STF começa amanhã julgamento do século sobre Terras Indígenas

STF começa amanhã julgamento do século sobre Terras Indígenas

Com previsão para iniciar às 14h, Suprema Corte vai fixar a interpretação jurídica dos direitos dos povos indígenas sobre suas terras

Brasília (DF), 29 de junho de 2021 – O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia, amanhã (30/6), o julgamento que definirá o futuro das demarcações das Terras Indígenas (TIs) no Brasil.

A Corte vai analisar a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à TI Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. Em 2019, o STF deu status de “repercussão geral” ao processo, o que significa que a decisão servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.

Os ministros também vão analisar a determinação do ministro Edson Fachin, de maio do ano passado, de suspender os efeitos do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU). A norma oficializou o chamado “marco temporal”, entre outros pontos, e vem sendo usada pelo governo federal para paralisar e tentar reverter as demarcações. Na mesma decisão do ano passado, Fachin suspendeu, até o final da pandemia da Covid-19, todos os processos judiciais que poderiam resultar em despejos ou na anulação de procedimentos demarcatórios. Essa determinação também deverá ser apreciada pelo tribunal.

O “marco temporal” é uma interpretação defendida por ruralistas e setores interessados na exploração das TIs que restringe os direitos constitucionais dos povos indígenas. De acordo com ela, essas populações só teriam direito à terra se estivessem sobre sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Alternativamente, se não estivessem na terra, precisariam estar em disputa judicial ou em conflito material comprovado pela área na mesma data.

A tese é injusta porque desconsidera as expulsões, remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos indígenas até a promulgação da Constituição. Além disso, ignora o fato de que, até 1988, eles eram tutelados pelo Estado e não podiam entrar na Justiça de forma independente para lutar por seus direitos.

O julgamento estava marcado anteriormente para 11 de junho, mas foi suspenso por um pedido de “destaque” do ministro Alexandre de Moraes, um minuto após começar. Os demais ministros sequer chegaram a depositar seus votos. Apesar disso, o voto do relator, ministro Edson Fachin, foi divulgado.

O julgamento será transmitido pela TV Justiça, com apresentação e debate dos votos. Não há garantia que seja concluído nessa data ou mesmo na sessão extraordinária, já marcada para o dia seguinte (1º de julho), porque os ministros podem pedir para avaliar o processo melhor, com um pedido de “vistas”, suspendendo-o e transferindo-o para uma data incerta.

A TI Ibirama-Laklãnõ está localizada entre os municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, Vitor Meireles e José Boiteux, 236 km a noroeste de Florianópolis (SC). A área tem um longo histórico de demarcações e disputas, que se arrasta por todo o século XX, no qual foi reduzida drasticamente. Foi identificada por estudos da Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2001, e declarada pelo Ministério da Justiça, como pertencente ao povo Xokleng, em 2003. Os indígenas nunca pararam de reivindicar o direito ao seu território ancestral.

O que dizem os participantes do processo?

“A demora na demarcação das terras indígenas é muito preocupante. Porque, a cada tempo que se passa, se encontram grandes dificuldades para a demarcação de terra no Brasil. Os povos indígenas precisam ter reconhecidos seus direitos tradicionais. E nós gostaríamos que fosse julgada a repercussão geral, que fosse a favor, que não se falasse mais em marco temporal.”
Brasílio Priprá, uma das principais lideranças Xokleng

“A gente espera que o Supremo possa adotar uma interpretação mais justa, razoável, e que possa ajudar a efetivar direitos. E não mais utilizar, por exemplo, a tese do marco temporal, para limitar o reconhecimento de direitos a nós, povos indígenas… o que já vem acontecendo nos últimos dez anos. Mas também pode fortalecer a nossa luta nesse enfrentamento com os outros poderes, que utilizam do marco temporal como um critério para restringir direitos”.
Samara Pataxó, advogada da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)

“A forma como o povo perdeu o território foi a forma mais violenta, mais vil, mais terrível. Houve, no início do século passado, a demarcação sem critérios técnicos. Perdeu-se, na década de 1920, parte significativa do território. Em 1950, a mesma coisa. Depois, a construção de uma barragem levou as melhores terras. E nesse contexto se dá a disputa do povo Xokleng, para que de fato seja garantida a devolução dessas áreas roubadas”.
Rafael Modesto, advogado da comunidade Xokleng e também assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Levante Pela Terra

Povos indígenas de todas as regiões do país têm se mobilizado contra a tese do marco temporal. Desde o dia 8 de junho, em torno de 850 lideranças, de 50 povos, estão mobilizadas no acampamento Levante Pela Terra, em Brasília, contra o avanço da agenda anti-indígena do governo Bolsonaro e da bancada ruralista no Congresso.

“O levante é um chamado da terra a todos os povos do Brasil para que nós mostremos para esse genocida quem são os verdadeiros donos da terra. Estamos em Brasília pela garantia dos nossos direitos originários e para dizer ‘fora Bolsonaro genocida, e seus projetos maquiavélicos contra as populações indígenas’”, afirma Kretã Kaingang, coordenador da Apib.

Nos territórios, há semanas os povos indígenas têm se mobilizado contra o “pacote da maldade” que tramita no Congresso Nacional, a exemplo do Projeto de Lei 490/2007, que abre as terras indígenas para a exploração econômica predatória e inviabiliza, na prática, novas demarcações. Nos “trancaços” de rodovias, rituais e rezas, os povos também se posicionam contrários à tese do marco temporal, que busca restringir os seus direitos constitucionais.

Saiba mais sobre o julgamento 

CARTA DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL: LEVANTE PELA TERRA

CARTA DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL: LEVANTE PELA TERRA

Excelentíssimo Senhor Doutor Ministro Luiz Fux,

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), organização indígena que representa os povos indígenas em âmbito nacional, e as organizações indígenas presentes em Brasília mobilizadas em torno do Levante pela Terra, vêm, por meio desta Carta, solicitar a Vossa Excelência que Retome o julgamento da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 1.017.365/SC à pauta do Supremo Tribunal Federal ante à grave situação dos povos indígenas no Brasil e seus territórios. O momento é oportuno para que esta E. Corte Constitucional se pronuncie a respeito dos direitos originários dos povos indígenas. Isto porque o contexto político atual é extremamente adverso aos povos indígenas e demais populações tradicionais. Temos pela primeira vez no período pós-redemocratização um presidente declaradamente contrário ao que determina o texto constitucional. As afrontas à Constituição Federal não podem passar incólumes aos olhos de seu Guardião: o Supremo Tribunal Federal.

No Brasil existem atualmente 305 povos indígenas, falando mais de 274 línguas e 114 povos indígenas isolados e de recente contato, habitando 1.298 terras indígenas, sendo 408 homologadas e 829 em processo de regularização e/ou reivindicadas.

Neste contexto atual, os povos indígenas sofrem com várias demandas sociais, como: a falta de demarcação de suas terras, alto índice de invasões por parte de madeireiros e garimpeiros ilegais, as queimadas criminosas, alto índice de suicídio, desassistência à saúde e à educação específica, processo de criminalização e encarceramento de indígenas, mortalidade infantil, e assassinato sistêmico de lideranças indígenas. Todo esse contexto social está intimamente ligado ao conflito territorial, resultado de processo de perda de terra que se deu de maneira diferente em relação a cada povo.

