RIO – Lideranças do garimpo ilegal que exploram a Terra Indígena Munduruku, no sudoeste do Pará, articularam uma vaquinha entre empresários, comerciantes e moradores dos municípios de Jacareacanga e Itaituba para enviar, no momento mais crítico da pandemia de Covid-19, ônibus “lotados de índios” a Brasília, com o objetivo de pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso a favor de suas demandas.
Eles pretendem chegar na próxima segunda-feira, Dia do Índio, para protestar contra a retirada dos invasores determinada pelo ministro do STF, Luis Roberto Barroso, e pedir apoio de parlamentares pela aprovação do projeto de lei da Câmara dos Deputados (PL 191/20), que libera a mineração nessas terras. O GLOBO teve acesso a diversos áudios em que garimpeiros e uma liderança indígena discutem a estratégia de cooptar os índios e arrecadar recursos de quem se beneficia da prática de extração de ouro ilegal na região para fazer a viagem até Brasília. Ao menos dois micro-ônibus já deixaram Jacareacanga com destino à capital federal.
Abastecida pelo garimpo ilegal na área dos Munduruku, a região de Jacareacanga, distante cerca de 1.800 quilômetros da capital Belém, vive uma situação tensa após a decisão do STF. Nesta quarta-feira, um grupo de garimpeiros bloqueou a rodovia BR-230 em protesto contra as operações federais de combate à prática ilegal do garimpo. De acordo com uma fonte, um pequeno grupo de indígenas libera a entrada de garimpeiros ilegais em troca de porcentagem da venda de ouro.
Em um das gravações, O GLOBO identificou Vilelú Inácio de Oliveira, o Vilela, como um dos líderes dos garimpeiros que promove a caravana. No áudio destinado a um grupo de uma cooperativa, Vilela cita a decisão do Supremo e diz que “desta vez é ordem judicial que terá de ser cumprida pela Polícia Federal, Ibama e Exército”.
A TI Munduruku é uma das sete terras indígenas alvos da decisão do STF para que seja realizada a retirada dos invasores nos próximos dias. As demais são Yanomami, Karipuna, Uru-EuWau-Wau, Kayapó, Araribóia e Trincheira Bacajá.
O Ministério Público Federal (MPF) já reforçou pedido à Justiça Federal alertando para o iminente conflito entre invasores e indígenas contrários ao garimpo.
De acordo com o Deter, levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia, somente nas terras indígenas Munduruku e Sai Cinza, ambas do povo Munduruku, foram observados 219,82 hectares de desmatamento para realização da atividade garimpeira entre agosto 2020 e janeiro 2021.
“Matar esse passarinho no ninho”
“Mais uma vez se vê necessário ir para Brasília levar uns dois ônibus lotados de índios para nós tentarmos reverter esse quadro da Polícia Federal, que está preparada para vir aqui dentro da área indígena junto com Ibama e Exército, mas dessa vez é ordem judicial, não tem como eles saírem fora”, afirma Vilela, indicando que em outras operações comandadas por “Mourão” (vice-presidente general Hamilton Mourão) via “GLO” (Garantia da Lei e da Ordem) era mais fácil de resolver.
“Inclusive, estamos como réus porque estamos acobertando a área indígena e não estamos protegendo. Então, se faz necessário ir para Brasília para tentar matar esse passarinho no ninho e também ajudar no pedido do PL 191 para podermos legalizar nossa atividade dentro da terra indígena”.
Vilela indica na mensagem uma conta para depósito e quem será o indígenaresponsável por armar o esquema. O GLOBO teve acesso a dois comprovantes de depósito no valor de R$ 1 mil cada. “Vai ser um gasto grande dessa vez, mas vamos precisar de muita colaboração. A conta taí, o pedido do nosso amigo indigena, o Josias, tá aí também no grupo. E a hora é agora, gente. Se alguém quiser que não tenha operação em terra indígena e queira que essa lei seja aprovada, então é agora”.
Em outra gravação , o índio Josias Munduruku repassa o pedido de contribuição e convoca os demais para a manifestação em Brasília.
“Amigos garimpeiros. Venho pedir contribuição para nós fazemos uma viagem juntamente com lideranças que estão a favor do garimpo. Dia 15 queremos viajar para Brasília, fazer grande manifestação em prol do nosso garimpo, dentro do nosso território, e é por isso que venho pedir contribuição de cada um de vocês para que nós possamos ir para Brasília, lutar a favor da aprovação do PL 191. Dia 19 de abril , Dia do Índio, haverá grande manifestação em prol de mineração em nossas terras” .
O prefeito de Jacareacanga, Valdo do Posto (PSDB), disse ao GLOBO que não vai comentar o assunto por temer represálias dos garimpeiros. Vilela e Josias não foram localizados.
Prefeito incentiva “trabalho extra” de solteiras
Em outro áudio obtido pelo GLOBO, o prefeito de Itaituba, Valmir Climaco (MDB-PA), pede que desempregados da região procurem o garimpo como opção de trabalho e sugere que mulheres solteiras, “além de cozinhar e lavar as roupas para garimpeiros, têm grandes chances de ganhar um dinheirinho” extra.
Em um áudio, o prefeito de Itaituba, no Pará, Valmir Climaco (MDB), aconselhou a população a aproveitar a alta no preço do ouro e lucrar com serviços ligados ao garimpo. Ele chegou a sugerir que mulheres solteiras ganhem um “dinheirinho extra” com serviços domésticos
“Quero dar um recado para quem está desempregado. O município de Itaituba nunca viu um ouro tão caro, tão bom de preço, como está nesse momento. Só para vocês terem uma noção, eu mandei fazer uma pesquisa, que desde que cheguei aqui em 1977 até 2000, a média do preço do quilo do ouro era de US$ 8 mil a US$ 10 mil. Hoje o preço do ouro é US$ 60 mil, o quilo! Nunca se viu tanto ouro extraído da nossa região que nem agora”.
E completa:
“Você mulher que tem um marido preguiçoso, só para você ter uma noção: 30 gramas de ouro que uma cozinheira ganha no garimpo. Ela cozinha e ainda lava as roupas dos garimpeiros para receber um dinheirinho. E se ela for solteira, ainda faz outra coisa e ainda ganha outro dinheirinho”.
