Nota de Solidariedade aos povos indígenas do Sul e Extremo-Sul da Bahia

Nota de Solidariedade aos povos indígenas do Sul e Extremo-Sul da Bahia

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) manifesta sua solidariedade aos parentes afetados por um ciclone extratropical, que atingiu o sul e o extremo-sul da Bahia nesta quarta-feira (8), ocasionando chuvas torrenciais, enchentes e alagamentos. Diversas aldeias dos povos Pataxó, Pataxó Hã Hã Hãe e Tupinambá estão em estado de calamidade em consequência deste evento climático. Rios estão transbordando, estradas interditadas, e as barragens correm grande risco de desabamento, o que impossibilita aos moradores saírem de casa. E as chuvas seguem cada vez mais fortes.

Por meio do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (MUPOIBA), Movimento Indígena da Bahia (MIBA) e da nossa organização de base, a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), recebemos informações de que, em Porto Seguro, a ponte que dá acesso à aldeia indígena Pataxó Boca da Mata, foi totalmente destruída. Moradores da região estão isolados em casa e as fortes chuvas dificultam o trabalho do corpo de bombeiros e ajudantes.

Grande parte das demais aldeias,  como Encanto da Patioba, Cachimbo e aldeias localizadas em Itamaraju encontram-se ilhadas. O cacique Roni, da aldeia Encanto da Patioba, informou que os níveis dos rios estão muito altos, o que dificulta a saída dos indígenas da aldeia para um lugar seguro. Além disso, barragens próximas à localidade correm grande risco de desabamento, fato que põe a vida dos moradores da aldeia ainda mais em risco.

Em Cumurutaxiba, a situação também é bastante crítica, com famílias desabrigadas precisando de ajuda emergencial. O corpo de bombeiros da região já se mobilizou e está arrecadando algumas doações como cestas básicas, produtos de higiene, fraldas e leite em pó.

Sempre que um povo é atingido por impactos naturais, notadamente em virtude da crise climática provocada por ações predatórias e destrutivas, todos nós também somos afetados. É necessária uma agenda política urgente de mitigação das mudanças climáticas e de apoio aos Povos Indígenas,  que são os principais guardiões das florestas e do meio ambiente. Entendemos que estas chuvas são sinais diretos da revolta da Mãe Terra, que atingem toda a humanidade. 

A Apib espera que todos nossos parentes possam ser amparados nesse momento pela solidariedade da sociedade e que o Poder Público assuma sua responsabilidade de amparo social e das medidas de proteção e acolhimento emergenciais necessárias.  

Pedimos aos nossos encantados que cuidem dos povos nesse momento, para que os nossos territórios se recuperem e nós sigamos cuidando da natureza e criando as possibilidades para nos  recuperarmos dessa tragédia que há anos estamos anunciando e que são consequência do ecocídio que está em curso no mundo.  

XIV Assembleia Terena termina com exigências para o fim da agenda anti-indígena no Congresso

XIV Assembleia Terena termina com exigências para o fim da agenda anti-indígena no Congresso

Foto: Mídia Terena

O Conselho Terena, uma das organizações de base da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), realizou entre os dias 17 a 20 de novembro, na Aldeia Mãe Terra, TI Cachoeirinha, município de Miranda (MS) a XIV Assembleia Terena. A atividade um momento de união e fortalecimento do movimento indígena sul-mato-grossense com a presença de lideranças do contexto nacional, e ocorreu imediatamente após a Conferência do Clima da ONU, COP26, em um contexto de perseguição à lideranças indígenas no Brasil. Além dos anfitriões terena, a assembleia contou com representantes dos povos Kinikinau, Pataxó, Kadiweu, Kaiowa, Guarani Ñandeva, Xakriabá, Tupinambá, Kaingang e Guajajara.

Após quase dois anos de sua última realização, suspensa nesse período por ocasião da pandemia de covid-19, a Assembleia Terena destacou a força da organização indígena no enfrentamento à pamdeia: “queremos agradecer as nossas lideranças que, na ausência de uma política de Estado, colocaram mais uma vez suas vidas em risco para promover as barreiras sanitárias indígenas, mostrando que nossa própria organização sempre vencerá as políticas de ódio dos purutuya. Durante a realização de nossa grande assembleia, junto com nossos parceiros e colaboradores, reforçamos o compromisso com acordos e protocolos sanitários para segurança e redução do risco de contaminação de todos os participantes”.

O documento final da reunião listou uma série de exigências, sobretudo para suspensão da agenda anti-indígena no Congresso Nacional, que buscam a garantia dos direitos constitucionais dos povos originários. Confira os oitos pontos de exigências:

  1. Retirada definitiva da pauta de votação da CCJC e arquivamento do PL (Projeto de Lei) 490/2007, que ameaça anular as demarcações de terras indígenas;
  2. Arquivamento do PL 2633/2020, conhecido como o PL da Grilagem, pois caso seja aprovado, o projeto vai anistiar grileiros e legalizar o roubo de terras, agravando ainda mais as violências contra os povos indígenas;
  3. Arquivamento do PL 984/2019, que pretende cortar o Parque Nacional do Iguaçu e outras Unidades de Conservação com estradas;
  4. Arquivamento do PDL 177/2021 que autoriza o Presidente da República a abandonar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), único tratado internacional ratificado pelo Brasil que aborda de forma específica e abrangente os direitos de povos indígenas;
  5. Arquivamento do PL 191/2020 que autoriza a exploração das terras indígenas por grandes projetos de infraestrutura e mineração industrial;
  6. Arquivamento do PL 3729/2004 que destrói o licenciamento ambiental e traz grandes retrocessos para a proteção do meio ambiente e para a garantia de direitos das populações atingidas pela degradação ambiental de projetos de infraestrutura, como hidrelétricas.
  7. Fortalecimento da atenção básica de saúde aos povos indígenas, que vem sendo negligenciada e sucateada pelo Governo Federal. Somos contra as propostas de municipalização da saúde indígena.
  8. Que a FUNAI cumpra seus deveres constitucionais finalizando os processos de demarcação das terras indígenas Terena, Kinikinau e Guarani – Kaiowá, no Mato Grosso do Sul.

 

 

Leia o texto na íntegra:

Documento Final da XIV Grande Assembleia do Povo Terena

O Conselho do Povo Terena, organização tradicional base da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) no Mato Grosso do Sul, reunido na aldeia Mãe Terra, Terra Indígena Cachoeirinha, por ocasião da 14a Grande Assembleia do Povo Terena, entre os dias 17 e 20 de novembro de 2021, com o apoio de representantes dos povos Kinikinau, Kadiweu, Kaiowa, Guarani Ñandeva, Xakriabá, Pataxó, Tupinambá, Kaingang, Guajajara reafirma seu compromisso com a luta pelo território tradicional, a permanente busca do bem viver, e a construção de um mundo baseado no respeito aos modos de vida de cada povo e à Mãe Terra. Reiteramos nosso intuito de continuar lutando, em sintonia com o movimento indígena nacional, contra todos os retrocessos de direitos indígenas.