Com o desmantelamento das políticas indigenistas enfrentado nos últimos anos, a exemplo do Parecer AGU 001/2017 – suspenso pelo Min. Fachin – coloca-se sob risco a garantia do direito ao território, consagrado, declarado e afirmado pela Assembleia Nacional Constituinte 1987-88. Violar os direitos originários territoriais indígenas é afrontar a vontade Constituinte, a Carta Magna e o Supremo Tribunal Federal, a quem foi confiada a Guarda Constitucional. Desde o início de 2019, o governo federal paralisou integralmente todos os processos de demarcação de terra em curso no Brasil.

A tese do marco temporal não encontra qualquer possibilidade de acolhimento constitucional, sendo a-histórica, anacrônica, casuística e inadmissível. Sua inconstitucionalidade é flagrante, na medida em que afronta diretamente a Constituição Federal quando esta determina que o direito dos povos indígenas sobre suas terras tradicionalmente ocupadas é originário, antecedendo inclusive ao próprio Estado brasileiro e seu ordenamento jurídico. O art. 231 é evidente: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Qualquer tentativa de delimitação hermenêutica fora da moldura constitucional para cercear os direitos ao usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre seus territórios deve ser encarada com uma afronta à vontade Constituinte. Toda a história traumática dos processos de esbulho e desterritorialização está mais registrada na memória social de pessoas e comunidades étnicas e menos em documentos oficiais produzidos por agentes e instituições do Estado Brasileiro. Esta tese relega, portanto, a história milenar dos povos indígenas a pouco mais de três décadas.

Entre os dias 07 e 29 de junho de 2021, estão em Brasília delegações representantes dos Povos Indígenas Guarani, Xokleng, Kaingang, Tupi Guarani, Terena, Kayapó, Munduruku e Pataxó para acompanhar o desfecho de agendas que impactam diretamente a nossa vida e o nosso modo de ser, nos termos dos artigos 231 e 232 da nossa Carta Maior de 1988. Na Câmara dos Deputados está sendo debatido, inicialmente na CCJC – Comissão de Constituição, Justiça e cidadania o PL 490, que diz respeito ao regime constitucional das terras indígenas.

O Supremo Tribunal Federal tem a chance de reafirmar na história constitucional brasileira o respeito aos direitos originários dos povos indígenas, reconhecidos pelo Legislador Constituinte. Portanto, solicitamos a Vossa Excelência que coloque em pauta o julgamento da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 1.017.365/SC à pauta do Supremo Tribunal Federal.

ASSESSORIA JURÍDICA APIB

Sem assistência, indígenas atingidos por crime ambiental da Vale reivindicam direito à terra

Sem assistência, indígenas atingidos por crime ambiental da Vale reivindicam direito à terra

Famílias que vivem há mais de dois anos sem direitos garantidos em periferia de Belo Horizonte, ocupam área de preservação em Minas Gerais

Cerca de 20 famílias do povo Pataxó e Pataxó Ha-hã-hãe, atingidas pelo crime socioambiental ocorrido em Brumadinho em 2019, pela mineradora Vale, ocupam desde a última quarta-feira (9)
a Mata do Japonês, Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), pertencente à Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira(AMCNB), no município de São Joaquim de Bicas, Minas Gerais.

As famílias seguem sem atendimento adequado desde 2019 e exigem que a Vale negocie valor da terra com proprietários japoneses e garanta o direito à permanência, já que até hoje a empresa ainda não solucionou o problema de moradia. A família de japoneses preserva a área de 36 hectares desde 1998 mas,  um acordo feito entre o povo Pataxó Hã-Hã-Hãe e a Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira (AMCNB) oficializou a doação da área para ocupação indígena, é uma forma de benefício tanto para as famílias japonesas, quanto para o povo Pataxó, já que a mata vinha sendo ameaçada e ocupada por grileiros desde 2010. A entrega da imissão do termo da posse prevê doação de 70% do território. A luta dos Pataxós segue para que a Mineradora Vale arque com os 30% restantes para que o território pertença definitivamente ao grupo indígena.

A ação denuncia o crime ambiental cometido pela Mineradora Vale, que atingiu milhares de comunidades que vivem às margens do Rio Paraopeba e dependiam dele para viverem. Os indígenas exigem que a Vale seja responsabilizada e garanta o direito à terra, arcando com os danos ambientais e sociais causados pela tragédia.

Na época do rompimento da barragem, as famílias indígenas se viram cercadas pelos conflitos na região em meio à contaminação de rejeitos tóxicos nos territórios onde viviam. Há um ano estão vivendo de forma precária no bairro Jardim Vitória, periferia de Belo Horizonte. Há dois meses tiveram o auxílio emergencial pago pela Vale às famílias atingidas interrompido, seguem desde então enfrentando dificuldades financeiras, falta de assistência médica e alimentar.

Segundo a liderança Ãngohó Pataxó, a mineradora alega não poder fazer nada pelas famílias indígenas pois estas ainda residiam em área urbana, mas com a tomada da posse de área protegida, a líder vai lutar junto a comunidade para exigir que a Vale arque com as consequências do crime para as famílias atingidas. O pedido que o grupo faz é que se faça cumprir a lei para que o território seja respeitado e reconhecido como território indígena.

Em 2019, 60 famílias do povo Pataxó e Pataxó Hã-Hã-Hãe tiveram suas vidas e moradias devastadas pelo crime sócio ambiental cometido pela empresa Vale em Brumadinho. Antes do rompimento da barragem a comunidade vivia em área rural de São Joaquim de Bicas, às margens do Rio Paraopeba e após terem sido arrancados de seu território, passaram a residir precariamente na periferia de Belo Horizonte. As famílias que vinham recebendo auxílio emergencial da Vale, estão sem assistência desde o último mês, e por causa da pandemia, a venda de artesanatos também ficou prejudicada.

 

STF começa a julgar futuro da demarcação de Terras Indígenas nesta semana 

STF começa a julgar futuro da demarcação de Terras Indígenas nesta semana 

Previsto para ocorrer entre 11 e 18/6, em formato virtual, julgamento vai fixar a interpretação sobre o regime jurídico das Terras Indígenas e os direitos dos povos indígenas sobre suas terras

Brasília, 7/6/2021 – O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia, na próxima sexta-feira (11), o julgamento que definirá o futuro das demarcações das Terras Indígenas (TIs) no Brasil. 

A Corte vai analisar a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra os povos Xokleng, Guarani e Kaingang, relativa a uma área pertencente à TI Ibirama-Laklanõ. Em 2019, o STF deu status de “repercussão geral” ao processo, o que significa que a decisão sobre ele servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.

Os ministros também vão analisar a determinação do ministro Edson Fachin, de maio do ano passado, de suspender os efeitos do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU). A norma oficializou o chamado “marco temporal”, entre outros pontos, e vem sendo usada pelo governo federal para paralisar e tentar reverter as demarcações. Na mesma decisão do ano passado, Fachin suspendeu, até o final da pandemia de Covid-19, todos processos judiciais que poderiam resultar em despejos ou na anulação de procedimentos demarcatórios. Essa determinação também deverá ser apreciada pelo tribunal. 

O “marco temporal” é uma interpretação defendida por ruralistas e setores interessados na exploração das TIs que restringe os direitos constitucionais dos povos indígenas. De acordo com ela, essas populações só teriam direito à terra se estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Alternativamente, se não estivessem na terra, precisariam estar em disputa judicial ou em conflito material comprovado pela área na mesma data.

A tese é injusta porque desconsidera as expulsões, remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos indígenas até a promulgação da Constituição. Além disso, ignora o fato de que, até 1988, eles eram tutelados pelo Estado e não podiam entrar na Justiça de forma independente para lutar por seus direitos. 

