedade nacional e internacional, as graves violações aos direitos fundamentais dos nossos povos cometidas pelos invasores de ontem e de hoje e que no atual momento político são incentivados por órgãos de governo, agentes públicos e pelo próprio presidente da República.

A APIB alerta ao povo brasileiro e ao mundo sobre os riscos que pairam sobre os nossos povos, pois está em curso um projeto de morte, que em nome do crescimento econômico e desenvolvimento empreende contra nós uma ofensiva através de distintos meios: administrativos, jurídicos e legislativos visando suprimir os nossos direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988, com destaque para o nosso direito à posse e usufruto exclusivo das nossas terras, às políticas específicas e diferenciadas que nos dizem respeito, enfim, o nosso direito de existir como povos originários, com os nossos modos próprios de vida.

Diante dessa tragédia desenhada, que re-edita a invasão colonial do ano de 1500, anunciamos, em primeiro lugar que não desistiremos de resistir e lutar como já o fizeram os nossos ancestrais e líderes que nos antecederam. E com essa disposição, de inclusive dar a vida pela nossa mãe terra, pelas nossas atuais e futuras gerações,  exortamos aos setores solidários da sociedade nacional e internacional a somarem conosco, não apenas para proteger os nossos direitos para fortalecer a nossa contribuição histórica e atual ao bem viver da humanidade inteira, pelo equilíbrio climático e a restauração de uma sociedade justa, plural, realmente democrática e respeitosa dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito. Desde essa perspectiva manifestamos:

 

Ao poder Legislativo

  1. Somos radicalmente contrários a quaisquer iniciativas que pretendem reverter e suprimir os nossos direitos assegurados pelos Artigos 231 e 232 da Lei Maior e outros artigos extensivos a nossa condição de cidadãos brasileiros, aliás, os primeiros, pois já estávamos aqui nestas terras quando os europeus as ultrajaram, exterminado a milhões de parentes nossos, soterrando culturas diversas e múltiplas línguas maternas.
  2. Repudiamos a intenção de transferir para o Congresso Nacional a responsabilidade de demarcar as nossas terras,  artimanha voltada a atender os interesses do latifúndio, do avanço das fronteiras agrícolas e suas sequelas ecocidas sobre os nossos territórios, em razão do uso indiscriminado de agrotóxicos, contra as nossas múltiplas formas de produção tradicional, nosso vínculo cultural e espiritual com a Mãe Natureza.
  3. Rechaçamos rotundamente  emendas constitucionais, como a PEC 215, e Projetos de Lei como o 191 que tentam disponibilizar os nossos territórios à mineração ou legalizar ilícitos como o garimpo, hoje sob controle de verdadeiras organizações criminosas,  desrespeitando preceito constitucional que exige a existência de lei complementar, bem como o direito de consulta livre prévia e informada assegurada pela  Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e o princípio de excepcionalidade que preserva os nossos territórios desse tipo de empreendimentos.
  4. Reivindicamos do Congresso Nacional, isso sim, medidas que reiterem ou reafirmem o caráter multiétnico e pluricultural do Estado brasileiro reconhecido pela Constituição Federal e o arquivamento de quaisquer iniciativas legislativas destinadas, sob comando de interesses privados, nacionais ou internacionais, a usurpar os nossos direitos originários às nossas terras e a desconstruir a nossa existência de coletividades étnica e culturalmente diferenciadas.

 

Ao poder Judiciário

  1. Saudamos e reconhecemos como histórica as últimas decisões, principalmente da Suprema Corte, que por um lado reconfirma a legalidade e legitimidade da nossa organização social própria estabelecida pela nossa Lei Maior. E por outro, consagra o direito de acesso a justiça aos nossos povos e comunidades.

 

  1. Responsável maior pela proteção dos direitos constitucionais manifestamos a nossa confiança nas subsequentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) visando a proteção integral dos direitos fundamentais dos nossos povos, em especial o direito originário, congénito, nato, às terras que tradicionalmente ocupamos.

Ao Poder Executivo

  1. Exigimos do transitório governo Bolsonaro que desista de seu projeto de morte, de seu vil plano genocida, de suas intenções solapadas ou explícitas de nos exterminar. Que se não ou fez durante os mais de 28 anos de vida parlamentar, que leia e obedeça a Constituição, principalmente os artigos que asseguram os nossos direitos.
  2. Reivindicamos desse governo respeito à posição maioritária entre os nossos povos de não admitir a disponibilização dos nossos territórios à exploração predatória decorrente de empreendimentos minerários, madeireiros, hidrelétricos e quaisquer outras obras de infraestrutura, que implicam na destruição do nosso entorno: das nossas florestas, rios, lagos, lugares sagrados, e da biodiversidade que ajudamos a preservar milenarmente.
  3. Exigimos o fim do incentivo às invasões e aos ilícitos cometidos por organizações criminosas que na gestão desse governo tem se intensificado: grilagem, garimpo, exploração ilegal de madeiras, pesca ilegal, trafico de drogas e aliciamento de lideranças indígenas.
  4. Repudiamos e exigimos o fim da guerra fratricida alimentada por este governo, que alimenta o divisionismo, o conflito e confronto entre indígenas, ao promover a cooptação de alguns indígenas para que legitimem a abertura e disponibilização dos nossos territórios aos interesses do agronegócio e da mineração, entre outros empreendimentos.
  5. Por fim, exigimos respeito não apenas à Constituição Federal mas também aos Tratados Internacionais assinados pelo Brasil que protegem os nossos direitos, o respeito aos Direitos Humanos, o fim do cinismo e negacionismo diante da crise sanitária que assola o nosso país e a preservação do Estado Democrático de Direito.