Como há quase 10 anos atrás, nossa anciã mentora do nome da Assembleia, sentou em meio de nós, proferiu palavras de força e evocou nossa ancestralidade. “Esta não é apenas uma Assembleia. Esta é a Hanaiti Hó’unevo Têrenoe, a Grande Assembleia do Povo Terena” repetiu ela. Abençoados por suas palavras, entre nossas Guerreiras e Guerreiros relembramos emocionados a luta de quase uma década desde o levante de nossa Grande Assembleia. Foram retomados milhares de hectares de nossas terras, que antes estavam alimentando gado para o agronegócio e hoje são utilizados pelas famílias terena para produzir seu alimento, recuperar as nascentes dos rios e reflorestar as matas. Enfrentamos inúmeros fazendeiros, políticos e parlamentares, com toda sua estrutura e força política, que ameaçavam nossos direitos. Na nossa caminhada fizemos valer o sangue derramado de nossos líderes. Nas terras recuperadas nosso povo encontrou dignidade. Nossos anciões hoje têm ainda mais força, muitos de nossos jovens hoje ocupam lugares importantes, nas aldeias e fora delas. No Brasil e fora dele. Esta década de sacrifício e compromisso, de muitos avanços de nosso povo nos faz afirmar:

Não provoquem o Povo Terena, pois com o Povo Terena ninguém pode!  

Não temos medo e avançaremos!  

Passamos por um momento muito difícil, com a pandemia de COVID-19 assolando nossas comunidades e levando muitos de nossos anciãos e jovens. Voltamos a realizar nossa grande assembleia depois de quase dois anos, por conta da pandemia. Nossas lideranças, que já estão imunizadas com a vacina contra o novo coronavírus, se reuniram neste momento para ecoar nossas vozes e reafirmar que Vidas Indígenas Importam! Como reiterado na fala de várias de nossas lideranças presentes, a emergência sanitária e humanitária foi muito agravada pelo descaso com que o Governo Federal tratou e tem tratado os povos indígenas durante a pandemia. Queremos lembrar aqui de todos os entes queridos do nosso povo que se foram  durante a pandemia da COVID 19, em mais uma página do Genocídio promovido pelo Estado Brasileiro contra os povos indígenas. Neste sentido, nos solidarizamos também com todas as vidas indígenas, de todos os povos, vitimadas pela política de extermínio promovida durante o surto do Coronavírus. Ao mesmo tempo, queremos agradecer as nossas lideranças que, na ausência de uma política de Estado, colocaram mais uma vez suas vidas em risco para promover as barreiras sanitárias indígenas, mostrando que nossa própria organização sempre vencerá as políticas de ódio dos purutuya. Durante a realização de nossa grande assembleia, junto com nossos parceiros e colaboradores, reforçamos o compromisso com acordos e protocolos sanitários para segurança e redução do risco de contaminação de todos os participantes.

No plano político enfrentamos uma luta tão nefasta quanto a da Pandemia. Nos solidarizamos com os demais povos pelos ataques que tem sofrido, insuflados, permitidos e até mesmo patrocinados pelo Governo Bolsonaro. Como um grande trator, a luz de megaprojetos, obras, grilagem, mineração e arrendamento, agridem nossa Natureza, torturam a vida, invadem nossos territórios e avançam com promessas de morte contra todos os povos. Enquanto isso, no Congresso Nacional, promovem saques e motins contra a Constituição Federal de 1988 procurando acabar com os direitos indígenas e a proteção do meio ambiente.

Reafirmamos também nosso compromisso com o meio ambiente e a defesa da Mãe Terra. As mudanças climáticas e outras crises ambientais que o mundo vem sofrendo são causadas pela ganância sobre as Terras Indígenas e pela permanente ameaça aos nossos direitos. Como muitas lideranças e anciões mostraram na assembleia, nosso modo de vida e nossa cosmologia são pilares fundamentais para um mundo mais sustentável, saúdavel, que respeite a sociobiodiversidade. No Brasil, hoje, o governo desenvolve políticas anti-indígenas e anti-ambientais, que pretendem devastar nossas florestas e biomas. Guardiões ancestrais do cerrado e do pantanal, nós do povo Terena repudiamos estas políticas de devastação e destruição e continuamos empenhados em defender a nossa sagrada Mãe Natureza.

Hoje temos orgulho de dizer que nossa Grande Assembleia é base da APIB, e que o Povo Terena tem dado importantes contribuições na luta Nacional garantindo conquistas e direitos para todos os Povos Indígenas. Junto a nossas Articulações Nacionais, internacionais e com nossos apoiadores, vamos avançar até que todos os territórios sejam demarcados e que todos os povos possam viver com dignidade:

 

Exigimos:

A INTERRUPÇÃO IMEDIATA DE QUALQUER MEDIDA ANTI-INDÍGENA NO CONGRESSO NACIONAL!

  1. Retirada definitiva da pauta de votação da CCJC e arquivamento do PL (Projeto de Lei) 490/2007, que ameaça anular as demarcações de terras indígenas;
  2. Arquivamento do PL 2633/2020, conhecido como o PL da Grilagem, pois caso seja aprovado, o projeto vai anistiar grileiros e legalizar o roubo de terras, agravando ainda mais as violências contra os povos indígenas;
  3. Arquivamento do PL 984/2019, que pretende cortar o Parque Nacional do Iguaçu e outras Unidades de Conservação com estradas;
  4. Arquivamento do PDL 177/2021 que autoriza o Presidente da República a abandonar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), único tratado internacional ratificado pelo Brasil que aborda de forma específica e abrangente os direitos de povos indígenas;
  5. Arquivamento do PL 191/2020 que autoriza a exploração das terras indígenas por grandes projetos de infraestrutura e mineração industrial;
  6. Arquivamento do PL 3729/2004 que destrói o licenciamento ambiental e traz grandes retrocessos para a proteção do meio ambiente e para a garantia de direitos das populações atingidas pela degradação ambiental de projetos de infraestrutura, como hidrelétricas.
  7. Fortalecimento da atenção básica de saúde aos povos indígenas, que vem sendo negligenciada e sucateada pelo Governo Federal. Somos contra as propostas de municipalização da saúde indígena.
  8. Que a FUNAI cumpra seus deveres constitucionais finalizando os processos de demarcação das terras indígenas Terena, Kinikinau e Guarani – Kaiowá, no Mato Grosso do Sul.

 

Aldeia Mãe Terra, Miranda-MS, 20 de novembro de 2021

 

Povo Terena,
Povo que se levanta!!

 

Conselho do Povo Terena

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil –APIB

 

Acesse o documento: Documento XIV Assembleia Terena

Grileiro tenta atropelar liderança indígena no território de Comexatibá

Grileiro tenta atropelar liderança indígena no território de Comexatibá

Por comunidades tradicionais e indígenas de Cumuruxatiba

O município de Prado, no extremo sul baiano, é palco dos conflitos por terra mais antigos do Brasil. Desde que esta paradisíaca costa recebeu a invasão portuguesa, expulsando os indígenas, moradores originários do local, a violência e a pistolagem é promovida por grileiros e latifundiários que ameaçam as vidas da população nativa. 

Na última quarta-feira, 20 de outubro, houve mais uma tentativa de atentado. Lucas Lessa avançou o carro sobre Xawã Pataxó (Ricardo) quebrando sua moto e provocando alguns arranhões. “A gente acabou de ter um ataque aqui na comunidade, no território, onde o pessoal dos Lessa estava. Justamente o Lucas Lessa com homens no carro. A gente explicando pra ele a decisão que tem do STF, do ministro Dias Toffoli para esse território da Aldeia Kaí… Ele infelizmente jogou o carro em cima da gente, a gente teve que se defender com nosso tacape. Ele veio em direção a mim com o carro e consegui se livrar do atropelamento. Mas ele quebrou minha moto também, passou por cima da moto. Aí estamos comunicando os companheiros. A gente não vai deixar mais as nossas praias serem fechadas e nosso território ser tomado”, denunciou Xawã. 

Ao tentar denunciar a violência na delegacia de polícia de Prado, alguns minutos depois, a liderança indígena se deparou com Lucas que acabava de dar um depoimento. O delegado, por sua vez, se recusou a ouvir a denúncia da vítima.

