Biden recebe carta da APIB para articular proteção da Amazônia e dos povos indígenas

Biden recebe carta da APIB para articular proteção da Amazônia e dos povos indígenas

Governo norte americano trabalha um plano político para combater a crise climática nos Estados Unidos e em outros países do exterior. APIB propõe ao presidente Joe Biden a participação dos povos indígenas na elaboração deste plano.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) iniciou no dia 9 de março uma aproximação com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, para fortalecer mecanismos de proteção dos povos indígenas e da biodiversidade brasileira. O documento da APIB foi recebido por Biden, que desde janeiro de 2021 prepara um plano político de combate à crise climática nos Estados Unidos e no mundo. A carta também foi encaminhada para o Enviado Especial do Clima, John Kerry.  

A demarcação das terras indígenas no Brasil é um dos temas centrais da proposta apresentada pela Apib para diminuição do aquecimento global e que é fundamental a inclusão dos povos indígenas nas tomadas de decisão sobre este enfrentamento. 

O documento traz sérias denúncias sobre os desmontes feitos pelo Governo Federal, em especial nos últimos 3 anos, na política indigenista e ambiental. Hoje, 70% dos processos de demarcação das terras indígenas estão parados na Fundação Nacional do Índio (Funai) e no Ministério da Justiça. A demarcação de terras é um mecanismo central para assegurar a preservação do meio ambiente e fortalecer as lutas contra a crise climática. 

“Nós estamos vivenciando o pior cenário político que se agrava com a pandemia, porque os garimpeiros e madeireiros não fizeram home office, inclusive foram um dos principais vetores da entrada da doença nas terras indígenas, com incentivo do Governo Federal”, ressalta Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib. 

O colapso sanitário e humanitário da pandemia da Covid-19 atingiu diretamente mais da metade dos 305 povos que vivem no Brasil. Hoje, mais de 50 mil indígenas foram contaminados pela doença que matou mais de 1 mil indígenas. 

Relatório da Apib sobre o impacto da Covid-19 entre os povos indígenas, denuncia que o Governo Federal é o principal agente transmissor do vírus entre os povos indígenas, evidenciando a política genocida da gestão de Jair Bolsonaro. Segundo a Apib, a omissão na construção de ações eficazes de enfrentamento à pandemia, a negligência na proteção dos trabalhadores e usuários do Subsistema de Saúde Indígena e a construção de políticas que favorecem a invasão dos territórios indígenas são os principais fatores desse contexto de violações.

“Enviamos essa carta apontando os riscos e retrocessos trazendo para discussão pontos cruciais como a mineração dentro das terras indígenas. E o que nós queremos é que o governo Biden leve em consideração o nosso manifesto, as nossas denúncias e traga para o debate nós, povos indígenas, para a construção de políticas importantes para preservação da vida no planeta”, explica Tuxá. 

Outro ponto destacado na solicitação enviada ao presidente Biden é a regulação dos fundos de investimentos, bancos e empresas que estão investindo e operando na Amazônia e em outros biomas no Brasil. De acordo com levantamento feito pela Apib e Amazon Watch as violações dos direitos indígenas que são financiadas por grandes corporações globais ampliaram a vulnerabilidade dos povos indígenas durante a pandemia da Covid-19. BlackRock, Citigroup, J.P. Morgan Chase, Vanguard, Bank of America e Dimensional Fund Advisors investiram mais de US$ 18 bilhões, somente de 2017 a 2020, em empresas cujas atividades têm envolvimento com invasões, desmatamento e violações de direitos indígenas na Amazônia.

“O Departamento do Tesouro dos EUA ou outras agências relevantes devem criar mecanismos de controle de monitoramento e transparência para instituições financeiras, comerciantes de commodities e importadores que tenham relação direta ou indireta com a Amazônia. Sua administração deve garantir que os produtos importados pelos Estados Unidos não contribuam para a destruição da Amazônia ou para as violações dos direitos das comunidades Indígenas e tradicionais. Sua administração deve abster-se de entrar em um acordo de livre comércio com o Brasil até que salvaguardas robustas e verificáveis estejam em vigor garantindo a preservação dos direitos e territórios Indígenas na Amazônia brasileira”, enfatiza trecho da carta com solicitações para o presidente Biden. 

Acesse carta completa da Apib ao presidente Estados Unidos, Joseph Biden aqui

Violências, expulsões e subjugação jurídica: no STF o destino dos Kaiowá de Guyraroká

Violências, expulsões e subjugação jurídica: no STF o destino dos Kaiowá de Guyraroká

Artigo de Luiz Eloy Terena, Advogado indígena. Pós-Doutor pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris. Coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

Nesta semana, estará na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) o caso da comunidade indígena Guyraroká, do povo Guarani Kaiowá, localizado no estado de Mato Grosso do Sul. O processo é paradigmático, pois retrata, de forma inusitada, a história de um povo que foi expulso de sua terra ancestral, impactado pelo colonialismo interno e pela frente de expansão agropastoril. Tudo isso aliado à (co)omissão estatal e de seus agentes que, em vez de proteger o interesse indígena, atuaram em estreita articulação com os fazendeiros da região a fim de promover a retirada dos indígenas de suas terras e de garantir o sucesso do empreendimento agrogenocida.

O caso retrata de igual modo o fenômeno da judicialização das demarcações de terras indígenas no país. Após o início do procedimento de reconhecimento formal da ocupação tradicional pela Fundação Nacional do Índio (Funai), constituiu-se o grupo de trabalho, publicando-se os respectivos estudos antropológicos e, consequentemente, a portaria declaratória, por meio de expediente do Ministério da Justiça. Em suma, seguiu-se à risca o rito legal previsto no decreto 1.775/96. O fazendeiro Avelino Antonio Donatti, ex-posseiro da fazenda Cana Verde, ingressou com mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça (STJ) com o intuito de anular a portaria declaratória. No entanto, seguindo jurisprudência consolidada, onde se reafirma que o mandado de segurança não é via processual adequada para o questionamento de processo demarcatório, o STJ rejeitou a ação. Irresignado, novamente o fazendeiro manejou recurso ordinário e levou o caso ao STF.

A terra indígena Guyraroká está localizada no sul de Mato Grosso do Sul, nas bacias dos “córregos Ypytã e Caracu, abrangendo parte do curso de riachos secundários, ou cabeceiras, formadores desses córregos, como o Ypo’i (água estreita), o Chagua Yry (richo da pitanga, por causa da grande concentração dessa planta em suas margens) e o Lucero” (Pereira, 2002, p. 6). Conforme disposto no estudo antropológico da Funai, realizado pelo antropólogo Levi Marques Pereira, “Guyraroká é o nome religioso como os Kaiowá denominam o local e Ypytã é o nome do córrego que corta o interior da Terra Indígena” (p. 5).

É uma comunidade indígena que detém a posse consolidada, com residências tradicionais, casa de reza e escola, desde a retomada feita pela comunidade no ano de 2000. Muitos lugares antigos que eram utilizados para atividades produtivas, como caça, pesca e coleta, não existem mais. Foram destruídos pelo avanço do agronegócio no estado. Hoje, a comunidade se encontra confinada, cercada pelas fazendas de gado e soja. No que tange ao processo demarcatório, regulado pelo decreto n. 1.775/96, o mesmo está em estágio avançado, pois teve o estudo de identificação e delimitação aprovado pela Funai (Portaria n. 76/2004) e, posteriormente, expediu-se a Portaria Declaratória n. 3.219/2009, pelo Ministério da Justiça, que reconheceu a área como de ocupação tradicional, nos termo do artigo 231 da Constituição Federal de 1988.