“A gente espera que o Supremo possa adotar uma interpretação mais justa, razoável, e que possa ajudar a efetivar direitos. E não mais utilizar, por exemplo, a tese do marco temporal, para limitar o reconhecimento de direitos a nós, povos indígenas, o que já vem acontecendo nos últimos dez anos”, afirma Samara Pataxó, advogada da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). 

“Então, esse processo se torna importante porque ele vai desenhar o contorno, o entendimento da posse, do direito dos povos indígenas aos seus territórios. Mas também pode fortalecer a nossa luta nesse enfrentamento com os outros poderes, que utilizam do marco temporal como um critério para restringir direitos para nós, povos indígenas”, complementa.   

O julgamento será virtual, formato em que os ministros indicam seus votos eletronicamente, sem lê-los e debatê-los. Está previsto para acontecer entre a madrugada da próxima sexta (11) e a da sexta da outra semana (18). Não há garantia que seja concluído nesse período, porque os ministros podem pedir para avaliar o processo melhor, com um pedido de “vistas” ou de “destaque”, suspendendo-o e transferindo-o para uma data incerta (saiba mais no quadro ao final do texto).  

Demora preocupante

“A demora na demarcação das terras indígenas é muito preocupante. Porque, a cada tempo que se passa, se encontram grandes dificuldades para a demarcação de terra no Brasil. Os povos indígenas precisam ter reconhecidos seus direitos tradicionais”, diz Brasílio Priprá, uma das principais lideranças Xokleng. “E nós gostaríamos que fosse julgada a repercussão geral, que fosse a favor, que não se falasse mais em marco temporal”, complementa. 

Priprá reforça que a demarcação das TIs é fundamental não apenas para a sobrevivência dos povos originários, mas para conservação do meio ambiente e a sustentabilidade de toda a sociedade brasileira. “[A demarcação é] para que se mantenha as águas, o ar, o meio ambiente melhor do que está hoje. O que nós não podemos é queimar as matas, destruir as matas, destruir as águas, pensando que isso vai trazer algo bom para nós futuramente. Não vai trazer”, conclui. 

A TI Ibirama-Laklanõ está localizada entre os municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, Vitor Meireles e José Boiteux, 236 km a noroeste de Florianópolis (SC). A área tem um longo histórico de demarcações e disputas, que se arrasta por todo o século XX, no qual foi reduzida drasticamente. Mais recentemente, foi identificada por estudos da Fundação Nacional do Índio (Funai), em 2001, e declarada pelo Ministério da Justiça, como pertencente ao povo Xokleng, em 2003. Os indígenas nunca pararam de reivindicar  o território a terra.

“A forma como o povo perdeu o território foi a forma mais violenta, mais vil, mais terrível”, explica Rafael Modesto, advogado da comunidade Xokleng e também assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “Houve, no início do século passado, a demarcação sem critérios técnicos. Perdeu-se, na década de 20, parte significativa do território. Em 1950, a mesma coisa. Depois, a construção de uma barragem levou as melhores terras. E nesse contexto se dá a disputa do povo Xokleng, para que de fato seja garantida a devolução dessas áreas roubadas”, informa.  

Modesto conta que era comum que fazendeiros interessados no território Xokleng contratassem jagunços especializados, chamados de “bugreiros” na época, para caçar e matar os indígenas. O trabalho era comprovado pela entrega das orelhas cortadas das vítimas. 

Entenda porque o caso de repercussão geral no STF pode definir o futuro das terras indígenas (box)

O STF reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365. Isso significa que a decisão tomada nesse julgamento, marcado para começar no dia 11/6, repercutirá sobre todos os povos indígenas do Brasil. A Suprema Corte poderá, assim, dar uma solução definitiva aos conflitos envolvendo terras indígenas no país.

Do que trata o RE 1.017.365?

O Recurso Extraordinário com repercussão geral (RE-RG) 1.017.365, que tramita no STF, é um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Funai e indígenas do povo Xokleng, envolvendo uma área reivindicada da TI Ibirama-Laklanõ. O território em disputa foi reduzido ao longo do século XX e os indígenas nunca deixaram de reivindicá-lo. A área já foi identificada pelos estudos antropológicos da Funai e declarada pelo Ministério da Justiça como parte da sua terra tradicional.

Por que esse julgamento é central para o futuro dos povos indígenas no Brasil?

Em decisão do dia 11 de abril de 2019, o plenário do STF reconheceu por unanimidade a “repercussão geral” do julgamento do RE 1.017.365. Isso significa que o que for julgado nesse caso servirá para fixar uma tese de referência a todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do Judiciário.

Há muitos casos de demarcação de terras e disputas possessórias sobre TIs que se encontram, atualmente, judicializados. Também há muitas medidas legislativas que visam retirar ou relativizar os direitos constitucionais dos povos indígenas. Ao admitir a repercussão geral, o STF reconhece, também, que há necessidade de uma definição sobre o tema.

Quando e como ocorrerá o julgamento?

O julgamento foi colocado na pauta do STF, para o período entre 11/6 e 18/6, pelo relator, o ministro Edson Fachin. Ele ocorrerá virtualmente, no formato em que os ministros indicam seus votos eletronicamente, sem lê-los e debatê-los. Fachin irá inserir no ambiente virtual seu voto e os demais ministros terão até seis dias úteis para se manifestar. 

Não há garantia de que o julgamento seja concluído entre as datas previstas. Antes dele ser iniciado, o relator pode retirar o processo de pauta. Além disso, tanto as partes como os ministros podem apresentar pedidos de destaque. Os ministros podem fazê-lo a qualquer momento. Quanto às partes, é possível fazer o pedido em até 48 horas antes do início da sessão e desde que seja acatado pelo ministro relator. Se ocorrer antes do início do julgamento, o destaque tem por objetivo retirar o caso do ambiente eletrônico e submetê-lo a uma análise presencial. Se o pedido de destaque for feito com o julgamento já iniciado, o processo deverá ser incluído em nova pauta.

Outra possibilidade é o pedido de vista, que pode ser feito por qualquer ministro, com concordância do relator. Nesse caso, o julgamento poderá prosseguir no ambiente virtual após a devolução dos autos. O ministro que pedir vista deverá apresentá-los para prosseguimento da votação, no prazo de 30 dias (prorrogável por mais 30 dias), contado da data da publicação da ata de julgamento. Ocorre que nem sempre o prazo é respeitado e alguns processos ficam parados por anos. Esses prazos também serão suspensos durante o recesso do STF.

Em caso de pedido de vista ou de destaque, o julgamento seria suspenso e transferido para uma data ainda incerta. 

O que está em jogo?

No limite, o que está em jogo é o reconhecimento ou a negação do direito mais fundamental aos povos indígenas: o direito à terra. Há, em síntese, duas teses principais que se encontram atualmente em disputa: de um lado, a chamada “teoria do indigenato”, uma tradição legislativa que vem do período colonial e que reconhece o direito dos povos indígenas sobre suas terras como um direito “originário” – ou seja, anterior ao próprio Estado. A Constituição Federal de 1988 segue essa tradição ao garantir aos indígenas “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”.

Do outro lado, há uma proposta restritiva, que pretende limitar os direitos dos povos indígenas às suas terras ao reinterpretar a Constituição com base na tese do chamado “marco temporal”.

Há ainda a possibilidade de reavaliação das chamadas “salvaguardas institucionais”, conhecidas como “condicionantes”, fixadas, em 2009, no julgamento do caso da TI Raposa Serra do Sol (RR) e que igualmente restringem a posse e o usufruto exclusivos dos povos indígenas sobre suas terras.

O que é marco temporal?