Ao GLOBO, o prefeito Climaco , que é garimpeiro, reafirmou as declarações do áudio. E disse que quando se referiu às mulheres solteiras, estava falando sobre namoro.
– Se elas quiserem arrumar namorado lá são livres – afirma.
Climaco nega que tenha colaborado com a caravana e afirma que “até onde sabe” nenhum garimpeiro de Itaituba, que fica a 410 quilômetros de Jacareacanga, deve seguir na viagem, mas admite que muitos residentes da cidade trabalham no garimpo da terra indígena. Ele diz desconhecer a decisão do STF sobre a retirada de garimpeiros da região.
Matéria originalmente publicada pelo jornal O Globo. Acesse.
Observatório vai avaliar políticas públicas e acompanhar casos emblemáticos. Encarceramento de indígenas é reflexo da marginalização dessas populações, diz advogado
Há uma relação próxima entre a não demarcação de terras indígenas e o encarceramento dessas populações, afirma o advogado Luiz Eloy Terena. Assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Eloy é um dos criadores do Observatório Sistema de Justiça Criminal e Povos Indígenas. Recém-lançado pela Apib, com o apoio do Fundo Brasil (mesma organização que mantém a Brasil de Direitos), o Observatório reúne pesquisadores e ativistas que vão acompanhar a relação entre essas populações e o sistema penal. O esforço é justificado pela complexidade da questão. Segundo Eloy, a prisão de indígenas é, frequentemente, reflexo da marginalização histórica desses povos.
De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) há 1390 pessoas identificadas como indígenas presas no Brasil. A maioria das prisões aconteceu no Mato Grosso do Sul: justamente o estado brasileiro onde o número de terras indígenas demarcadas é menor. Por lá, esse quadro provoca conflitos fundiários que, não raro, terminam em morte. Sem terra onde produzir alimentos, e sem estrutura para preservar sua cultura, os indígenas do Mato Grosso do Sul reúnem alguns dos piores indicadores sociais do Brasil. “A criminalidade no Brasil está atrelada à extrema desigualdade social dos grupos que compõem a conjuntura social”, diz Eloy. “A falta de demarcação de territórios é um dos pilares que impulsionam e edificam a desigualdade social entre os indígenas e não indígenas na região”.
A ambição do Observatório é qualificar esse debate, por meio do acompanhamento de estatísticas e de casos emblemáticos. O grupo pretende, ainda, avaliar as políticas públicas existentes para o setor, propor meios para aprimorá-las ou apontar novos caminhos. “A ideia é que o Observatório seja um mecanismo auxiliar de controle externo do poder público”, conta o advogado.
Brasil de Direitos: Dados de 2019, do Depen, informam que há 1390 pessoas identificadas como indígenas presas no Brasil. Há variações regionais importantes? Luiz Eloy Terena: Há. O estado de Mato Grosso do Sul (MS) é aquele com maior número de detentos indígenas do Brasil: 349. Esse número é quase três vezes maior que o do segundo colocado — Roraima, onde há 110 presos indígenas. No caso do MS, desses 349 presos, 184 pertencem à etnia Kaiowá, 93 são da etnia Guarani, 67 da etnia Terena e 4 da etnia Kadiwéu. Em que pesem as diferenças regionais, é possível afirmar que esse montante carcerário consideravelmente maior no estado de Mato Grosso do Sul tem relação com o histórico conflito por terras entre os povos indígenas e os latifundiários. Trata-se, é importante ressaltar, do estado que tem menos terras indígenas demarcadas.
Como assim? Qual a relação entre demarcação de terras indígenas e o encarceramento dessas populações?
Essa relação se dá por conta da marginalização a que os povos indígenas são submetidos nestas regiões, considerando o cenário de violência em que vivem. A criminalidade no Brasil está atrelada à extrema desigualdade social dos grupos que compõem a conjuntura social. No Mato Grosso do Sul, há um descaso considerável por parte do poder público com relação às populações indígenas originárias. A falta de demarcação de territórios é um dos pilares que impulsionam e edificam a desigualdade social entre os indígenas e não indígenas na região. Outra pilar é o descaso com relação às comunidades em situações de retomadas, acampamentos e ocupações. O Estado é negligente ao não conter os conflitos nessas áreas. O terceiro pilar que contribui para a marginalização, e consequente criminalização dos indígenas, nesta região é o preconceito da população. Por ser, historicamente (e ironicamente) um estado com atividade econômica basicamente toda voltada ao agronegócio, a população sul-mato grossense sustenta um estereótipo que prejudica a inserção dos indígenas nas atividades comuns à cidade, à sociabilização e principalmente, às oportunidades de trabalho.
A prisão, então, passa a ser um dos reflexos do processo de marginalização desses povos pelo Estado?
O processo de criminalização dos povos indígenas envolve uma diversidade de violências, é um fenômeno complexo por abranger diferentes atores e instituições. É importante destacar o contexto histórico de invasão, pelos portugueses e espanhóis, do território em que hoje se situa o Brasil. Nesse projeto colonial, as nações que aqui viviam foram massacradas em um processo de aculturação e pacificação social que usou a força repressiva do Estado como mecanismo de ação. Inclusive, diversos estudiosos chamam esse processo de etnocídio. Assim, foram criadas políticas e instituições responsáveis por tutelar os povos indígenas do Brasil, ignorando as suas subjetividades enquanto seres humanos e ignorando sua diversidade de culturas, territorialidade, religiosidade, direito. Criou-se, no imaginário do brasileiro, a visão de que os índios seriam um atraso ao progresso nacional em contraste com o modelo industrial disseminado principalmente pelos países europeus e pelos EUA. O Código Penal brasileiro, de 1940, carrega essas premissas inspiradas no positivismo evolucionista. A lei penal refletiu o conceito vigente no Código Civil de 1916 que considerava o indígena relativamente incapaz para os atos da vida civil, devendo ser submetido ao regime tutelar sob responsabilidade do então Serviço de Proteção ao Índio (SPI) que depois daria origem à Fundação Nacional do Índio (Funai).
A Constituição Federal de 1988 entende os indígenas como sujeitos de direitos. A promulgação da Carta não alterou esse quadro que você descreve?
A Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova política indigenista ao firmar o compromisso de proteger a diversidade cultural, respeitando tradições, organização social, costumes, línguas e modo de vida dos indígenas, como expressa em seu artigo 231. E aí começa uma nova etapa nesse conflito histórico que se traduz na opção de manter as populações indígenas marginalizadas, porém, com metodologia um pouco mais sofisticada, utilizando dos mecanismos oficiais de persecução penal para então calar as vozes.
Como vai funcionar o trabalho do Observatório?
O Observatório é um espaço compartilhado para a produção de conhecimento técnico de qualidade e independente. A ideia é que seja um mecanismo auxiliar de controle externo do poder público, um meio de facilitação de acesso à informação técnico-científica de qualidade, e também uma forma de auxiliar na construção de políticas públicas e na tomada de decisões estratégicas por parte do poder público e demais entidades da sociedade civil especialmente voltadas para a comunidade indígena. Vamos trabalhar em três eixos de atuação: na consolidação de um plano de ação para a pesquisa, coleta e processamento de dados relacionados ao encarceramento provisório e definitivo da população indígena no Brasil; no acompanhamento processos emblemáticos envolvendo assassinatos de lideranças indígenas; e no acompanhamento de casos de criminalização de lideranças indígenas no Brasil, com foco prioritário nas lideranças da APIB.
A leia e a prisão são usados como forma de perseguição às lideranças indígenas? Qual a mecânica dessa criminalização das lideranças?
A questão é bastante complexa, mas é importante destacar que o sistema de justiça criminal é o braço mais forte do Estado. Algumas pessoas podem até dizer que “nunca cometerão crimes”, mas não podem afirmar que não serão “acusadas de praticar um crime”. E aí é que entra a criminalização de lideranças, muitas vezes sendo envolvidas em causas criminais que ignoram a complexidade do arranjo político próprio das nações indígenas. Inclusive, é justamente nesse ponto que é relevante falar que o Brasil é um país com muitas nações, algumas delas, com formas próprias de resolver conflitos. Nesse contexto todo, a perseguição por meio das investigações em andamento acabam se transformando como mecanismo para frear ou calar a atuação de lideranças indígenas, fazendo com que a própria credibilidade seja questionada. Mas o poder público muitas vezes não se preocupa em entender como essas acusações são construídas com base em fatos falsos ou versões que são distorcidas.
A pandemia alterou, de algum modo, essa equação da criminalização das lideranças?
A pandemia do COVID-19 alterou a rotina do mundo todo, mas é importante destacar, antes de mais nada, que é preciso olhar para essa questão com certa complexidade. Isso porque, muito antes do vírus em si, as desigualdades sociais, a falta de saneamento básico, de estrutura básica de saúde e de falta de renda, para mencionar apenas alguns pontos, já faziam parte da rotina de grande parte dos povos indígenas. Quem viaja pelo interior do Mato Grosso do Sul, por exemplo, vê a imagem recorrente de indígenas marginalizados — literalmente, em acampamentos à margem das rodovias em situação absolutamente precária. Isso não foi causado pelo Coronavírus. É resultado de uma opção política de invisibilizar esses sujeitos. A pandemia alterou muito a rotina, e hoje temos 52.005 casos de indígenas contaminados pelo novo coronavírus, 1.034 mortos e 163 povos afetados. Mas essa violência sistematizada e institucionalizada acompanha os povos indígenas há mais de 500 anos. Tentando então refletir sobre a alteração da criminalização das lideranças no contexto da pandemia, claramente se observa uma reação por parte do Estado quando percebe que as vozes vão crescendo. A luta por direitos, agora, inclusive sanitários e de saúde, gera também a contrarreação por parte dos governantes que nunca se preocuparam em efetivamente garantir condições básicas para os povos indígenas
A gestão da pandemia de covid-19 passa a ser alvo de um exame por parte da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. Nesta segunda-feira, a entidade se reuniu com o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, que apresentou um levantamento detalhado da situação do país e pediu a responsabilização dos responsáveis pela resposta à crise sanitária.
A presidente da Comissão Interamericana, Antonia Urrejola, liderou o encontro, que também contou com a participação de Julissa Mantilla e de Joel Hernandez, que também compõem a comissão da OEA, além da relatora especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais, Soledad García.
Durante o encontro, a presidente da Comissão expressou sua preocupação diante dos relatos apresentados e indicou que o objetivo da reunião era obter informações em primeira mão sobre o contexto brasileiro para que a comissão possa colaborar. “A situação do Brasil é prioritária para a CIDH. Manifestamos nossa solidariedade nessa situação sem precedentes”, afirmou Urrejola.
Mantilla ainda destacou que a comissão da OEA está especialmente preocupada com as pessoas em situação de vulnerabilidade, como indígenas, afrodescendentes, com deficiência, idosas e migrantes.
Já Hernandez, relator para o Brasil, destacou que, para a Comissão, é fundamental obter as informações do Conselho Nacional para que recomendações sejam feiras ao país.
Durante o encontro, o presidente do Conselho Nacional, Yuri Costa, informou que o Brasil vive um quadro de indefinição que não aponta para solução a curto e talvez nem a médio prazo das diferentes crises enfrentadas pelo país, o que impacta os direitos humanos das mais diversas formas. “O Conselho Nacional dos Direitos Humanos tem buscado dar conta de toda a complexidade de diferentes lesões de direitos humanos que a pandemia tem causado, seja a sanitária ou a socioeconômica”, afirmou.
Segundo ele, voltou a ser uma realidade no Brasil a fome, fenômeno que sintetiza o agravamento das condições sociais, econômicos e sanitárias pela pandemia.
“O Brasil já caminhava para uma diminuição drásticas de políticas públicas importantes, como na área assistencial. Estamos perto de não realizar o censo demográfico mais importante que temos, além de termos uma diminuição da participação social, após a extinção de todos os fóruns nacionais de participação sem previsão legal. Dessa forma, a pandemia nos atingiu de maneira severa em um quadro que já era bastante ruim”, denunciou Costa.
Segundo ele, “a ausência de uma política articulada centrada no governo federal prejudica enormemente o país, já que o governo sequer atualizava a quantidade de pessoas contaminadas e mortas por covid”.