Em 2014, a comunidade indígena foi surpreendida pela decisão da 2º Turma do STF, que acatou um recurso judicial do fazendeiro, e declarou nulo o processo demarcatório. Este é um caso clássico de processo que tramitou na justiça sem a participação da comunidade indígena. A Suprema Corte brasileira decidiu sem nunca ter oportunizado aos indígenas o direito de falar nos autos, num claro gesto de negativa de acesso à justiça, ou seja, de subjugação jurídica. Resquício da tutela que perdurou durante séculos no país, tratando os indígenas como juridicamente incapazes, esse imaginário está presente na máquina administrativa, na qual se pode decidir o futuro dos indígenas, sem ouvi-los.

Antecedentes históricos: desterritorialização, confinamento e expulsão dos indígenas

Percepção colonial – no mundo colonial, os Kaiowá eram identificados como “infiéis” e culturalmente “bárbaros”, pois se refugiavam nas matas de difícil acesso, com o intuito de fugir do processo de cristianização levado a cabo pelos jesuítas e do contato direto com os colonizadores (Meliá, Grünberg & Grünberg, 1976, p. 155 apud Pereira, 2002, p. 21).

Período imperial – até o acontecimento da guerra do Paraguai (1864 – 1870), os Kaiowá mantinham domínio pleno de todo o território que atualmente corresponde à região sul de Mato Grosso do Sul. Transitavam livremente e tinham o controle do seu território tradicional, sendo que a presença de não índios na região era esporádica. Após a guerra do Paraguai, este cenário territorial se transformou sobremaneira, tanto em relação aos Guarani Kaiowá, quanto aos Terena e Kinikinau, todos povos habitantes de Mato Grosso do Sul(2). Com o fim da guerra, soldados e comerciantes desmobilizados, incentivados pela política de colonização do interior do Brasil, se fixaram no local. Neste período, a Companhia Matte Larangeira também se instalou na região, provocando uma profunda transformação social nas comunidades indígenas, tendo em vista que o seu interesse estava voltado para as atividades extrativas da erva mate, o que culminou na exploração da mão de obra de indígenas kaiowá(3).

Ocupação agropastoril em Guyraroká – a partir da década de 1940, a terra que era ocupada pela comunidade deu lugar a fazendas. Em virtude do fim do monopólio da Companhia Matte Larangeira, as terras voltaram ao domínio da União, que passou a concedê-las a particulares (fazendeiros e colonos), incentivados pela política de integração do governo Vargas. Ao mesmo tempo, os Kaiowá passaram a ser expulsos de suas terras e confinados nas pequenas reservadas indígenas criadas pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI)(4).

O esparramo indígena (década de 1940) – informações levantadas pelo antropólogo Levi Marques Pereira dão conta de que, até a década de 1940, havia uma presença expressiva de Kaiowá habitando o local. Entretanto, logo começaram a sofrer pressão dos fazendeiros que chegavam à região para instalar fazendas. O relatório da Funai trás informações do líder indígena Papito Vilharva, que nasceu no Guyraroká, às margens do riacho Koguery. O ancião relembrou que, naquele período, o primeiro homem branco que apareceu na região com intuito de ocupá-la foi um senhor apelidado de Alemão. Depois, vieram os senhores conhecidos como Antônio Afram e Albuquerque. Se no início pareciam amistosos, logo passaram a dar tiros sobre as casas da comunidade, cujas balas chegaram a atingir um indígena. Assim começou o “esparramo” dos indígenas (Pereira, 2002, p. 38-39).

Violação estatal (atuação do SPI e Funai) – o traço marcante da atuação das agências estatais não é apenas a omissão em relação aos direitos indígenas, mas, sobretudo, os atos comissivos que violaram efetivamente os direitos dos Kaiowá. Além de serem omissas na proteção do interesse indígena, também atuaram como verdadeiros braços estatais para beneficiar a implantação do projeto agropastoril na região, em detrimento das terras indígenas. O SPI até hoje é conhecido entre os velhos Kaiowá como “serviço de perseguição ao índio”. O antropólogo Levi Marques Pereira (2002, p. 28) recuperou um documento tornado público pelo historiador Antonio Brand (1997, p. 104), o Comunicado de Serviço n. 211/9/DR/81, no qual o delegado da Funai determina o “deslocamento de um motorista e de um caminhão por um período de três dias para o P.I de Caarapó, objetivando efetuar o transporte de índios que desejam regressar ao P.I, provenientes de fazendas circunvizinhas”. Em outro documento, Ofício 046/79, “o então chefe do posto do P.I. Dourados solicita a cedência de uma Kombi para atender aos vários problemas que surgem com indígenas desaldeados, principalmente no transporte destes índios no retorno à aldeia” (Brand, 1997, p. 105).

Política de discriminação (distinção entre índios aldeados e não aldeados) – Outra marca da atuação das agências estatais foi a adoção de uma política de distinção entre indígenas aldeados e não aldeados. Para o SPI, os indígenas desaldeados estavam resistindo ao confinamento nas reservas criadas, e insistiam em permanecer em suas terras originárias. Eles eram tidos como um problema para o governo, mas também para os fazendeiros da região, que estavam instalando seus empreendimentos.

Expulsão dos Kaiowá de Guyraroká – Merece atenção a análise desenvolvida pelo antropólogo Levi Marques Pereira (2002, p. 30), quando aponta três fatores que culminaram na expulsão dos Kaiowá do seu território originário Guyraroká, sendo: a) a introdução de doenças (surtos epidêmicos de sarampo, catapora, varíola, gripes e tuberculose, no início do século passado); b) a violência física; c) violência simbólica. Chamamos atenção para a violência física que se materializou pelas pressões e ameaças dos fazendeiros para que os indígenas deixassem a terra.

Judicialização da demarcação

Como apontado, o caso retrata de modo exemplar o fenômeno da judicialização das demarcações das terras indígenas no país. O art. 5, inciso XXXV da Constituição Federal, que prevê o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, é invocado pelos fazendeiros para se questionar no judiciário um processo que deveria ser conduzido na via administrativa, conforme os preceitos do decreto 1.775/96. Mas, como visto, parece-nos que este princípio só vale para os ruralistas, uma vez que foi negado à comunidade indígena o direito elementar de participar de um processo que definirá o destino de uma coletividade.

O processo se origina quando o fazendeiro Avelino Antonio Donatti ingressou com mandado de segurança no STJ, buscando anular a portaria declaratória n. 3.219/2009, do Ministério da Justiça, que declarou a TI Guyraroká como de ocupação tradicional dos Kaiowá. Ao analisar o caso, o STJ extinguiu o processo, pois aplicou jurisprudência consolidada que preceitua que o mandado de segurança não é via processual adequada para o questionamento da demarcação de terra indígena.