O marco temporal é uma tese jurídica que busca restringir os direitos constitucionais dos povos indígenas. Nessa interpretação, defendida por ruralistas e setores interessados na exploração das terras tradicionais, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988. Alternativamente, se não estivessem na terra, teriam que comprovar a existência de disputa judicial ou conflito material na mesma data de 5 de outubro de 1988.

A tese é perversa porque legaliza e legitima as violências a que os povos foram submetidos até a promulgação da Constituição de 1988, em especial durante a Ditadura Militar. Além disso, ignora o fato de que, até 1988, os povos indígenas eram tutelados pelo Estado e não tinham autonomia para lutar, judicialmente, por seus direitos. Por tudo isso, os povos indígenas vêm dizendo, em manifestações e mobilizações: “Nossa história não começa em 1988!”.

Que consequências esse julgamento pode ter para os povos indígenas?

Caso o STF reafirme o caráter originário dos direitos indígenas e, portanto, rejeite definitivamente a tese do marco temporal, centenas de conflitos em todo o país terão o caminho aberto para sua solução, assim como dezenas de processos judiciais poderão ser imediatamente resolvidos.

As 310 terras indígenas que estão estagnadas em alguma etapa do processo de demarcação já não teriam, em tese, nenhum impedimento para que seus processos administrativos fossem concluídos.

Por outro lado, caso o STF opte pela tese anti-indígena do marco temporal, acabará por legalizar as usurpações e violações ocorridas no passado contra os povos originários. Nesse caso, pode-se prever uma enxurrada de outras decisões anulando demarcações, com o consequente surgimento de conflitos em regiões pacificadas e o acirramento dos conflitos em áreas já deflagradas.

Esta decisão poderia incentivar, ainda, um novo processo de invasão e esbulho de terras demarcadas – situação que já está em curso em várias regiões do país, especialmente na Amazônia.

Além disso, há referências de povos indígenas isolados ainda não confirmadas pelo Estado, ou seja, ainda em estudo – um procedimento demorado, em função da política de não contato. Se o marco temporal de 1988 for aprovado, muitas terras de povos isolados não serão reconhecidas, abrindo a possibilidade do extermínio desses povos. 

Há outros casos, como o do povo Kawahiva, em que a comprovação da existência desse povo isolado se deu, para o Estado brasileiro, em 1999, ou seja, muito depois de 1988. Como vai ficar a situação desses povos? Ademais, não é possível contatá-los para saber se já estavam lá em 1988.

Os povos indígenas participarão do julgamento?

O relator do caso, ministro Edson Fachin, defendeu a ampla participação de todos os setores interessados no tema, dada a importância da matéria. Tal participação se dará a partir da figura do amicus curiae – termo em latim que significa “amigo da corte” e que permite que pessoas, entidades ou órgãos com interesse e conhecimento sobre o tema contribuam num processo, subsidiando o tribunal com informações. Mais de 50 amici curiae foram admitidos e estão habilitados a contribuir no caso, entre eles, muitas comunidades e organizações indígenas. Além disso, a própria comunidade Xokleng também é parte no processo, tendo em vista que é diretamente afetada por ele.

Qual a importância ambiental e climática das Terras Indígenas?

Além de serem indispensáveis à sobrevivência física e cultural dos povos indígenas, as TIs têm papel fundamental na conservação ambiental. As grandes extensões de vegetação nativa conservadas nas Terras Indígenas são responsáveis pela manutenção de serviços ecossistêmicos essenciais, como a regulação climática e do regime de chuvas, a manutenção dos mananciais de água, a estabilidade e fertilidade do solo, controle de pragas e doenças, entre outros. Todas essas funções são benéficas não apenas à agricultura e à pecuária, mas também à manutenção da indústria e das cidades.

Esses territórios são os mais preservados entre as áreas oficialmente protegidas pela legislação, sendo reconhecidos pelas pesquisas como as principais barreiras contra o desmatamento e o avanço da fronteira agropecuária. Na Amazônia, cerca de 98% de sua extensão total está preservada. Fora da região, em geral as TIs abrigam o pouco de vegetação nativa que restou. 

Os territórios indígenas resfriam a superfície e influenciam as circulações atmosférica e oceânica globais, ajudando a baixar a temperatura do planeta. Por exemplo, a substituição das florestas para o cultivo de pastagens ou culturas agrícolas resulta em um aumento de temperatura regional de 6,4 oC e 4,2°C, respectivamente. Como consequência, ocorre uma variação no ciclo hídrico regional, que coloca em risco a qualidade de vida, a agricultura e a pecuária.

As diferenças entre áreas dentro e fora do Território Indígena do Xingu (TIX), no nordeste do Mato Grosso, por exemplo, podem chegar a um intervalo entre 4 oC e 8 oC, conforme estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Fora da TI, é mais quente por causa do desmatamento.

Cerca de 5,2 bilhões de toneladas de água são transpiradas diariamente pelas árvores existentes nas TIs da Amazônia. Para comparação, o volume despejado no Oceano Atlântico pelo Rio Amazonas é de pouco mais de 17 bilhões de toneladas por dia. O volume de água fornecido pelas florestas das TIs amazônicas daria para encher diariamente quase 80 vezes todas as caixas d’água do Brasil.

Na Amazônia brasileira, as comunidades indígenas protegem e manejam áreas que armazenam 27% dos estoques de carbono da região, o que representa aproximadamente 13 bilhões de toneladas. Esta quantidade não considera o carbono armazenado no solo, que possui, em média, um estoque entre 40 e 60 toneladas por hectare. Esta retenção do carbono pelas florestas ajuda a conter o acúmulo de CO2 na atmosfera, com efeitos positivos na redução do aquecimento global.

Fontes: 

IPAM (2015). Terras Indígenas na Amazônia Brasileira: reservas de carbono e barreiras ao desmatamento.

Nobre, A.D. (2014). O Futuro Climático da Amazônia – Relatório de Avaliação Científica. São José dos Campos, ARA Ed., CCST-INPE – INPA.

Há “muita terra para poucos índios no Brasil”? As terras indígenas tomam terra disponível para agropecuária brasileira?

Considerando o conjunto de serviços ecossistêmicos providos pelas TIs, elas são fundamentais para a manutenção da agropecuária brasileira. 

Além disso, não é verdade que há “muita terra para pouco índio” no Brasil, isto é, não se pode afirmar que as demarcações comprometem o estoque de terras disponíveis para a produção rural. 

Considerando os processos de demarcação já abertos na Funai, quase 14% do território brasileiro hoje está contido em TIs, mas mais de 98% da extensão total dessas áreas está na Amazônia Legal, grande parte em regiões remotas e sem vocação agrícola ou pecuária. Fora da Amazônia, onde está a maior parte do PIB agropecuário, as TIs ocupam algo como 0,6% do território. Em contrapartida, segundo o IBGE (2017), 41% de todo o território brasileiro é ocupado por estabelecimentos rurais privados.

Além disso, há uma enorme discrepância na distribuição da população das TIs. Das 517,3 mil pessoas que moravam nessas áreas protegidas conforme o Censo IBGE de 2010 (último dado oficial disponível), 62% estavam na Amazônia Legal, enquanto os outros 38% espremiam-se nos 2% restantes da extensão total das TIs localizados fora dessa região, o equivalente a menos de 21 mil km2, ainda considerando os processos de demarcação já abertos na Funai. 

Em alguns dos estados mais importantes para o agronegócio, a extensão de terra ocupada pelas TIs é insignificante em relação ao território total, a exemplo de São Paulo (0,3%), Minas Gerais (0,2%) e Goiás (0,1%), igualmente levando em conta os procedimentos demarcatórios já abertos na Funai. Onde os conflitos de terra são mais intensos, a extensão total das TIs também não alcança 1% do território, como na Bahia (0,5%), Santa Catarina (0,8%), Rio Grande do Sul (0,4%) e Paraná (0,6%). No Mato Grosso do Sul, o percentual é de 2,4%. 

