18/jul/2024
Buripati Barbosa da Conceição, de apenas 24 anos, foi morto a tiros no sábado (13/07), na aldeia Guaxuma, localizada no Km 775 da BR-101, no município de Porto Seguro, Bahia. O autor confessou o crime e foi autuado em flagrante pela polícia.
O não indígena Maxuel Silva de Jesus, 28 anos, estava na aldeia em visita a sogra e encontrou Buripati durante uma confraternização no vizinho. Após uma breve conversa os dois se desentenderam, Maxuel sacou um revólver 38 e atirou à queima roupa.
A vítima, conhecida como “Caboquinho”, não teve chance de se defender. Maxsuel foi autuado por homicídio qualificado. Ele permanece preso na custódia da Polícia Civil de Itamaraju.
Território em conflito
Nos últimos 4 anos cerca de 15 indígenas foram assassinados, em crimes motivados por conflitos no território da Aldeia Mãe e pelo racismo. Além da intrusão de fazendeiros, que lucram sobre terras apropriadas ilegalmente com a produção agropecuária, o lobby do turismo no entorno de Caraíva e Porto Seguro, destinos vizinhos às aldeias, causam o aumento substancial do tráfico, alcoolismo e a deslegitimação dos modos de vida indígena.
“A guerra pela terra que começou em 1.500 nunca acabou. A cada dia os interesses econômicos que cercam e acoam as comunidades, violentam a paz e a sustentabilidade dos povos originários. Se o perigo de antigamente, nas matas, era a onça, hoje em dia são pistoleiros, fazendeiros, grileiros, madeireiros, traficantes e garimpeiros disputam, amedrontam e dominam as populações tradicionais, trazendo pânico, desespero aos silenciados, esquecidos e excluídos da sociedade. É perigoso caçar, é perigoso fachear (pescar) de noite e cada vez mais a sustentabilidade vai ficando ameaçada”, relatou uma das moradoras da Terra Indígena Barra Velha, que aguarda a revisão da demarcação e está ameaçada pelo Marco Temporal.
A cada omissão do Estado sobre os direitos dos povos indígenas e ataques da bancada ruralista sobre os direitos constitucionais conquistados, tais conflitos se acirram e a vida dos povos indígenas é ameaçada.
Enquanto o Senado tenta mudar a constituição para tornar admissível a lei do Marco Temporal, aprovada no Congresso no final do ano passado, os moradores originários das terras brasileiras são deslegitimados como cidadãos de direito, o que gera violências e mortes, como a de Buripati.
17/jun/2024
Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil
A solicitação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao Estado Brasileiro ocorre após pedido da Apib e Apoinme
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) determinou que o Estado Brasileiro amplie as medidas de proteção ao povo Pataxó Hã Hã Hãe, localizado na Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, no sul da Bahia, que está em processo de autodemarcação. Eles estão enfrentando episódios de violência e ameaças devido a disputas pela delimitação de seu território, bem como pela presença de grupos do crime organizado na região.
A determinação ocorreu após um pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). Após analisar as informações apresentadas pelas organizações do movimento indígena e a manifestação do país, a CIDH concluiu que os indígenas Pataxó Hã Hã Hãe estão vivendo uma situação grave e urgente. Com isso, a CIDH solicitou que o Brasil:
a) Adote as medidas necessárias e culturalmente adequadas para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros do povo indígena Pataxó Hã Hã Hãe, inclusive de atos perpetrados por terceiros. Tais medidas devem permitir que as lideranças Pataxó Hã Hã Hãe possam seguir desempenhando seus trabalhos de defesa dos direitos humanos, assim como garantir que as pessoas beneficiárias possam retornar às suas aldeias sem serem objeto de ameaças, intimidação ou atos de violência;
b) Coordene as medidas a serem implementadas com as pessoas beneficiárias e seus representantes;
c) Informe sobre as ações adotadas para a investigação dos fatos que motivaram a presente medida cautelar e, assim, evite sua repetição.
Leia a decisão completa: Medidas Cautelares nº 61-23 Membros do Povo Indígena Patoxó Hã-Hã-Hãe a respeito do Brasil
Em abril de 2023, a Comissão já tinha solicitado ao Brasil medidas de proteção aos indígenas Pataxó localizados nas Terras Indígenas Barra Velha e Comexatibá, também no sul do estado da Bahia.