Irresignado, o fazendeiro recorreu ao STF (RMS 29.087), ocasião em que o ministro relator Ricardo Lewandowski seguiu o entendimento do STJ e rejeitou o recurso. Importante consignar que a jurisprudência do STF se baseia em um vetusto e majoritário entendimento, segundo o qual mandado de segurança não é via adequada para discutir a demarcação de terras indígenas, haja visto que a complexidade da questão demanda dilação probatória. Nesse sentido, vide, a título de exemplos, 30 precedentes: Supremo Tribunal Federal. MS 28.555 (2017), MS 28.567 (2017), MS 33.821 (2016), RMS 29.193 (2015), MS 31.245 AgR (2015), RMS 27.255 (2015), MS 31.100 (2014), MS 25.483 (2007), MS 21.660 (2006), RMS 24.531 (2005), MS 24.015 (2005), RMS 22.913 (2004), MS 24.566 (2004), MS 21.891 (2004), RMS 24.532 (2004), MS 21.891 (2003), MS 21.892 (2003), MS 1.892 (2001), MS 21.649 (2000), MS 21.575 (1994), MS 20.751 (1988), MS 20.722 (1988), MS 20.723 (1988), MS 20.575 (1986), MS 20.556 (1986), MS 20.515 (1986), MS 20.453 (1984), MS 20.235 (1980), MS 20.234 (1980), MS 20.215 (1980).(5)

Contudo, o ministro Gilmar Mendes abriu divergência, sendo seguido pelos ministros Celso de Mello e Carmen Lúcia. Com esse placar, a demarcação da terra foi anulada, aplicando-se a tese do marco temporal, sem sequer ouvir a comunidade indígena. Os indígenas solicitaram ingresso no feito, mas foram barrados por decisão do ministro Gilmar Mendes, que aplicou o regime tutelar, que vigorava antes de 1988, afastando a possibilidade da participação indígena. À época, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entrou com embargos de declaração com pedido de concessão de efeitos modificativos contra decisão da 2ª Turma do STF. O Ministério Público Federal (MPF) igualmente apontou omissão e contradição no julgamento pela não participação da comunidade indígena.

O processo transitou em julgado e agora está posto o julgamento da ação rescisória(6), protocolada pela comunidade indígena no dia 19 de abril de 2018. Em discussão, a comunidade pede a anulação da decisão da segunda turma do STF, tendo em vista que o processo transcorreu sem participação, ou seja, sem a citação dos principais interessados, que são os indígenas.

Nota-se que a decisão que anulou a demarcação da terra indígena violou frontalmente norma jurídica de proteção aos povos indígenas. Primeiro, no que diz respeito ao princípio do acesso à justiça. Até a Constituição de 1988, vigorou no Brasil o regime tutelar dos indígenas, que eram representados pela Funai. Entretanto, esse paradigma tutelar e integracionista foi superado pela atual ordem jurídica, pois o artigo 232 da Constituição reconheceu a legitimidade dos indígenas, de suas comunidades e organizações para estarem em juízo em defesa de seus direitos e interesses. Outro aspecto processual diz respeito à obrigatoriedade de citação das comunidades indígenas para integrarem os processos como litisconsórcio passivo necessário nas demandas sobre terras indígenas (ver precedente ACO 1.100, relatoria do ministro Edson Fachin).(7)

Direito ao acesso à justiça

O art. 5º da Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, inciso XXXV, assegura a inafastabilidade da jurisdição ou do acesso à Justiça, ao preceituar que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Tem-se aí o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou, ainda, o princípio do acesso à justiça.

Importa salientar ainda que a palavra “acesso” evoca a ideia de ingresso, de entrada. Mas, também, traduz o sentido da possibilidade de se alcançar algo. “Acesso à Justiça”, no plano do direito, representa esse segundo sentido, ou seja, a possibilidade de alcançar algo, que é justamente o valor “Justiça”(8). Com assento na Constituição, é uma norma-princípio posta à disposição daqueles que veem seus direitos violados ou ameaçados. O acesso à justiça deve ser interpretado à luz do contexto pluriétnico presente no Brasil, que possui mais de 305 povos, falantes de mais de 274 línguas indígenas. Cada qual com a sua respectiva organização social e modo próprio de ver e entender o mundo. Ruiz (2018) aponta que o acesso à justiça pode ser visto sob três dimensões, a saber: (a) pela via dos meios alternativos de solução dos conflitos de interesses, (b) pela via jurisdicional (jurisdição estatal), no exercício da jurisdição de direito, e (c) pela via das Políticas Públicas.

No caso dos Kaiowá, nenhuma dessas dimensões fora observada, pois, ao mesmo tempo que se opera no Brasil um sistema jurídico positivado, que coloca à margem o sistema de justiça próprio das comunidades indígenas, este mesmo Leviatã é omisso em implementar a política pública outorgada no texto constitucional, qual seja, a conclusão da demarcação das terras indígenas e sua efetiva proteção.

E mesmo quando as comunidades tentam acessar o poder judiciário, veem-se barradas. O processo de Guyraroká reflete a realidade de muitas comunidades indígenas no Brasil, que querem ter o direito de serem ouvidas, de participar das decisões que lhes afetam e oportunizar ao judiciário o conhecimento da ótica indígena acerca da demanda posta em mesa para julgamento.

Direito originário ao território tradicional

No mérito, o processo de Guyraroká versa sobre a aplicação do marco temporal. Essa tese jurídica pretende restringir os direitos dos povos indígenas às terras que estavam ocupando na data da promulgação da Constituição, qual seja, 5 de outubro de 1988. Mais uma fez, o mesmo Estado que foi omisso e conivente com as violações perpetradas contra os Kaiowá, agora se vale de uma retórica jurídica que desconsidera o valor de justiça para negar o direito ancestral indígena. É preciso vaticinar que o constituinte originário foi categórico ao preceituar que o direito dos povos indígenas às suas terras tradicionalmente ocupadas é originário, e logo anterior a qualquer outro direito (art. 231, CF/88). “Essa a razão de a carta Magna havê-lo chamado de ‘originário’, a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios” (Pet 3388 / RR – Rel.  Min. Carlos Ayres Britto, 2009).

Vale lembrar que a tese jurídica do marco temporal não nasceu exatamente no âmbito do Poder Judiciário. Antes do julgamento do caso Raposa Serra do Sol (2009), esta interpretação jurídica era rotineiramente suscitada nos discursos parlamentares e de juristas que advogam para os interesses do capital. Cito, por exemplo, o discurso do deputado federal Gervásio Silva (PFL-SC), proferido no dia 20 de outubro de 2005, intitulado “Acirramento de conflitos fundiários pela política de demarcação de terras indígenas da FUNAI no Estado”, discorreu: “[…] e é bom que se repita: a Constituição Federal de 1988 não fala em posse imemorial, mas em terras tradicionalmente ocupadas no presente e de habitação permanente […] à identificação de uma terra indígena, está completamente divorciado do entendimento atual do STF, externado pela Súmula 650-STF, que consolidou a jurisprudência sobre o reconhecimento de terras indígenas […] como todos sabem, esta súmula não reconhece a doutrina de posse imemorial e consagra o princípio jurídico da ocupação atual e permanente das terras tradicionais de ocupação indígena. Explicando que os supostos direitos da suposta comunidade indígena de Araçá só mereciam o abrigo constitucional se os índios lá estivessem em 05 de outubro de 1988”.