Fontes: IBGE e ISA. 

Saiba mais sobre o julgamento. 

 

Apib recorre novamente ao STF para evitar novo genocídio indígena

Apib recorre novamente ao STF para evitar novo genocídio indígena

Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil

Indígenas sofrem com a escalada da violência e doenças em consequência da atividade garimpeira. Organizações e lideranças indígenas realizaram pronunciamento sobre a situação dos povos Yanomami e Munduruku nesta quarta-feira, 19

 

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) entra hoje, 19, com mais um pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar novos massacres contra vidas indígenas. A solicitação pede a retirada imediata dos invasores de sete Terras Indígenas (TI), em especial da TI Yanomami, em Roraima, e TI Munduruku, no Pará, para garantir o direito à vida e a integridade física dos povos ameaçados nesses locais. A coordenação da Apib, juntamente com a deputada federal Joenia Wapichana e lideranças Yanomami e Munduruku, realizaram um pronunciamento sobre as medidas de proteção aos povos e denunciam a escalada da violência nas terras indígenas.

 

A escalada de violência, degradação ambiental e surtos de doenças em decorrência da exploração de minérios em territórios indígenas têm provocado uma série de violações de direitos fundamentais dos povos originários. Na Terra Indígena Yanomami, por exemplo, os ataques a tiros e as intimidações se tornaram parte da rotina. “É um cenário desolador com crime organizado, mortes de crianças, surtos de malária, Covid-19, contaminação dos rios, insegurança alimentar e falta de assistência médica. Como se não bastasse tudo isso, a violência é cada vez mais intensa, o que nos leva a temer a possibilidade iminente de um novo massacre”, alerta a coordenadora executiva da Apib, Sonia Guajajara.

 

Desde a primeira semana de maio, quando começou uma ofensiva na comunidade Palimiú, na TI Yanomami, organizações e lideranças indígenas buscam providências por parte do poder público. A situação foi relatada em ofício destinado à Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami da Fundação Nacional do Índio (Funai), à superintendência da Polícia Federal em Roraima (PF/RR), à 1ª Brigada de Infantaria da Selva do Exército (1ª BIS) e ao Ministério Público Federal em Roraima (MPF/RR).

 

O pronunciamento sobre a situação do garimpo em terras indígenas apresentou dados sobre a violência, doenças, como malária e covid-19, contaminação por mercúrio e desmatamento. Participaram a coordenadora executiva Sonia Guajajara e a coordenadora jurídica da Apib Samara Pataxó, a deputada federal Joenia Wapichana, o vice-presidente da Associação Hutukara Dario Yanomami, e a vice-coordenadora da Fepipa Alessandra Munduruku.

 

No pronunciamento desta manhã, Samara Pataxó explicou o procedimento: “Dentre os pedidos que a Apib levou, na ADPF 709, estava o pedido da retirada de invasores de sete terras indígenas. Claro que nós temos invasores em mais terras indígenas, é uma realidade vivida por muitos povos, só que essas terras em especial são terras em que há problemas e conflitos muito antes da pandemia e que a gente já alertava ao Supremo Tribunal Federal e demais autoridades brasileiras, de que a questão da pandemia poderia agravar ainda mais o cenário caótico vivenciado. São elas: Terra Indígena Araribóia, T.I. Karipuna, T.I. Kayapó, T.I. Munduruku, T.I. Trincheira Bacajá, T.I. Uru-Eu-Wau-Wau e T.I. Yanomami”, detalhou.

 

Na peça, a Apib também relembra a reincidente recusa da União em cumprir com determinações do STF: “Conforme passaremos a demonstrar, da data da propositura da ação, em 1º de julho de 2020, até março deste ano, o desmatamento e as invasões nas Terras Indígenas cresceram assustadoramente. Neste período, a União não foi capaz de apresentar um Plano ou indicar quais medidas concretas realizará para conter e isolar invasores. Em suas manifestações, a União se limita a descrever as funções dos entes que poderão ser envolvidos e a propor monitoramentos satelitais que poderiam ter sido entregues na primeira semana em que a ADPF foi proposta”, descreve a petição.

 

É urgente a mobilização estatal, de forças de segurança, e mecanismos de seguridade social para as populações das terras nomeadas na proposta. A delicada situação de ataques e agressões vem acompanhada de insegurança alimentar, exposição a doenças agravada pela pandemia de covid-19, e falta de assistência médica. “Esperamos muito que o Supremo de fato possa trazer essa garantia de socorro para o povo Yanomami e demais povos sob ataque”, ponderou Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Apib.

Acesse o canal de Youtube da Apib e veja a íntegra do pronunciamento: https://youtu.be/8Z6WmfbMnj8

Leia o documento completo protocolizado esta tarde no STF: https://apiboficial.org/files/2021/05/Pet-APIB-Cautelar-Incidental-STF-Versa%CC%83o-Final-.pdf

 

Taynã e Xawã: Tupinambás retificam nome após 10 anos de tentativas na Bahia

Taynã e Xawã: Tupinambás retificam nome após 10 anos de tentativas na Bahia

Dez anos depois da primeira tentativa, Faustiraci Andrade dos Santos, de 59 anos, e Rômulo Santos Pinheiro, 42, conseguiram mudar seus nomes para Taynã Andrade Tupinambá e Xawã Tupinambá, respectivamente, graças a uma decisão da Justiça de Ilhéus, no Sul da Bahia , emitida nesta semana.

O casal já havia recorrido a outras comarcas e até contratado advogados, mas só conseguiu alterar as certidões de nascimento com a ajuda da Defensoria Pública da Bahia. Ainda que ter nome e etnia registrados em documentos seja direito dos indígenas, o caso é raro no Brasil. Agora, o órgão público já planeja um mutirão de mudanças de nome para tupinambás.

Há 20 anos, decidimos enfrentar o preconceito juntos. Vamos pintados e com cocares a todos os lugares. Por causa disso, sofremos humilhações. Já fomos xingados e agredidos. Essa é uma luta que travamos. São conquistas como a do registro civil que nos fortalecem e nos fazem ter certeza de que estamos no caminho certo para efetivar nossos direitos. ”
Taynã Andrade Tupinambá, atriz, diretora de teatro e educadora

O nome dela significa, em tupinambá, “Os Primeiros Raios de Guaraci (sol)” ou ainda “Estrela da Manhã”. Xawã é “Arara Vermelha”.

A primeira tentativa do casal para retificar seus nomes no registro civil foi feito em 2011, mas o advogado contratado foi destituído do caso quando Taynã e Xawã perceberam que o processo estava paralisado.

A mudança do nome é apenas uma das ações dos dois para preservar suas raízes culturais. Juntos, os dois chegaram a fundar o Espaço Cultural Tupinambá, que mantinha um pequeno museu com livros, figurinos e adereços que recontam a história do Brasil “a partir do ponto de vista dos oprimidos”.

Pelo ativismo, uma dupla participação de representações como associações originárias. Mas também fez um desvio de alvo de violências. “Já pegaram saco de lixo e derramaram em cima de mim. Já fui chutada por um homem de arma na mão na frente de todo o mundo e ninguém fez nada para mim defensor”, diz Taynã.

Essas agressões a causarão um quadro de depressão, afirma Izabel Cristina Santana Mendonça, coordenadora do Centro de Referência em Assistência Social de Olivença, distrito de Ilhéus. “Ela chegou para os primeiros atendimentos bastante fragilizada por causa dos direitos que não eram considerados.”