Escalada da violência
No pedido à CIDH, a Apib e Apoinme informaram que, desde 2012, foram registradas 32 mortes de lideranças indígenas da região, sendo sete delas ocorridas somente entre janeiro e setembro de 2023.
Uma das vítimas mais recentes foi a Pajé Nega Pataxó, assassinada em janeiro de 2024, logo após a homologação da Lei 14.701 em dezembro de 2023, mais conhecida como Lei do Genocídio Indígena, que legaliza o marco temporal e diversos crimes contra os povos indígenas.
A liderança Nega Pataxó Hã Hã Hãe foi assassinada por disparo de arma de fogo de um jovem de 19 anos, filho de um fazendeiro. A Polícia Militar da Bahia, pistoleiros e fazendeiros teriam organizado, por meio do denominado movimento “Invasão Zero” via WhatsApp, uma ação contra o Povo Pataxó Hã Hã Hãe em um contexto de retomada dentro do território Caramuru-Paraguaçu. A Apib e Apoinme entraram com uma representação criminal contra o Invasão Zero. Leia mais: https://apiboficial.org/2024/02/03/apib-e-apoinme-entram-com-representacao-criminal-contra-organizacao-de-fazendeiros-que-assassinou-a-paje-nega-pataxo/
A ação ocorreu sem decisão judicial, mediante meios próprios e violentos, utilizando armamento letal. O Cacique Aritana e Nailton Muniz Pataxó também sofreram disparos de arma de fogo e foram hospitalizados. Além deles, outras pessoas sofreram ferimentos menos graves.
Com a decisão da CIDH, o Estado brasileiro tem 20 dias para informar sobre as medidas tomadas e atualizá-las periodicamente.
04/mar/2024
O assassinato da Pajé Maria Fátima Muniz de Andrade, conhecida como Nega Pataxó, e a sequência de impunidades às violências contra os povos indígenas no Sul e Extremo Sul baiano, levou a bancada do cocar e um grupo de deputados aliados a entrarem com um pedido para criar uma comissão externa de investigação dos casos.
O requerimento foi feito no dia 22 de fevereiro, um mês após o ataque aos indígenas Pataxó Hã Hã Hãe. A Pajé Nega Pataxó foi assassinada no final de janeiro deste ano, no território indígena Caramuru-Catarina Paraguassu, por uma milícia rural que se autointitula Invasão Zero. No ataque foram baleados outros indígenas, entre eles o cacique Nailton Muniz Pataxó. Um policial militar e um filho de fazendeiro foram presos e respondem por homicídio. No entanto, a ação do grupo pode estar relacionada a vários outros crimes.
A deputada indígena, Célia Xakriabá, ressalta que a escalada de violência está relacionada com a aprovação da lei 14.701/2023. “O Congresso Nacional não pode se tornar omisso, sobretudo porque entendemos que essa violência crescente tem sido resultado do marco temporal. Por isso, vários partidos se juntaram entendendo que, se não pensar numa investigação necessária para o que vem sendo orquestrado no Sul da Bahia, a situação pode se alastrar por outros estados brasileiros”, afirma.
Território Indígena
A reserva Caramuru-Catarina Paraguassu era reconhecida pela Funai desde 1926, como território dos povos Pataxó e Tupinambá. Porém, na década de 1970 fazendeiros de gado e cacau invadiram as terras e expulsaram grande parte da população indígena.
O governo da Bahia extinguiu a reserva entre 1976 e 1982 e começou a conceder títulos de posse aos fazendeiros. A luta pelo território continuou, mas a inércia do Estado sobre as demandas indígenas levou o povo Pataxó Hã Hã Hãe a auto demarcar as terras. Durante a retomada realizada na fazenda Inhumas a milícia Invasão Zero, acompanhada da polícia militar, promoveu o ataque. Os indígenas da região continuam na luta por justiça e para recuperar a posse de suas terras tradicionais.
*Com informações da Agência Câmara de Notícias.
03/fev/2024
O movimento de extrema direita, organizado pelo agrobanditismo, chamado Invasão Zero assassinou a Pajé Nega Pataxó, após fazer um cerco à autodemarcação do Povo Pataxó Hã Hã Hãe no território indígena Caramuru-Catarina Paraguassu, município de Potiraguá, no Sul da Bahia, no domingo, 21/01. Exigindo justiça e coerção à organização paramilitar de fazendeiros, o departamento jurídico da Apib acionou a Procuradoria da República na Bahia, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal através de uma notícia crime.