Ao que se percebe, essa interpretação restritiva aos direitos dos povos indígenas, tal como se afigura na defesa do “marco temporal”, nasceu justamente de uma leitura equivocada feita a partir da súmula 650 do STF, que preceitua: “[…] os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto”. Entretanto, é preciso fazer uma leitura da súmula em conexão com a matéria posta a julgamento e que resultou na edição do citado verbete. O precedente da súmula 650 do STF é o RE 219.983, tendo em vista o interesse da União na solução de ações de usucapião em terras situadas nos Municípios de Guarulhos e de Santo André, no estado de São Paulo, conforme disposto no artigo 1º, alínea h, do Decreto-Lei 9.760/1946. Como bem salienta o jurista Roberto Lemos dos Santos Filho, “é necessário que os operadores do direito atentem ao fato de que aplicação da Súmula 650-STF deve ser realizada aos casos específicos a que ela tem relação, vale dizer, usucapião de terras indígenas a que se refere o Decreto-Lei 9.760/1946”.

Ainda no âmbito do legislativo, cabe citar o Projeto de Lei (PL) 490/2007, de autoria do Dep. Homero Pereira, que tem por objetivo alterar a Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973, também conhecida como Estatuto do Índio, propondo que as terras indígenas sejam demarcadas por lei. Isto é, que a demarcação passe pelo crivo do legislativo. O autor justifica a importância da proposição evidenciando que a “demarcação das terras indígenas extrapola os limites de competência da FUNAI, pois interfere em direitos individuais, em questões relacionadas com a política de segurança nacional na faixa de fronteiras, política ambiental e assuntos de interesse dos Estados da Federação e outros relacionados com a exploração de recursos hídricos e minerais”. Em 15 de maio de 2018, o Dep. Jerônimo Goergen apresentou parecer nesta proposição legislativa no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, propondo a instituição do marco temporal por meio de lei.

Nota-se que é uma clara iniciativa da bancada ruralista implementar o marco temporal pela via legislativa, como uma espécie de retorno ao nicho de onde nasceu, mas agora com precedentes judiciais. No âmbito de discussão da tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, verifica-se de forma reincidente que os parlamentares se valem do argumento do marco temporal para capitanear apoio à aprovação dessa proposta.

Entretanto, foi no âmbito do judiciário que o marco temporal encontrou terreno fértil, criando raízes e se alastrando por toda a sua estrutura. Seus frutos são decisões liminares, sentenças e acórdãos que anulam demarcações de terras indígenas e determinam o despejo de comunidades inteiras. No ano de 2009, por ocasião do julgamento da Petição 3.388 no STF, apareceu pela primeira vez, no âmbito no Poder Judiciário, a tese jurídica do “marco temporal”. Em suma, segundo esta interpretação jurídica, os povos indígenas só teriam direito às terras que estivessem ocupando no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Diante da decisão proferida, tanto as comunidades indígenas quanto o Ministério Público Federal interpuseram recurso de embargos de declaração, buscando com isso uma nova manifestação da Corte, a fim de que a mesma se manifeste a respeito da possibilidade ou improcedência de extensão automática das condicionantes às outras terras. No ano de 2013, o Supremo analisou os recursos de embargos opostos, decidindo que as condicionantes do caso “não vincula(m) juízes e tribunais quando do exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas (…). A decisão vale apenas para a terra em questão”.

Referências:

BENITES, Tonico. Rojeroky hina ha roike jevy tekohape (Rezando e lutando): o movimento histórico dos Aty Guasu dos Ava Kaiowa e dos Ava Guarani pela recuperação de seus tekoha. Tese de doutorado (Antropologia Social). Rio de Janeiro, Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2014.

BRAND, Antonio. O confinamento e seu impacto sobre os Paì-Kaiowá. Porto Alegre. Dissertação (mestrado) Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre, 1993.

BRAND, Antonio. O impacto da perda da terra sobre a tradição kaiowá/guarani: os difíceis caminhos da palavra. Porto Alegre. Tese (doutorado em História) – PUC/RS, 1997.

ELOY AMADO, Luiz Henrique. Vukapanavo – O despertar do povo Terena para os seus direitos: movimento político e confronto político. Editora e-paper. Rio de Janeiro, 2020.

EREMITES DE OLIVEIRA & PEREIRA, J.; L. M. Duas no pé e uma na bunda: a participação Terena na guerra entre o Paraguai e a tríplice aliança à luta pela ampliação dos limites da Terra Indígena Buriti. Revista Eletrônica História em Reflexão: Vol. 1 n. 2 – UFGD – Dourados Jul./Dez., 2007.

FERREIRA, Eva M. L. A participação dos índios Kaiowá e Guarani como trabalhadores nos ervais da Companhia Matte Larangeira (1902-1952), Mestrado em História. Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Dourados, 2007.

MELIÁ, B., GRÜNBERG, G., GRÜNBERG, F. 1976. Etnografia Guaraní del Paraguay Contemporâneo: Los Pai-Tavyterã. Suplemento antropológico. Assunción: Centro de Estudios Antropológicos de La Universidad Católica.

PEREIRA, Levi Marques. Relatório de identificação da Terra Indígena Guyraroká. Município de Caarapó, Mato Grosso do Sul. Documentação Funai, Brasília, 2002. [mimeo]

RUIZ, I. A. Princípio do Acesso à Justiça. Enciclopédia Jurídica da PUC-SP. 2018. Disponível em https://enciclopediajuridica.pucsp.br , acesso em 28. Mar. 2021.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Petição n. 3388. Rel.  Min. Carlos Ayres Britto. Brasília. 2009.

Notas de rodapé:

(1) Para entender o processo de retomada pelos Guarani Kaiowá, ver a tese de doutorado do antropólogo indígena Tonico Benites, Rojeroky hina ha roike jevy tekohape (Rezando e lutando): o movimento histórico dos Aty Guasu dos Ava Kaiowa e dos Ava Guarani pela recuperação de seus tekoha, defendida no Museu Nacional (UFRJ), em 2014.

(2) Sobre o impacto da Guerra do Paraguai nos territórios Terena, no Mato Grosso do Sul, é fundamental consultar as obras: Vukapanavo – O despertar do povo Terena para os seus direitos: movimento indígena e confronto político, de Luiz Henrique Eloy Amado, e o artigo Duas no pé e uma na bunda: a participação Terena na guerra entre o Paraguai e a tríplice aliança à luta pela ampliação dos limites da Terra Indígena Buriti, de Jorge Eremites de Oliveira e Levi Marques Pereira.

(3) Sobre o uso da mão de obra Guarani Kaiowá na Companhia Matte Larangeira, ver a dissertação de mestrado da historiadora Eva Maria Luiz Ferreira: A participação dos índios Kaiowá e Guarani como trabalhadores nos ervais da Companhia Matte Larangeira (1902-1952), publicada em 2007.

(4) Para entender o processo de expulsão dos Kaiowá e o seu confinamento nas reservas do SPI, consultar a dissertação de mestrado do historiador Antonio Brand, O confinamento e seu impacto sobre os Paì-Kaiowá (1993).

(5) Levantamento realizado pela advogada Juliana de Paula Batista, do Instituto Socioambiental – ISA.

(6) A ação rescisória está prevista nos artigos 966 a 975 do Código de Processo Civil, sendo uma ação própria e que tem como finalidade desconstituir uma decisão à qual não cabe mais recurso.