Foi a assistente social que encaminhou o casal à 3ª Defensoria Pública Regional do Estado da Bahia. Somente em junho de 2019, o casal voltou a acionar a Justiça em busca da autoidentificação.

O direito dos povos indígenas manter e desenvolver suas características e identidades étnicas e culturais é reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, proclamada pela ONU em 2007.

O defensor público, Leonardo Couto Salles, fizesse isso como argumento. Baseou seu pedido também no artigo 231 da Constituição Federal (que garante “aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições”) e na Resolução Conjunta nº 03/2012 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que impede a alteração do registro civil e que conste no documento o nome indígena e a etnia, que pode ser lançada como sobrenome.

Burocracia é impeditivo para mudanças de nomes
Mesmo assegurados por dispositivos legais, casos como os casal não são comuns. Durante o levantamento da jurisprudência, Salles só encontrou outros casos semelhantes em todo o país: um indivíduo da etnia Huni Kui no Acre há seis anos; e, no Tocantins, 60 registros foram concedidos de uma só vez, 40 para visitar da etnia Krahô-Kanela e 20 para Javaés.

Para Salles, a burocracia é um impeditivo, pois a alteração de nomes no registro civil por parte de indígenas requer ação judicial. Além disso, a Justiça exige uma série de documentos, como certidão negativa de antecedentes criminais, e provas de que o autor do pedido é, de fato, indígena ou descendente e de que faz uso regular dos nomes que deseja adotar oficialmente.

A dificuldade fez uma Defensoria Pública de Ilhéus já planejar uma ação na comunidade tupinambá de Olivença “tão logo como as condições sanitárias”, diz Salles.

O professor da Escola Indígena de Olivença, José Whashington Alves do Nascimento já reuniu todos os documentos e retificar o nome para Atã Xohã (Forte Guerreiro, em tupinambá). Não teve sucesso ainda, porque o juiz do caso determinou ser ouvida ainda sem dados definidos, para ouvir testemunhas.

“Dei entrada na mesma época que Xawã e Taynã. Anexei as listas de presença no trabalho, todas assinadas como Atã Xohã. Até agora, nada.”

Segundo ele, os problemas de autoidentificação não param aí. Ano passado, quando teve de renovar seu RG, habituais do atendente que não poderia tirar foto usando cocar ou com o rosto pintado. “Quando a polícia vem aqui na aldeia dar um ‘baculejo’ na gente, como é que vai me reconhecer pela foto do meu RG se eu só e na comunidade pintado e com cocar?”, Ironiza.

Para Atã e Taynã, os problemas nascem nos cartórios, que dificultam o registro de crianças com nomes indígenas. “Eles dizem que não são nomes brasileiros”, afirma Taynã.

Estudante de direito, Genilson dos Santos de Jesus, conhecido como Taquari Pataxó, reconhece que há cartórios que impedem a prática, tanto que ele é procurado pelos outros indígenas. Ele mesmo, porém, não enfrentou empecilhos para registrar a filha com o nome de Tsayra Kramuhuá no cartório do Hospital regional de Porto Seguro.

É preciso entender que o Estado Brasileiro é uma instituição e não uma nação. Antes dele, já havia outras nações aqui. A proposta de criação dos cartórios sempre serviço de manobra para deslegitimar a população indígena dentro do território. E o nome é o primeiro passo pra isso. ”
Xawã Tupinambá, atriz, diretora de teatro e educadora

Procurada pela reportagem, a Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (Arpen-BA) informou, em nota, desconhecer que cartórios de registro civil de Ilhéus se neguem a registrar nomes de origem indígena. Isso, acrescenta, contraria a resolução do CNJ e do CNMP.

“Em caso concreto de recusa no registro de nascimento com nome indígena, a entidade orienta a que seja realizada comunicação imediata ao juiz de Direito da Comarca ou à Corregedoria Geral da Justiça das Comarcas do Interior do Estado da Bahia, órgãos responsáveis ​​pela fiscalização dos serviços cartorários no Estado “, diz a Arpen-BA.

Via https://noticias.uol.com.br/

Observatório de Justiça Criminal

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STF suspende reintegração de posse de área integrada à demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença

STF suspende reintegração de posse de área integrada à demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença

Por Assessoria de Comunicação – Apib, Apoinme e Cimi

O ministro Ricardo Lewandowski suspendeu, nesta sexta-feira (18), uma reintegração de posse determinada pela Justiça Federal da Bahia de uma área denominada Loteamento Canto das Águas sobreposta à Terra Indígena Tupinambá de Olivença. O ministro atendeu à Reclamação Constitucional ingressada no Supremo Tribunal Federal (STF) pela assessoria jurídica do Conselho Indigenista Missionário.

A Justiça Federal de Ilhéus determinou, no início deste mês, a reintegração da área composta por 30 lotes sobrepostos à aldeia Cajueiro e explorados pela Ilhéus Empreendimentos S/A para o mercado imobiliário de luxo e turístico.

A íntegra da decisão do ministro Lewandowski ainda não foi publicada, mas a reintegração contraria determinação do STF, que suspendeu quaisquer ações de reintegração de posse enquanto durar a pandemia. A decisão do ministro Edson Fachin foi proferida no dia 6 de maio como apêndice do processo de Recurso Extraordinário 1.017.365/SC.

De acordo com os Tupinambá, 52,8% do loteamento está inserido em terras tradicionalmente ocupadas. A informação tem como base os estudos técnicos necessários à demarcação, que estão finalizados e aprovados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) – aguardam apenas a publicação da portaria declaratória.

Caciques e lideranças Tupinambá divulgaram uma carta onde pediram a suspensão da reintegração de posse, detalharam a ocupação tradicional, que não teve início este ano, mas bem antes, e denunciam os abusos e violações de direitos que baseiam a decisão assinada pela juíza substituta Letícia Daniele Bossonario.

“Nossa ocupação vem desde 2013. A especulação imobiliária vem da área Norte fazendo loteamento na área de mangue. Nosso povo ocupa a parte do litoral, o lado Sul, a da praia, onde os mangues estão preservados. Não é verdade que chegamos aqui em agosto deste ano”, explica o cacique Val Tupinambá.

O mangue é utilizado por todas as aldeias da Terra Indígena, da mata ao litoral, enfatiza o cacique Val. No caso específico da reintegração, o impacto é direto ainda sobre 70 famílias Tupinambá da aldeia Cajueiro. Outras 196 famílias da aldeia Acuípe de Baixo e 16 da aldeia Lagoa do Babaço também serão impactadas em caso de reintegração.

A liderança indígena explica que a área sob litígio e parte integrante da demarcação da Terra Indígena está preservada, utilizada de forma sustentável por marisqueiras e pescadoras, impactando assim a subsistência e a territorialidade do povo, além de rituais específicos, como o da lua cheia. “É uma área de sustento, de manutenção da vida”, diz.

Funai age contra
Mais uma vez, agora neste caso Tupinambá, a Funai de Ilhéus se posicionou contra os direitos indígenas. A postura se adeque à direção do órgão em Brasília que tenta tornar mais sugestiva a posse dos bens públicos, de usufruto exclusivo dos povos indígenas, por fazendeiros, grileiros, mineradoras, empreendimentos imobiliários.

Em informação técnica juntada ao processo, a Funai de Ilhéus, coordenada pelo ex-delegado da Polícia Federal Josafá Batista Reis, afirmou que a Instrução Normativa nº 9 permite a certificação privada em áreas com procedimentos não finalizados.