A tentativa de coerção é motivada pela disputa em torno principalmente das Praias do Moreira e do Calambrião, que vem sendo cercadas por grileiros para criar condomínios de luxo. Os acessos tradicionalmente utilizados pelas comunidades extrativistas, marisqueiros e indígenas foram cercados, impedindo a passagem destes povos e dos turistas que frequentam a região. 

No último sábado, 16, as comunidades se uniram para reabrir uma das estradas, que leva à Praia da Biquinha. Um loteamento ilegal também está em curso na Praia do Moreira, que é parte da Resex Corumbau (Reserva Extrativista Marinha de Corumbau). As comunidades denunciam e tentam retirar as cercas para conter a especulação imobiliária promovida pela chegada de estrangeiros e milionários. No mesmo território encontra-se a aldeia Kaí, que segundo o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) integra o Território Indígena de Comexatibá, mais conhecido pelos turistas como Cumuruxatiba.

“Essa questão não é só de Pataxó, não é só dos pescadores que nesse momento de fome estão impedidos de pescar, de pegar o seu peixe, porque a carne esta cara. É também do interesse nacional. Foi nesse lugar que baixou o primeiro barco das caravelas através de Nicolau Coelho. Isso é um patrimônio nacional e mundial da humanidade. Esse patrimônio está sendo tomado de nós brasileiros. O que está acontecendo aqui é um verdadeiro atentado contra a memória nacional e contra a terra Pataxó e os povos indígenas do Brasil. Está tudo invadido, ninguém tem mais acesso a praia”, alerta Maria Geovanda Batista, professora e pesquisadora da Universidade do Estado da Bahia e acompanha a causa há anos.

 

 

Quem é Lucas Lessa

 

Lucas Lessa é filho do advogado José Carlos Lessa, envolvido no esquema de compra e venda ilegal de lotes do INCRA, de acordo as denúncias feitas pela imprensa em 2011. Ele reside em uma mansão à beira da Praia da Japara Grande e transformou o que deveria ser um lote da reforma agrária em restaurante particular. A família Lessa, natural do Rio de Janeiro, adquiriu ilegalmente uma série de lotes à beira da praia, inclusive na Praia do Calambrião, onde possuem outra mansão. Lucas é advogado, porém se passa por pescador no distrito de Cumuruxatiba. 

 

O assentamento Cumuruxatiba foi homologado no Plano Nacional de Reforma Agrária em 1987 e abrangia 268 beneficiários. No entanto, as dificuldades para o estabelecimento das famílias assentadas com a morosidade na implantação das políticas da reforma agrária e a pressão exercida por fazendeiros e empresários, gananciosos sobre as riquezas litorâneas, gerou a mercantilização das terras públicas. Hoje o assentamento está completamente desconfigurado, há mansões construídas para veraneio e locação para pessoas ricas, já que a diária pode chegar até mil reais durante o verão. 

 

Conflito centenário

 

O território que originou a vila de Cumuruxatiba, pequena área urbanizada, e o PA Cumuruxatiba, é habitado pela etnia Pataxó desde os tempos de Pindorama. Alguns documentos nos relatórios da FUNAI registram a presença destes indígenas desde 1577, numa área que abrange as praias acima da vila, a Fazenda Paraíso e a suposta Fazenda dos Lessa e segue sentido Norte até Caraíva. Durante séculos eles foram massacrados e forçados ao êxodo, tendo suas aldeias incendiadas, como é o caso conhecido como Fogo de 51. As ameaças recorrentes deixaram o povo em situação de extrema vulnerabilidade diante das diversas invasões.

Mesmo o projeto de assentamento, que pela lei deveria beneficiar prioritariamente os nativos, foi criado sem considerar a existência dos Pataxós. Além do INCRA, houve a sobreposição feita pelo então Ibama (hoje ICMBio), que criou Unidades de Conservação (UC) com as áreas de ocupação histórica dos Pataxó. Trata-se do Parque Nacional do Monte Pascoal, implantado sobre o Território Indígena Barra Velha do Monte Pascoal, e o Parque Nacional do Descobrimento, sobreposto ao TI Comexatibá (Cahy/Pequi).

Desde 1999 os Pataxós deflagraram a retomada de seu território e fundaram cinco aldeias no entorno da vila de Cumuruxatiba: Kaí, Pequi, Tibá, 2 irmãos e Gurita. Atualmente há uma decisão do Supremo Tribunal Federal em benefício dos Pataxó que reafirma seu direito sobre as terras, no entanto não há nenhum tipo de fiscalização do Estado que garanta a segurança e a efetividade deste direito. A atuação do governo Bolsonaro tem estimulado a violência e a ampliação dos conflitos, ao mesmo tempo em que atua no desmonte da FUNAI. As comunidades apontam a demarcação como saída para o conflito e seguem resistindo nas áreas de retomada. 

“A gente precisa de apoio das autoridades porque estamos passando um momento tão difícil, a carestia taí, tem muitas pessoas que não conseguem comprar um quilo de carne, estão na fila do osso. E isso a gente não quer para o nosso povo. A gente quer melhoria, não só para nós indígenas, como para todos os brasileiros que entenderem a nossa luta”, apela o Cacique da Aldeia Tibá, José Fragoso.

 

A aula é no MEC: estudantes indígenas e quilombolas realizam ato no MEC na manhã desta quinta, 7

A aula é no MEC: estudantes indígenas e quilombolas realizam ato no MEC na manhã desta quinta, 7

Foto: Regis Guajajara

Na manhã desta quinta-feira, 7 de outubro, a aula será no Ministério da Educação (MEC), afirmam os mais de 700 estudantes indígenas e quilombolas que constroem o I Fórum Nacional de Educação Superior Indígena e Quilombola. A marcha está prevista para às 9h, a partir do acampamento instalado na Funarte, em Brasília.

Os estudantes esperam ser recebidos pela equipe ministerial para tratar do acesso e permanência de indígenas e quilombolas no ensino superior brasileiro. Enquanto isso, profissionais já formados com o auxílio do programa permanência, irão realizar um “aulão” em frente ao órgão.

“Temos muitos estudantes novos, que ainda irão ingressar na universidade e eles precisam saber dessa luta”, afirma Samehy Pataxó, uma das coordenadoras do Fórum de Estudantes Indígenas e Quilombolas.

Izana Rocha Quilombola, destaca “ser preciso nos manter e manter os nossos dentro e permanentes nas universidades. Ocupando os espaços que nos é negado todos os dias. Essa luta não é só nossa, é também pelos que virão”.

A antipolítica do atual governo tem afetado o acesso e permanência de estudantes de baixa renda na Universidade, ainda mais quilombolas e indígenas. De 2018 a 2021, o programa teve um corte superior a 50%, dos 22 mil estudantes atendidos em todo país, apenas 10 mil seguem tendo acesso ao programa.

Segundo Edimilson Costa Silva, representando o Ministério da Educação, não houve aumento na oferta de vagas por falta de recursos no orçamento para o programa. Embora a previsão era incluir mais 4 mil novos estudantes ao programa, mas o MEC não obteve a aprovação do orçamento correspondente, destacou o representante do órgão de educação na audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, nesta terça-feira, 5.

Em mobilização permanente, o I Fórum Nacional de Educação Superior Indígena e Quilombola reúne estudantes de 50 universidades públicas e privadas de todas as regiões do país. Com o tema “Os desafios do acesso e permanência de quilombolas e indígenas no ensino superior brasileiro”, o evento está sendo realizado de 4 a 8 de outubro, em forma de acampamento instalado no espaço da Funarte, em Brasília.