O documento denuncia “a prática de organização criminosa, uma vez que, (…) o grupo se associou por meio de entidade jurídica, de forma estruturada e com divisão de tarefas, valendo-se da violência, intimação, corrupção, fraude ou de outros meios assemelhados para cometer crime”.
Três lideranças indígenas Pataxó-hã-hã-hãe foram baleadas, durante a ação dos fazendeiros. O cacique Nailton foi atingido, duas pessoas foram espancadas, uma mulher teve o braço quebrado e um carro foi incendiado. Um vídeo mostra os feridos no chão, ainda sem socorro, sendo cercados pelo grupo paramilitar, que comemorava a violência.
A Polícia Militar da Bahia esteve presente no local, mas nada fez para proteger os indígenas. Ao contrário, segundo o relato do Cacique Nailton, a PM deu apoio e incentivo à ação criminosa mantida pelo grupo. “Os fazendeiros chegaram escoltados, porque chegou umas quinze viaturas e junto com os fazendeiros chegou umas cinco na frente”, conta a liderança, ainda hospitalizada.
O cacique relata que havia policiais reformados e à paisana entre o grupo. “Eu pedi ao comandante porque ele tinha condições de evitar que acontecesse um massacre. Falei para o comandante, tira a gente daqui, leva a gente para o hospital. E outro gritou de longe, acaba de matar”.
O tiro que matou Nega Pataxó partiu da arma de um filho de um dos fazendeiros presente no grupo de Whatsapp do Movimento Invasão Zero. Ele e um Policial Militar reformado, encontram-se presos pelo envolvimento no conflito.
Nega Pataxó era liderança espiritual e professora com importante atuação junto à juventude e às mulheres indígenas e, com seu irmão, integrava redes de saberes tradicionais de Universidades brasileiras, sendo doutora em Educação por Notório Saber pela UFMG, e o cacique Nailton, doutor por Notório Saber em Comunicação Social pela mesma universidade.
Milícia com CNPJ
O grupo “Invasão Zero” se constituiu como entidade privada registrada no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), no Estado da Bahia, em abril de 2023. Eles dizem articular 10 mil produtores rurais baianos em defesa da propriedade privada e contra as “invasões” de terras rurais e urbanas.
Os paramilitares são liderados por Renilda Maria Vitoria De Souza e Luiz Henrique Uaquim Da Silva, conhecidos, respectivamente, como Dida Souza e Luiz Uaquim. O grupo se projetou nacionalmente durante a CPI do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, (MST), articulando-se com parlamentares ruralistas e da extrema-direita.
Além da Bahia, os paramilitares estão articulados nos estados de Goiás, Pará e Mato Grosso desde o ano passado. Recentemente ruralistas do Maranhão, Espírito Santo e Tocantins adentraram na organização criminosa.
De acordo com a representação criminal, a atuação deles “toma forma de agrupamentos paramilitares de produtores rurais para retirar à força movimentos sociais que estão em ocupações rurais (MST) ou retomadas de territórios tradicionais (indígenas)”.
Entre os ruralistas e fascistas apoiadores dos criminosos estão o deputado federal Luiz Ovando (Progressistas/MS), o deputado federal Rodolfo Nogueira (PL/MS) o deputado federal Zucco (PL/RS), o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos/SP), o governador de Goiás Ronaldo Caiado (União Brasil/Go) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que já responde perante ao Tribunal Penal Internacional (TPI) pelo genocídio contra os povos indígenas brasileiros entre 2018 e 2022.
Históricos de ataques e assassinatos
Há menos de um mês, em dezembro de 2023, o Cacique Lucas Pataxó, do mesmo povo e da mesma comunidade, foi assassinado enquanto retornava para a aldeia.
Em janeiro de 2023, os Pataxós Samuel Cristiano do Amor Divino, 21, e Nauí Brito de Jesus, 16, foram mortos a tiros no km 787, quando estavam a caminho de uma das retomadas do povo Pataxó, em Itabela.
Em abril, o Pataxó Hã-hã-hãe Daniel de Sousa Santos, 17 anos, foi morto dentro de uma área de reserva, também em Pau Brasil.
