Documento final Marcha das Mulheres Indígenas: “Território: nosso corpo, nosso espírito”

Documento final Marcha das Mulheres Indígenas: “Território: nosso corpo, nosso espírito”

Brasília – DF, 09 a 14 de agosto 2019
Se fere a nossa existência, seremos resistência

Nós, 2.500 mulheres de mais de 130 diferentes povos indígenas, representando todas as regiões do Brasil, reunidas em Brasília (DF), no período de 10 a 14 de agosto de 2019, concebemos coletivamente esse grande encontro marcado pela realização do nosso 1o Fórum e 1a Marcha das Mulheres Indígenas, queremos dizer ao mundo que estamos em permanente processo de luta em defesa do “Território: nosso corpo, nosso espírito”. E para que nossas vozes ecoem em todo o mundo, reafirmamos nossas manifestações.

Enquanto mulheres, lideranças e guerreiras, geradoras e protetoras da vida, iremos nos posicionar e lutar contra as questões e as violações que afrontam nossos corpos, nossos espíritos, nossos territórios. Difundindo nossas sementes, nossos rituais, nossa língua, nós iremos garantir a nossa existência.

A Marcha das Mulheres Indígenas foi pensada como um processo, iniciado em 2015, de formação e empoderamento das mulheres indígenas. Ao longo desses anos dialogamos com mulheres de diversos movimentos e nos demos conta de que nosso movimento possui uma especificidade que gostaríamos que fosse compreendida. O movimento produzido por nossa dança de luta, considera a necessidade do retorno à complementaridade entre o feminino e o masculino, sem, no entanto, conferir uma essência para o homem e para a mulher. O machismo é mais uma epidemia trazida pelos europeus. Assim, o que é considerado violência pelas mulheres não indígenas pode não ser considerado violência por nós. Isso não significa que fecharemos nossos olhos para as violências que reconhecemos que acontecem em nossas aldeias, mas sim que precisamos levar em consideração e o intuito é exatamente contrapor, problematizar e trazer reflexões críticas a respeito de práticas cotidianas e formas de organização política contemporâneas entre nós. Precisamos dialogar e fortalecer a potência das mulheres indígenas, retomando nossos valores e memórias matriarcais para podermos avançar nos nossos pleitos sociais relacionados aos nossos territórios.

Somos totalmente contrárias às narrativas, aos propósitos, e aos atos do atual governo, que vem deixando explícita sua intenção de extermínio dos povos indígenas, visando à invasão e exploração genocida dos nossos territórios pelo capital. Essa forma de governar é como arrancar uma árvore da terra, deixando suas raízes expostas até que tudo seque. Nós estamos fincadas na terra, pois é nela que buscamos nossos ancestrais e por ela que alimentamos nossa vida. Por isso, o território para nós não é um bem que pode ser vendido, trocado, explorado. O território é nossa própria vida, nosso corpo, nosso espírito.

Lutar pelos direitos de nossos territórios é lutar pelo nosso direito à vida. A vida e o território são a mesma coisa, pois a terra nos dá nosso alimento, nossa medicina tradicional, nossa saúde e nossa dignidade. Perder o território é perder nossa mãe. Quem tem território, tem mãe, tem colo. E quem tem colo tem cura.

Quando cuidamos de nossos territórios, o que naturalmente já é parte de nossa cultura, estamos garantindo o bem de todo o planeta, pois cuidamos das florestas, do ar, das águas, dos solos. A maior parte da biodiversidade do mundo está sob os cuidados dos povos indígenas e, assim, contribuímos para sustentar a vida na Terra.

A liberdade de expressão em nossas línguas próprias, é também fundamental para nós. Muitas de nossas línguas seguem vivas. Resistiram às violências coloniais que nos obrigaram ao uso da língua estrangeira, e ao apagamento de nossas formas próprias de expressar nossas vivências. Nós mulheres temos um papel significativo na transmissão da força dos nossos saberes ancestrais por meio da transmissão da língua.

Queremos respeitado o nosso modo diferenciado de ver, de sentir, de ser e de viver o território. Saibam que, para nós, a perda do território é falta de afeto, trazendo tristeza profunda, atingindo nosso espírito. O sentimento da violação do território é como o de uma mãe que perde seu filho. É desperdício de vida. É perda do respeito e da cultura, é uma desonra aos nossos ancestrais, que foram responsáveis pela criação de tudo. É desrespeito aos que morreram pela terra. É a perda do sagrado e do sentido da vida.

Assim, tudo o que tem sido defendido e realizado pelo atual governo contraria frontalmente essa forma de proteção e cuidado com a Mãe Terra, aniquilando os direitos que, com muita luta, nós conquistamos. A não demarcação de terras indígenas, o incentivo à liberação da mineração e do arrendamento, a tentativa de flexibilização do licenciamento ambiental, o financiamento do armamento no campo, os desmontes das políticas indigenista e ambiental, demonstram isso.

Nosso dever como mulheres indígenas e como lideranças, é fortalecer e valorizar nosso conhecimento tradicional, garantir os nossos saberes, ancestralidades e cultura, conhecendo e defendendo nosso direito, honrando a memória das que vieram antes de nós. É saber lutar da nossa forma para potencializar a prática de nossa espiritualidade, e afastar tudo o que atenta contra as nossas existências.

Por tudo isso, e a partir das redes que tecemos nesse encontro, nós dizemos ao mundo que iremos lutar incansavelmente para:

1. Garantir a demarcação das terras indígenas, pois violar nossa mãe terra é violentar nosso próprio corpo e nossa vida;

2. Assegurar nosso direito à posse plena de nossos territórios, defendendo-os e exigindo do estado brasileiro que proíba a exploração mineratória, que nos envenena com mercúrio e outras substâncias tóxicas, o arrendamento e a cobiça do agronegócio e as invasões ilegais que roubam os nossos recursos naturais e os utilizam apenas para gerar lucro, sem se preocupar com a manutenção da vida no planeta;

3. Garantir o direito irrestrito ao atendimento diferenciado à saúde a nossos povos, com a manutenção e a qualificação do Subsistema e da Secretaria Especial Saúde Indígena (SESAI). Lutamos e seguiremos lutando pelos serviços públicos oferecidos pelo SUS e pela manutenção e qualificação contínua da Política Nacional de Atendimento à Saúde a nossos povos, seja
em nossos territórios, ou em contextos urbanos.