 

Brasília – DF, 19 de abril de 2021.

 

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

Todo brasileiro hoje sente o que é ser tratado como indígena

Todo brasileiro hoje sente o que é ser tratado como indígena

Nem sempre deixamos de sentir a dor do outro por falta de empatia; às vezes, isso acontece por puro desconhecimento. A história do Brasil sempre foi muito mal contada. Não desejamos o que passamos a ninguém, nem mesmo aos nossos algoritmos. São 520 anos de perseguição praticamente ininterrupta. Mas, neste Dia do Índio (19.abr), estamos enfrentando a maior ameaça de nossa existência. E agora não me refiro somente a nós, indígenas. O governo federal atual fez o coronavírus um aliado e põe em risco a vida da população em geral. Hoje, todos sentem como se fosse ser achado por uma doença que vem de fora, contra a qual não há defesa. Todos mesmo; agora, falo do mundo inteiro.

Nós, indígenas, somos perseguidos em nosso próprio país; neste momento, por causa da Covid-19. Todos nós, brasileiros, corremos o sério risco de sermos marginalizados globalmente. Ninguém em sã consciência nega a importância da Amazônia para a saúde do planeta – e hoje a ciência na destruição da natureza e como mudanças climáticas podem causar novas pandemias. Mas, além de abusar da caneta para atacar o meio ambiente e os nossos direitos, como de costume, o presidente Jair Bolsonaro vem tentado aliciar e constranger lideranças indígenas. Até Funai e Ibama estão jogando sem rival. Não é apenas um vírus.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) foi criada em 2005 no primeiro Acampamento Terra Livre (ATL), evento que reunia milhares de pessoas de todo o país em Brasília —por causa da pandemia, ele foi realizado virtualmente em 2020 e, neste ano, terá encontros online durante todo o mês de abril. É fruto da união e auto-organização dos povos, que são as raízes que sustentam esse país e que durante uma pandemia reconhecida o reconhecimento do Supremo Tribunal Federal (STF) como entidade que pode entrar com ações diretas no corte principal do país.

Com associações regionais, nossa rede está presente em todas as regiões do país: a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), o Conselho do Povo Terena, a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpinsudeste), a Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpinsul), a Grande Assembleia do Povo Guarani (Aty Guasu), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Comissão Guarani Yvyrupa.

No ano passado, um Apib ganhou o Prêmio Internacional Letelier-Moffitt de Direitos Humanos , concedido pelo Instituto de Estudos Políticos de Washington. A organização tem sido chamada a falar em serviço da ONU. Há décadas tem voz ativa em serviços internacionais, junto a organismos como a ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Enquanto o governo negligencia criminosamente o atendimento aos povos tradicionais durante a pandemia , com seu projeto integracionista, estamos garantindo segurança alimentar, barreiras sanitárias e equipamentos de proteção por meio do Plano Emergência Indígena, construído de forma participativa com todas as associações de base que compõem nossa grande articulação.

Estamos nas redes, aldeias, universidades, cidades, prefeituras, Câmaras Legislativas federais, estaduais e municipais e seguiremos lutando contra o racismo e a violência. Em um mundo doente e enfrentando um projeto de morte, nossa luta ainda é pela vida, contra todos os vírus que nos matam! Nosso maior objetivo é garantir a posse de nossas terras para preservá-las e manter nossas identidades culturais.

Terras indígenas são bens da União; ou seja, pertencentes ao Brasil, a todos os brasileiros. Temos direito a seu usufruto, mas para manter nossos modos de vida tradicionais. Está tudo na Constituição. Conhecemos as mentiras, que agora são as famosas notícias falsas, desde 1500, quando os portugueses chegaram aqui oferecendo amizade e, assim que dávamos as costas, nos apunhalavam. Não trocamos Pindorama por espelhos, conforme ensinavam erroneamente os livros de história de antigamente. Sabemos o real valor das coisas e das pessoas.

No dia 6 de abril, quando 4.195 compatriotas foram levados pela Covid-19 no país , a revista “Forbes” publicou duas notícias que dizem muito: mais 11 brasileiros entraram para uma lista de bilionários do mundo durante uma pandemia —dentre eles, ironicamente, nomes ligados à saúde privada— e que todo dia 116,8 milhões de pessoas não sabem se precisam do que comer no país.