Em setembro de 2022, o adolescente Pataxó Gustavo Silva da Conceição, de apenas 14 anos, foi assassinado com um tiro na cabeça após ataque de pistoleiros a uma aldeia no território indígena Comexatibá, em Prado.
As testemunhas relataram que pelo menos cinco homens invadiram o local, portando armas calibre 12, 32, fuzil ponto 40 e bombas de gás lacrimogêneo. A participação de policiais militares nos ataques explica o acesso da organização paramilitar aos armamentos pesados.
A Apib fez reiteradas denúncias sobre a escalada de violência no sul da Bahia, sem obter respostas efetivas das autoridades. Esperamos que o Estado brasileiro faça valer as leis com devida seriedade, para responsabilizar perante a constituição e o código penal os envolvidos, respondendo por organização criminosa e incitação ao crime.
Os povos indígenas do Brasil não suportam mais mortes. Exigimos a demarcação das terras que são nossas por direito, a proteção dos territórios e da vida e a revogação da Lei do genocídio (Lei 14.701), fator primordial de incentivo à matança dos nossos povos no período mais recente.
22/jan/2024
Na tarde deste domingo, 21/01, três lideranças indígenas Pataxó Hã-hã-hãe foram baleadas, durante um conflito com a polícia militar e fazendeiros do grupo autointitulado “invasão zero”, na retomada do território Caramuru, município de Potiraguá, no sul da Bahia.
O cacique Nailton foi atingido e sua irmã, Nega Pataxó, foi assassinada. Duas pessoas foram espancadas e uma mulher teve o braço quebrado. Outros feridos foram hospitalizados, mas não correm risco de vida.
Ruralistas da região cercaram a área com dezenas de caminhonetes, acompanhados pela polícia. Eles se mobilizaram através de um chamado de WhatsApp, que convocava os fazendeiros e comerciantes para realizar a reintegração de posse da fazenda com as próprias mãos. Dois fazendeiros foram presos por porte ilegal de arma. Um vídeo mostra os feridos no chão, ainda sem socorro, sendo cercados pelo grupo de ruralistas, que comemoravam a violência.
A retomada da fazenda de seu Américo, no território Caramuru, iniciou na madrugada deste sábado, 20/01. A região enfrenta os desmandos de fazendeiros invasores que se dizem proprietários das terras tradicionais e acusam o povo de ser “falso índio”. A aprovação do marco temporal acentua a intransigência dos invasores, que se sentem autorizados a praticar todo tipo de violência contra as pessoas.
Nesta segunda-feira, o coordenador executivo da Apib, Dinamam Tuxá, acompanha a visita ao território da delegação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), que conta com a presença da ministra, Sônia Guajajara, e da Presidenta da Funai, Joenia Wapichana.
O departamento jurídico da Apib acionou o Ministério Público Federal e está tomando todas as medidas para que a justiça seja feita. Exigimos acompanhamento das autoridades, a apuração do caso e justiça aos criminosos. Reiteramos que a demarcação das terras indígenas é o único caminho para amenizar a escalada de violência que atinge os povos da região sul da Bahia.
Leia abaixo o informe encaminhado às instituições responsáveis.
17/out/2023
O povo Pataxó continua ameaçado pela violência nos territórios indígenas de Barra Velha e Comexatibá, localizadas no extremo-sul baiano. As medidas tomadas pelo Estado, como a criação de um gabinete de crise pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o envio de uma brigada militar pelo governo da Bahia se mostraram ineficientes. Diante da situação crítica, o departamento jurídico da Apib reforçou as denúncias feitas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), relatando novos casos de ataque no território.
A nova manifestação destaca que, apesar da resolução 25/2023 da CIDH, que concedia uma medida cautelar, solicitando que o Estado brasileiro adotasse as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros do povo indígena Pataxó, a escalada de violência continua. A CIDH constatou que os indígenas destas áreas estão em “grave e urgente risco de dano irreparável aos seus direitos”.
Leia o relatório completo aqui.
Novos ataques
No dia 30/09, cerca de 100 homens, vestidos de preto e armados, participaram do ataque na entrada da Aldeia Gitai. Os criminosos buscavam líderes da comunidade, alegando represália à suposta colaboração deles na contenção do tráfico local. As informações iniciais indicam que não houve registro de feridos. Uma vez que não encontraram as lideranças, os criminosos abriram fogo contra as residências dos líderes e os habitantes da aldeia, causando danos materiais, incinerando carros e motocicletas e disseminando o pânico entre a população.