Não aceitamos a privatização, a municipalização ou estadualização do atendimento à saúde dos nossos povos.

Lutamos e lutaremos para que a gestão da SESAI seja exercida por profissionais que reúnam qualificações técnicas e políticas que passem pela compreensão das especificidades envolvidas na prestação dos serviços de saúde aos povos indígenas. Não basta termos uma indígena à frente do órgão. É preciso garantirmos uma gestão sensível a todas as questões que nos são caras no âmbito desse tema, respeitando nossas práticas tradicionais de promoção à saúde, nossas medicinas tradicionais, nossas parteiras e modos de realização de partos naturais, e os saberes de nossas lideranças espirituais. Conforme nossas ciências indígenas, a saúde não provém da somente da prescrição de princípios ativos, e a cura é resultado de interações subjetivas, emocionais, culturais, e fundamentalmente espirituais.

4. Reivindicar ao Supremo Tribunal Federal (STF), que não permita, nem legitime nenhuma reinterpretação retrógrada e restritiva do direito originário às nossas terras tradicionais. Esperamos que, no julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, relacionado ao caso da Terra Indígena Ibirama Laklanõ, do povo Xokleng, considerado de Repercussão Geral, o STF reafirme a interpretação da Constituição brasileira de acordo com a tese do Indigenato (Direito Originário) e que exclua, em definitivo, qualquer possibilidade de acolhida da tese do Fato Indígena (Marco Temporal);

5. Exigir que todo o Poder Judiciário que, no âmbito da igualdade de todos perante a lei, faça valer nosso direito à diferença e, portanto, o nosso direito de acesso à justiça. Garantir uma sociedade justa e democrática significa assegurar o direito à diversidade, também previsto na Constituição. Exigimos o respeito aos tratados internacionais assinados pelo Brasil, que incluem, entre outros, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as Convenções da Diversidade Cultural, Biológica e do Clima, a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Declaração Americana dos Direitos dos Povos Indígenas;

6. Promover o aumento da representatividade das mulheres indígenas nos espaços políticos, dentro e fora das aldeias, e em todos os ambientes que sejam importantes para a implementação dos nossos direitos. Não basta reconhecer nossas narrativas é preciso reconhecer nossas narradoras. Nossos corpos e nossos espíritos têm que estar presentes nos espaços de decisão;

7. Combater a discriminação dos indígenas nos espaços de decisão, especialmente das mulheres, que são vítimas não apenas do racismo, mas também do machismo;

8. Defender o direito de todos os seres humanos a uma alimentação saudável, sem agrotóxicos, e nutrida pelo espírito da mãe terra;

9. Assegurar o direito a uma educação diferenciada para nossas crianças e jovens, que seja de qualidade e que respeite nossas línguas e valorize nossas tradições. Exigimos a implementação das 25 propostas da segunda Conferência Nacional e dos territórios etnoeducacionais, a recomposição das condições e espaços institucionais, a exemplo da Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena na estrutura administrativa do Ministério da Educação para assegurar a nossa incidência na formulação da política de educação escolar indígena e no atendimento das nossas demandas que envolvem, por exemplo, a melhoria da infraestrutura das escolas indígenas, a formação e contratação dos professores indígenas, a elaboração de material didático diferenciado;

10. Garantir uma política pública indigenista que contribua efetivamente para a promoção, o fomento, e a garantia de nossos direitos, que planeje, implemente e monitore de forma participativa, dialogada com nossas organizações, ações que considerem nossas diversidades e as pautas prioritárias do Movimento Indígena;

11. Reafirmar a necessidade de uma legislação específica que combata a violência contra a mulher indígena, culturalmente orientada à realidade dos nossos povos. As políticas públicas precisam ser pautadas nas especificidades, diversidades, e contexto social de cada povo, respeitando nossos conceitos de família, educação, fases da vida, trabalho e pobreza.

12. Dar prosseguimento ao empoderamento das mulheres indígenas por meio da informação, formação e sensibilização dos nossos direitos, garantindo o pleno acesso das mulheres indígenas à educação formal (ensino básico, médio, universitário) de modo a promover e valorizar também os conhecimentos indígenas das mulheres;

13. Fortalecer o movimento indígena, agregando conhecimentos de gênero e geracionais;

14. Combater de forma irredutível e inegociável, posicionamentos racistas e anti-indígenas. Exigimos o fim da violência, da criminalização e discriminação contra os nossos povos e lideranças, praticadas inclusive por agentes públicos, assegurando a punição dos responsáveis, a reparação dos danos causados e comprometimento das instâncias de governo na proteção das nossas vidas.

Por fim, reafirmamos o nosso compromisso de fortalecer as alianças com mulheres de todos os setores da sociedade no Brasil e no mundo, do campo e da cidade, da floresta e das águas, que também são atacadas em seus direitos e formas de existência.

Temos a responsabilidade de plantar, transmitir, transcender, e compartilhar nossos conhecimentos, assim como fizeram nossas ancestrais, e todos os que nos antecederam, contribuindo para que fortaleçamos, juntas e em pé de igualdade com os homens, que por nós foram gerados, nosso poder de luta, de decisão, de representação, e de cuidado para com nossos territórios.

Somos responsáveis pela fecundação e pela manutenção de nosso solo sagrado. Seremos sempre guerreiras em defesa da existência de nossos povos e da Mãe Terra.

Brasília (DF), 14 de agosto de 2019.