O abismo social se aprofunda; a quem isso interessa? Quem acredita que vai ver a cor do dinheiro que será arrancado das ruínas de nossas terras? “Decidimos não morrer”: esta resolução, tomada por nós há mais de cinco séculos, foi reafirmada no Acampamento Terra Livre. Nem todos sabem, mas zelar pelo meio ambiente é um dever constitucional de todo cidadão —é só consultar o artigo 225.

Convidamos todos os brasileiros a firmar esse acordo conosco.

 

Artigo publicado originalmente na Folha De São Paulo, 19 de abril de 2021

Dia dos Povos Indígenas celebra resistência dos povos originários do Brasil

Dia dos Povos Indígenas celebra resistência dos povos originários do Brasil

Debates, lançamentos, festival e atividades culturais marcam o Dia dos Povos Indígenas nesta segunda (19). Organizações realizam eventos especiais dentro da programação do 17° Acampamento Terra Livre

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e suas organizações regionais realizam atividades especiais em celebração ao Dia dos Povos Indígenas, 19 de abril. O dia começa com ato simbólico no gramado da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e se estende até o fim da noite com várias atividades. A data é o início da semana Emergência Indígena do Acampamento Terra Livre – cuja programação segue até o dia 30 de abril. 

O Dia do Índio foi uma data alusiva criada no Brasil por meio de um decreto do presidente Getúlio Vargas, em 1943. A adoção de 19 de abril como dia para celebrar a cultura dos povos indígenas do Brasil foi resultado de debates realizados no Primeiro Congresso Indigenista Interamericano em 1940, no México. No entanto, de acordo com Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, o termo ‘índio’ remonta estereótipos sobre indígenas e, portanto, carrega racismo: “Ou seja, uma data com esse nome não alcança a diversidade dos 305 povos indígenas do Brasil e, ao romantizar a figura do indígena, invisibiliza os povos originários”, alerta.  

O dia 19 de abril é celebrado pelos povos originários como o Dia dos Povos Indígenas. Nesta data, indígenas se organizam para demarcar politicamente na história nacional a trajetória de resistência desde a colonização, denunciando as violências sofridas diariamente, mas também fortalecendo a luta pela garantia de direitos fundamentais previstos na Constituição de 1988 e em tratados internacionais. 

Não por acaso, 19 de abril é também o aniversário da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), organização que completa 32 anos e abrange nove estados da região a partir de uma rede que agrega associações indígenas de mulheres, juventude, professores, entre outros grupos. A Coiab é resultado de um processo de articulação política dos povos originários iniciado após a homologação da Constituição de 1988, com intuito de fortalecer a organização social dos povos indígenas da Amazônia. 

Acampamento Terra Livre

Tradicionalmente realizado no mês de abril para marcar o Dia dos Povos Indígenas, o Acampamento Terra Livre (ATL) chega à sua décima sétima edição – a segunda em formato online em decorrência da pandemia de Covid-19. Integrando as pautas e agendas de luta dos povos indígenas de todo o país, o ATL 2021 é marcado por uma mensagem sobre a força e celebração da ancestralidade. 

Uma mobilização sobre a resistência indígena para movimentar as redes sociais, o lançamento da campanha “Quem matou Ari?” que busca justiça para o líder do povo Uru Eu Wau Wau assassinado há um ano, a segunda edição do Festival Arandu e o lançamento do livro “Vukápanavo – O despertar do Povo Terena para os seus direitos: movimento indígena e confronto político” de Eloy Terena (coordenador jurídico da Apib) são alguns dos eventos promovidos neste 19 de abril. Toda a programação é transmitida ao vivo pelas plataformas online da Apib e das organizações envolvidas. 

Acesse e assista a programação no site do ATL 2021 em: https://apiboficial.org/atl2021 

Justiça determina reintegração de posse de áreas em disputa dentro de comunidade indígena no sul da Bahia

Justiça determina reintegração de posse de áreas em disputa dentro de comunidade indígena no sul da Bahia

A Justiça Federal de Itabuna, cidade do sul da Bahia, determinou a reintegração de posse de áreas em disputa dentro da Comunidade Indígena Tupinambá de Olivença, especificamente a Comunidade Indígena Tupinambá da Serra do Padeiro.

Segundo informações da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS), que tomou conhecimento, na manhã desta sexta-feira (16), e acompanha o caso, a decisão solicita a desocupação da área do imóvel rural Conjunto Agrícola São Marcos.

De acordo com a SJDHDS, a área em questão está dentro da comunidade indígena, que ainda não foi demarcada, o que aumenta a instabilidade e o conflito na região.

Um dos responsáveis pela comunidade da Serra do Padeiro e uma das principais lideranças indígenas do país, Rosivaldo Ferreira da Silva, o Cacique Babau é uma das lideranças protegidas por programas de proteção geridos pela SJDHDS na Bahia.

O Cacique Babau é uma das 53 lideranças indígenas da Bahia que são assistidas atualmente por um programa de proteção, por estarem sob diversos tipos de ameaças, inclusive de morte.