Organizado por estudantes indígenas e quilombolas, com a colaboração de organizações de apoio à causa. O Fórum faz parte do conjunto de manifestações realizadas desde de junho deste ano, entre elas os acampamentos ‘Luta Pela Terra’ e ’Luta Pela Vida’, a II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas e Movimento Nacional dos Estudantes Quilombolas (MONEQ).

Organizações denunciam “ataque físico e institucional” contra povos indígenas, na ONU

Organizações denunciam “ataque físico e institucional” contra povos indígenas, na ONU

Representante indígena alertou países sobre projetos de legalização de grilagem em terras públicas, exploração predatória e fim da demarcação de territórios
Nesta quarta-feira (29), organizações da sociedade civil denunciaram na ONU uma política de desmonte ambiental, em curso no Brasil. Quatro entidades brasileiras alertaram a comunidade internacional sobre uma série de projetos de lei que atualmente tramitam no Congresso Nacional e visam a enfraquecer ainda mais os mecanismos de proteção ao meio ambiente e aos povos indígenas.

Sob ataques e grave violação de direitos humanos e socioambientais, a denúncia retrata um Brasil diferente daquele descrito no discurso do presidente Jair Bolsonaro, na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas.

“Novamente os povos indígenas do Brasil chamam a atenção para a grave situação dos direitos humanos e socioambientais que enfrentamos. Conforme apontado pela Alta Comissária Michelle Bachelet, os povos indígenas estão sob ataque físico e institucional no Brasil”, destacam.

Entre os projetos apontados pelas organizações estão o PL da Grilagem, o PL 490, que dificulta a demarcação de terras indígenas,e o projeto de flexibilização do licenciamento ambiental.

A denúncia foi feita durante o Diálogo interativo com o Relator Especial sobre os direitos dos povos indígenas, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra (Suíça). Assinam o documento as organizações APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Conectas Direitos Humanos, ISA (Instituto Socioambiental) e Observatório do Clima. A representante indígena e advogada da APIB, Samara Pataxó, foi a porta-voz do grupo nas Nações Unidas.

“Todos esses projetos de lei agravam a violência no campo, principalmente na Amazônia, e incentivam o desmatamento, em meio a uma crise climática”, alertam as organizações, relembrando o discurso do secretário geral António Guterres. “Além disso, eles tramitam sem consulta e consentimento livre, prévio e informado, sem amplo debate com a sociedade e sem a participação da comunidade científica, e servindo de interesse de grupos ruralistas”, explicam.

Projetos no Congresso
A denúncia se refere a cinco projetos em tramitação no Congresso Nacional. No Senado Federal, estão o PL da Lei Geral de Licenciamento Ambiental (2159/2021) e o PL da Grilagem, também chamado pelas organizações de “PL de roubo das terras públicas” (PL 2633/2020). Na Câmara, estão o PL 490/2007, que institui o fim da demarcação de terras indígenas e permite atividades predatórias nestes territórios, e o projeto que permite a mineração em Terra Indígena (PL 191/2020), de autoria do Executivo. Há também o PDL (Projeto de Decreto Legislativo) nº 177/2021, que pretende autorizar o Presidente a retirar o Brasil da Convenção 169 da OIT. Caso seja aprovado, o PDL desobriga o Brasil ao cumprimento de um dos principais marcos internacionais de proteção dos direitos dos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.

As entidades pedem que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o presidente da Câmara, Arthur Lira, impeçam o avanço das propostas e “atuem para proteger o clima, o meio ambiente e a garantia de direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais no Brasil”.

Confira a íntegra da denúncia no Conselho de Direitos Humanos da ONU:

Lideranças indígenas protocolam carta ao ministro do STF Alexandre de Moraes

Lideranças indígenas protocolam carta ao ministro do STF Alexandre de Moraes

Na tarde desta quinta-feira (16), 150 lideranças de 13 povos protocolaram uma carta de pedido de urgência ao Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes acerca do julgamento que decidirá os rumos das demarcações das terras indígenas no país. O julgamento adiado na tarde de ontem (15), depois do voto a favor do Marco Temporal pelo ministro Nunes Marques, indicado por Bolsonaro para a corte, teve pedido de vista por Alexandre de Moraes. 

Na carta os indígenas pedem que o ministro devolva com rapidez o voto de vista para a continuidade e finalização do julgamento do Recurso Extraordinário de número 1017365. 

“Mantemos plena confiança e apoio ao STF neste contexto de grandes ataques que têm sido desferidos contra a mais alta corte de nosso país. Ao mesmo tempo, a postergação para a finalização deste emblemático julgamento faz aumentar sobremaneira a expectativa nossa e de todos os povos indígenas do Brasil quanto a uma decisão favorável do Supremo aos nossos direitos constitucionais e fundamentais”, diz a carta.  

Sabendo que a data de retorno do julgamento é incerta, após devolvido por Alexandre de Moraes, o processo precisa ser recolocado na pauta pelo presidente da Corte, Luiz Fux. O regimento interno do STF estabelece um prazo de 30 dias para a devolução do processo sob vista, prorrogável por mais 30. A Corte, contudo, não prevê sanções em caso de descumprimento do prazo e é comum que ele seja estendido para além desse período.

Quando for reiniciado, o julgamento deve retornar com o voto de Moraes, que será seguido pelos outros oito ministros e ministras, do mais novo na Corte ao decano, Gilmar Mendes. O último a votar é o presidente do STF, Luiz Fux.

LEIA A CARTA COMPLETA: 

Ao Excelentíssimo Senhor Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes

 Assunto: RE 1017365

Pedido de vista

 Senhor Ministro, nós dos Povo Xokleng, Kaingang, Guarani, Tuxá, Xavante, Xucurú, Tupi Guarani, Pataxó, Guajajara, Terena, Krikati estamos em Brasília desde o dia 20 de agosto para acompanhar o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1017365, que conta com repercussão geral nesta Suprema Corte. Hoje somos cerca de 150 lideranças ainda em Brasília, mas nestes dias mais de 10 mil representantes de  outros 170 povos, aproximadamente, também estiveram em Brasília pelo mesmo motivo.  Também estivemos acampados entre os dias 08 a 30 de junho aqui em Brasília em função desse fundamental julgamento, bem como para pedir que o PL 490/2007 não fosse aprovado na Câmara do Deputados.

O PL 490/2007 tem como objeto a institucionalização da tese do marco temporal e a reforma do Decreto 1775/1996, profundamente debatido e aprovado no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Pedimos aos parlamentares que esse projeto não seja aprovado, dado que, ao nosso ver, é inconstitucional e afronta o direito de demarcação de nossas terras de ocupação tradicional.

Daí que o RE 1017365 (Tema 1031) teve o julgamento iniciado no dia 26 de agosto do corrente ano, com ampla participação da sociedade. O Ministro Relator, Edson Fachin, apresentou voto no sentido de que a Constituição não limitou no tempo o direito territorial indígena, nem que se poderia onerar os povos indígenas a comprovarem disputa pela posse na data de 05 de outubro de 1988, garantindo que o esbulho é inadmissível e que os crimes cometidos para nos expulsar das nossas terras não podem ser anistiados, legalizados pela tese do marco temporal, além de garantir a obrigação da União em demarcar e fazer proteger.

O segundo voto foi apresentado, quando Sua Excelência pediu vistas. Contudo, o Ministro Nunes Marques trouxe um voto divergente, no qual confere ao texto da Constituição o marco temporal, associado ao renitente esbulho, onerando os grupos étnicos a comprovarem a posse ou disputa pela posse da terra em 05 de outubro de 1988, além de impedir reestudo para redefinição de terras indígenas já demarcadas.