Brasília é colorida de urucum por 3 mil mulheres indígenas em protesto pelos seus direitos

Brasília é colorida de urucum por 3 mil mulheres indígenas em protesto pelos seus direitos

Texto por Luma Lessa e foto por Matheus Alves para Cobertura Colaborativa da Marcha das Mulheres Indígenas 

Sob o sol forte de Brasília, marcharam cerca de 3 mil mulheres indígenas na 1ª Marcha das Mulheres Indígenas nesta manhã de agosto (13/08). Desafiando as distâncias continentais do Brasil, mulheres de 113 povos coloriram de urucum as ruas do Distrito Federal. Sônia Guajajara denuncia que o presidente Jair Bolsonaro declarou guerra contra os povos indígenas ao dizer que não demarcará nenhum centímetro de terra a mais. “Eles não podem conosco, com a nossa força, com a diversidade. Vamos juntos defender a Mãe Terra”, diz a líder da APIB.

Outras lideranças invocam a força das mulheres presentes, dos ancestrais e dos encantados em protesto contra o governo atual. As delegações se organizaram com faixas, gritos e danças para exigir os direitos dos povos e das mulheres indígenas e o respeito à natureza. As mulheres demandam a demarcação dos território, a educação e a saúde diferenciada para os povos indígenas. Entre os gritos pela saúde, continuaram a pedir a saída de Silvia Nobre, atual secretária da Sesai que não os representa.

Mulheres também reivindicaram contra a mineração em resposta à proposta da PEC 187, projeto de regulamentação da exploração econômica das terras indígenas. Uma das lideranças questiona “que desenvolvimento é este que mata, que se pensa para o povo brasileiro sem o povo brasileiro”. Em frente ao Ministério do Meio Ambiente, lideranças reforçaram que os povos indígenas pensam não no presente, mas no futuro. O território é a fonte de vida dos povos indígenas e do planeta, fornecendo alimento ao campo e às cidades.

A Marcha é um momento histórico do protagonismo das mulheres indígenas. Elisa Pankararu defende que o corpo de cada mulher presente é território, resistência indígena e ancestral.

“Vai ser nós, mulheres indígenas, com nossos corpos, que vamos descolonizar a sociedade brasileira que tem matado a nossa história e a nossa memória”, diz Célia Xacriabá.

Por isso, defenderam a importância de lutar contra a violência contra mulher, contra a discriminação e o racismo. Em unificação das lutas, a Marcha das Mulheres Indígenas se reuniu ao ‘tsunami da educação’ em frente ao Congresso Nacional, em conjunto com estudantes, profissionais da educação, movimentos sociais e parlamentares. Em apelo pedem para os presentes “Onde estiverem, levem a causa indígena”.

Ao mesmo tempo, uma delegação de mulheres indígenas participou da Sessão Solene Câmara dos Deputados em homenagem às Margaridas. Como resultado de pressão, as indígenas conseguiram marcar outra Sessão especialmente para elas na parte da tarde desta terça-feira. O último dia de atividade será o apoio à Marcha das Margaridas na manhã do dia 14/08, seguida da Plenária de pautas conjuntas entre as duas Marchas na parte da tarde.

Mulheres indígenas se reúnem com Ministro da Saúde e Secretária da SESAI

Mulheres indígenas se reúnem com Ministro da Saúde e Secretária da SESAI

Por Mahe Maia para a Marcha das Mulheres Indígenas

As centenas de mulheres indígenas que haviam ocupado hoje pela manhã a Secretaria Especial da Saúde Indígena – SESAI, em Brasília, em ato da I Marcha de Mulheres Indígenas, desocuparam o prédio após o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e a Coordenadora da SESAI, Silvia Nobre, concordarem em se reunir com 10 mulheres indígenas.

As indígenas expuseram ao Ministro suas queixas e reivindicações, especialmente a deficiência do sistema de saúde, assédio moral no atendimento à saúde, necessidade de melhoria do transporte, saneamento básico, fornecimento de medicamentos, além da necessidade de profissionais especializados.

Entre as falas das mulheres se repetiu a queixa de que não se sentem representadas pela Coordenadora da SESAI, em razão da ausência de diálogo com os povos indígenas. Segundo elas, os órgãos de representatividade estão postos para os índios, mas não com os índios.

As indígenas apresentaram igualmente um manifesto em defesa do direito ao atendimento diferenciado à saúde, que foi recebido pelo Ministro da Saúde. Confira trechos do manifesto:

“Estamos aqui também para manifestar a nossa profunda indignação e veemente repúdio aos propósitos do Governo Bolsonaro de desmontar todas as instituições e políticas que nos dizem respeito, e nesse momento, especialmente, a Política Nacional de Atendimento à Saúde Indígena. (…)

No entanto, o presidente Bolsonaro insiste de forma autoritária em suprimir esses direitos fundamentais adquiridos. É nessa direção que publicou no início do mês de agosto a Medida Provisória 890, visando instituir o Programa Médicos pelo Brasil, em substituição do Programa Mais Médicos, quando na verdade quer privatizar os serviços oferecidos pelo Sistema Unificado de Saúde (SUS), incluindo a Política de Atenção à Saúde Indígena.

Na respectiva Medida Provisória, o Governo Bolsonaro também propõe instituir o serviço social autônomo denominado Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (ADAPS), uma absurda justificativa para abrir a atenção primária como mercado para o setor privado. (…)

É importante salientar que a proposta não foi discutida e apresentada nas instâncias de consulta de nossos povos. (…)

Diante desses fatos e ataques do governo Bolsonaro, nós mulheres indígenas, no dia de hoje, 12 de agosto, decidimos ocupar a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), reafirmando a posição de nossos povos contra qualquer perspectiva de municipalização ou privatização do atendimento à saúde indígena. Repudiamos, ainda, as tentativas de mercantilização dos nossos conhecimentos e saberes tradicionais. Somos contra toda e qualquer ameaça e negociação de todas as formas de vida. (…)”

O Ministro tentou abordar os pontos tratados pelas mulheres, e mostrou-se surpreso e concordante com a necessidade da melhoria de diálogo. Além disso, informou estar apurando eventuais fraudes nos órgãos públicos responsáveis pelo setor.