Em nota, a SJDHDS informou que recebeu a decisão com surpresa. Ainda segundo o órgão, a reintegração contraria determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, decidiu suspender os processos de reintegração de posse em áreas indígenas durante a pandemia.

A aldeia pertence à Terra Indígena Tupinambá de Olivença, delimitada por laudo antropológico da Funai (RCID – Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação) publicado no Diário Oficial da União em 2009.

A Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia revelou que o próximo passo do processo demarcatório seria a emissão da Portaria Declaratória/Demarcatória pelo Ministério da Justiça.

Contudo, no início de 2020, o órgão devolveu o processo demarcatório para a Funai reavaliá-lo. A SJDHDS considerou que a ação retardou ainda mais o feito, e gerou insegurança jurídica.

 

Áudios: Garimpeiros do Pará articulam protesto em Brasília no Dia do Índio e bancam caravana para pressionar STF e Congresso

Áudios: Garimpeiros do Pará articulam protesto em Brasília no Dia do Índio e bancam caravana para pressionar STF e Congresso

Por Daniel Biasetto,do jornal O Globo

RIO – Lideranças do garimpo ilegal que exploram a Terra Indígena Munduruku, no sudoeste do Pará, articularam uma vaquinha entre empresários, comerciantes e moradores dos municípios de Jacareacanga e Itaituba para enviar, no momento mais crítico da pandemia de Covid-19, ônibus  “lotados de índios” a Brasília, com o objetivo de pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso a favor de suas demandas.

Eles pretendem chegar na próxima segunda-feira, Dia do Índio, para protestar contra a retirada dos invasores determinada pelo ministro do STF, Luis Roberto Barroso, e pedir apoio de parlamentares pela aprovação do projeto de lei da Câmara dos Deputados (PL 191/20), que libera a mineração nessas terras. O GLOBO  teve acesso a diversos áudios em que garimpeiros e uma liderança indígena discutem a estratégia de cooptar os índios e arrecadar recursos de quem se beneficia da prática de extração de ouro ilegal na região para fazer a viagem até Brasília. Ao menos dois micro-ônibus já deixaram Jacareacanga com destino à capital federal.

Abastecida pelo garimpo ilegal na área dos Munduruku, a região de Jacareacanga, distante cerca de 1.800 quilômetros da capital Belém, vive uma situação tensa após a decisão do STF. Nesta quarta-feira, um grupo de garimpeiros bloqueou a rodovia BR-230 em protesto contra as operações federais de combate à prática ilegal do garimpo. De acordo com uma fonte, um pequeno grupo de indígenas libera a entrada de garimpeiros ilegais em troca de porcentagem da venda de ouro.

Vista aérea do garimpo na Terra Indígena Munduruku, um das sete que terão operação de retirada de invasores determinada pelo STF Foto: Marcos Amend/Greenpeace
Vista aérea do garimpo na Terra Indígena Munduruku, um das sete que terão operação de retirada de invasores determinada pelo STF Foto: Marcos Amend/Greenpeace

Em um das gravações, O GLOBO identificou Vilelú Inácio de Oliveira, o Vilela, como um dos líderes dos garimpeiros que promove a caravana. No áudio destinado a um grupo de uma cooperativa, Vilela cita a decisão do Supremo e diz que “desta vez é ordem judicial que terá de ser cumprida pela Polícia Federal, Ibama e Exército”.

A TI Munduruku é uma das sete terras indígenas alvos da decisão do STF para que seja realizada a retirada dos invasores nos próximos dias. As demais são Yanomami, Karipuna, Uru-EuWau-Wau,  Kayapó, Araribóia e Trincheira Bacajá.

O Ministério Público Federal (MPF) já reforçou pedido à Justiça Federal alertando para o iminente conflito entre invasores e indígenas contrários ao garimpo.

De acordo com o Deter,  levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia, somente nas terras indígenas Munduruku e Sai Cinza, ambas do povo Munduruku, foram observados 219,82 hectares de desmatamento para realização da atividade garimpeira entre agosto 2020 e janeiro 2021.

“Matar esse passarinho no ninho”

“Mais uma vez se vê necessário ir para Brasília levar uns dois ônibus lotados de índios para nós tentarmos reverter esse quadro da Polícia Federal, que está preparada para vir aqui dentro da área indígena junto com Ibama e Exército, mas dessa vez é ordem judicial, não tem como eles saírem fora”,  afirma Vilela, indicando que em outras operações comandadas por “Mourão” (vice-presidente general Hamilton Mourão) via “GLO” (Garantia da Lei e da Ordem) era mais fácil de resolver.

“Inclusive, estamos como réus porque estamos acobertando a área indígena e não estamos protegendo. Então, se faz necessário ir para Brasília para tentar matar esse passarinho no ninho e também ajudar no pedido do PL 191 para podermos legalizar nossa atividade dentro da terra indígena”.