“Foi necessário que secretarias de estados e imprensa criassem uma contagem paralela para que a população tivesse acesso aos dados diariamente. Temos um articulação no âmbito estadual, mas não há um parâmetro único e bem definido à luz do conhecimento científico de políticas públicas mínimas para controlar a pandemia”, afirmou Costa aos peritos internacionais.
O vice-presidente do Conselho Nacional, Darci Frigo, ainda alertou que a indefinição sobre o orçamento federal anual foi mais um obstáculo e alertou que uma pesquisa recente revelou o risco de que 1.222 municípios fiquem sem oxigênio para tratar seus pacientes caso não haja diminuição de internações, além do risco de falta de medicamentos para tratar pessoas em terapia intensiva.
“As ações adotadas no âmbito do Judiciário resultaram em medidas importantes para parcelas da população, como a indígena e a quilombola, mas enfrentam dificuldades de implementação pelo governo federal”, disse.
“Enquanto isso, o Congresso está preocupado com aprovação de lei para permitir a compra privada de vacinas; o governo, com a aplicação da Lei de Segurança Nacional contra opositores políticos; e o presidente, sem máscara, reúne pessoas para dizer que não sigam as orientações sanitárias. Não há limites para nominar a tragédia brasileira”, afirmou.
Frigo defendeu a adoção de um lockdown nacional, propôs a criação de uma comissão de salvação e gestão nacional da pandemia, garantir vacinas, ampliar o auxílio emergencial e distribuir alimentos, entre outras medidas
Responsabilização de gestores
O Conselho também explicou que tem atuado e que estabeleceu uma Comissão Especial de Direitos Humanos e Pandemia. Segundo Rogério Giannini, que coordena a iniciativa, o objetivo do grupo é buscar parâmetros, pensar na reparação e na responsabilização de gestores que contribuíram para a crise.
“Desde o começo da pandemia, houve sistematicamente a adoção de medidas que inviabilizaram o combate à pandemia”, afirma Giannini.
Ele da como exemplo a estratégia recomendada pela Organização Mundial da Saúde de que países realizem testagem em massa e identifiquem toda a rede de contatos. Segundo o conselheiro, o Brasil foi um dos países que menos realizou testagem, mesmo tendo uma enorme rede de agentes de saúde e da assistência social.
A lentidão para adquirir vacinas, a não criação de um grupo de administração da crise, além dos efeitos das atitudes e declarações do presidente contra o isolamento e o uso de máscaras, são outros exemplos apontados por ele.
“Foram decisões tomadas, e não enganos ou incapacidade. Sistematicamente foram tomadas medidas para que a pandemia se espalhasse, com a organização de um conjunto de ações e de omissões coerentes”, denunciou.
“O que está por trás disso é a ideia de que somente os fortes sobreviverão, ou invertendo, somos o país ‘onde os fracos não têm vez’. Isso é eugenia e sim – genocídio”, disse. “Não é extirpar um povo ou etnia, mas um grupo da sociedade que seria o dos mais fracos”, avaliou.
Memória e reparação
Um dos trabalhos do Conselho Nacional será direcionado à memória para que a crise não caia no esquecimento, ao mesmo tempo em que pense em políticas públicas de reparação.
“Esse governo tirou as populações de seu calendário de assistência. Ele não se preparou, não acreditava e não acredita na doença. Mesmo com 350 mil mortes, o presidente ainda faz falas desconsiderando a pandemia, e nós estamos perdendo nossos entes”, disse a conselheira Sandra Andrade, que alertou como as comunidades mais vulneráveis estão morrendo sem assistência.
Já o conselheiro Everaldo Patriota alertou sobre o estado da democracia brasileira. “Há ameaças latentes e constantes ao Estado democrático de Direito, que são minoritárias mas possuem apoios no governo”, disse, destacando como no fim de semana grupos pediram o fechamento do STF e do Congresso. “A democracia nunca correu tanto risco depois da retomada de 1988, e o governo federal tem zombado do Estado democrático de Direito” afirmou.
Representantes de povos indígenas do Brasil estão pedindo ao governo dos Estados Unidos para serem incluídos na elaboração do plano para proteção da Amazônia que está em discussão com o governo brasileiro.
A iniciativa se concretizou em uma carta da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), entidade que agrupa o maior número de organizações indígenas no país, e foi enviada em março ao presidente Joe Biden e à vice- presidente Kamala Harris.
“Há uma grande mobilização para abrir um diálogo com o governo americano sobre as pautas ambientais”, disse ao Valor o advogado Dinaman Tuxá, mestre em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília e coordenador da Apib. “É legítimo pedir que os EUA abram este canal com os povos indígenas, que são muito impactados com a pauta de retrocesso ambiental do governo Bolsonaro”, continua.
Na carta, os indígenas lembram que a conservação das florestas é maior nos territórios indígenas, mencionam seu “papel estratégico e fundamental para a preservação da Amazônia” e solicitam um canal direto de comunicação com a equipe responsável por implementar a ordem executiva de Biden de combater a crise climática nos EUA e no exterior.
“Para assegurar e cobrar que o Estado brasileiro volte a fazer uso de suas legislações ambientais e suas diversas agências de proteção, é essencial incluir os povos indígenas na mesa de negociação e elaboração de estratégias”, diz o texto. Segundo a Apib, atualmente 70% dos processos de demarcação de terras indígenas estão paralisados.
“Estamos vivenciando o pior cenário político e que se agrava com a pandemia. Garimpeiros e madeireiros não fizeram home office e foram um dos principais vetores de entrada da doença nas terras indígenas”, ressalta o advogado de origem tuxá, povo indígena que vive na Bahia, Pernambuco e Minas Gerais.
Segundo dados da Apib, até o dia 6 de abril havia 51.988 indígenas contaminados pela covid em 163 povos. Morreram 1.034 Indígenas.
A vacinação alcançou 55% das aldeias até o momento, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Os Indígenas reivindicam que todos sejam vacinados prioritariamente, o que deve incluir os que vivem nas cidades e em áreas não demarcadas. Segundo Dinaman Tuxá, os indígenas receberam 400 mil doses de vacinas. “Mas temos uma população que ultrapassa os 900 mil. Estamos na luta para ter todos os indígenas vacinados, inclusive os que estão em contexto urbano. Sabemos dos riscos desta doença.”