Embora o Ministro tenha concordado com a necessidade de estabelecer um maior diálogo com os povos indígenas, não se colocou à disposição para futuras reuniões, e sequer apresentou agenda a fim de tratar sobre pautas para resolução de conflitos. Por essa razão as mulheres indígenas se sentiram desmotivadas, mas informaram que seguem firmes na luta. Veja o vídeo das indígenas transmitindo suas impressões:

Mulheres indígenas de mais de 100 povos sairão em marcha nesta terça-feira

Mulheres indígenas de mais de 100 povos sairão em marcha nesta terça-feira

Texto por Luma Lessa e foto por Kamikia Kisedje para cobertura colaborativa das Marcha das Mulheres Indígenas.

O domingo (11/08) amanheceu com as apresentações culturais das delegações de mulheres de mais de 100 povos indígenas de todo Brasil. Em seguida, cerca de 1500 mulheres indígenas se reuniram para as atividades do Fórum Nacional de Mulheres Indígenas. Sônia Guajajara preparou a terra, convidando as mulheres de 21 estados para conversar sobre o tema: “Território: nosso corpo, nosso espírito”. As discussões abordaram a construção de demandas e estratégias concretas das mulheres indígenas para seu empoderamento, a violação dos direitos à saúde, educação e segurança, o direito à terra e processos de retomada e a ocupação das mulheres indígenas na política.

Pela tarde, mesas trouxeram convidadas para discutir a formação de redes entre movimentos. A Mesa de Alianças Internacionais contou com a participação de Joênia Wapichana, deputada federal (Rede-RR), de mulheres indígenas lideranças latino-americanas, deputadas indígenas do Peru e do Equador e uma representante da ONU Mulheres Brasil. Aconteceu também a Mesa das Alianças Nacionais, que contou com representantes da APIB, da Marcha das Margaridas, das Mulheres Negras, Articulação das Mulheres Brasileiras (AMB) e da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).

O foco da segunda-feira (12/08) é o Ato “Mulheres Indígenas em defesa da saúde indígena SASI-SUS”. A marcha saiu da sede do acampamento na Funarte em direção à Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai). A primeira caminhada da I Marcha das Mulheres Indígenas ocupou as ruas de Brasília para protestar pelo fim da municipalização da Sesai e pela saída imediata de Silvia Nobre, atual coordenadora. Apesar da tentativa da Polícia Militar de barrar a entrada das indígenas ao prédio da Secretaria, as mulheres conseguiram entrar e ocupar o espaço. O dia termina com a participação de uma delegação de mulheres na audiência, marcada para ter início às 17h, no Supremo Tribunal Federal (STF).

A caminhada continua amanhã, dia 13 de agosto, com a saída às 7h da Marcha das Mulheres Indígenas do acampamento principal na Funarte em direção à Esplanada dos Ministérios. A Marcha se soma ao Ato Nacional Contra o Desmonte da Educação Pública, marcado para às 9h. No mesmo horário ocorrerá a Sessão Solene Câmara dos Deputados com as Margaridas. Para tarde, estão marcadas oficinas e atividades com as Margaridas no Parque da Cidade, seguida pela abertura da Marcha das Margaridas às 19h no mesmo local.

A Marcha das Mulheres Indígenas termina na quarta-feira (14/08), somando forças à Marcha das Margaridas em caminhada conjunta. O encontro das margaridas e das indígenas ocorrerá na Funarte. A expectativa é de cerca de 100 mil pessoas para as Marchas do dia 13 e 14 de agosto. A última atividade do dia, marcada para às 14h, será a Plenária para a aprovação do Documento Final com o tema “Regando sementes: o futuro do Fórum e da Marcha das Mulheres Indígenas”. Ao final delegações retornam aos seus locais de origem renovadas com as forças e estratégias compartilhadas entre mulheres indígenas de povos diversos e com as mulheres camponesas nesses intensos dias de mobilização da maior ação feminina da América Latina.

Mulheres Indígenas ocupam Sesai e pedem saída de Silvia Nobre

Mulheres Indígenas ocupam Sesai e pedem saída de Silvia Nobre

Por Andressa Santa Cruz para cobertura colaborativa da Marcha das Mulheres Indígenas

Centenas de mulheres indígenas ocuparam o prédio da Secretaria Especial da Saúde Indígena (SESAI) hoje, em Brasília, pedindo o fim do desmonte na saúde indígena e a saída imediata da coordenadora Silvia Nobre Wajãpi que não quis se reunir com as lideranças e saiu do prédio sob vaias. “Silvia não representa a maioria das mulheres indígenas. Viemos aqui para dialogar e não fomos recebidos. Isso mostra a contradição“, afirma Célia Xakriaba.

Desde que Silvia Nobre foi nomeada pelo atual governo em abril, as políticas de saúde indígena estão sendo enfraquecidas. O atraso no repasse de verbas, o desmonte do Programa Mais Médicos e o fim da equipe de gestão causou impacto nas aldeias logo no primeiro mês, foi quando povos de todo o país começaram a se mobilizar contra o sucateamento.

Em julho, 115 indígenas ficaram duas semanas acampados no prédio da SESAI e só saíram no dia 22, após uma reunião no mediada pelo Ministério Público Federal e pela Funai, em Brasília, onde o Ministério da Saúde e a SESAI assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) se comprometendo a atender as demandas.

Para Nyg Kaigang, da região sul do país, um dos objetivos é a revitalização do órgão, “vamos lutar para que se garanta um atendimento de saúde específica pautada no alinhamento dos conhecimentos da medicina tradicional, do modo de pensar a cura dos nossos corpos.”