Vilela indica na mensagem uma conta para depósito e quem será o indígenaresponsável por armar o esquema. O GLOBO teve acesso a dois comprovantes de depósito no valor de R$ 1 mil cada. “Vai ser um gasto grande dessa vez, mas vamos precisar de muita colaboração. A conta taí, o pedido do nosso amigo indigena, o Josias, tá aí também no grupo. E a hora é agora, gente. Se alguém quiser que não tenha operação em terra indígena e queira que essa lei seja aprovada, então é agora”.

Em outra gravação , o índio Josias Munduruku repassa o pedido de contribuição e convoca os demais para a manifestação em Brasília.

“Amigos garimpeiros. Venho pedir contribuição para nós fazemos uma viagem juntamente com lideranças que estão a favor do garimpo. Dia 15 queremos viajar para Brasília, fazer grande manifestação em prol do nosso garimpo, dentro do nosso território, e é por isso que venho pedir contribuição de cada um de vocês para que nós possamos ir para Brasília, lutar a favor da aprovação do PL 191. Dia 19 de abril , Dia do Índio, haverá grande manifestação em prol de mineração em nossas terras” .

O prefeito de Jacareacanga, Valdo do Posto (PSDB), disse ao GLOBO que não vai comentar o assunto por temer represálias dos garimpeiros.  Vilela e Josias não foram localizados.

Prefeito incentiva “trabalho extra” de  solteiras

Em outro áudio obtido pelo GLOBO, o prefeito de Itaituba,  Valmir Climaco (MDB-PA),  pede que desempregados da região procurem o garimpo como opção de trabalho e sugere que mulheres solteiras, “além de cozinhar e lavar as roupas para garimpeiros, têm grandes chances de  ganhar um dinheirinho” extra.

Em um áudio, o prefeito de Itaituba, no Pará, Valmir Climaco (MDB), aconselhou a população a aproveitar a alta no preço do ouro e lucrar com serviços ligados ao garimpo. Ele chegou a sugerir que mulheres solteiras ganhem um “dinheirinho extra” com serviços domésticos

“Quero dar um recado para quem está desempregado. O município de Itaituba nunca viu um ouro tão caro, tão bom de preço, como está nesse momento. Só para vocês terem uma noção, eu mandei fazer uma pesquisa, que desde que cheguei aqui em 1977 até 2000, a média do preço do quilo do ouro era de US$ 8 mil a US$ 10 mil. Hoje o preço do ouro é US$ 60 mil, o quilo! Nunca se viu tanto ouro extraído da nossa região que nem agora”.

E completa:

“Você mulher que tem um marido preguiçoso, só para você ter uma noção: 30 gramas de ouro que uma cozinheira ganha no garimpo. Ela cozinha e ainda lava as roupas dos garimpeiros para receber um dinheirinho. E se ela for solteira, ainda faz outra coisa e ainda ganha outro dinheirinho”.

Ao GLOBO, o prefeito Climaco , que é garimpeiro, reafirmou as declarações do áudio. E disse que quando se referiu às mulheres solteiras, estava falando sobre namoro.

– Se elas quiserem arrumar namorado lá são livres – afirma.

Climaco nega que tenha colaborado com a caravana e afirma que “até onde sabe” nenhum garimpeiro de Itaituba, que fica a 410 quilômetros de Jacareacanga, deve seguir na viagem, mas admite que muitos residentes da cidade trabalham no garimpo da terra indígena. Ele diz desconhecer a decisão do STF sobre a retirada de garimpeiros da região.

Matéria originalmente publicada pelo jornal O Globo. Acesse.

Projeto monitora relação entre indígenas e o sistema de justiça criminal

Projeto monitora relação entre indígenas e o sistema de justiça criminal

Foto: Erick Marques / Najup

Observatório vai avaliar políticas públicas e acompanhar casos emblemáticos. Encarceramento de indígenas é reflexo da marginalização dessas populações, diz advogado

Há uma relação próxima entre a não demarcação de terras indígenas e o encarceramento dessas populações, afirma o advogado Luiz Eloy Terena. Assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Eloy é um dos criadores do Observatório Sistema de Justiça Criminal e Povos Indígenas. Recém-lançado pela Apib, com o apoio do Fundo Brasil (mesma organização que mantém a Brasil de Direitos), o Observatório reúne pesquisadores e ativistas que vão acompanhar a relação entre essas populações e o sistema penal. O esforço é justificado pela complexidade da questão. Segundo Eloy, a prisão de indígenas é, frequentemente, reflexo da marginalização histórica desses povos.

>>Como um grupo de advogados indígenas processou o governo, e venceu

De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) há 1390 pessoas identificadas como indígenas presas no Brasil. A maioria das prisões aconteceu no  Mato Grosso do Sul: justamente o estado brasileiro onde o número de terras indígenas demarcadas é menor. Por lá, esse quadro provoca conflitos fundiários que, não raro, terminam em morte. Sem terra onde produzir alimentos, e sem estrutura para preservar sua cultura, os indígenas do Mato Grosso do Sul reúnem alguns dos piores indicadores sociais do Brasil.  “A criminalidade no Brasil está atrelada à extrema desigualdade social dos grupos que compõem a conjuntura social”, diz Eloy. “A falta de demarcação de territórios é um dos pilares que impulsionam e edificam a desigualdade social entre os indígenas e não indígenas na região”.