Além de todo o voto trazer, ao nosso ver, uma intepretação conflitante com o art. 231 da Carta de 1988, impedindo a demarcação de terras ainda não regularizadas, determina que decaiu o direito da União em demarcar as terras indígenas, já que tinha o prazo de 05 anos a partir da promulgação da Constituição para fazê-lo, desconsiderando o caráter imprescritível do nosso direito territorial.

Por fim, o Ministro Nunes Marques entende que é necessário “anistiar oficialmente esbulhos ancestrais”. Ou seja, toda violência ocorrida até 1988, período recente da nossa história, estaria de ora em diante legalizada. E veja que as violências são de castigo físico e psicológico, assassinatos, prisões sem motivação, trabalho escravo, crimes de genocídio, dinamite e estricnina jogadas de avião nas comunidades indígenas, tudo isso sob o jugo do regime tutelar e de exceção, como se constara do Relatório Figueiredo e o Relatório da Comissão Nacional da Verdade – CNV, e até casos de crucificação de indígenas. Ao fazer isso, na prática o voto do Eminente Ministro Numes Marques premia o amplo espectro de crimes praticados contra os povos para esbulhar nossas terras e, assim, incentiva que os mesmos crimes sejam repetidos contra nós e nossas terras.  

Nesse sentido, vimos com muito respeito até Sua Excelência pedir encarecidamente que possa fazer valer a vontade do constituinte de 1988, que era justamente o de reparar os crimes até aquela data cometidos e garantir o futuro das demarcações de terras indígenas, impedindo a dispersão dos povos e a perda de muitas culturas, de línguas, crenças e tradições dos povos originários, para impedir um prejuízo irreparável.

Pedimos, que afaste a tese do marco temporal e do renitente esbulho e não permita a legalização de toda sorte de crimes cometidos até 1988 com o objeto de esbulhar nossas ricas terras de ocupação tradicional e determine que a União, por estar em mora, se obrigue a cumprir o acordo feito em 1988, no qual os povos indígenas foram contemplados com o direito à demarcação de suas terras, como meio de reparação e de justiça.

Pedimos, por fim que possa devolver com brevidade o voto vista para a continuidade e finalização deste julgamento. Mantemos plena confiança e apoio ao STF neste contexto de grandes ataques que tem sido desferidos contra a mais alta corte de nosso país. Ao mesmo tempo, a postergação para a finalização deste emblemático julgamento faz aumentar sobremaneira a expectativa nossa e de todos os povos indígenas do Brasil quanto a uma decisão favorável do Supremo aos nossos direitos constitucionais e fundamentais.

 Com o devido respeito de sempre.

 Brasília-DF, 16 de setembro de 2021.

 

Julgamento no STF suspenso: após Nunes Marques votar por anistiar invasões de terras indígenas no passado, Moraes pede vista

Julgamento no STF suspenso: após Nunes Marques votar por anistiar invasões de terras indígenas no passado, Moraes pede vista

Foto: Matheus Alves/Inedita Brasil

Indicado por Jair Bolsonaro, Nunes Marques abriu divergência com voto do relator, Edson Fachin, que reafirmou o caráter originário dos direitos constitucionais indígenas

Repetindo argumentos dos setores mais retrógrados do agronegócio, nesta quarta-feira (15), o ministro Kássio Nunes Marques apresentou seu voto a favor da tese do marco temporal para as demarcações de terras indígenas. Logo após o voto de Nunes Marques, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista e o julgamento foi suspenso, sem data prevista para retorno.

Com seu voto, o ministro Nunes Marques abriu uma divergência em relação ao voto do relator do processo, o ministro Edson Fachin, favorável aos direitos constitucionais indígenas e contrário à tese do marco temporal. A necessidade de analisar melhor as posições apresentadas foi a justificativa dada pelo ministro Alexandre de Moraes para pedir vista, interrompendo o julgamento empatado em um a um.

O voto de Nunes Marques foi apresentado na continuação do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, processo que envolve um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Santa Catarina, contra a comunidade Xokleng da Terra Indígena (TI) Ibirama-Lã Klãnõ, também habitada por comunidades guarani e kaingang. O caso ganhou status de repercussão geral no Supremo e terá efeitos para as demarcações de terras indígenas de todo o país.

No caso específico dos Xokleng, Nunes Marques votou pelo desprovimento do recurso, ou seja, votou pela anulação da demarcação da terra indígena e a favor da reintegração de posse movida pelo órgão ambiental do estado de Santa Catarina. O argumento de Marques é de que as comunidades não ocupavam as áreas reivindicadas em 1988. Embora anteriormente em seu voto tenha reconhecido que os Xokleng tiveram suas terras esbulhadas, demonstrando ser contraditório seu argumento.

Em seu voto, Nunes Marques apresentou tese a favor do marco temporal como forma de conciliar interesses. A tese, no entanto, é defendida pelos setores mais retrógrados do agronegócio e rechaçada por comunidades indígenas e suas organizações em todo o país.

Segundo a interpretação, os direitos territoriais dos povos indígenas estariam restritos àquelas áreas que estivessem em sua posse ou disputadas judicialmente até 5 de outubro de 1988, ignorando, e ao mesmo tempo legitimando, o histórico de expulsões e violências sofridas pelos povos indígenas antes da data.

Nunes Marques reconheceu que a tese significaria anistiar esbulhos ocorridos antes da data de promulgação da Constituição Federal. 

“A teoria do fato indígena, que embasa o posicionamento do STF no caso já referido [caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol], é a que melhor concilia os interesses em jogo na questão indígena. Por um lado, admite-se que os índios remanescentes em 1988 e suas gerações posteriores têm direito à posse de suas terras tradicionais, para que possam desenvolver livremente seu modo de vida. Por outro, procura-se anistiar oficialmente esbulhos ancestrais, ocorridos em épocas distantes, e já acomodados pelo tempo e pela própria dinâmica histórica”, declarou.

Seguindo o mesmo roteiro de setores ruralistas e do agronegócio, o voto de Nunes Marques repetiu as condicionantes utilizadas na votação do caso da Terra Indígenas Raposa Serra do Sol. A decisão do STF de uma década atrás estabeleceu 19 condicionantes, mas sem efeitos para as demarcações de outras Terras Indígenas. 

“Os argumentos do Nunes Marques não inovaram em nada, foi um voto que não nos surpreendeu. Ele trouxe basicamente os argumentos que os ruralistas defendem. Ele desconsidera o indigenato, traz o indigenato como um instituto defasado, que traz insegurança jurídica, e defende a tese do marco temporal”, avalia a advogada Samara Pataxó, da assessoria jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). 

Além do marco temporal, Nunes Marques votou por vedar a ampliação de terras indígenas, o que restringe os direitos territoriais das comunidades que tiveram suas terras demarcadas fora dos parâmetros estabelecidos pela Constituição de 1988. 

No sentido contrário do que apontam todos os estudos sobre a preservação das florestas nos territórios indígenas, o ministro considerou ainda a incompatibilidade das demarcações de terras sobrepostas com áreas de preservação, considerando que deve prevalecer a administração dos parques e unidades de conservação sobre as terras indígenas.

“Ouvindo o voto do ministro Nunes Marques, não vi nada de novo. Vi apenas um ministro repetindo os velhos argumentos dos ruralistas. Pareceu-me um copia e cola, das petições dos fazendeiros. Nunes Marques conhece que o direito indígena é imprescritível, mas aplica o marco temporal, anistiando os crimes perpetrados contra os povos indígenas. Voto Teratológico!”, comenta o coordenador jurídico da Apib, Eloy Terena.