Confira algumas fotos da ocupação:

Mulheres indígenas ocupam prédio da Sesai exigindo a saída imediata da coordenadora Silvia Nobre. Foto: Douglas Freitas / Cobertura Colaborativa

Mulheres indígenas ocupam prédio da Sesai exigindo a saída imediata da coordenadora Silvia Nobre. Foto: Douglas Freitas / Cobertura Colaborativa

Mulheres indígenas ocupam prédio da Sesai exigindo a saída imediata da coordenadora Silvia Nobre. Foto: Kamikia Kisedje / Cobertura Colaborativa

Mulheres indígenas ocupam prédio da Sesai exigindo a saída imediata da coordenadora Silvia Nobre. Foto: Lia Bianchini

Mulheres indígenas ocupam prédio da Sesai exigindo a saída imediata da coordenadora Silvia Nobre. Foto: Kamikia Kisedje / Cobertura Colaborativa

Mulheres Indígenas ocupam a Sesai. Foto: Kamikia Kisedje / Cobertura Colaborativa

Mulheres indígenas ocupam prédio da Sesai exigindo a saída imediata da coordenadora Silvia Nobre. Foto: Daniela Huberty / Cobertura Colaborativa

Em Defesa dos Povos e contra a Mineração em Terras Indígenas

Em Defesa dos Povos e contra a Mineração em Terras Indígenas

Nota da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas

Os atos crescentes de invasão de terras indígenas, de violência contra lideranças, comunidades indígenas, deixando vulneráveis principalmente mulheres e crianças são razão de grande preocupação. O Presidente da República ao anunciar que não demarcaria mais nenhuma terra indígena e ao comparar os índios a animais e seus territórios à zoológicos, rompe com a Constituição Federal e a obrigação da União de proteger a vida e os bens indígenas. A terra indígena Wajãpi, no Amapá, demarcada e protegida desde 1996, foi recentemente alvo de invasão e uma liderança assassinada.

De fato, seis meses de Governo se passaram sem que o Ministério da Justiça tomasse qualquer medida para demarcar novas terras, como a dos Pataxós e dos Tupinambás, na Bahia e dos Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Não houve ação efetiva contra as violências praticadas contra os povos indígenas. Os Yanomami e Ye ́wana, em Roraima estão sendo massacrados pela invasão massiva de garimpeiros na TI Yanomami.

O recente anuncio de que o governo vai abrir as terras indígenas à exploração mineral pode ter consequências dramáticas, principalmente na Amazônia, onde se concentra a maior extensão das terras indígenas (98%), o maior número de manifestações de índios isolados, 60 % da população indígena brasileira e o maior número de pedidos para pesquisa e lavra mineral.

A solução do Presidente Bolsonaro para as atividades praticadas por organizações criminosas dentro de terras indígenas é estarrecedora: legalizar o crime!

O Estado tem baixo poder de fiscalização, vide o que aconteceu em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, e está afrouxando o processo de licenciamento ambiental. No caso específico da cadeia de produção do ouro, segundo reportagem recente, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal coletaram durante três anos, uma série de provas do quanto é frágil à regulamentação existente e a execução do papel fiscalizador do Estado.

Diante destes graves fatos nos manifestamos em defesa dos povos indígenas e seus territórios, a favor da sua autonomia em decidir sobre o seu próprio desenvolvimento, contra a atividade de mineração em terras indígenas. Solicitamos a demarcação imediata das terras indígenas pendentes, que seja feito um inventário por parte do Ministério da Justiça de todos os atos graves de violação dos direitos indígenas nos últimos três anos, e das medidas tomadas para reprimi-los, apresentando-os à sociedade brasileira.

Joenia Wapichana
Coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas
Brasília, 09 de Agosto de 2019.

Nilto Tatto
Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista

Rodrigo Agostinho
Presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável

Helder Salomão
Presidente da Comissão dos Direitos Humanos e Minoria

Erika Kokay
Coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos

“Negociar nosso território é negociar nossas vidas”, Célia Xakriabá durante fala no Senado Federal no Dia Internacional dos Povos Indígenas

“Negociar nosso território é negociar nossas vidas”, Célia Xakriabá durante fala no Senado Federal no Dia Internacional dos Povos Indígenas

No dia Internacional dos Povos Indígenas (09/ago), as lideranças Sônia Guajajara, Ana Patté, Cristiane Pankararu e Célia Xacriabá participaram de uma audiência pública no Senado Federal para debater a “Previdência e Trabalho” com foco na população indígena. O evento faz parte da programação da primeira Marcha das Mulheres Indígenas que começou hoje em Brasília e tem como tema “Território: nosso corpo, nosso espírito”.

“A agenda perigosa do presidente faz necessário audiências como essa, para falar e lutar pelos direitos constitucionais que foram duramente conquistados”, afirmou Sônia Guajajara, candidata a vice-presidência do Brasil pelo PSOL em 2018 e representante da Articulação dos Povos Indígenas (APIB) na região Norte. “Enquanto o governo não retomar a demarcação das terras indígenas, nós não vamos ceder, nem recuar. Não temos medo. São 519 anos de luta e resistência”.

A Constituição Federal de 1988 estabelece que a demarcação e a proteção é obrigação da União (art. 231). Mesmo assim, desde o seu primeiro dia como presidente do Brasil, Jair Bolsonaro tenta transferir a demarcação do território indígena para o Ministério da Agricultura. Em seis meses de governo, ele criou duas Medidas Provisórias e ambas foram barradas pelo Congresso Nacional (MP 870/2019) e pelo Supremo Tribunal Federal (MP 886/2019) que decidiram manter a demarcação das Terras Indígenas sob responsabilidade da Funai no Ministério da Justiça.

“Negociar nosso território é negociar nossas vidas. É um genocídio, porque nos mata coletivamente pela negação do nosso direito territorial”, afirmou Célia Xakriabá, liderança representante dos povos indígenas do Leste e Sudeste. Em nome da região Sul, Ana Patté reforçou que a presença no evento era principalmente para fortalecer a garantia ao direito territorial. “Porque sem território a gente não tem casa, não tem saúde, não tem educação, não tem segurança”. Ana Patté é do povo Xokleng e atualmente é assessora da Deputada Estadual Isa Penna (PSOL-SP) em uma parceria junto à APIB para levar mulheres indígenas à espaços estratégicos. A iniciativa ilustra um número crescente de lideranças femininas que passam a atuar também fora das aldeias, como Joênia Wapichana (REDE-RR), primeira mulher indígena eleita Deputada Federal que, durante o evento, participava de uma sessão em uma sala próxima, no Congresso Nacional, contra a mineração em território indígenas.