O Cacique Suruí já havia relatado as ameaças que vinha sofrendo. Sua residência foi o alvo principal. O ataque foi realizado após a Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) realizar a audiência pública que tratou do tema “Violação de Direitos dos Povos Indígenas no Estado da Bahia”.
Os depoimentos locais atribuem o ataque a uma quadrilha suspeita de liderar o tráfico de drogas na região, que se estabeleceu na aldeia Xandó, vizinha a Caraíva, através da invasão por pessoas não indígenas. Há uma escancarada corretagem ilegal de terrenos, que incluem áreas de demarcação indígena na região. Devido à investida dos criminosos em busca de controle sobre a área indígena, a violência na região aumentou consideravelmente.
Já a Terra Indígena Comexatibá é atualmente o local com maior quantidade de contestações administrativas no seu processo de demarcação (mais de 150). Logo, esta situação de conflituosidade está associada tanto com a morosidade do poder público em garantir efetivamente a demarcação quanto com a violência. No dia da conclusão do julgamento da tese do Marco Temporal pelo STF (27/09), quando também ocorreu a aprovação do PL 2903 no Senado, houve a ocorrência de focos de incêndio na Terra Indígena Comexatibá. De acordo com o relato de uma liderança, há indícios de atuação criminosa , conforme se vê:
“[…] Este incêndio, é o quarto foco registrado, somente no dia de hoje, no entorno da vila de Cumuruxatiba. Segundo informaram agentes da “Brigada anti-incêndio” do PND/ICMBio, nos grupos de whatsapp da comunidade, de onde operam e moram. Este último que se alastra com os fortes ventos e a alta temperatura, está acontecendo entre a aldeia Kaí e o rio do Peixe. Além de ameaçar avançar sobre as moradias nos arredores, há outros focos. Que, avançam em direção ao Parque Nacional do Descobrimento, às reservas de Mata Atlântica e às aldeias sobrepostas. A gravidade da situação, além dos prejuízos gerados, está no que aparenta ser fruto de uma ação criminosa. Ou uma terrível coincidência, diante da simultaneidade do mesmo dia, em locais de uma mesma área, distrito e Terra Indígena. Gravidade que se multiplica quando concluímos que todos os focos de incêndio ocorreram no território Pataxó, a TI Comexatibá. [….]”
Histórico do conflito
Há anos, o povo Pataxó aguarda pela conclusão da demarcação das duas terras. Em junho de 2022, como forma de proteger seu território e resistir à pressão do agronegócio, do setor hoteleiro e da especulação imobiliária, os Pataxó deram início a um processo de autodemarcação. Desde então, têm sofrido com uma violência intensa, contínua e desproporcional, sendo alvo de ameaças, cercos armados, tiroteios, difamação e campanhas de desinformação.
Entre setembro de 2022 e janeiro de 2023, três jovens Pataxó foram vítimas do conflito na região. Gustavo Silva da Conceição, de apenas 14 anos, foi assassinado com um tiro nas costas durante um ataque de pistoleiros em setembro, na TI Comexatibá. Em outubro, o corpo do Pataxó Carlone Gonçalves da Silva, de 26 anos, foi encontrado, depois dele ter desaparecido na TI Barra Velha. Em janeiro, Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25 anos, e o adolescente Nauí Brito de Jesus, de 16 anos, foram perseguidos e executados por pistoleiros numa estrada próxima a uma retomada realizada pelos Pataxó na TI Barra Velha do Monte Pascoal. As investigações mostram que os crimes contaram com a participação de policiais.
Em 20 de janeiro, foi criado um Gabinete de Crise com a finalidade de acompanhar as situações de conflitos relacionadas aos Pataxó região da Bahia. O objetivo primordial do Gabinete era pensar em respostas rápidas e ações sobre os conflitos que estão acontecendo com as comunidades Pataxós.
Porém, as medidas de enfrentamento vão para além da competência e atribuição do Ministério, motivo pelo qual a Apib qualifica a atuação do gabinete de crise como ineficiente. Tal descaso na construção da resposta por parte do Estado é de extrema preocupação, pois sinaliza, inclusive, a falta de articulação interinstitucional do governo brasileiro para responder satisfatoriamente às demandas formuladas pela CIDH para proteção do povo.