O órgão já havia atuado de modo a acomodar interesses privados sobre territórios indígenas no final de agosto deste ano, quando uma reintegração de posse havia sido imposta à aldeia Novos Guerreiros, Terra Indígena Ponta Grande, em Porto Seguro, mas acabou derrotada. Na ocasião, Reis tentou induzir os indígenas a saírem da aldeia como parte de um acordo que nem mesmo os Pataxó fizeram parte.

A advogada Samara Pataxó explica que a primeira medida foi ingressar no processo para fazer a defesa da comunidade indígena. “Hoje, infelizmente, não contamos mais com a defesa da Funai. A Procuradoria (destinada pela AGU para atender judicialmente o órgão) tem se recusado a atuar em determinados processos, sobretudo aqueles em que as terras não estão com os procedimentos finalizados”.

Reclamação Constitucional
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) decidiu então ingressar com uma Reclamação Constitucional na Suprema Corte. O processo esteve sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowski.

“Nessa reclamação ao STF argumentamos que uma decisão da Corte foi descumprida por uma juíza de primeiro grau. A decisão do ministro Fachin é obrigatória de ser cumprida pelos juízes de primeiro grau, tribunais regionais, STJ (Superior Tribunal de Justiça). Não se pode ter ou tramitar reintegração de posse durante a pandemia”, argumenta a assessora jurídica do Cimi, Lethicia Reis de Guimarães.

Para Lethicia, o fato de o território Tupinambá estar sendo invadido é o que coloca os indígenas em perigo de contágio pelo novo coronavírus. O caso Vila Galé demonstra o assédio local. Ao passo que a juíza tenta justificar que a área não é de moradia, portanto não haveria risco à comunidade.

A assessora jurídica lembra que a área é de subsistência e de rituais: “se começar um loteamento nessa área, como é a intenção, com empreendimentos imobiliários e turismo, os Tupinambá estarão ainda mais vulneráveis ao novo coronavírus”.

O autor da reintegração de posse, atesta a assessora Lethicia, não comprovou a posse dos lotes reivindicados e não os especificou. “Necessitaria de uma justificativa, de uma dilação probatória que não é possível ser feita em liminar, não era possível de determinar a posse quando a posse é incerta”.

Desde 2008, a área deste litígio é reconhecida como indígena pelo Estado e são várias as decisões favoráveis aos indígenas quanto a isso, sendo a mais recente no STJ.

“Embora a juíza justifique que a “invasão” dos indígenas tenha sido fotografada em agosto de 2020, se trata de uma área reconhecida como Tupinambá desde 2008 pela Funai. Não há moradias porque é uma área de restinga e mangue, uma área de preservação ambiental e os Tupinambá decidiram que não gerarão impactos àquela vegetação nativa”, conclui.

Justiça Federal da Bahia decide por mais uma reintegração de posse, desta vez na TI Tupinambá de Olivença, e afronta Suprema Corte

Justiça Federal da Bahia decide por mais uma reintegração de posse, desta vez na TI Tupinambá de Olivença, e afronta Suprema Corte

Povo Tupinambá de Olivença e da Aldeia Cajueiro publicam carta de denuncia sobre a ameaça causada ao território tradicional. Leia aqui

A Justiça Federal de Ilhéus (BA) determinou, no início deste mês, a reintegração de posse de uma área denominada Loteamento Canto das Águas. São 30 lotes sobrepostos à aldeia Cajueiro, Terra Indígena Tupinambá de Olivença, e explorados pela Ilhéus Empreendimentos S/A para o mercado imobiliário de luxo e turístico. A decisão é assinada pela juíza substituta Letícia Daniele Bossonario.

De acordo com os Tupinambá, 52,8% do loteamento está inserido em terras tradicionalmente ocupadas. A informação tem como base os estudos técnicos necessários à demarcação, que estão finalizados e aprovados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) – aguardam apenas a publicação da portaria declaratória.

“Nossa ocupação vem desde 2013. A especulação imobiliária vem da área Norte fazendo loteamento na área de mangue. Nosso povo ocupa a parte do litoral, o lado Sul, a da praia, onde os mangues estão preservados. Não é verdade que chegamos aqui em agosto deste ano”, explica o cacique Val Tupinambá.

O mangue é utilizado por todas as aldeias da Terra Indígena, da mata ao litoral, enfatiza cacique Val. No caso específico da reintegração, o impacto é direto ainda sobre 70 famílias Tupinambá da aldeia Cajueiro. Outras 196 famílias da aldeia Acuípe de Baixo e 16 da aldeia Lagoa do Babaço também serão impactadas em caso de reintegração.

A liderança indígena explica que a área sobreposta à Terra Indígena está preservada, utilizada de forma sustentável por marisqueiras e pescadoras, impactando assim a subsistência e a territorialidade do povo, além de rituais específicos, como o da lua cheia. “É uma área de sustento, de manutenção da vida”, diz.

A decisão pelo despejo contraria o Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu quaisquer ações de reintegração de posse enquanto durar a pandemia. A decisão do ministro Edson Fachin foi proferida no dia 6 de maio como apêndice do processo de Recurso Extraordinário 1.017.365/SC.

São 282 famílias impactadas de forma direta por uma possível reintegração e aldeias de toda Terra Indígena que serão privadas do mangue, que representa subsistência e espiritualidade

“Mais uma vez a gente vê um descumprimento do Judiciário da Bahia. Essa determinação é de suspensão nacional dos processos judiciais que tramitam no judiciário, principalmente ações possessórias, que possam ocasionar reintegrações de posse e retiradas de indígenas de suas terras nesse período de pandemia”, afirma a assessora jurídica e representante judicial da comunidade, Samara Pataxó.

Samara é assessora jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Espírito Santos e Minas Gerais (Apoinme) e do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba).

Esta já é a quinta reintegração de posse deferida pela Justiça Federal da Bahia após a determinação da Suprema Corte. Além desta contra os Tupinambá, houve três contra os Pataxó (uma na aldeia Novos Guerreiros, TI Ponta Grande, e duas na TI Comexatiba) e uma outra contra os Tuxá de Rodelas.

“A situação do Tupinambá, portanto, não é um caso isolado. Esse ano tivemos outras situações parecidas de reintegrações de posse sendo determinadas contra comunidades indígenas mesmo diante da decisão do ministro Fachin que está em sua plena eficácia e aplicabilidade”, diz Samara.

Ela explica que o grupo interessado nas terras tradicionais Tupinambá são, basicamente, de empresários ligados ao ramo imobiliário que vê nelas amplo potencial turístico, pois estão próximas de uma rodovia federal, praias e Mata Atlântica, e também para moradias de alto padrão com a construção de condomínios de luxo.

“Há fazendeiros e empresas de mineração, como se verifica em outras aldeias da Terra Indígena. Mas cito a Vila Galé (de um grupo português), que queria construir um hotel no território”, lembra Samara. O caso envolveu o presidente da Embratur que pediu o encerramento da demarcação da Terra Indígena Tupinambá para facilitar o estabelecimento do empreendimento.

Funai age contra

Mais uma vez, agora neste caso Tupinambá, a Funai de Ilhéus se posicionou contra os direitos indígenas. A postura se adeque à direção do órgão em Brasília que tenta tornar mais sugestiva a posse dos bens públicos, de usufruto exclusivo dos povos indígenas, por fazendeiros, grileiros, mineradoras, empreendimentos imobiliários.

Em informação técnica juntada ao processo, a Funai de Ilhéus, coordenada pelo ex-delegado da Polícia Federal Josafá Batista Reis, afirmou que a Instrução Normativa nº 9 permite a certificação privada em áreas com procedimentos não finalizados.