A primeira Marcha das Mulheres Indígenas surge dessa preocupação territorial aliada à organização política das mulheres indígenas Tsunami da Educação (13/ago) e a histórica Marcha das Margaridas (14/ago) que reunirá mais de 100 mil mulheres camponesas, indígenas e urbanas em Brasília na maior ação feminina da América Latina.

“Nova Previdência mata por inanição.”

Com a chegada dos portugueses em 1.500 no litoral nordestino, a ocupação humana predatória que cortou arvores, enxugou rios e disseminou a seca e pobreza onde antes era Mata Atlântica. Hoje, muitos indígenas no nordeste e de todo país impactados pelo desmatamento não conseguem sobreviver apenas da agricultura e dependem de reparos financeiros. Para Cristiane Pankararu, representante do Nordeste/Leste a “aposentadoria é uma renda que sustenta famílias inteiras e a nova reforma mata por inanição ao propor uma aposentaria de 400 reais”.

O Senador Paulo Paim (PT-RS), que solicitou a audiência popular frisou que as mulheres serão as mais impactadas pela nova reforma e parabenizou a atuação das quatro lideranças que dividiram a mesa com ele. “Ainda há esperança. O Congresso Nacional aprovou, mas nós ainda não. Estou conversando com uma quantidade expressiva de senadores que também estão do nosso lado”, afirmou se referindo a recente aprovação pela Câmara dos Deputados. Agora, a reforma que tramitará no Senado Federal.

Colabore com as caravanas para a Marcha das Mulheres Indígenas

Colabore com as caravanas para a Marcha das Mulheres Indígenas

De 09 à 14/08/19, acontecerá em Brasília, a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas com o tema “Território: nosso corpo, nosso espírito’’.

O encontro tem como proposta discutir com a sociedade a atual política genocida de Jair Bolsonaro para com os povos originários. Durante o acampamento Terra Livre 2019, mulheres silvícolas realizaram uma plenária onde ficou deliberada a realização da Marcha, com objetivo de colocar suas demandas e, assim dar visibilidade às principais pautas que as cercam. Para o encontro são esperadas 2.000 guerreiras que sairão de diversas regiões do Brasil. Algumas destas comitivas terão apoio das próprias comunidades indígenas, mas outras ainda necessitam de ajuda para chegar até o local. A colaboração pode ser tanto financeira (através de vakinhas online), quanto por doação de mantimentos como: cobertor, colchão, material de higiene pessoal, etc.

As vaquinhas online além de beneficiar a realização do evento, também ajudam as comissões que estão se organizando para chegar à capital federal. Mobilize-se! Ajude! Colabore!

As contribuições podem ser feitas através dos links:

Vakinha da Marcha das Mulheres Indígenas

Além da principal, tem várias vaquinhas individuais sendo realizadas também:

Ajude as Mulheres Indígenas de SP a irem para Brasília
Mulheres indígenas do Ceará rumo à Marcha Nacional
Mulheres Indígenas de Pernambuco Rumo à Marcha Nacional
Apoie a 1ª Marcha de Mulheres Indígenas
Marcha para as Mulheres Indígenas – Mulheres Shanenawa
Mulheres Indígenas na Marcha das Margaridas 2019
Mulheres Indígenas do DF na Marcha das Mulheres Indígenas
Arrecadação de fundos para I Marcha das Mulheres Indígenas

Quinta nota do Apina sobre invasão da Terra Indígena Wajãpi

Quinta nota do Apina sobre invasão da Terra Indígena Wajãpi

Nós do Conselho das Aldeias Wajãpi – Apina queremos divulgar algumas informações mais recentes sobre a invasão da Terra Indígena Wajãpi.

Até agora nossos guerreiros ainda estão seguindo rastros dentro da mata, mas agora essas buscas estão sendo feitas principalmente na região onde o rio Felício corta a BR 210, onde vimos os rastros mais recentes. Estamos com medo que os invasores saiam da TIW por este rio.

No dia 02 agosto de 2019, sexta-feira, no início da manhã, dois servidores da Funai que estavam no Posto Aramirã se deslocaram de carro para a aldeia Jakare, para pegar o barco para ir até a aldeia Karapijoty. Logo em seguida, uma equipe da prefeitura de Pedra Branca do Amapari chegou de carro ao Posto Aramirã trazendo um caixão e também seguiu para a aldeia Jakare. Por volta das 9 horas da manhã, chegaram também carros da Polícia Federal, da Polícia Técnica e do Grupo Tático Aéreo (GTA) da Polícia Militar.

Em seguida, o helicóptero do GTA pousou no Posto Aramirã. Este helicóptero já tinha tentado pousar na aldeia Karapijoty, mas não tinha encontrado o lugar certo e tinha pousado na aldeia Mariry. Por isso se deslocou para o Posto Aramirã para buscar um servidor da FUNAI para indicar a aldeia Karapijoty corretamente. Por volta das 16 horas, o helicóptero retornou ao Posto
Aramirã.

De acordo com informações que recebemos da Funai, os peritos que foram no helicóptero resolveram fazer a autópsia lá na aldeia Karapijoty mesmo, sem levar o corpo do chefe Emyra para Macapá. Fomos informados que a autopsia durou aproximadamente 3 horas. E que o resultado do exame vai sair o mais rápido possível, mas pode demorar até 30 dias. Também nos informaram que as equipes da Polícia Federal e do GTA permaneceriam em Pedra Branca do Amapari para realizar sobrevoo na manhã de sábado, 03 de agosto, fazendo uma varredura de 20 km no entorno da aldeia Mariry.

No dia 02 de agosto, também recebemos no Aramirã um grupo de moradores da aldeia Manilha que trouxeram algumas filmagens feitas no dia anterior (01/08) onde registraram vários rastros vistos perto da aldeia. As imagens estão muito boas, por isso resolvemos divulgá-las.