Na carta ao governo americano, os representantes da Apib mencionam o PL-191/2020, que tramita na Câmara e permite mineração e outras atividades econômicas em terras indígenas. Dizem que, se aprovado, “afetaria direta e indiretamente 863.000 km2 de florestas”. Citam, ainda, que a mineração contamina os rios e é vetor de desmatamento.
“Enviamos esta carta apontando os riscos e os retrocessos e trazendo para a discussão pontos cruciais, como a mineração em terras indígenas”, continua o líder tuxá. Na carta da Apib, os indígenas pedem ao Departamento do Tesouro dos EUA e outras agências que monitorem e promovam transparência de instituições financeiras e importadores com “relação direta ou indireta com a Amazônia”. Diz o texto: “Sua administração deve garantir que os produtos importados pelos EUA não contribuam para a destruição da Amazônia ou para violações dos direitos das comunidades indígenas ou tradicionais”.
O povo Guarani Kaiowá conquistou uma importante vitória nesta quarta-feira, dia 7 de abril: por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que vai analisar a ação rescisória da comunidade da Terra Indígena (TI) Guyraroka, cuja demarcação foi anulada pela Segunda Turma do STF, em 2014, sem que a comunidade fosse ouvida e com base na perversa tese do marco temporal.
Os onze ministros da Corte votaram a favor do recurso movido pela comunidade Guarani Kaiowá, reconhecendo que houve violação ao seu direito de acesso à justiça e, portanto, da própria Constituição Federal. Apesar da importante vitória, a luta continua. Com a decisão desta semana, o julgamento do mérito da ação rescisória iniciará, desta vez com a participação da comunidade da TI Guyraroka – e tem chances reais de reverter a anulação da terra indígena.
As 26 famílias do tekoha Guyraroka, que batalham há décadas pela demarcação de seu território, ainda vivem numa pequena parte da terra que já foi identificada como sua, cercados por monoculturas, sofrendo com os agrotóxicos despejados nas lavouras e frequentemente ameaçadas por fazendeiros.
A luta continua, e a decisão desta semana é uma vitória de todos os povos indígenas do Brasil, que lutam pelo reconhecimento de seu direito de acesso à justiça e pela garantia daquilo que a Constituição Federal lhes garantiu em 1988: o direito originário às suas terras tradicionais, sem nenhum marco temporal.
Em carta, quase 200 organizações brasileiras alertam presidente americano sobre risco de negociação a portas fechadas com o Brasil.
Um grupo de 199 organizações da sociedade civil brasileira publicou nesta terça-feira (6/4) uma carta ao governo americano, alertando sobre o risco que um acordo de cooperação iminente entre os Estados Unidos e o governo Bolsonaro traz para o meio ambiente, os direitos humanos e a democracia.
O governo de Joe Biden vem mantendo há mais de um mês conversas a portas fechadas com a administração de Jair Bolsonaro sobre meio ambiente. Um acordo entre os dois países deverá ser anunciado na cúpula sobre o clima convocada por Biden para os próximos dias 22 e 23. Fontes próximas à negociação afirmam que o acordo deve envolver transferência de recursos para o Brasil — na campanha, Biden chegou a falar em levantar US$ 20 bilhões para a Amazônia.
Segundo a carta, as negociações com Bolsonaro — negacionista da pandemia de Covid-19 que desmontou a política ambiental brasileira e que foi processado por indígenas no Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade — colocam sob teste a narrativa de Biden, que prometeu em sua gestão lidar com a pandemia, o racismo, a mudança do clima e o lugar dos EUA na promoção da democracia no mundo. “O presidente americano precisa escolher entre cumprir seu discurso de posse e dar recursos e prestígio político a Bolsonaro. Impossível ter ambos”, afirma o texto.
Ainda de acordo com a carta, qualquer negociação com o Brasil sobre a Amazônia deveria envolver a sociedade, os governos subnacionais, a academia e o setor privado. E nenhuma tratativa deveria prosseguir antes de o Brasil reduzir o desmatamento aos níveis determinados pela Política Nacional sobre Mudança do Clima e da retirada dos retrocessos ambientais encaminhados pelo governo ao Congresso. “Negociações e acordos que não respeitem tais pré-requisitos representam um endosso à tragédia humanitária e ao retrocesso ambiental e civilizatório imposto por Bolsonaro” dizem as ONGs. “Não é razoável esperar que as soluções para a Amazônia e seus povos venham de negociações feitas a portas fechadas com seu pior inimigo.”
“O governo Bolsonaro tenta a todo custo legalizar a exploração da Amazônia, trazendo prejuízos irreversíveis para nossos territórios, povos e para a vida no planeta. Estamos unidos para mobilizar todo o apoio nacional e internacional que fortaleça as lutas pela defesa das nossas vidas e da mãe Terra. Seguimos mobilizados contra o projeto genocida que tenta nos eliminar há mais de 520 anos no Brasil e que também destrói a nossa biodiversidade. E é por isso que jamais deixamos de afirmar: Sangue indígena, nenhuma gota a mais”, disse Alberto Terena, coordenador- executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), uma das organizações signatárias da carta.
“Quando o Cerrado, a Amazônia ou o Pantanal queimam, é o nosso povo que queima. O governo Bolsonaro faz acordos bilaterais de destruição da natureza que não cumprem o que está na Constituição; ele não respeita e não demarca nossos territórios. Mesmo neste momento de pandemia, em que não podemos enterrar nem chorar nossos mortos, Bolsonaro continua a querer nos derrotar, destruindo nossa biodiversidade”, declarou Biko Rodrigues, articulador nacional da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas).
“O Brasil é hoje um país dividido. De um lado, estão os indígenas, quilombolas, cientistas, ambientalistas e pessoas que atuam contra o desmatamento e pela vida. De outro, está o governo Bolsonaro, que ameaça os direitos humanos, a democracia e coloca em risco a Amazônia. Biden precisa escolher de que lado ficará”, afirmou Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.
O cacique Tito Vilhalva tem mais de 100 anos e já testemunhou toda sorte de selvageria contra o seu povo. As hostilidades começaram a se intensificar justamente na década de 20 do século passado, quando ele nasceu. A partir dali, as terras dos guarani kaiowá começaram a lhes ser tomadas sistematicamente, sempre com o uso da intimidação ou da violência.