Demarcação
Na semana em que o Congresso aprovou o PL 2903, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, enviou ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, dez novas terras indígenas que estão prontas para ter andamento no processo de demarcação, dentre as quais figura a TI Barra Velha do Monte Pascoal.
A solicitação é de que seja feita a portaria declaratória, cuja competência é da pasta de Dino, e também que se dê prosseguimento com a homologação, fase final, sob responsabilidade da Presidência. Este é o segundo aceno do Ministério dos Povos Indígenas de que a portaria declaratória deste território será assinada ainda neste ano, no entanto, até que seu processo demarcatório seja concluído, as consequências desta insegurança ainda serão sentidas pelas comunidades Pataxó e por todos os habitantes dali.
02/ago/2023
Gustavo da Silva, de 14 anos, foi assassinado em setembro de 2022 com um tiro na cabeça. A Apib e Apoinme reforçam a necessidade de Justiça e que os acusados pela execução sejam condenados.
A Justiça Federal da Bahia, do município de Teixeira de Freitas, determinou a soltura dos policiais militares envolvidos na execução de Gustavo da Silva, uma criança do povo Pataxó, de 14 anos. O assassinato aconteceu na madrugada do dia 4 de setembro de 2022, quando um grupo de 10 milicianos fortemente armados atacou um área de retomada do povo Pataxó, no Território Indígena Comexatibá, município de Prado, extremo sul da Bahia.
A decisão foi tomada pelo juiz federal Raimundo Bezerra Mariano, no dia 26 de julho. Ele liberou os militares Renato Martins do Carmo e Willer Diogenes Santos, a pedido da defesa dos acusados. Ambos os policiais foram presos, no dia 6 de setembro de 2022, por suspeita de participação no ataque que resultou no assassinato de Gustavo.
As prisões ocorreram como parte da Operação Tupã, realizada por meio de parceria entre Polícia Federal e Corregedoria Geral da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia. Além das prisões ocorridas em Teixeira de Freitas, cinco mandados de busca e apreensão foram cumpridos em outros dois municípios, Itamaraju e Porto Seguro.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), exigem que a justiça seja feita e que os suspeitos sejam julgados e condenados pelos crimes cometidos. Em janeiro de 2023, a Apib e Apoinme entraram com uma ação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para exigir a proteção do povo Pataxó, na Bahia.
Acesse o documento completo aqui.
A região onde Gustavo foi assassinado desperta o interesse não apenas de empresários do setor agropecuário, mas também de empresas do setor de turismo, o que vem desencadeando muita especulação imobiliária.
Entenda o histórico de violências da região AQUI.
31/jul/2023
A Aldeia Jacó Pataxó, na vila de Itaúnas, Espírito Santo, receberá o I Festival de Samba Indígena e Cultura Pataxó entre os dias 7 e 10 de setembro. O evento será uma celebração da cultura indígena e contará com atrações da cultura tradicional da Vila, além do Awê, performances do samba de raiz, degustação da culinária medicinal, feira agroecológica com legumes e verduras produzidos na região, produtos extrativistas artesanais, feira de artesanato, pinturas corporais, ervas medicinais e outras atrações.
O festival faz parte de um projeto do grupo Marujos Pataxó, que lançará seu primeiro álbum este ano, com a produção musical de Lenis Rino (Fernanda Takai, Matheus Aleluia, Tatá Aeroplano, Palavra Cantada), masterização de Tejo Damasceno (BNegão e os Seletores de Frequência, Sabotage Instituto) e apoio do Natura Musical.
Os Marujos Pataxó atuam pelo reconhecimento da influência indígena na criação do samba brasileiro, promovendo o samba indígena de raiz. Muitas vezes, a contribuição dos povos originários para o que consideramos brasileiro é invisibilizada. Isso ocorre na vida pública, na língua, nos costumes, na culinária, na medicina, na arte e na música. Presentes na formação do gênero no sul da Bahia, as tradições percussivas e rítmicas seguem preservadas na Aldeia Mãe Barra Velha, no território Pataxó, onde o samba é um ritual sagrado no qual os indígenas expressam sua fé e cultura com originalidade, passando de geração em geração através de músicas que retratam a natureza e a vida no campo.
O território, que conta com o Parque Nacional do Monte Pascoal e fica tão perto de onde começou a invasão em 1500, foi o primeiro aldeamento do Brasil e já consta com 523 anos de resistência. Depois do trágico massacre ocorrido em 1951, houve uma diáspora do povo Pataxó por diversos pontos do país, que ainda enxergam aquela aldeia e região como parte de suas raízes.