Povo Xokleng

No mérito, o processo trata de um recurso extraordinário, originalmente impetrado pela Funai, contra a ação de reintegração de posse que o IMA moveu contra o povo Xokleng. A disputa envolve a reserva ambiental do Sassafrás, criada pelo estado de Santa Catarina sobre uma parte da TI Ibirama-La Klãnõ, já reconhecida e declarada como terra tradicionalmente ocupada pelo povo Xokleng.

O voto de Fachin, além de afastar a tese do marco temporal, dá provimento ao recurso em favor do povo Xokleng – ou seja, reconhece o seu direito à posse e à demarcação da sua terra de ocupação tradicional, invadida e reduzida pelo estado ao longo do século XX.

Apesar de iniciar seu voto com um longo histórico que recupera a cronologia do esbulho e da brutal violência praticada contra os Xokleng, Nunes Marques votou pela anulação da demarcação da terra indígena.

“O ministro Nunes Marques votou por anular a demarcação com base no argumento de que os Xokleng não ocupavam a área em 5 de outubro de 1988, defendendo que os indígenas devem ser retirados da área. Foi um voto completamente equivocado, que não se baseia na vontade do constituinte de 1988”, avalia Rafael Modesto dos Santos, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e advogado do povo Xokleng no processo.

Próximos passos

A data de retorno do julgamento é incerta. Depois de devolvido por Alexandre de Moraes, o processo precisa ser recolocado na pauta pelo presidente da Corte, Luiz Fux. O regimento interno do STF estabelece um prazo de 30 dias para a devolução do processo sob vista, prorrogável por mais 30. A Corte, contudo, não prevê sanções em caso de descumprimento do prazo, e é comum que ele seja estendido para além desse período.

Quando for reiniciado, o julgamento deve retornar com o voto de Moraes, que será seguido pelos outros oito ministros e ministras, do mais novo na Corte ao decano, Gilmar Mendes. O último a votar é o presidente do STF, Luiz Fux.

“Quem deu a terra para nós foi deus, não o homem. Estamos há 500 anos lutando e vamos seguir lutando. Nossa luta não é só para o povo Xokleng, é para todos os povos indígenas, para a sociedade brasileira e para o mundo”, afirma Brasílio Priprá, liderança do povo Xokleng.

Na tarde desta quarta-feira (15), cerca de 150 lideranças indígenas acompanharam a sessão em frente ao STF, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Após a interrupção do julgamento, prometeram dar continuidade à mobilização, que já dura quatro semanas e reuniu mais de 6 mil indígenas na capital federal, além das diversas manifestações realizadas nos territórios e em todas as regiões do país.

“É um processo doloroso, cansativo, mas assim como a gente acredita em Topé, Nhanderu, temos que continuar acreditando que dali do Supremo saiam os votos necessários para garantir nossos direitos”, afirma Kretã Kaingang, que integra a coordenação da Apib.

 

STF dá sequência ao julgamento sobre o marco temporal nesta quarta, 15

STF dá sequência ao julgamento sobre o marco temporal nesta quarta, 15

Foto: Rafael Vilela

Por Assessoria de Comunicação da MNI 

O julgamento que definirá o futuro das demarcações das terras indígenas em todo país será retomado, nesta quarta-feira, 15, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A sessão está prevista para iniciar às 14h, horário de Brasília. Esta será a sexta sessão seguida em que a Corte debate o tema, desde que a análise do caso começou, em 26/8. Os povos indígenas seguem mobilizados e acompanham o julgamento a partir de Brasília e dos territórios. 

Na última sessão, no dia 9 de setembro, o ministro relator do processo, Edson Fachin, rechaçou a tese do marco temporal e reafirmou o caráter fundamental dos direitos constitucionais indígenas, que ele caracterizou como cláusulas pétreas.  O ministro também foi enfático ao afirmar que a Constituição Federal reconhece que o direito dos povos indígenas sobre suas terras de ocupação tradicional é um direito originário, ou seja, anterior à própria formação do Estado. O voto de Fachin foi considerado uma vitória para os povos indígenas. 

Defendida por ruralistas e outros setores interessados na exploração das terras indígenas, a tese do marco temporal restringe o direito dos povos indígenas à demarcação de suas terras. Segundo esta interpretação, considerada inconstitucional, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. 

Ainda no dia 9, o ministro Nunes Marques deu início à leitura de seu voto, mas antes de entrar no mérito da questão pediu para o presidente Luiz Fux que seu voto fosse concluído na próxima sessão. 

Na sessão prevista para esta quarta, “o ministro Nunes Marques vai entrar no mérito do seu voto, no qual ele pode concordar com o voto do relator, o que seria muito positivo para os direitos territoriais dos povos indígenas, mas pode também divergir, no todo ou em parte, do voto do ministro relator”, explica Samara Pataxó, coordenadora jurídica da Articulação dos povos indígenas do Brasil (Apib).

Depois de Nunes Marques, os outros oito ministros devem apresentar seus votos. Eles ainda podem solicitar uma nova suspensão do processo para analisá-lo melhor, o chamado pedido de “vistas”. A previsão é que os votos sejam proferidos do ministro mais novo ao decano da Corte. O último a votar deve ser o presidente do STF, ministro Luiz Fux.

Na prática, a Corte analisa a reintegração de posse movida pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. Em 2019, o caso ganhou  status de “repercussão geral”, o que significa que a decisão servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.

Saiba mais sobre o julgamento aqui.

Mobilização permanente 

Em defesa de seus direitos originários e contra o marco temporal, os povos indígenas têm se mantido em mobilização permanente para acompanhar o julgamento da Corte.

Nesta quarta, 15, a partir das 14h, cerca de 150 lideranças indígenas dos povos Kaingang, Xokleng, Xavante, Terena, Guarani, Tupi Guarani, Tuxá e Guarani Nhandeva irão acompanhar o julgamento em vigília na praça dos Três Poderes em Brasília, dando sequência às mobilizações organizadas em todos os territórios. 

De  22 a 28 de agosto, semana em que a Suprema Corte deu início ao julgamento,  mais de 6 mil indígenas de 176 povos de todas as regiões do país estiveram reunidos no acampamento “Luta pela Vida”, em Brasília. Considerada a maior mobilização indígena dos últimos 30 anos, além de acompanhar o julgamento no STF, o objetivo também  foi de denunciar a agenda anti-indígena do governo Bolsonaro e do Congresso Nacional.

Como o julgamento foi prolongado, um grupo de 1.200 lideranças, de 150 povos, permaneceu mobilizado em Brasília e o acampamento foi montado no espaço da Fundação Nacional de Artes (Funarte). O grupo se juntou à II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, que reuniu mais de 5 mil guerreiras da ancestralidade, de 185 povos de todos os biomas, entre 7 e 11 de setembro, em Brasília. 

A mãe do Brasil é indígena: 5 mil guerreiras da ancestralidade ocupam Brasília em marcha histórica

A mãe do Brasil é indígena: 5 mil guerreiras da ancestralidade ocupam Brasília em marcha histórica

foto: Alass Derivas | @derivajornalismo

Em defesa de seus corpos-territórios, mulheres indígenas de todo país manifestaram-se hoje (10/9) pelas ruas da capital federal

Brasília acordou hoje (10/9) ao som dos cantos e maracás de mais de 5 mil mulheres indígenas, pertencentes a 185 povos, que se preparavam para marchar pelas ruas da capital. Em defesa de seus corpos-territórios e pelo fim do genocídio dos povos indígenas, a II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas trouxe a força das mulheres guerreiras da ancestralidade na luta pela vida.