Ainda no dia 02 de agosto, alguns representantes das organizações Wajãpi foram para Macapá conversar com o procurador Alexandre Guimarães, da 6ª Câmara do MPF no Amapá, para dizer que os invasores ainda continuam dentro da Terra Indígena Wajãpi e pedir o apoio dele para dialogar com os órgãos que podem nos ajudar a localizar e prender estes invasores.
Continuamos preocupados, pois os rastros que nossos guerreiros estão seguindo mostram que eles estão cada vez mais perto de sair da TIW.

No dia 03 de agosto, sábado, o helicóptero do GTA pousou novamente no posto Aramirã. Os policiais se reuniram com os servidores da Funai e depois conversaram com diretores das nossas organizações. Eles informaram que sobrevoaram a região das aldeias Mariry, Tomepokwarã, Kumakary, até a região da aldeia Pairakae, e não viram nada de anormal.

Pela defesa do direito ao atendimento diferenciado à saúde

Pela defesa do direito ao atendimento diferenciado à saúde

A Constituição Federal de 1988 reconheceu aos nossos povos o direito de viverem de acordo com a “organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. É daí que decorre a responsabilidade da União em garantir às políticas públicas destinadas a nós, respeitando nossas especificidades e diferenças.

A Constituição também criou o Sistema Unificado de Saúde (SUS), regulamentado pela Lei 8.080/90, onde estabelece a vinculação da assistência em saúde ao Ministério da Saúde (MS).

No ano de 1999, com a edição do Decreto nº 3.156/99 e a aprovação da “Lei Arouca” (n° 9.836 de 23 de setembro de 1999), ficou estabelecido que cabe ao Ministério da Saúde instituir “as políticas e diretrizes para a promoção, prevenção e recuperação da saúde do índio”, na época sob responsabilidade da Funasa. A Lei determinou ainda a criação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, tendo por base 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), os quais se tornam referência para o modelo de assistência, para atender às especificidades étnicas, culturais, geográficas e territoriais dos povos indígenas.

Entre 1986 e 2014 foram realizadas cinco Conferências Nacionais de Saúde dos Povos Indígenas que avançaram na definição das diretrizes e propostas de um modelo de atenção diferenciada, isto é, de um subsistema, gestado pela União, no qual deve haver participação dos povos e organizações indígenas no controle social, no planejamento e avaliação do orçamento e das ações.

Nesse contexto, no final do ano de 2008 houve a tentativa governamental de se criar por meio do Projeto de Lei 3.958/2008 de uma Secretaria de Atenção Primária e Promoção da Saúde, à qual a saúde indígena estaria subordinada. O movimento indígena mobilizou-se intensamente para que a atenção diferenciada não fosse diluída numa lei genérica. Assim, reivindicou a criação de um Grupo de Trabalho (GT) com a participação de representantes dos povos indígenas (Portarias 3034/2008 e 3035/2008 GAB/MS), para discutir proposições a respeito da gestão da saúde indígena. O Governo, depois de dois anos, editou a Medida Provisória 483, que após aprovação do Congresso Nacional se transformou na Lei 12.314/2010, possibilitando a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) por meio do Decreto 7.336 de 19 de outubro de 2010.

Durante todos estes anos, as lideranças e organizações indígenas sempre estiveram vigilantes e mobilizadas para a melhoria da assistência específica e diferenciada de saúde de seus povos e comunidades. Sempre reivindicaram o fortalecimento dos DSEIs, vinculados ao Ministério da Saúde, assegurando a autonomia administrativa e financeira dos mesmos, como unidades gestoras do SUS, ancorados nos Fundos Distritais de Saúde, assegurando ainda um plano de carreira específica para profissionais de saúde indígena com condições trabalhistas adequadas às complexas e diferentes realidades regionais, geográficas, étnicas e culturais e o controle social efetivo, nos âmbitos local, distrital e nacional.

Mesmo com alguns problemas de gestão e controle social, críticas principalmente nos tempos da FUNASA, com relação por exemplo à falta de medicamentos, dificuldades de transporte, precariedade dos serviços nas Casas de Saúde (CASAIs) e a rotatividade dos servidores da saúde nos territórios, que impulsionou a discussão da necessária humanização da saúde indígena, o subsistema permaneceu e assegurou, mesmo que não plenamente, entre outras coisas, a participação e o controle social por parte dos usuários.

São todas estas conquistas, de garantia legal do atendimento diferenciado, que hoje estão correndo risco de extinção. Vejam porquê:

1. O governo Bolsonaro desde a época da campanha anunciava ser totalmente contrário aos direitos dos povos indígenas, principalmente no relacionado à demarcação das terras, ou seja, contra a existência desses povos, uma vez que os territórios indígenas são sua razão de existir, base fundamental da sua continuidade física e cultural.

2. Logo que assumiu o mandato, em janeiro, Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória (MP) 870 que reestruturou o governo, transferindo a FUNAI para o Ministério dos Direitos humanos, da Mulher e da Família, e suas principais atribuições relacionadas com o licenciamento e a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A proposta foi recusada pelo Congresso Nacional, devolvendo o órgão indigenista, e suas responsabilidades, para o Ministério da Justiça e Cidadania.

3. Após esta derrota, Bolsonaro, sob pressão da bancada ruralista, contrariou o Parlamento, editando uma nova medida provisória, a 886/2019, na qual insistia nas suas proposições. O STF, atendendo Ações de Inconstitucionalidade de quatro partidos políticos, por meio de decisão monocrática do ministro Barroso anula mais uma vez a proposta, pois medida provisória nenhuma pode ser reeditada, constitucionalmente, na mesma sessão legislativa (Art. 62 da C. F.) e porque, segundo o ministro, atenta contra a separação dos poderes.

4. A outra medida que atenta gravemente contra os direitos indígenas é o Decreto 9.759, editado em abril, por meio do qual Bolsonaro prescreve oficialmente todos os colegiados ligados à administração pública federal que foram criados por lei, via decreto ou por atos infralegais. A medida abrange conselhos, comitês, comissões, grupos de trabalho, juntas, fóruns, entre outros. Com isso, atingiu em cheio o Fórum de Presidentes de Conselhos Distritais de Saúde Indígena (FPCONDISIs), instância nacional de controle e participação social dos povos indígenas, que exerce ações coordenadas de fiscalização, planejamento, monitoramento e avaliação da política de atenção à saúde indígena e orienta os conselhos locais nas suas ações.