Em maio de 2019, aconteceu o inimaginável: 15 crianças foram atingidas em cheio por uma nuvem de agrotóxicos lançada numa fazenda vizinha. A história horrorizou o mundo. Se foi proposital ou não, o fato é que os guarani kaiowá foram encurralados. Vivem em meio a um deserto verde e são submetidos a condições desumanas. Agora, o Supremo Tribunal Federal (STF) terá a oportunidade de fazer a Justiça prevalecer e lhes proporcionar uma vida mais digna.
A área reivindicada pelos guarani laiowá para a terra indígena Guyraroka, que fica no Mato Grosso do Sul, é de pouco mais de 11 mil hectares — para efeito de comparação, a Fazenda Nova Piratininga, o maior latifúndio do país, tem 135 mil hectares. Mas o processo de demarcação da terra, que se encontrava em estágio avançado, foi anulado em 2014 pela Segunda Turma do STF. De uma hora para outra, perderam seu chão. Atualmente, eles ocupam uma área de apenas 55 hectares. São 26 famílias. A decisão foi levada a cabo por um mandado de segurança e levou em consideração a tese absurda do “marco temporal”. Há anos a Ação Rescisória (AR) 2686, que reverte aquele veredicto, aguarda sua apreciação final. O principal argumento da AR é que falta consultar os Guarani Kaiowá. Esse direito lhes é garantido pelo artigo 232 da Constituição.
O “marco temporal” prega que os indígenas só teriam direito de reivindicar as terras que tivessem sob sua posse, comprovadamente, no dia da promulgação da Constituição Cidadã, 5 de outubro de 1988. Mesmo aqueles que tivessem sido expulsos com o uso da violência, fato corriqueiro na História do Brasil. É considerado inconstitucional pelo Ministério Público Federal e por juristas de renome, como Dalmo de Abreu Dallari e José Afonso da Silva, por ferir frontalmente o artigo 231 da Carta Magna — que anula qualquer título de propriedade localizada em terras tradicionalmente ocupadas por povos originários. A tese cai por terra também porque até 1988 os indígenas eram tutelados pelo Estado; logo, estavam impedidos de propor ações na Justiça.
O “marco temporal” foi mencionado pela primeira vez na Petição 3388/RR, que tratava da homologação da Raposa Serra do Sol, em 2012. Entretanto, o dispositivo não foi usado sequer naquele caso. O tribunal decidia se propriedades de não indígenas deveriam, ou não, constar da área demarcada. O segundo conceito prevaleceu, e todas as posses não indígenas no interior da terra indígena foram anuladas, incluindo a Fazenda Guanabara, cuja posse datava de 1918. Como escreveu o ministro Luís Roberto Barroso nos embargos de declaração da Petição 3388/RR, “ainda que algumas áreas abrangidas pela demarcação sejam ocupadas por não índios há muitas décadas, estando situadas em terras de posse indígena, o direito de seus ocupantes não poderá prevalecer sobre o direito dos índios”. Depois de um século dedicado à defesa de seu território, já passou da hora de o cacique Tito Vilhalva ter um pouco de paz.
*Assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
**Assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário e advogado dos guarani e kaiowá de Guyraroká
Declaração do Abril Indígena – Acampamento Terra Livre 2021
Há 520 anos a invasão europeia aos nossos territórios tradicionais dizimou milhões de habitantes originários e fez desaparecer milhares de povos, culturas e línguas. Um genocídio que é uma das mais trágicas calamidades conhecidas na história da humanidade.
Para os colonizadores e seus descendentes, no entanto, o projeto de morte foi compreendido como bem sucedido, onde os assassinos foram premiados com a ocupação das nossas terras e territórios. Desde então somos vítimas do despojo, do esbulho, da destruição, da violência, do preconceito, da discriminação, do racismo, enfim, de políticas e práticas etnocidas e genocidas.
Em todas as fases da história brasileira, a política indigenista, acompanhando o processo contínuo de metamorfose do capitalismo, serviu para nos extinguir física ou culturalmente, por meio do assimilacionismo e integracionismo, das expedições de “caça de índios”, guerras forjadas, remoções, do regime civil-militar, da expulsão dos nossos territórios, perseguições, assassinatos e massacres.
A Constituição Federal de 1988 deu um basta a essa história escrita com o sangue dos nossos ancestrais. Após intensas mobilizações e lutas dos nossos povos e lideranças, a principal lei do Brasil passou a reconhecer que o país é diverso, multiétnico e pluricultural, consagrando o nosso direito a existir como partes do Estado, com autonomia e mantendo nossa identidade e nossas diferenças. A Constituição reconheceu, assim, aos povos, os nossos costumes, línguas, crenças, tradições e direito às terras que tradicionalmente ocupamos. Sendo este o direito original, nato, congênito, ou seja, de origem anterior à constituição do Estado nacional. Em decorrência desses reconhecimentos, os nossos povos conquistaram o direito a políticas públicas diferenciadas, tais como a demarcação e proteção das terras, a educação escolar indígena e o atendimento à saúde, por meio do subsistema gerido, atualmente, pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs).
Porém, o Estado Brasileiro, as suas elites e sucessivos governantes, sempre nos trataram como empecilhos a seus projetos de desenvolvimento, de ocupação e de morte. Daí pode ser compreendido o porquê do Estado nunca ter se estruturado para cumprir e tornar realidade os preceitos constitucionais.
Durante a vida democrática do Brasil, até a ruptura institucional como golpe de 2016, conquistamos alguns avanços, sempre com muita luta, tais como: a demarcação de terras indígenas, a participação em instâncias de deliberação e controle social das políticas que nos dizem respeito, tendo como máxima expressão a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI); a criação da SESAI; a construção e promulgação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI) e a inviabilização de iniciativas legislativas anti-indígenas como a PEC 215 e o PL de mineração em terras indígenas.