A marcha saiu do acampamento localizado na Funarte, seguindo pelo Eixo Monumental e pela via W3 Sul em direção à Praça do Compromisso, local onde, em 1997, o indígena Galdino Pataxó Hã-Hã-Hãe teve o seu corpo incendiado por 5 jovens que residiam no Plano Piloto.

Durante a marcha, diversas faixas e cartazes trouxeram palavras de ordem contra a violência de gênero, contra o marco temporal, contra a invasão do garimpo, agronegócio e grandes empreendimentos que provocam a destruição socioambiental dos biomas e pela demarcação de seus territórios.

Na praça do Compromisso, um grande boneco com a imagem de Jair Bolsonaro foi queimado. “Juntos queimam o racismo, a violência contra as mulheres e para que nunca mais um indígena seja queimado vivo nesse país”, disse Sônia Guajajara, liderança indígena da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

Para Alessandra Munduruku, liderança indígena do rio Tapajós, “estar nessa marcha é muito importante para as mulheres estarem juntas. Nossas comunidade/aldeias estão sendo atacadas, nossos povos estão sendo atacados e tudo isso está sendo aprovado aqui no Congresso e a gente precisa sair das nossas aldeias para denunciar aqui. Já chega de genocídio, já chega de morte, já chega de violência, de invasões, esses projetos de morte estão afetando nossas vidas, está afetando as mulheres, as crianças, os idosos, nossos territórios”.

O ato aconteceu de maneira pacífica, após uma semana de tensões provocadas por atos e ameaças racistas vindos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. A marcha, que estava prevista para 9 de setembro, precisou ser adiada por questões de segurança.

“A decisão tem como objetivo de resguardar a vida das mulheres, anciãs, jovens e crianças presentes, na mobilização que acontece desde o dia 7 de setembro, na capital federal, com a participação de mais de 5 mil pessoas de 185 povos, de todas as regiões do país”, reforça nota lançada ontem(9/9) pela Anmiga.

Segundo Shirley Krenak, liderança indígena da Anmiga e coordenadora de segurança da marcha, “nossa função enquanto segurança foi proteger as mulheres indígenas, levando todo esse processo da nossa marcha de uma forma muito positiva, pacífica, não tivemos nenhum problema, não tivemos ninguém passando por problemas no que diz respeito à violência, foi uma marcha totalmente cheia de paz.”

A marcha contou com uma equipe de mais de 50 pessoas, homens e mulheres indígenas,coordenados por Shirley desde o primeiro dia de acampamento, que precisou ser reforçada para garantir a segurança de mulheres e crianças durante todos os dias de atividade.

Juventude indígena presente!

A marcha também ficou marcada pelo encontro de anciãs e jovens mulheres, algumas participando pela primeira vez de uma mobilização deste tipo. Esse encontro demarca o futuro da luta indígena, onde a juventude se faz presente nos processos de luta em defesa dos territórios e formando-se enquanto jovens lideranças.

Para Lídia Guajajara, indígena do povo Guajajara e comunicadora da Anmiga, “as mulheres protagonizaram esse momento que, pra nós, foi histórico, porque a juventude está fazendo essa participação pela primeira vez. Também viemos somar forças, mobilizar, porque aqui também se encontram várias referências, de lideranças mulheres, lideranças que vem forte nessa mobilização e trazem consigo essa força da juventude, que vem também protagonizando espaço trazendo a sua fala.”

Acampamento

Desde o dia 7 de setembro, 5 mil mulheres indígenas de 185 povos ocupam o gramado da Funarte, em Brasília, na II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, que tem como tema “Mulheres originárias: Reflorestando mentes para a cura da Terra”.

Lideranças indígenas femininas da Amazônia, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica, Caatinga e dos Pampas foram credenciadas e testadas para a Covid-19, dentro da parceria com Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz DF e RJ), Ambulatório de Saúde Indígena da Universidade de Brasília, Secretaria de Saúde do DF e Hospital Universitário de Brasília.

A II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas contou com uma série de atividades que refletem não só as violências sofridas pelas mulheres indígenas no Brasil, como também trouxe a força da ancestralidade, rituais, acolhimento e diversidade, em um momento de celebração e reencontro.

“Estamos em busca da garantia de nossos territórios, das que nos antecederam, para as presentes e futuras gerações, defendendo o meio ambiente, este bem comum que garante nossos modos de vida enquanto humanidade. Para além de mero recurso físico, é igualmente morada dos espíritos das florestas, dos animais e das águas da vida como um todo, fonte de nossos conhecimentos ancestrais”, reforça o comunicado da Anmiga sobre a marcha.

Durante a Marcha, as mulheres também acompanharam o julgamento do marco temporal, quando todo o acampamento se concentrou na tenda principal para assistir a transmissão da sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) que irá decidir o futuro das demarcações de terras indígenas em todo o país.

Em voto histórico, Fachin posiciona-se contra marco temporal e reafirma: direitos indígenas são originários

Em voto histórico, Fachin posiciona-se contra marco temporal e reafirma: direitos indígenas são originários

Foto: Ana Pessoa / Mídia Ninja

Relator do processo, Edson Fachin posicionou-se a favor dos povos indígenas; STF deve retomar julgamento sobre terras indígenas na próxima semana com voto de Nunes Marques

Em um voto que já pode ser considerado histórico, o ministro Edson Fachin, relator do processo de repercussão geral sobre demarcação de terras indígenas no Supremo Tribunal Federal (STF), rechaçou a tese do marco temporal e reafirmou o caráter originário dos direitos constitucionais indígenas, que ele caracterizou como cláusulas pétreas.

Em todo o país, os povos indígenas aguardavam com muita expectativa o voto do ministro, que já havia lido seu relatório inicial do processo no dia 26 de agosto e apresentado um preâmbulo de seu voto na sessão realizada na tarde de ontem (8).
A posição expressa pelo relator em seu voto foi bastante comemorada pelas mais de 5 mil mulheres que participam da II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, em Brasília. Elas acompanharam a sessão do julgamento por meio de um telão instalado na tenda principal do acampamento, localizado na Funarte.

Segundo a votar, o ministro Nunes Marques deu início à leitura de seu voto, mas antes de entrar no mérito da questão pediu para o presidente Luiz Fux que seu voto seja concluído na próxima sessão. O julgamento deve continuar na tarde da próxima quarta-feira (15).

“O voto de Fachin foi muito importante e favorável aos direitos constitucionais dos povos indígenas. O ministro afastou a tese do marco temporal e do renitente esbulho, ressaltando também outras questões que asseguram o direito reconhecido aos povos indígenas na Constituição para a proteção dos direitos territoriais”, explica Samara Pataxó, co-coordenadora jurídica da Articulação dos povos indígenas do Brasil (Apib).

“Na próxima semana, o ministro Nunes Marques vai entrar no mérito do seu voto, no qual ele pode concordar com o voto do relator, o que seria muito positivo para os direitos territoriais dos povos indígenas, mas pode também divergir, no todo ou em parte, do voto do ministro relator”, antecipa a advogada.

“Hoje de manhã, estivemos em um momento de oração, de conexão espiritual. Isso mostra nosso poder de conexão entre nós e com o astral que a gente invoca, com nossa ancestralidade. Essa força, essa vitória, é acima de tudo dada por aqueles que nós invocamos”, afirma Cris Pankararu, da coordenação da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).

Não existe marco temporal
Ponto de maior discussão no julgamento, Fachin rechaçou a tese do marco temporal ao considerar que a Constituição Federal de 1988 dá continuidade aos direitos assegurados em Cartas Constitucionais anteriores e que seus direitos territoriais não tiveram início apenas em 5 de Outubro de 1988.