>>Banzeiro: o avanço do garimpo em terras indígenas

A ambição do Observatório é qualificar esse debate, por meio do acompanhamento de estatísticas e de casos emblemáticos. O grupo pretende, ainda, avaliar as políticas públicas existentes para o setor, propor meios para aprimorá-las ou apontar novos caminhos.  “A ideia é que o Observatório seja  um  mecanismo auxiliar de controle externo do poder público”, conta o advogado.

Brasil de Direitos: Dados de 2019, do Depen, informam que há 1390 pessoas identificadas como indígenas presas no Brasil. Há variações regionais importantes?
Luiz Eloy Terena: Há. O estado de Mato Grosso do Sul (MS) é aquele com maior número de detentos indígenas do Brasil: 349. Esse número é quase três vezes maior que o do segundo colocado — Roraima, onde há 110 presos indígenas.  No caso do MS, desses 349 presos, 184 pertencem à etnia Kaiowá, 93 são da etnia Guarani, 67 da etnia Terena e 4 da etnia Kadiwéu. Em que pesem as diferenças regionais, é possível afirmar que esse montante carcerário consideravelmente maior no estado de Mato Grosso do Sul tem relação com o histórico conflito por terras entre os povos indígenas e os latifundiários.  Trata-se, é importante ressaltar, do estado que tem menos terras indígenas demarcadas.

Como assim? Qual a relação entre demarcação de terras indígenas e o encarceramento dessas populações?
Essa relação se dá por conta da marginalização a que os povos indígenas são submetidos nestas regiões, considerando o cenário de violência em que vivem. A criminalidade no Brasil está atrelada à extrema desigualdade social dos grupos que compõem a conjuntura social. No Mato Grosso do Sul, há um descaso considerável por parte do poder público com relação às populações indígenas originárias. A falta de demarcação de territórios é um dos pilares que impulsionam e edificam a desigualdade social entre os indígenas e não indígenas na região. Outra pilar é o descaso com relação às comunidades em situações de retomadas, acampamentos e ocupações. O Estado é negligente ao não conter os conflitos nessas áreas. O terceiro pilar que contribui para a marginalização, e consequente criminalização dos indígenas, nesta região é o preconceito da população. Por ser, historicamente (e ironicamente) um estado com atividade econômica basicamente toda voltada ao agronegócio, a população sul-mato grossense sustenta um estereótipo que prejudica a inserção dos indígenas nas atividades comuns à cidade, à sociabilização e principalmente, às oportunidades de trabalho.

A prisão, então, passa a ser um dos reflexos do processo de marginalização desses povos pelo Estado?
O processo de criminalização dos povos indígenas envolve uma diversidade de violências, é um fenômeno complexo por abranger diferentes atores e instituições. É importante destacar o contexto histórico de invasão, pelos portugueses e espanhóis, do território em que hoje se situa o Brasil. Nesse projeto colonial, as nações que aqui viviam foram massacradas em um processo de aculturação e pacificação social que usou a força repressiva do Estado como mecanismo de ação. Inclusive, diversos estudiosos chamam esse processo de etnocídio. Assim, foram criadas políticas e instituições responsáveis por tutelar os povos indígenas do Brasil, ignorando as suas subjetividades enquanto seres humanos e ignorando sua diversidade de culturas, territorialidade, religiosidade, direito. Criou-se, no imaginário do brasileiro, a visão de que os índios seriam um atraso ao progresso nacional em contraste com o modelo industrial disseminado principalmente pelos países europeus e pelos EUA. O Código Penal brasileiro, de 1940, carrega essas premissas inspiradas no positivismo evolucionista. A lei penal refletiu o conceito vigente no Código Civil de 1916 que considerava o indígena relativamente incapaz para os atos da vida civil, devendo ser submetido ao regime tutelar sob responsabilidade do então Serviço de Proteção ao Índio (SPI)  que depois  daria origem à Fundação Nacional do Índio (Funai).

A Constituição Federal de 1988 entende os indígenas como sujeitos de direitos. A promulgação da Carta não alterou esse quadro que você descreve?
A Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova política indigenista ao firmar o compromisso de proteger a diversidade cultural, respeitando tradições, organização social, costumes, línguas e modo de vida dos indígenas, como expressa em seu artigo 231. E aí começa uma nova etapa nesse conflito histórico que se traduz na opção de manter as populações indígenas marginalizadas, porém, com metodologia um pouco mais sofisticada, utilizando dos mecanismos oficiais de persecução penal para então calar as vozes.