Com a eleição do atual presidente, Jair Bolsonaro, os nossos povos foram mais uma vez alvejados por um projeto de morte, que, como nos tempos da invasão colonial europeia, destina-se a usurpar, esbulhar e nos enxotar dos nossos territórios.. Tal projeto se dá em favor do império do capital: do agronegócio, da mineração, da pecuária, da exploração madeireira e tantas outras modalidades de destruição da Mãe Natureza, com a qual correremos o risco de morrer juntos, física e/ou culturalmente, uma vez que fazemos parte dela.
Essa política, que nós temos denunciado reiteradamente como genocida e ecocida, encontrou na Pandemia da Covid-19 um solo fértil para “passar a boiada”, o que tem levado ao aumento da violência e dos conflitos, inclusive entre parentes, conflitos esses alimentados pelo próprio governo com objetivo de dividir, enfraquecer e desmobilizar os nossos povos, organizações e lideranças na batalha contínua de defender e garantir o respeito a direitos fundamentais.
Os vírus que nos matam!
Denunciamos a campanha difamatória, de intimidação e criminalização promovida por membros do atual governo contra o nosso movimento e os nossos dirigentes. A negligência e descaso dessa política de ódio e racista praticada contra os nossos povos ficou ainda mais evidente neste contexto de pandemia.
O Governo Federal é o principal agente transmissor da Covid-19 entre os povos indígenas. Sem políticas efetivas para o enfrentamento da pandemia, afirmamos que o governo Bolsonaro negligenciou sua obrigação de proteger os trabalhadores e usuários do Subsistema de Saúde Indígena e, dessa forma, favoreceu a entrada do vírus em diversos territórios. Ressaltamos que é obrigação do órgão gestor, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), prover os insumos, o treinamento e os protocolos adequados para a segurança de seus trabalhadores e usuários.
Com discursos carregados de racismo e ódio, Bolsonaro estimula a violência contra nossas comunidades e paralisa as ações do Estado que deveriam promover assistência, proteção e garantias de direitos. Tenta aproveitar a “oportunidade” dessa crise para avançar com uma série de decretos, portarias, instruções normativas, medidas provisórias e projetos de lei que tentam legalizar crimes e diminuir os direitos constitucionais dos povos indígenas.
A política genocida de Bolsonaro durante a pandemia da Covid-19 é reforçada com seguidas ações de negação da vacina, que é a principal arma de combate ao vírus, e a negligência na gestão da campanha de imunização. A determinação do governo de vacinar apenas indígenas que moram em aldeias de terras homologadas é outra ação de violência, já que exclui parentes que vivem em áreas urbanas, retomadas e terras indígenas em processo de demarcação.
Com essa decisão, o obscurantismo, a ignorância e o autoritarismo, que marcam a hedionda ditadura do governo de Jair Bolsonaro, se traduzem num plano de morte contra os povos indígenas do Brasil, uma vez que o plano de imunização exclui 42,3% de uma população estimada em 896,9 mil pelo censo demográfico realizado pelo IBGE em 2010. Como se não bastasse, setores aliados, membros do governo e o próprio Bolsonaro propagam junto às comunidades indígenas incontáveis desinformações e mentiras que induzem muitos parentes a rejeitarem a vacina contra Covid-19.
Decidimos não morrer!
Diante de todo esse cenário violento que nos cerca e das muitas vidas perdidas ao longo da pandemia, nós da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), juntamente com todas as nossas organizações de base, reforçamos nosso compromisso de lutar pela vida dos nossos povos.
Ao longo da pandemia, reinventamos nossas mobilizações online e renovamos as estratégias de luta. Criamos o plano Emergência Indígena para apoiar as barreiras sanitárias em centenas de territórios. Garantimos a segurança alimentar de mais de 10 mil famílias. Distribuimos mais de 300 mil equipamentos de segurança em saúde, apoiando equipes da saúde indígena em todo o país. Conquistamos de forma inédita o reconhecimento do Supremo Tribunal Federal, que admitiu a Apib como entidade que pode entrar com ações diretas na principal corte de justiça do país e conquistamos uma vitória com a ADPF 709, que obriga o Governo Federal a adotar medidas de proteção aos povos indígenas.
A pandemia não acabou e as violências seguem intensas. Precisamos estar unidos e mobilizados, nesse sentido nós da Apib, com nossas organizações de base, convocamos o 17º Acampamento Terra Livre 2021, para fortalecermos as jornadas de lutas do Abril Indígena.
Após o pior março das nossas vidas, traremos o abril de maior mobilização das nossas lutas! Vimos mais de 1000 dos nossos caírem para a pandemia da covid-19, e sentimos a dor da perda de nossos velhos. Mas nós, povos indígenas, também temos ao nosso lado a força dos ancestrais.
Parentes, esse é um chamado pela nossa união. Precisamos estar organizados e mobilizados pela vacinação de todos os indígenas, pela garantia dos nossos direitos fundamentais, em especial do nosso direito territorial brutalmente massacrado por este governo neofacista, e pelo bem viver da nossa Mãe Terra.
NUNCA MAIS UM BRASIL SEM NÓS! Essa é uma afirmação que fortalecemos ano após ano. Estamos nas redes, aldeias, universidades, cidades, prefeituras, câmaras legislativas federais, estaduais e municipais e seguiremos lutando contra o racismo e a violência que oprime e mata.
Em um mundo doente e enfrentando um projeto de morte, nossa luta ainda é pela vida, contra todos os vírus que nos matam!
Pela vida e continuidade histórica dos nossos povos, “Diga ao povo que Avance”.
A nossa luta ainda é pela vida, não apenas um vírus!
Brasil, 05 de Abril de 2021
Apib – Articulação dos Indígenas do Brasil
Organizações regionais de base da Apib:
APOINME – Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
ARPIN SUDESTE – Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste
ARPINSUL – Articulação dos Povos Indígenas do Sul
ATY GUASU – Grande Assembléia do povo Guarani
Comissão Guarani Yvyrupa
Conselho do Povo Terena
COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
Com 25 dias de atividades, Acampamento Terra Livre é a maior mobilização virtual dos povos indígenas do Brasil.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) inicia hoje (5) as atividades do 17º Acampamento Terra Livre (ATL). A maior mobilização indígena do Brasil, realiza pelo segundo ano consecutivo suas atividades em formato online, unindo lideranças de todas as regiões do país em uma jornada de quatro semanas de ações, que integram o ‘Abril Indígena’. A programação completa pode ser acessada no site apiboficial.org e será transmitida no facebook da Apib (apiboficial), Midia Índia (midiaindiaoficial) e Midia Ninja (midianinjaoficial).