Nesse caso a Suprema Corte, atendendo ação judicial, também suspendeu, embora parcialmente, a medida, afirmando que o governo não poderia extinguir colegiados que têm respaldo legal. O problema é que os Conselhos Locais e Conselhos Distritais de Saúde Indígena (CONDISI) e o próprio FCONDISI não foram criados por lei, e sim por decreto. No entanto, constituem para o movimento indígena instâncias legítimas de controle social, conquistadas com muita luta. Os Conselhos locais representam mais de 5 mil comunidades dos 305 povos, enquanto que os 34 Conselhos Distritais envolvem 1.390 conselheiros. Por outro lado, é garantido aos povos indígenas, pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – que é lei no país – o Direito à consulta livre, prévia e informada, sobre quaisquer assuntos administrativos ou legislativos que ao afetem.

Enfim, Bolsonaro assumiu o poder, determinado a acabar com o tratamento diferenciado, assegurado legalmente aos povos indígenas, por meio do desmonte das instituições e das políticas públicas nas distintas áreas de interesse: terra e território, saúde, educação, etnodesenvolvimento e cultura.

5. Logo que assumiu o cargo, o ministro da saúde, ruralista assumido, Luiz Henrique Mandetta, anunciou, certamente orientado por razões político-partidárias, a possibilidade de municipalizar a política de atenção à saúde indígena, a começar pelas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, propondo a estadualização do atendimento nas demais regiões, alegando que isso melhoraria a qualidade da prestação dos serviços da saúde indígena, oferecida atualmente por organizações da sociedade civil através de convênios com o Ministério da Saúde, intermediados pela SESAI. A Mobilização dos povos indígenas e a intervenção da Procuradoria Geral da República (PGR) barrou a intenção do ministro, alertado sobre o caráter federal da responsabilidade do atendimento.

Desde a criação do subsistema, os povos indígenas recusaram essa perspectiva por inúmeras razões, dentre as quais: as administrações municipais se alternam geralmente de 4 em 4 anos, muitas delas são alinhadas a interesses político-econômicos poderosos, racistas e anti indígenas, estimulam e praticam inclusive atos de violência contra os povos; não reúnem quadros capacitados para atenção diferenciada, e estes também normalmente são nomeações políticas; e não reúnem condições físicas e financeiras ou então desviam recursos públicos para outras finalidades que não a da saúde.

6. Nomeação de Silvia Waiãpi

No velado propósito de colocar indígenas contra indígenas, o Governo Bolsonaro escolheu para presidir a Secretaria Especial de Saúde Indígena, a indígena, de formação militar, Silvia Waiãpi, que vem atuando de forma autoritária, racista e criminalizando lideranças indígenas, principalmente membros do FCONDISI, que discordam de sua postura, além de ter demonstrado não ter capacidade para ser gestora do órgão. Ao contrário, tem se dedicado a levar em frente uma campanha sistemática de acusações a instituições conveniadas, servidores e funcionários terceirizados, e ainda culpabilizando muitas vezes aos próprios povos, comunidades e lideranças indígenas que compõem os conselhos locais e distritais. Enquanto isso, a gestão e o atendimento que já eram precários, em muitos casos, na ponta, precarizaram-se ainda mais, sobretudo a partir do fim do Programa Mais Médicos, da fragilização do controle social, dos atrasos no pagamento de salário, da carência de recursos e remédios, da não realização de exames e a falta de remoção de doentes para os centros de referência.

Tudo indica que há o propósito de acabar com o subsistema e a SESAI por inanição, certamente para justificar, mais uma vez, os propósitos da municipalização, que reiteradas vezes é recusada pelo movimento indígena.

7. Por fim, a etapa nacional da VI Conferência Nacional de Saúde Indígena que inicialmente estava prevista para o mês de maio de 2019, depois para o mês de agosto, agora foi postergada para o período 9 a 12 de dezembro em Brasília, e sem local claramente definido

A Conferência Nacional foi presidida por 302 conferências locais e 34 distritais, realizadas entre outubro de dezembro de 2018, e tem entre seus objetivos o fortalecimento do Subsistema de Atenção à Saúde dos povos indígenas, passando pela discussão dos seguintes eixos temáticos: I. Articulação dos sistemas tradicionais indígenas de saúde; II. Modelo de atenção e organização dos serviços de saúde; III. Recursos humanos e gestão de pessoal em contexto intercultural; IV. Infraestrutura e Saneamento; V. Financiamento; VI. Determinantes Sociais de Saúde; e VII. Controle Social e Gestão Participativa. O que indigna é que a VI Conferência irá acontecer depois da Conferência Nacional de Saúde, à qual deveriam ser apresentadas as deliberações da Conferência Indígena.

MOBILIZADOS PELA DEFESA DO SUBSISTEMA DE SAÚDE INDÍGENA

Por todos esses ataques, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) reitera seu compromisso de continuar a luta em defesa das políticas públicas diferenciada de saúde, neste caso, a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, e chama a suas bases, povos e organizações, para que se mobilizem na defesa deste direito, alcançado com muita luta a partir da Constituição Federal de 1988, com múltiplas e permanentes articulações, mobilizações e atos de resistência, contra as adversidades, ações de má fé e falta de vontade política dos governos, principalmente do governo Bolsonaro, em efetivar o respeito aos direitos fundamentais dos nossos povos.

Por isso a APIB convoca a todas e todos, no próximo dia 12 de agosto durante a Marcha das Mulheres Indígenas – “Território: Nosso Corpo, Nosso Espírito”- que acontecerá em Brasília – DF, no período de 11 a 13, para juntos defendermos nossos direitos! Venha conosco, apoie nossa causa! Nossa luta é pela vida!

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