Como vai funcionar o trabalho do Observatório?
O Observatório é um espaço compartilhado para a produção de conhecimento técnico de qualidade e independente. A ideia é que seja  um  mecanismo auxiliar de controle externo do poder público, um meio de facilitação de acesso à informação técnico-científica de qualidade, e também uma forma de auxiliar na construção de políticas públicas e na tomada de decisões estratégicas por parte do poder público e demais entidades da sociedade civil especialmente voltadas para a comunidade indígena. Vamos trabalhar em três eixos de atuação: na consolidação de um plano de ação para a pesquisa, coleta e processamento de dados relacionados ao encarceramento provisório e definitivo da população indígena no Brasil; no acompanhamento processos emblemáticos envolvendo assassinatos de lideranças indígenas;  e no acompanhamento de casos de criminalização de lideranças indígenas no Brasil, com foco prioritário nas lideranças da APIB.

A leia e a prisão são usados como forma de perseguição às lideranças indígenas? Qual a mecânica dessa criminalização das lideranças?
A questão é bastante complexa, mas é importante destacar que o sistema de justiça criminal é o braço mais forte do Estado. Algumas pessoas podem até dizer que “nunca cometerão crimes”, mas não podem afirmar que não serão “acusadas de praticar um crime”. E aí é que entra a criminalização de lideranças, muitas vezes sendo envolvidas em causas criminais que ignoram a complexidade do arranjo político próprio das nações indígenas. Inclusive, é justamente nesse ponto que é relevante falar que o Brasil é um país com muitas nações, algumas delas, com formas próprias de resolver conflitos. Nesse contexto todo, a perseguição por meio das investigações em andamento acabam se transformando como mecanismo para frear ou calar a atuação de lideranças indígenas, fazendo com que a própria credibilidade seja questionada. Mas o poder público muitas vezes não se preocupa em entender como essas acusações são construídas com base em fatos falsos ou versões que são distorcidas.

A pandemia alterou, de algum modo, essa equação da criminalização das lideranças?
A pandemia do COVID-19 alterou a rotina do mundo todo, mas é importante destacar, antes de mais nada, que é preciso olhar para essa questão com certa complexidade. Isso porque, muito antes do vírus em si, as desigualdades sociais, a falta de saneamento básico, de estrutura básica de saúde e de falta de renda, para mencionar apenas alguns pontos, já faziam parte da rotina de grande parte dos povos indígenas. Quem viaja pelo interior do Mato Grosso do Sul, por exemplo, vê a imagem recorrente  de indígenas marginalizados  — literalmente, em acampamentos à margem  das rodovias em situação absolutamente precária. Isso não foi causado pelo Coronavírus. É resultado de uma opção política de invisibilizar esses sujeitos. A pandemia alterou muito a rotina, e hoje temos 52.005 casos de indígenas contaminados pelo novo coronavírus, 1.034 mortos e 163 povos afetados. Mas essa violência sistematizada e institucionalizada acompanha os povos indígenas há mais de 500 anos. Tentando então refletir sobre a alteração da criminalização das lideranças no contexto da pandemia, claramente se observa uma reação por parte do Estado quando percebe que as vozes vão crescendo. A luta por direitos, agora, inclusive sanitários e de saúde, gera também a contrarreação por parte dos governantes que nunca se preocuparam em efetivamente garantir condições básicas para os povos indígenas

Via https://www.brasildedireitos.org.br/

Denunciado por gestão da pandemia, governo Bolsonaro é alvo de Comissão da OEA

Denunciado por gestão da pandemia, governo Bolsonaro é alvo de Comissão da OEA

A gestão da pandemia de covid-19 passa a ser alvo de um exame por parte da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. Nesta segunda-feira, a entidade se reuniu com o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, que apresentou um levantamento detalhado da situação do país e pediu a responsabilização dos responsáveis pela resposta à crise sanitária. 

A presidente da Comissão Interamericana, Antonia Urrejola, liderou o encontro, que também contou com a participação de Julissa Mantilla e de Joel Hernandez, que também compõem a comissão da OEA, além da relatora especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais, Soledad García.

Durante o encontro, a presidente da Comissão expressou sua preocupação diante dos relatos apresentados e indicou que o objetivo da reunião era obter informações em primeira mão sobre o contexto brasileiro para que a comissão possa colaborar. “A situação do Brasil é prioritária para a CIDH. Manifestamos nossa solidariedade nessa situação sem precedentes”, afirmou Urrejola.

Mantilla ainda destacou que a comissão da OEA está especialmente preocupada com as pessoas em situação de vulnerabilidade, como indígenas, afrodescendentes, com deficiência, idosas e migrantes.

Já Hernandez, relator para o Brasil, destacou que, para a Comissão, é fundamental obter as informações do Conselho Nacional para que recomendações sejam feiras ao país.

Durante o encontro, o presidente do Conselho Nacional, Yuri Costa, informou que o Brasil vive um quadro de indefinição que não aponta para solução a curto e talvez nem a médio prazo das diferentes crises enfrentadas pelo país, o que impacta os direitos humanos das mais diversas formas. “O Conselho Nacional dos Direitos Humanos tem buscado dar conta de toda a complexidade de diferentes lesões de direitos humanos que a pandemia tem causado, seja a sanitária ou a socioeconômica”, afirmou.