Com o tema ‘A nossa luta ainda é pela vida, não é apenas um vírus’, a Apib faz um chamado para união dos povos em um contexto de agravamento das violências e da pandemia da Covid-19. De acordo com dados do Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena da Apib, mais da metade dos 305 povos indígenas que vivem no Brasil foram diretamente afetados pela pandemia da Covid-19. Contaminando mais de 50 mil pessoas e matando 1031 indígenas, até o dia 4 de abril de 2021.
“É preciso falarmos dos vírus que nos matam. A política genocida do governo Bolsonaro agravou a pandemia no nosso país e a violência contra os povos indígenas. Em pouco mais de um ano de pandemia, as invasões aos territórios indígenas aumentaram, o desmatamento bateu recordes alarmantes e muitos desses crimes aconteceram com o incentivo do governo que tenta a todo custo aprovar projetos de lei, como a PL da mineração, e decretos que facilitam os crimes de grilagem”, alerta Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
De acordo com relatório da Apib sobre o impacto da pandemia entre os povos indígenas, lançado em dezembro de 2020, o Governo Federal é o principal agente transmissor da Covid-19 entre os povos indígenas. “Sem políticas efetivas para o enfrentamento da pandemia, afirmamos que o governo Bolsonaro negligenciou sua obrigação de proteger os trabalhadores e usuários do Subsistema de Saúde Indígena e, dessa forma, favoreceu a entrada do vírus em diversos territórios. Ressaltamos que é obrigação do órgão gestor, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), prover os insumos, o treinamento e os protocolos adequados para a segurança de trabalhadores e usuários.”, denuncia o relatório.
Segundo a coordenadora executiva da Apib, Sonia Guajajara, o ATL 2021 tem uma mensagem central de união dos povos indígenas, mobilização e de fortalecimento das estratégias de denúncia e responsabilização das violências cometidas contra os povos indígenas.
“O ATL vai ocupar todo o mês durante o Abril Indígena com uma programação muito intensa e necessária. Todas as nossas organizações indígenas de base que compõem a Apib montaram uma agenda de atividades, que envolve lideranças indígenas de todo o Brasil e de outros países. Vai ser a maior mobilização dos povos indígenas construída de forma ampla e participativa. Não podemos arredar o pé da luta pelos nossos direitos”, afirma Guajajara.
Programação
Vacinação de todos os indígenas que vivem no Brasil, protagonismo das mulheres indígenas, participação dos povos nas eleições e espaços de poder, mineração, saúde indígena e a proteção dos povos isolados são alguns dos temas que marcam a programação do ATL 2021.
Serão 25 dias de mobilização seguidos com mais de 60 atividades online. As quatro semanas de ações possuem temas para cada um dos períodos que pautam a programação, que foi construída pelas organizações indígenas de base da Apib e parceiros.
Com o tema ‘Nosso direito de existir’ a primeira semana de atividades é mobilizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpinsul), Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e pela Grande Assembléia do povo Guarani (Aty Guasu), juntamente com os parceiros da Midia Ninja, que promovem o Emergências Amazônia, a Frente Parlamentar Indígena e o mandato da deputada federal Joenia Wapichana.
Os discursos carregados de racismo e ódio de Bolsonaro estimulam a violência contra os povos indígenas, segundo a Apib, que denuncia a paralisação das ações da atual gestão presidencial em ações que deveriam promover assistência, proteção e garantias de direitos. Esse processo de violações incentivou a construção da programação da segunda semana do ATL, que possui o tema de Vidas Indígenas Importam e foi construida pela Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apinme), Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpin Sudeste) e pela Fundaçao Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Associaçao Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Para enfrentar a pandemia da Covid-19, a Apib e as organizações indígenas que integram sua articulação criaram o plano ‘Emergência Indígena’, que é o tema da terceira semana do ATL 2021. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), que completa este ano mais de três décadas de existência e o Conselho do Povo Terena, que tem feito uma atuação intensa no enfrentamento da pandemia, em Mato Grosso do Sul, são as organizações que mobilizam a programação do ATL entre os dias 19 e 25 de abril.
Encerrando o mês do Abril Indígena, a programação do ATL vai promover uma série de atividades com as mulheres indígenas, a juventude dos povos e pautar as estratégias de incidência internacional para a garantia dos direitos indígenas.
De acordo com a coordenaçao da Apib, a programação está sujeita a mudanças ao longo das semanas e todas as atualizações podem ser conferidas no site da Apib (apiboficial.org/atl2021/) e nas redes sociais da organização. Pelo site é possível conferir as atividades e adicionar a programação no seu calendário do Google não perder as transmissões.
A Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas (FPMDDPI) manifesta seu repúdio à carta do grupo intitulado “agricultores e produtores indígenas”, publicada no dia 29 de março no site da Fundação Nacional do Índio (Funai). O documento traz ataques e inverdades contra a coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Sônia Guajajara.
A carta, destinada a instituições europeias, assinada por três porta-vozes do Grupo de Agricultores e Produtores Indígenas, desfere ataques à mais importante organização indígena do país, que no contexto pandêmico vem fazendo o enfrentamento necessário na defesa da vida dos povos indígenas.
A APIB é uma instância de referência nacional do movimento indígena no Brasil, criada de baixo pra cima. A organização aglutina organizações regionais indígenas e nasceu com o propósito de fortalecer a união dos povos, a articulação entre as diferentes regiões e organizações indígenas do país, além de mobilizar os povos e organizações indígenas contra as ameaças e agressões aos direitos indígenas.
A Frente Parlamentar reforça, ainda, a representatividade da Apib na luta dos povos indígenas. Fazem parte da APIB as seguintes organizações indígenas regionais: Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), Conselho do Povo Terena, Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE), Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ARPINSUL), Grande Assembléia do povo Guarani (ATY GUASU), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e Comissão Guarani Yvyrupa.
A FPMDDPI manifesta solidariedade a Apib e a Sônia Guajajara e repudia a tentativa de criminalização e deslegitimação de organizações que lutam pelos direitos dos povos indígenas no Brasil veiculada nos sites oficias do Governo Federal.