O órgão já havia atuado de modo a acomodar interesses privados sobre territórios indígenas no final de agosto deste ano, quando uma reintegração de posse havia sido imposta à aldeia Novos Guerreiros, Terra Indígena Ponta Grande, em Porto Seguro, mas acabou derrotada. Na ocasião, Reis tentou induzir os indígenas a saírem da aldeia como parte de um acordo que nem mesmo os Pataxó fizeram parte.

A advogada Samara Pataxó explica que a primeira medida foi ingressar no processo para fazer a defesa da comunidade indígena. “Hoje, infelizmente, não contamos mais com a defesa da Funai. A Procuradoria (destinada pela AGU para atender judicialmente o órgão) tem se recusado a atuar em determinados processos, sobretudo aqueles em que as terras não estão com os procedimentos finalizados”.

O fato de o território Tupinambá estar sendo invadido é o que coloca os indígenas em perigo de contágio pelo novo coronavírus

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), por sua vez, ingressou com uma Reclamação Constitucional na Suprema Corte. O processo está sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowski.

“Nessa reclamação ao STF argumentamos que uma decisão da Corte foi descumprida por uma juíza de primeiro grau. A decisão do ministro Fachin é obrigatória de ser cumprida pelos juízes de primeiro grau, tribunais regionais, STJ (Superior Tribunal de Justiça). Não se pode ter ou tramitar reintegração de posse durante a pandemia”, argumenta a assessora jurídica do Cimi, Lethicia Reis de Guimarães.

Para Lethicia, o fato de o território Tupinambá estar sendo invadido é o que coloca os indígenas em perigo de contágio pelo novo coronavírus. O caso Vila Galé demonstra o assédio local. Ao passo que a juíza tenta justificar que a área não é de moradia, portanto não haveria risco à comunidade.

A assessora jurídica lembra que a área é de subsistência e de rituais: “se começar um loteamento nessa área, como é a intenção, com empreendimentos imobiliários e turismo, os Tupinambá estarão ainda mais vulneráveis ao novo coronavírus”.

O autor da reintegração de posse, atesta a assessora Lethicia, não comprovou a posse dos lotes reivindicados e não os especificou. “Necessitaria de uma justificativa, de uma dilação probatória que não é possível ser feita em liminar, não era possível de determinar a posse quando a posse é incerta”.

Desde 2008, a área deste litígio é reconhecida como indígena pelo Estado e são várias as decisões favoráveis aos indígenas quanto a isso, sendo a mais recente no STJ.

“Embora a juíza justifique que a “invasão” dos indígenas tenha sido fotografada em agosto de 2020, se trata de uma área reconhecida como Tupinambá desde 2008 pela Funai. Não há moradias porque é uma área de restinga e mangue, uma área de preservação ambiental e os Tupinambá decidiram que não gerarão impactos àquela vegetação nativa”, conclui.

Entraves jurídicos e administrativos

Samara lembra que os Tupinambá colecionam entraves jurídicos e administrativos em relação à conclusão do procedimento demarcatório.

Durante os últimos anos de Dilma Rousseff na Presidência, a Terra Indígena chegou a entrar numa lista daquelas que teriam a Portaria Declaratória publicada em um curto espaço de tempo. No entanto, o ministro da Justiça à época, José Eduardo Cardozo, recuou e a manteve engavetada.

Apesar de haver um parecer da assessoria jurídica do Ministério da Justiça de que não há impedimento para a assinatura da Portaria Declaratória, mesmo assim o processo foi enviado de volta para a Funai.

O retorno ao órgão indigenista foi um despacho do então ministro Sérgio Moro, ainda no primeiro ano do governo Bolsonaro. Moro não deu nenhuma justificativa para a retirada do procedimento do MJ. O fez, possivelmente, atendendo à ordem de alguém porque nem mesmo a Funai o interessava como subordinada à sua pasta.

“Então, no âmbito judicial, percebemos que os grupos que querem se apossar do território Tupinambá usam este argumento da demarcação não concluída para justificar pedidos de despejos e invasões”, diz a assessora jurídica Samara Pataxó

“No caso da Terra Indígena Tupinambá, houve o regresso do procedimento administrativo do Ministério da Justiça para a Funai. Se falou que foi para adequá-lo à Portaria 001/2017, hoje suspensa pelo ministro Edson Fachin, mas não houve essa explicação oficial. Aliás, não houve explicação alguma”, explica Samara.

A Portaria 001 foi publicada pela Advocacia-Geral da União (AGU) vinculando a tese restritiva do marco temporal a todo ato administrativo do Poder Executivo de demarcação de terras indígenas. Esta portaria está suspensa, por determinação do ministro Fachin, até o julgamento de mérito no âmbito do Recurso Extraordinário com repercussão geral em tramitação no STF.

De qualquer forma, o processo demarcatório da Terra Indígena está de acordo até mesmo com os argumentos incabíveis da portaria. “Então, no âmbito judicial, percebemos que os grupos que querem se apossar do território Tupinambá usam este argumento da demarcação não concluída para justificar pedidos de despejos e invasões”.

A conclusão de Samara se soma à maneira como a Funai vem desmontando a política indigenista de modo a inviabilizar demarcações, não defender povos em apuros com as reintegrações e permitindo o registro de propriedades privadas sobre estes territórios tradicionais reivindicados e habitados pelos indígenas.

Solidariedade aos povos indígenas do Nordeste e repúdio aos ataques a seus direitos territoriais. Contra as irresponsabilidades do judiciário e da Funai

Solidariedade aos povos indígenas do Nordeste e repúdio aos ataques a seus direitos territoriais. Contra as irresponsabilidades do judiciário e da Funai

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, recebe com indignação as informações do agravamento da violência praticadas por agentes do Estado e por invasores que desrespeitam o Estado de Direito, contra povos indígenas do nordeste brasileiro, acirrada nos últimos dias, principalmente nos Estados da Bahia e Pernambuco.

A APIB repudia a irresponsável decisão do Juiz Pablo Enrique Carneiro Baldivieso, da Justiça Federal de Anápolis, no dia 20 de agosto, que determinou a reintegração de posse de parte do território Ponta Grande, concretamente da Aldeia Novos Guerreiros, localizada no sul da Bahia, atingindo 24 famílias do povo Pataxó. A decisão do juiz impacta o reconhecimento, a necessária revisão dos limites da terra indígena Coroa Vermelha, em Porto Seguro.

A APIB responsabiliza ainda a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que na atual gestão tem se omitido da sua responsabilidade institucional de proteger e promover os direitos indígenas, permitindo que os povos indígenas, em plena crises sanitária da Covid-19, sejam ultrajados de seu direito originário às terras que tradicionalmente ocupam e tratados como invasores no seu próprio território.

É essa inépcia e cumplicidade com os invasores que tem levado à situação de apreensão e potencial explosão de conflito que sofre e aflige o povo Pankararú no Estado de Pernambuco, onde lideranças indígenas publicamente estão ameaçadas de morte, mesmo tendo a sua terra regularizada, mas que um grupinho de posseiros se recusa a sair, desrespeitando decisão judicial e após terem sido devidamente indenizados.

A APIB se solidariza com os povos indígenas da Bahia e Pernambuco, e denuncia mais uma vez a política genocida, mancomunada entre o atual governo de Jair Bolsonaro com os invasores das terras indígenas: posseiros, fazendeiros, pecuaristas, grileiros, garimpeiros, madeireiros e outros tantos invasores.

Contra o Genocídio dos Povos Indígenas!
Vidas Indígenas importam!

Brasília – DF, 31 de agosto de 2020.