(7) Registro outros casos de comunidades indígenas que estão no STF: o Povo Kaingang de Boa Vista, do estado do Paraná, ingressou com ações rescisórias – ARs, sendo as de nº 2.750, de relatoria da Ministra Rosa Weber; nº 2.759, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes; nº 2.761, de relatoria do Ministro Roberto Barroso; e nº 2.766, de relatoria do Ministro Edson Fachin; a fim de anular todo os processos judiciais já finalizados, onde a demarcação foi anulada sem que os Kaingang fossem citados, por força de um vício processual insanável, ou seja, por falta de citação válida dos indígenas. Ainda, o Povo Kaingang, da Terra Indígena Palmas, sendo esta outra unidade sociológica da mesma etnia, ingressou com a AR nº 2.756, que conta com a relatoria da Eminente Ministra Carmen Lúcia e também conta com decisão liminar favorável.

(8) RUIZ, I. A. Princípio do Acesso à Justiça. Enciclopédia Jurídica da PUC-SP. 2018. Disponível em https://enciclopediajuridica.pucsp.br , acesso em 28. Mar. 2021.

Sobre o autor:
Luiz Eloy Terena, é advogado indígena. Pós-Doutor pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris. Coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). E-mail: [email protected]

Relatório da ONU aponta que povos indígenas são os melhores guardiões das florestas da América Latina e do Caribe

Relatório da ONU aponta que povos indígenas são os melhores guardiões das florestas da América Latina e do Caribe

Foto: Gabriel Uchida/Kanindé_ISA

Documento lançado nesta quinta-feira mostra a importância de garantir posse dessa população sobre seus territórios em áreas florestais

RIO — Os povos indígenas são os melhores guardiões das florestas da América Latina e do Caribe quando comparados aos responsáveis por outras florestas da região. É o que aponta o novo relatório “Governança florestal por povos indígenas e tribais”, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e do Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe (Filac).

O documento, baseado em uma revisão de mais de 300 estudos publicados nos últimos 20 anos, será lançado globalmente nesta quinta-feira, 25, em entrevista coletiva. O relatório defende ainda que governos exerçam ações como fortalecimento da colaboração com povos indígenas para melhorar a governança das florestas, reforcem direitos territoriais coletivos, compensem as comunidades indígenas pelos serviços ambientais que prestam, entre outras medidas.

Para David Kaimowitz, gerente de Instalações Florestais e Agrícolas da FAO, a demarcação e a titulação de terras são o primeiro passo fundamental:

— Nos territórios que já possuem título, é fundamental impedir invasões ilegais e apoiar o manejo florestal indígena. Esperamos convencer os governos com argumentos jurídicos, ambientais, econômicos e sociais. É importante que os governos latino-americanos estejam cientes de que têm obrigações legais de acordo com suas constituições e leis e tratados internacionais para garantir os direitos dos povos indígenas sobre seus territórios.

Segundo a análise, as taxas de desmatamento na América Latina e no Caribe são significativamente mais baixas em territórios indígenas onde esses povos tiveram os direitos coletivos à terra reconhecidos pelo governo. Isso indica, de acordo com a pesquisa, que assegurar a posse desses territórios é uma maneira eficiente e econômica de reduzir emissões de carbono.

Outro ponto em destaque no relatório é que o papel de proteção dos povos indígenas está cada vez mais em risco, em um momento em que a Amazônia chega a um ponto crítico, com impactos preocupantes sobre as chuvas e a temperatura e, eventualmente, sobre a produção de alimentos e o clima global.

Para Julio Berdegué, representante regional da FAO, os povos indígenas e tribais e as florestas em seus territórios desempenham papéis vitais na ação climática global e regional e no combate à pobreza, fome e desnutrição:

— Seus territórios contêm cerca de um terço de todo o carbono armazenado nas florestas da América Latina e do Caribe e 14% do carbono armazenado nas florestas tropicais em todo o mundo.

Territórios indígenas com títulos legais coletivos reconhecidos sobre suas terras foram os que apresentaram melhores resultados. Entre 2000 e 2012, as taxas de desmatamento nesses territórios na Amazônia boliviana, brasileira e colombiana ficaram entre a metade e um terço das taxas de outras áreas de florestas com características ecológicas semelhantes.

O relatório também defende que os governos devem investir em projetos de fortalecimento da atuação de povos indígenas nas florestas, reforçar os direitos territoriais comuns, facilitar o manejo florestal comunitário, fortalecer as culturas e conhecimentos tradicionais e estimular a governança territorial, além de apoiar as organizações de povos indígenas.

Menores taxas de desmatamento e menos emissão de carbono

Um dos estudos analisados no relatório destaca a importância de garantir a propriedade da terra: a taxa de desmatamento dentro das matas indígenas onde a propriedade foi garantida foi 2,8 vezes menor do que fora dessas áreas na Bolívia; 2,5 vezes menor no Brasil e duas vezes menor na Colômbia.

Territórios coletivos titulados evitaram entre 42,8 e 59,7 milhões de toneladas métricas (MtC) de emissões de CO2 a cada ano nesses três países, o equivalente a tirar de circulação entre 9 e 12,6 milhões de veículos por um ano.

Apesar de contribuírem com a biodiversidade, dos 404 milhões de hectares ocupados pelos povos indígenas, os governos reconheceram formalmente a propriedade coletiva ou direitos de usufruto sobre aproximadamente 269 milhões de hectares.

O relatório afirma que os custos de proteção de terras indígenas são cinco a 42 vezes menores do que os custos médios de CO2 evitado por meio da captura e armazenamento de carbono fóssil para usinas movidas a carvão e gás.

Os povos indígenas e tribais estão envolvidos na governança comum de 320 a 380 milhões de hectares de florestas na região, que armazenam cerca de 34 bilhões de toneladas métricas de carbono, mais do que todas as florestas da Indonésia ou da República Democrática do Congo.

Enquanto os territórios indígenas da Bacia Amazônica perderam menos de 0,3% do carbono em suas florestas entre 2003 e 2016, as áreas protegidas não indígenas perderam 0,6%, e outras áreas que não eram terras indígenas nem áreas protegidas perderam 3,6%. Em praticamente todos os países da América Latina, territórios indígenas e tribais têm taxas de desmatamento mais baixas.

— Quase metade (45%) das florestas intactas na Bacia Amazônica estão em territórios indígenas. Enquanto a área de floresta intacta diminuiu em apenas 4,9% entre 2000 e 2016 nas áreas indígenas da região, nas áreas não indígenas caiu 11,2%. Isso torna evidente por que sua voz e visão devem ser levadas em consideração em todas as iniciativas e estruturas globais relacionadas às mudanças climáticas, biodiversidade e silvicultura, entre muitos outros tópicos — explicou a presidente da FILAC, Myrna Cunningham, ressaltando o papel de preservação que esses povos assumem:

— Também existe a sua riqueza cultural, a diversidade de línguas, as diferentes formas de pensar e ver o mundo. A sociedade, as organizações e os meios de comunicação são chamados a compreender cada vez melhor o papel de nossos povos indígenas na preservação de todos como espécie humana, onde o cuidado com as florestas é um de muitos outros elementos essenciais. Só com isso, temos o suficiente para trabalhar e seguir em frente.

Apesar de os territórios indígenas cobrirem 28% da Bacia Amazônica, eles geraram 2,6% das emissões de carbono relacionadas à destruição das florestas na região. Os povos indígenas e tribais não praticam muito a pecuária extensiva nem se dedicam à agricultura mecanizada, duas das principais causas das perdas florestais na região.

A América Latina foi uma região pioneira no reconhecimento dos direitos territoriais comuns do povos indígenas e tribais, manejo florestal comunitário e pagamentos por serviços ambientais, medidas que ajudaram a proteger as florestas.

