foto Matheus Alves – @imatheusalves

A Apib solicita a declaração de inconstitucionalidade e a suspensão da Lei nº 14.701/2023, resultado do PL 2903, na Corte. A ação será proposta em conjunto com os partidos políticos PT, REDE, PSOL e PSB

Em sessão conjunta, deputados e senadores devem votar no dia 14 de dezembro a manutenção ou derrubada dos vetos do Presidente Lula no Projeto de Lei 2903. Após a votação no Congresso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) irá entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a declaração de inconstitucionalidade da lei. Uma mobilização nacional também está sendo convocada pelo movimento indígena.

A sessão no Congresso Nacional estava prevista para esta quinta-feira (07/12), mas foi adiada. Os artigos que não foram vetados por Lula já estão em vigor na Lei nº 14.701/2023, considerada como Lei do Genocídio pelo movimento indígena.

No entendimento dos advogados indígenas da Apib, a ação deve ter a medida cautelar concedida para que os povos indígenas não sofram os danos da lei, até a finalização do julgamento. 

“Esta lei e o PL são inconstitucionais e devem ser analisados pelo STF. Porém, enquanto a ADI não for julgada pelos ministros do Supremo, os parentes estão enfrentando invasões nos territórios, assassinatos e a devastação do meio ambiente. É por isso que solicitamos que seja concedida a tutela de urgência antecipada! Não podemos ficar esperando enquanto as comunidades estão morrendo”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib. 

A Ação Direta de Inconstitucionalidade tem o objetivo de declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. A ADI é proposta no STF quando se tratar de inconstitucionalidade no âmbito federal ou estadual perante a Constituição Federal. Na Corte, ela será julgada procedente ou improcedente e declarará a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma ou ato.

A Apib e suas sete organizações regionais de base (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa) também convocam uma mobilização nacional nos territórios, nas cidades e nas redes sociais para o dia 14 de dezembro. O objetivo é que movimentos sociais e sociedade civil reivindiquem a manutenção dos vetos do presidente Lula e a garantia da demarcação de todas as terras indígenas no Brasil. 

Inconstitucionalidades 

No dia 27 de setembro, o Senado Federal aprovou o PL 2903, que pretende legalizar o marco temporal e uma série de crimes contra os povos indígenas do Brasil, como aponta a Apib. Indo contra o que foi pedido pelo movimento indígena, o Presidente Lula vetou parcialmente o PL. Agora, o Congresso Nacional deve analisar os vetos do Governo Federal, mas tem postergado a votação

A Lei nº 14.701 entrou em vigor no dia 20 de outubro de 2023. Entre as inconstitucionalidades que já estão vigentes e violam artigos da Constituição Federal, bem como aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Estado Brasileiro, a organização destaca: a participação efetiva de Estados e municípios em todas as fases do processo de demarcação e regulamentação da cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas, o que pode inviabilizar as demarcações e ampliar assédios de não indígenas sobre as TIs.

Além disso, a lei afirma que o direito de usufruto exclusivo não pode se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Lideranças indígenas da Apib ressaltam que o trecho pode abrir margem para violar o usufruto exclusivo dos povos indígenas sob o pretexto do “interesse de política de defesa”.

Na ADI, o departamento jurídico da Apib pede que a ação tenha como relator o Ministro Edson Fachin. O Ministro foi relator do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365, no qual o STF rejeitou o marco temporal, ou seja, a possibilidade de adotar a data da promulgação da Constituição Federal como marco para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas. 

“A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição”, diz trecho da decisão do Supremo. O julgamento do marco temporal no STF foi finalizado no dia 27 de setembro com 9 votos contra e 2 a favor da tese.

O desmatamento e a destruição da biodiversidade nas terras indígenas representam uma ameaça internacional para o equilíbrio climático global. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Além disso, os territórios indígenas concentram 80% da biodiversidade do planeta, mas estão ameaçados pelo avanço do agronegócio e das indústrias extrativistas, de desenvolvimento e turismo, tal como alerta o relatório da ONU Estado dos Povos Indígenas no Mundo, publicado em 2021.

Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da Apib, afirma que a tramitação do Projeto de Lei 2903, que resultou na Lei nº 14.701/2023, possui vícios de inconstitucionalidade e revanchismo parlamentar, onde o Senado pautou o PL no mesmo dia do julgamento do marco temporal no STF. O advogado indígena também reforça que um dos papéis do Supremo é garantir os direitos fundamentais de grupos sociais minoritários e que tem expectativas de que isso seja cumprido por meio da ADI.

“Vivemos em um sistema de freios e contrapesos e o limite imposto pelo Poder Legislativo é o de não aprovar leis que atentem contra cláusulas pétreas estabelecidas na Constituição Federal. Os direitos dos povos indígenas são originários e foram reconhecidos em 1988 e isso precisa ser respeitado”, diz Terena.

PL 2903 e veto parcial de Lula

Ao longo do ano de 2023, o PL 2903 representou uma das maiores ameaças aos direitos dos povos indígenas do Brasil. O Projeto de Lei defende os interesses latifundiários em detrimento dos direitos indígenas e foi aprovado em caráter de urgência no Senado Federal no dia 27 de setembro, mesma data em que o STF encerrou o julgamento do marco temporal.

Em contramão à demanda do movimento indígena pelo veto completo ao PL, o presidente Lula anunciou seu veto parcial no dia 20 de outubro. Lula retirou o marco temporal da proposta, assim como o cultivo de espécies transgênicas em Terras Indígenas e a construção de grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias, sem consulta prévia, livre e informada. O veto do presidente também retirou a flexibilização das políticas de proteção aos povos indígenas em isolamento voluntário do PL.

Agora, a Apib alerta que os vetos podem ser derrubados pelo Congresso Nacional no dia 14 de dezembro. A sessão que irá anular ou manter os vetos de Lula está sendo adiada há quase um mês, onde no processo os direitos indígenas têm sido usados como moeda de troca entre os parlamentares e o Governo Lula.

“A aprovação de projetos que interessam ao Executivo, tal como a Reforma Tributária no último dia 8 de novembro, fazem parte desse toma lá dá cá e reafirmamos que DIREITOS NÃO SE NEGOCIAM! Essas ações apenas perpetuam o império dos interesses do capital representado principalmente pela bancada ruralista e evangélica, entre outras, que alavancam a sobrevida da extrema direita que nos últimos anos infernizou a vida do povo brasileiro. A negociata dos nossos direitos para aprovar a Reforma Tributária implicou em o Governo Federal acenar para os parlamentares sinal verde para a derrubada dos vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, que pretende transformar o Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas em lei”, diz nota da Apib.

À época, a votação dos vetos ao PL 2903 estava prevista para 9 de novembro, mas foi adiada para 23 de novembro. Leia aqui a nota completa publicada pela Apib no dia 10 de novembro.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil ressalta que as atitudes do Congresso Nacional são resultados da ligação direta de políticos brasileiros à invasão de terras indígenas, como mostra o dossiê “Os invasores” do site jornalístico “De olho nos ruralistas”. De acordo com o estudo, representantes do Congresso e do Executivo possuem cerca de 96 mil hectares de terras sobrepostas às terras indígenas.

Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de TIs, que doaram R$ 3,6 milhões para a campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).

Nesta semana, uma comitiva das organizações e lideranças indígenas, que compõem a Apib, estão ecoando denúncias sobre as violações de direitos indígenas na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a COP28. O evento ocorre até o dia 12 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Na COP28, a comitiva está reforçando as Emergências Indígenas e exigindo a garantia dos direitos e demarcação das Terras Indígenas. Para a Apib e suas organizações regionais de base, não é possível combater a crise climática sem a demarcação e é necessário frear as violências financiadas pelo agronegócio contra as vidas indígenas.

Saiba mais sobre o marco temporal: https://apiboficial.org/marco-temporal/