Segundo ele, voltou a ser uma realidade no Brasil a fome, fenômeno que sintetiza o agravamento das condições sociais, econômicos e sanitárias pela pandemia.

“O Brasil já caminhava para uma diminuição drásticas de políticas públicas importantes, como na área assistencial. Estamos perto de não realizar o censo demográfico mais importante que temos, além de termos uma diminuição da participação social, após a extinção de todos os fóruns nacionais de participação sem previsão legal. Dessa forma, a pandemia nos atingiu de maneira severa em um quadro que já era bastante ruim”, denunciou Costa.

Segundo ele, “a ausência de uma política articulada centrada no governo federal prejudica enormemente o país, já que o governo sequer atualizava a quantidade de pessoas contaminadas e mortas por covid”.

“Foi necessário que secretarias de estados e imprensa criassem uma contagem paralela para que a população tivesse acesso aos dados diariamente. Temos um articulação no âmbito estadual, mas não há um parâmetro único e bem definido à luz do conhecimento científico de políticas públicas mínimas para controlar a pandemia”, afirmou Costa aos peritos internacionais.

O vice-presidente do Conselho Nacional, Darci Frigo, ainda alertou que a indefinição sobre o orçamento federal anual foi mais um obstáculo e alertou que uma pesquisa recente revelou o risco de que 1.222 municípios fiquem sem oxigênio para tratar seus pacientes caso não haja diminuição de internações, além do risco de falta de medicamentos para tratar pessoas em terapia intensiva.

“As ações adotadas no âmbito do Judiciário resultaram em medidas importantes para parcelas da população, como a indígena e a quilombola, mas enfrentam dificuldades de implementação pelo governo federal”, disse.

“Enquanto isso, o Congresso está preocupado com aprovação de lei para permitir a compra privada de vacinas; o governo, com a aplicação da Lei de Segurança Nacional contra opositores políticos; e o presidente, sem máscara, reúne pessoas para dizer que não sigam as orientações sanitárias. Não há limites para nominar a tragédia brasileira”, afirmou.

Frigo defendeu a adoção de um lockdown nacional, propôs a criação de uma comissão de salvação e gestão nacional da pandemia, garantir vacinas, ampliar o auxílio emergencial e distribuir alimentos, entre outras medidas

Responsabilização de gestores

O Conselho também explicou que tem atuado e que estabeleceu uma Comissão Especial de Direitos Humanos e Pandemia. Segundo Rogério Giannini, que coordena a iniciativa, o objetivo do grupo é buscar parâmetros, pensar na reparação e na responsabilização de gestores que contribuíram para a crise.

“Desde o começo da pandemia, houve sistematicamente a adoção de medidas que inviabilizaram o combate à pandemia”, afirma Giannini.

Ele da como exemplo a estratégia recomendada pela Organização Mundial da Saúde de que países realizem testagem em massa e identifiquem toda a rede de contatos. Segundo o conselheiro, o Brasil foi um dos países que menos realizou testagem, mesmo tendo uma enorme rede de agentes de saúde e da assistência social.

A lentidão para adquirir vacinas, a não criação de um grupo de administração da crise, além dos efeitos das atitudes e declarações do presidente contra o isolamento e o uso de máscaras, são outros exemplos apontados por ele.

“Foram decisões tomadas, e não enganos ou incapacidade. Sistematicamente foram tomadas medidas para que a pandemia se espalhasse, com a organização de um conjunto de ações e de omissões coerentes”, denunciou.

“O que está por trás disso é a ideia de que somente os fortes sobreviverão, ou invertendo, somos o país ‘onde os fracos não têm vez’. Isso é eugenia e sim – genocídio”, disse. “Não é extirpar um povo ou etnia, mas um grupo da sociedade que seria o dos mais fracos”, avaliou.

Memória e reparação

Um dos trabalhos do Conselho Nacional será direcionado à memória para que a crise não caia no esquecimento, ao mesmo tempo em que pense em políticas públicas de reparação.

“Esse governo tirou as populações de seu calendário de assistência. Ele não se preparou, não acreditava e não acredita na doença. Mesmo com 350 mil mortes, o presidente ainda faz falas desconsiderando a pandemia, e nós estamos perdendo nossos entes”, disse a conselheira Sandra Andrade, que alertou como as comunidades mais vulneráveis estão morrendo sem assistência.

Já o conselheiro Everaldo Patriota alertou sobre o estado da democracia brasileira. “Há ameaças latentes e constantes ao Estado democrático de Direito, que são minoritárias mas possuem apoios no governo”, disse, destacando como no fim de semana grupos pediram o fechamento do STF e do Congresso. “A democracia nunca correu tanto risco depois da retomada de 1988, e o governo federal tem zombado do Estado democrático de Direito” afirmou.

Via UOL Noticias