Texto publicado originalmente no Jornal O Globo

Banda francesa lança música em homenagem à Amazônia e arrecada fundos para indígenas no Brasil

Banda francesa lança música em homenagem à Amazônia e arrecada fundos para indígenas no Brasil

A banda de heavy metal francesa Gojira lançou hoje a música “Amazônia” em homenagem aos povos indígenas do Brasil.  E reverterá toda a  renda arrecadada com a música para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), para apoio às atividades das mulheres indígenas. A parceria foi uma articulação das mulheres Guarani Kayowa e a primeira doação será para apoiar a construção de casas de rezas no Mato Grosso do Sul. 

A banda Gojira anunciou recentemente os detalhes de seu novo álbum, Fortitude, que será lançado no dia 30 de abril pela Roadrunner Records. A faixa “Amazônia”, é a segunda do álbum. 

A Apib foi escolhida pela banda por cumprir um grande trabalho em defesa dos povos indígenas do Brasil, os direitos ambientais e culturais dos povos que sofreram imensamente – vítimas de violações de direitos humanos e ambientais,  desmatamento, perda de terras, trabalhos forçados, violência e assédio.

“Este é um chamado à unidade”, diz o vocalista Joe Duplantier.“ A comunidade de música pode ser poderoso quando unidos para algo significativo como este! Tantos amigos, grandes artistas, bandas aderiram ao movimento sem hesitar doando instrumentos. Este é um esforço coletivo de tantas pessoas ao nosso redor! ”

Ele adiciona: “Nós não queremos apenas lançar uma música chamada Amazônia – nós queremos fazer algo em cima disso. Como artistas, sentimos a responsabilidade de oferecer uma maneira para as pessoas agirem”.

Acesse a Campanha: https://www.gojira-music.com/amazonia

Em anúncio nas redes sociais, a banda está organizando duas iniciativas, a primeira é um leilão com uma guitarra com assinatura de Joe Duplantier gravada por Joe com obras de arte celebrando a vida selvagem da Amazônia, além de um baixo Nashguitars gravado à mão do baixista do Metallica, Robert e sua esposa artista, Chloe Trujillo, uma impressão fotográfica exclusiva da Lamb of God Randy Blythe, um capacete de motocicleta Rockhard Slayer de edição limitada e muito mais.

 A cada semana, novos itens serão adicionados ao leilão. Também vão lançar uma impressão de arte de edição limitada para beneficiar a Apib, onde os primeiros 500 fãs que comprarem a impressão terão seus nomes adicionados ao design final.

A Apib informou que as doações têm recorte principal para as mulheres indígenas, as primeiras doações vão ser destinadas ao território das mulheres Guarani Kayowa, no Mato Grosso do Sul, que ajudará na construção das casas de Rezas. E que seguiram nas ajudas as mulheres da Amazônia. 

Acesse o Clipe: https://youtu.be/B4CcX720DW4

Indígenas Kayapó pedem fim de cooperativa criada por madeireiros

Indígenas Kayapó pedem fim de cooperativa criada por madeireiros

Foto Bruno Kelly/Amazônia Real

Lideranças e Caciques do povo Kayapó, no sul do Pará, reuniram na aldeia Kayapó Kanhkro, município de Ourilândia do Norte,  para pedir o fim da cooperativa Kayapó Ltda, fundada em 2018 pelo cantor e ex-deputado federal Sérgio Reis e pelo empresário João Gesse. 

As lideranças denunciam que a cooperativa apenas visa explorar as terras indígenas, com grande extração, exploração agroindustrial, produção e comercialização comum de essências nativas por meio do manejo sustentável da floresta da reserva Kayapó.

Madeireiro desde os anos 80, João Gesse bate continência para Bolsonaro, nutre esperança de prosperidade e lista os culpados pelo atraso na região. Em diversos discursos, declarou que a cooperativa tem o objetivo de “desmascarar as ONGs”, “tirar a Funai” e irá ensinar os indígenas da região “aprender a administrar suas coisas igual a índio americano”. 

Não bastasse isso, João Gesse ainda quer acabar com a Associação Floresta Protegida e outras instituições indígenas. Tal absurdo fez com que as lideranças e caciques dos municípios de São Félix do Xingu, Tucumã, Ourilândia do Norte, Pau D’arco, Cumaru do Norte e Bannach se mobilizassem e pedissem a imediata saída da Cooperativa de suas terras. 

“Não precisamos de cooperativas comandadas por brancos (não indígenas), temos nossas organizações para nos representar”, declara lideranças em carta – O povo kaiapó tem mais de 11 associações e entidades que representa as aldeias da região e cobram uma urgente intervenção contra a cooperativa.

Desde 2014 os Kayapó convivem com garimpeiros e madeireiros numa vasta área territorial, entre as cidades de Redenção e Tucumã. Em 2019, novos garimpos desmataram 330 hectares de floresta, segundo dados do Sirad-X, da rede Xingu+. É o dobro do registrado em 2018. Estradas ilegais ligam áreas de garimpos distantes mais de 80 quilômetros uma da outra. A exploração madeireira no percurso completa o quadro de devastação.

Além dos principais impactos e crimes já anunciados a cooperativa Kayapó Ltda. pressupõe corromper lideranças, difamar e atacar quem se opõe à destruição da floresta, estratégia que se torna mais fácil diante da inação deliberada do poder público. “O Dia do Fogo”, combinado por fazendeiros pelo WhatsApp sem que o Ibama pudesse impedir, é só um aspecto, o mais visível, do problema. A omissão expõe lideranças comunitárias à violência e ao risco de morte. 

Leia a Carta enviada pelas lideranças: CARTA CONTRA COOPERATIVA

Com omissão federal garimpo agride mulheres indígenas

Com omissão federal garimpo agride mulheres indígenas

Nota de repúdio ao ataque contra a Associação de Mulheres Indígenas Munduruku – Wakomborum

Na manhã desta quinta-feira, 25, a sede da Associação de Mulheres Indígenas Munduruku Wakoborũn, no município de Jacareacanga no Pará foi alvo de intensa depredação, a mando de garimpeiros que atuam na região. Este cenário de violências é resultado direto das ações do Governo Federal que buscam legalizar crimes cometidos por garimpeiros e mineradoras dentro das terras indígenas e agravam os conflitos nos territórios.

Um ato de vandalismo que tem a intenção de ameaçar e intimidar as mulheres que lutam pela proteção das terras munduruku contra a ação de invasores. A Wakoborũn tem feito denúncias constantes contra os criminosos, pedindo ações da Polícia Federal na região para frear o avanço do garimpo ilegal. Sem nenhuma resposta dos órgãos federais, as lideranças vivem sob ameaça de morte e os criminosos seguem atuando impunemente.  

Eles já vinham anunciando que iam fazer isso e o poder público local e os demais órgãos competentes nada fizeram para manter a nossa segurança”, enfatiza nota publicada pela associação das mulheres. 

Documentos foram queimados e equipamentos da sede da associação foram quebrados, durante o ato de vandalismo liderado por garimpeiros da região. No local, além da organização das mulheres, funcionava também o escritório coletivo da associação Da’uk, da associação Arikico, do Movimento Munduruku Ipereg Ayu e da CIMAT.  

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), juntamente com suas organizações de base, acionou o Ministério Público Federal para investigar o caso e responsabilizar os criminosos deste ato de intimidação e violência. Tomaremos as medidas judiciais e políticas cabíveis para garantir a integridade física das lideranças ameaçadas.  