“A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 e independe da configuração de renitente esbulho”, afirmou Fachin.

Além disso, o ministro também foi enfático ao afirmar que a Constituição Federal reconhece que o direito dos povos indígenas sobre suas terras de ocupação tradicional é um direito originário, ou seja, anterior à própria formação do Estado.
“Como se depreende do próprio texto constitucional, os direitos territoriais originários dos índios são reconhecidos pela Constituição, mas preexistem à promulgação da Constituição”, explicou Fachin.

Esta interpretação, antagônica à tese do marco temporal, corresponde à “teoria do indigenato”, consagrada na Constituição de 1988, mas questionada pela bancada ruralista e por grupos econômicos interessados na exploração e na apropriação das terras indígenas.

Fachin salientou que o procedimento demarcatório realizado pelo Estado não cria as terras indígenas – ele apenas as reconhece, já que a demarcação é um ato meramente declaratório, e não constitutivo. Essa compreensão também se estende à posse que os povos indígenas exercem sobre seus territórios.

“A demarcação não constitui a terra indígena, mas a declara: declara que a área é de ocupação pelo modo de viver indígena. Portanto, a posse permanente das terras de ocupação tradicional indígena independe, para esse fim, da conclusão ou mesmo realização da demarcação administrativa dessas terras, pois é direito originário das comunidades indígenas”, enfatizou o ministro.

Renitente esbulho
A tese do marco temporal pretende restringir as demarcações de terras indígenas apenas àquelas terras que estivessem sob a posse dos povos no dia 5 de outubro de 1988 ou que, naquela data, estivessem sob disputa física ou judicial comprovada – o chamado “renitente esbulho”.

Fachin também rechaça a exigência do “renitente esbulho” como um critério para a comprovação da tradicionalidade de uma terra indígena. O ministro recorda, em seu voto, que até 1988 os povos indígenas eram tutelados pelo mesmo Estado que atuava no sentido de promover a sua “integração” à sociedade envolvente – e, por isso, não tinham como recorrer judicialmente contra o roubo de suas terras.

“Desde o período colonial, estavam os indígenas brasileiros submetidos aos regimes tutelares com a finalidade de aculturá-los e de promover sua assimilação progressiva ao novo território do colonizador”, lembra o ministro.

“Restou ainda mais nítida a postura integracionista do Estado brasileiro com o Estatuto do Índio, que estimulava o progressivo abandono da condição de indígena para a aquisição plena da capacidade de possuir direitos. Evidentemente, esses subsídios não subsistem expressamente diante da ordem constitucional vigente”, concluiu o relator.

Direitos indígenas, cláusula pétrea
O ministro Edson Fachin também caracteriza, em seu voto, os direitos constitucionais indígenas como direitos fundamentais, de caráter coletivo e individual. Isso significa que eles são cláusulas pétreas, ou seja, esses direitos não podem sofrer retrocessos e nem ser modificados.

A proteção assegurada pela Constituição Federal aos povos indígenas e seus territórios, segundo essa interpretação, não pode ser relativizada: ela deve ser garantida de forma contínua e integral.

“Aplicam-se aos direitos indígenas todas as formas de vedação ao retrocesso e de proibição da proteção deficiente de seus direitos, uma vez que estão atrelados à própria condição de existência dessas comunidades e de seu modo de viver”, argumenta o ministro.

Usufruto exclusivo
O voto do ministro Edson Fachin também reafirma outros aspectos garantidos pela Constituição Federal de 1988 aos povos indígenas, como a nulidade de todo e qualquer título incidente sobre terras indígenas e a garantia de que as terras indígenas, de propriedade da União, são destinadas ao usufruto exclusivo dos povos originários.

Assim, a Constituição impede a “concessão de qualquer forma de direito real ou pessoal” sobre as riquezas do solo, rios e lagos existentes nas terras indígenas, “ou mesmo a realização de atos negociais com os índios que lhes retire da condição de usufrutuários exclusivos da terra”, argumenta Fachin.

Raposa Serra do Sol não se estende a todas as terras indígenas
Outro argumento refutado pelo ministro Edson Fachin é o de que o STF já possuiria uma jurisprudência consolidada sobre a demarcação de terras indígenas, baseada no precedente do caso Raposa Serra do Sol. Fachin argumenta que o reconhecimento da repercussão geral do caso Xokleng reflete a necessidade de buscar uma solução para os conflitos fundiários que persistem no Brasil.
“Dizer que Raposa Serra do Sol é um precedente para toda a questão indígena é inviabilizar as demais etnias indígenas. É dizer que a solução dada para os Macuxi é a mesma dada para os Guarani. Para os Xokleng seria a mesma dada para os Pataxó”, afirma o ministro. “Quem não vê a diferença não promove a igualdade”.

O relator também afastou a aplicação das 19 condicionantes estabelecidas no caso Raposa Serra do Sol para os demais casos de demarcação de terras indígenas. Entre elas, a proposta de proibir a revisão de limites de terras indígenas, desde que com base em análise técnica e científica, baseada no estudo antropológico de cada reivindicação.

Povo Xokleng
No mérito, o processo trata de um recurso, originalmente impetrado pela Funai, contra uma ação de reintegração de posse que o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) moveu contra o povo Xokleng.

A disputa envolve a reserva ambiental do Sassafrás, criada pelo estado de Santa Catarina sobre uma parte da Terra Indígena (TI) Ibirama-La Klãnõ, já reconhecida e declarada como terra tradicionalmente ocupada pelo povo Xokleng.

“No caso concreto, o ministro anulou a sentença do TRF-4 que determinava a retirada dos Xokleng da área e determinou o reconhecimento da terra, já declarada pelo Ministério da Justiça, como de posse e ocupação tradicional do povo. Diante da tese apresentada, isso implica que a terra é de fato indígena e que a posse pertence de imediato aos Xokleng”, explica Rafael Modesto dos Santos, assessor jurídico do Cimi e advogado do povo Xokleng.
Por fim, Fachin ainda afirma que não há contradição entre a proteção ao meio ambiente e o reconhecimento de uma terra como de ocupação tradicional indígena.

A tese proposta por Fachin
Ao concluir seu voto, Fachin apresentou uma proposta de tese, sintetizando os principais pontos em debate em relação aos direitos territoriais indígenas. A proposta foi a mesma que já havia sido apresentada no plenário virtual do STF, em junho, quando o julgamento foi suspenso por um pedido de destaque do ministro Alexandre de Moraes.

Com dez pontos, tese proposta pelo relator do processo é a seguinte:

“Os direitos territoriais indígenas consistem em direito fundamental dos povos indígenas e se concretizam no direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sob os seguintes pressupostos:

I – a demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena;

II – a posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos índios, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e das necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do §1º do artigo 231 do texto constitucional;

III – a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988, porquanto não há fundamento no estabelecimento de qualquer marco temporal;

IV – a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da configuração do renitente esbulho como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição. 108 Cópia RE 1017365 / SC

V – o laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.776/1996 é elemento fundamental para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições;

VI – o redimensionamento de terra indígena não é vedado em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de procedimento demarcatório nos termos nas normas de regência;

VII – as terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos índios o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes;

VIII – as terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis;

IX – são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a posse, o domínio ou a ocupação das terras de ocupação tradicional indígena, ou a exploração das riquezas do solo, rios e lagos nelas existentes, não assistindo ao particular direito à indenização ou ação em face da União pela circunstância da caracterização da área como indígena, ressalvado o direito à indenização das benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé;

X – há compatibilidade entre a ocupação tradicional das terras indígenas e a tutela constitucional ao meio ambiente”.