Nossa solidariedade e força para as mulheres munduruku, lideranças e organizações que estão sendo vítimas de constantes ataques. Wakoborũn foi a primeira guerreira munduruku. Uma justiceira conhecida por sua coragem na defesa pela vida do seu povo. É com a força dos nossos ancestrais que nos unimos na luta pela vida e autonomia dos nossos povos!

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, 25 de março de 2021. 

 

Leia a noita divulgada pela Associação de Mulheres Indígenas Munduruku Wakoborũn: Denúncia queima do escritório

APIB e Conselho Terena acionam MPF para vacinação do povo Terena, no distrito de Taunay (MS)

APIB e Conselho Terena acionam MPF para vacinação do povo Terena, no distrito de Taunay (MS)

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, em conjunto com o Conselho Terena, acionou o Ministério Público Federal (MPF) de Mato Grosso do Sul (MS) para exigir a vacinação dos indígenas do povo Terena na região do distrito de Taunay, município de Aquidauana, MS.

A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) exclui do plano de vacinação contra covid-19 os indígenas que vivem em terras não homologadas, como é o caso da Terra Indígena Taunay, que mesmo em estado avançado de demarcação, não entrou na cobertura de imunização.

A determinação da SESAI descumpre decisão do Supremo Tribunal Federal, que definiu no dia 16 de março, em resposta a ação movida pela Apib, pela garantia da vacinação a todos os indígenas localizados em áreas não homologadas.

O povo Terena é hoje o terceiro povo indígena com maior número de mortes por Covid-19, no Brasil. Em agosto de 2020, a SESAI chegou a proibir a ajuda humanitária do grupo Médico Sem Fronteiras ao povo Terena, em um momento onde os casos de mortes aumentaram mais de 500%. De acordo com dados do Ministério da Saúde, o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Mato Grosso do Sul vacinou 23.881 indígenas, no Estado, de um total de 45.693 indígenas previstos pelo programa de vacinação.

A Apib e o Conselho Terena pedem ao MPF-MS que seja instaurado inquérito civil para apurar os motivos da não inclusão dos indígenas do povo Terena, que vivem no distrito de Taunay, na prioridade de vacinação contra Covid-19.

No documento, as organizações também pedem que o DSEI Mato Grosso do Sul seja oficiado para promover a imunização do povo Terena do distrito de Taunay, em um prazo de 48 horas, sob pena de responsabilização civil, criminal e administrativa dos responsáveis pelo órgão.

STF julga caso da Terra Indígena Guyraroka, anulada com base no marco temporal e sem que comunidade fosse ouvida

STF julga caso da Terra Indígena Guyraroka, anulada com base no marco temporal e sem que comunidade fosse ouvida

Julgamento da ação do povo Guarani Kaiowá que busca reverter a anulação da terra indígena, localizada no Mato Grosso do Sul, inicia no dia 26, sexta-feira

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomará, a partir desta sexta-feira (26), o julgamento da ação que busca reverter a anulação da Terra Indíngena (TI) Guyraroka, do povo Guarani Kaiowá. O recurso é movido pela própria comunidade indígena, que não foi ouvida nem citada no processo que, em 2014, culminou na anulação do processo administrativo de demarcação de sua terra pela Segunda Turma do STF.

O julgamento ocorre em plenário virtual, no qual os onze ministros votam numa plataforma online, ao longo de uma semana, sem necessidade de reunião por videochamada e tampouco espaço para sustentação oral das partes.

A ausência de participação da comunidade da TI Guyraroka no processo é o principal argumento para reverter a decisão da Segunda Turma. O direito de acesso à Justiça é garantido expressamente aos povos indígenas no artigo 232 da Constituição Federal de 1988 e vem sendo garantido em diversas decisões recentes da própria Suprema Corte.

Além disso, outros dois pontos destacados pela defesa da comunidade indígena são o fato de que a decisão baseou-se na tese inconstitucional do marco temporal, ainda em discussão no Supremo, e foi tomada a partir de um mandado de segurança. Esta modalidade jurídica não permite a apresentação de novas provas e o próprio STF vem decidindo que ela não deve ser utilizada para discutir demarcações de terras indígenas, devido à complexidade do tema.

Desde a anulação, em 2014, o povo Guarani e Kaiowá vem se mobilizando fortemente para reaver a demarcação do tekoha – lugar onde se é – Guyraroka. As 26 famílias da aldeia vivem hoje numa área de 55 hectares, uma pequena parcela dos 11 mil hectares identificados e delimitados pela Funai em 2004 e declarados como de ocupação tradicional indígena pelo Ministério da Justiça em 2009.

Além do pouco espaço, a comunidade vive cercada por grandes fazendas, que ocupam seu território para o plantio de monoculturas como soja, milho e cana-de-açúcar. A proximidade tem gerado ameaças às lideranças e até a intoxicação de crianças e adultos pelo veneno despejado nas lavouras, separadas da aldeia apenas pelas cercas de arame.

O povo Guarani e Kaiowá chegou a recorrer da decisão da Segunda Turma, mas seus pedidos de admissão foram negados, e o processo transitou em julgado em meados de 2016. Inconformada, a comunidade da TI Guyraroka ingressou em 2018 com a Ação Rescisória (AR) 2686, que busca reverter o julgamento no qual foi ignorada.

A rescisória começou a ser julgada no ano de 2018, mas foi retirada de pauta após um pedido de vistas do ministro Edson Fachin. A ministra Carmen Lúcia e o ministro Luiz Fux, relator do caso, votaram contra o pedido da comunidade. A Procuradoria-Geral da República (PGR) manifestou-se favoravelmente aos indígenas. Em 2019, o julgamento chegou a retornar à pauta da Corte, mas foi novamente adiado.

“Estamos na expectativa desse julgamento, pedimos aos ministros que avaliem nossa situação e a precariedade onde estamos vivendo hoje”, reivindica Erileide Domingues Guarani Kaiowá, moradora do tekoha Guyraroka. “Vamos nos manifestar e insistir pela vitória”.

O risco de um possível despejo, caso a anulação não seja revertida, e a situação de violência e violações vivenciadas pelos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul fizeram com que o caso fosse levado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que foi à terra indígena durante sua visita ao Brasil, em 2018.

A CIDH classificou a situação do povo Guarani e Kaiowá como uma “grave situação humanitária” e emitiu, em 2019, medidas cautelares em favor dos indígenas da TI Guyraroka, solicitando ao Estado brasileiro que tome providências para garantir o direito à vida e à integridade pessoal dos membros da comunidade.

Acesso à Justiça
A efetivação do direito constitucional de acesso à Justiça é uma reivindicação constante dos povos indígenas, muitas vezes prejudicados por decisões judiciais tomadas sem sua participação.

Recentemente, em pelo menos quatro outras ações rescisórias, o STF suspendeu decisões contrárias aos indígenas em processos nos quais eles não foram ouvidos. As ações tratavam das TIs Toldo Boa Vista e Palmas, ambas do povo Kaingang, no Paraná.

“Todas essas ações contam com decisões favoráveis aos indígenas justamente porque não houve a citação da comunidade, o que a Suprema Corte vem entendendo que gera nulidade”, explica Rafael Modesto dos Santos, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e um dos advogados da comunidade.

“O caso Guyraroka é um caso clássico do que as comunidades indígenas enfrentam por todo o país, qual seja, a dificuldade de ter acesso à Justiça. Vários processos estão tramitando e decisões sendo tomadas sem ouvir os maiores interessados, justamente as pessoas que vão arcar com o peso de eventual decisão judicial”, avalia Luís Eloy Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e também advogado da comunidade na ação.

“Isso é um resquício do regime tutelar, que perdurou durante muito tempo no Brasil, e é resquício também de uma posição racista em relação aos povos indígenas, que tende a invisibilizar, mas também a obstruir o acesso à Justiça por parte dos povos e comunidades indígenas”, crítica Eloy.
Nos últimos anos, povos indígenas e suas organizações vêm sendo reconhecidos pelo STF como representantes legítimos em processos de grande relevância, como o caso Xokleng que teve repercussão geral determinada pela Corte e a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, que cobra do poder público ações de combate à pandemia entre os povos indígenas.

Marco temporal
O principal argumento utilizado para anular a demarcação da TI Guyraroka foi a tese do “marco temporal”, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

Ao longo do século XX, os Guarani Kaiowá foram repetidas vezes expulsos do tekoha Guyraroka, progressivamente ocupado por fazendeiros. Os indígenas, entretanto, nunca desistiram do seu território e seguiram retornando a ele, numa trajetória de idas e vindas que culminou na atual retomada, onde estão há mais de vinte anos.

“Nasci aqui no Guyraroka em 1920, e estou pedindo para vocês, ministros, devolver para mim essa aldeia Guyraroka”, reivindica seu Tito Vilhalva, ancião centenário do tekoha. “Estamos pedindo pela demarcação para nós podermos sossegar e vocês também. Nasci aqui mesmo, em 1920, e estou com 101 anos. Naquela época, aqui era já aldeia. Conheço tudo aqui, por isso estamos pedindo a demarcação da nossa terra”.
A tese do marco temporal, que apareceu pela primeira vez no STF no caso Raposa Serra do Sol, ainda está em discussão no próprio Supremo e pode vir a ser definida no caso de repercussão geral envolvendo o povo Xokleng.

“Em 2014, a Segunda Turma resgatou e aplicou a tese do marco temporal no caso Guyraroka, sem ter passado pelo crivo do contraditório, pois não ouviram os povos indígenas. Agora, o reconhecimento da repercussão geral, indicando que esse tema não está pacificado no STF, dá mais um elemento para justificar a reversão do julgado que anulou a TI Guyraroka”, avalia Modesto.

Projeto que revê demarcação de terras indígenas ganha força na CCJ da Câmara

Projeto que revê demarcação de terras indígenas ganha força na CCJ da Câmara

Alinhados com a Funai, ruralistas se movimentam para aprovar pautas de interesses da bancada e do governo Bolsonaro

Via Jornal O Globo 

Ao menos três projetos de lei que rediscutem a autonomia dos indígenas em seus territórios, garantida na Constituição, ganharam força na Câmara dos Deputados, com o apoio de fazendeiros, mineradoras e do próprio governo federal. O mais atacante deles transfere da União para o Congresso a última palavra na demarcação das terras indígenas, com poder de rever as áreas já demarcadas e de proibir a ampliação das reservas já existentes, e anda acelerado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde recebe ainda esta semana o parecer do deputado Arthur Maia (DEM-BA)

Relator do PL 490/2007, que na prática altera o Estatuto do Índio e tira da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ministério da Justiça a prerrogativa de decidir sobre essas áreas, Maia é ligado à bancada ruralista e defensor do projeto. O GLOBO apurou junto à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) que seu parecer será favorável à proposta que tramita há 14 anos na Câmara e já recebeu 13 anexos de outros PLs.

Entre idas e vindas, o projeto foi desarquivado no início do governo do presidente Jair Bolsonaro e agora encontrou o ambiente propício com o alinhamento da CCJ e da bancada ruralista. A pedido de Maia, os demais projetos de lei foram anexados neste PL (490/0207), visto que os temas são correlatos, como o mesmo pedido de alteração no Estatuto do Índio e o estabelecimento da promulgação da Constituição em 1988 como “marco temporal” para definir as terras ocupadas por índios, questão essa que é tema de ação no Supremo Tribunal Federal (STF).

Entre os parlamentares da bancada ruralista com interesse na proposta está o deputado Nelson Barbudo (PSL-MT), que já apresentou dois projetos de lei pedindo a alteração do Estatuto do Índio e a “realocação de não indígena ocupantes de terras tradicionalmente ocupadas por indígena”, além de indenização e título definitivos para os fazendeiros à medida que as demarcações foram sendo revistas. Com o aval do presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), a CCJ recebeu o PL de Barbudo na última quinta-feira. A presidente da CCJ, Bia Kicis (PSL-DF), também é a favor da revisão das demarcações.

 

PL coloca em risco segurança alimentar nas escolas e sustentabilidade de comunidades indígenas

PL coloca em risco segurança alimentar nas escolas e sustentabilidade de comunidades indígenas

Foto: Adenilson Nunes/SECOM

O Observatório da Alimentação Escolar divulgou nota pública contra os Projetos de Lei 3.292/2020 e 4.195/2012 que colocam em risco o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e retiram, na aquisição de alimentos, a prioridade dada a comunidades tradicionais indígenas e de remanescentes de quilombos, excluindo estas populações do acesso aos mercados institucionais.

Ao criar obrigatoriedades e reservas de mercado para determinados alimentos (leite, carne de porco, café, mel, farinha de arroz, orgânicos, entre outros), estes PLs e seus anexos tornam o PNAE vulnerável aos múltiplos interesses de produtores e da indústria de alimentos, que veem no programa um canal de escoamento, abrindo precedente para os mais diversos tipos de lobby. Além disso, os cardápios da alimentação escolar devem ser elaborados por nutricionistas responsáveis técnicos do Programa, de modo a respeitar as necessidades nutricionais dos estudantes, a cultura alimentar e a produção agrícola da localidade. Devem se pautar na sustentabilidade, na sazonalidade e na diversificação.

Um exemplo do problema encontra-se na argumentação do deputado Vitor Hugo sobre a substituição do leite em pó, hoje priorizado em muitas localidades. Para o deputado, seria uma forma de estímulo à produção local e geração de renda nas localidades em que se encontram os estudantes que consomem o produto. A nota do Observatório, no entanto, aponta que apesar de intencionar uma alimentação com menor nível de processamento – o que as organizações e movimentos que assinam a nota também defendem, de forma alinhada ao Guia Alimentar para a População Brasileira -, ao criar cota específica para a aquisição de um determinado tipo de alimento, a presente proposta abre precedente para uma série de possíveis reservas de mercado, que respondem aos interesses dos mais diversos tipos de lobby. Além disso, há de se considerar a falta de estrutura de muitas escolas, especialmente nos municípios mais pobres, para o devido armazenamento do leite fluido.

O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC) também se manifestou oficialmente de forma contrária ao PL 3.292. Ainda assim, a Câmara dos Depurados aprovou o Projeto de Lei com urgência e está na pauta para ser vota nesta terça-feira 23/03.

Na atual crise, ao invés de destruir o PNAE, o governo deveria dar resposta aos que produzem alimentos com as políticas de abastecimento que estão sendo desmontadas, como é o caso do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM).

Leia na íntegra: Novo Posicionamento Publico PL 4.159