Um retrato da resiliência e da força, a cultura do povo Pataxó segue firme apesar de massacres, dores e de mais de quinhentos anos de invasões sofridas. Assim, a Aldeia Jacó Pataxó, em Itaúnas, também é símbolo desta resiliência. Fruto da diáspora do chamado “fogo de 1951”, esta é a primeira vez que o local receberá a marujada e além de toda celebração da cultura indígena Pataxó, este será um grande encontro entre os parentes que foram separados pela violência da colonização.
O preconceito é uma forma constante e invisível de repressão, experimentada por muitos, mas debatida por poucos. O Festival é uma grande oportunidade de mostrar para o Brasil como os povos indígenas guardam verdadeiros tesouros culturais. Seja através da música, do artesanato, da culinária, da medicina e da história há muita coisa interessante para compartilhar.
O Festival em Itaúnas é perfeito para essa imersão cultural e certamente o público irá se surpreender com a força do samba indígena Pataxó e com a história desse povo guerreiro que emana cultura, força e resistência.
Confira as atrações:
MÚSICA Pataxó: apresentação do samba indígena que é patrimônio histórico do município de Porto seguro;
ARTESANATO (Exposição): valorização do Artesanato indígena com as biojóias produzidas com sementes nativas brasileiras. Diferentemente das jóias convencionais feitas com metais que promovem a destruição e poluição do meio ambiente; as biojóias indigenas são produzidas com matéria prima natural e ecológica, pois os povos indígenas plantam muitas árvores e plantas nativas para utilizar as sementes na sua confecção de seu artesanato promovendo o reflorestamento e a preservação do meio ambiente e ao mesmo tempo produzindo verdadeiras obras de arte que merecem ser apreciadas e valorizadas;
PINTURA CORPORAL: através da oficina de Pintura indígena o público poderá apreciar os grafismos do povo Pataxó com pinturas belíssimas feitas por artistas supertalentosos com a tinta natural feita com carvão e o sumo da fruta Genipapo;
PALESTRAS: aprendendo na prática e assistindo as palestras sobre a história da Aldeia Mãe, do povo Pataxó, da história do samba indígena as pessoas irão aprender e valorizar a luta desse povo que recebeu os portugueses há 523 anos atrás
MEDICINA NATURAL ANCESTRAL: certamente uma das coisas que realmente falta na educação básica no Brasil é aprender o nome das plantas e para que elas servem. Através da oficina das plantas medicinais ou ouvintes poderão aprender o nome, ver as plantas (fotos e amostras) e aprender as propriedades de plantas medicinais brasileiras básicas importantes que são utilizadas por muitos povos indígenas para tratar enfermidades comuns como inflamações, infecções, febre, diarreia e outras doenças
CINEMA: através da exibição do documentário “Sambadores e sambadeiras da Aldeia Mãe – Raíz indígena do samba Brasileiro” daremos a oportunidade do público visualizar a Aldeia Mãe e conhecer um pouco mais sobre o samba indígena Pataxó e sua história
CULINÁRIA TRADICIONAL: muitas pessoas desconhecem, mas os povos indígenas brasileiros influenciaram muito a culinária popular brasileira e através de uma oficina iremos apresentar um pouco dessa riqueza saborosa e das propriedades nutricionais de plantas e alimentos nativos brasileiros.
26/abr/2023
Foto: Tukuma Pataxó / Apib
Nesta segunda-feira (24), enquanto mais de 5 mil indígenas estabeleciam suas tendas e barracas para a mobilização do 19º Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília (DF), o povo Pataxó recebeu a notícia de que um de seus apelos foi atendido: em meio à escalada de violência que atinge seus territórios e comunidades no extremo sul da Bahia, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu uma medida cautelar em favor do povo.
Emitida por meio da Resolução 25/2023, em resposta ao pedido feito por um conjunto de organizações, a cautelar solicita que o Estado brasileiro “adote as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros do povo indígena Pataxó”.Tais medidas, conforme destaca a CIDH, devem levar em consideração a cultura Pataxó e proteger os indígenas “inclusive de atos perpetrados por terceiros”.
A resolução também solicita ao Brasil que coordene as providências adotadas com os membros do povo Pataxó e seus representantes, e que informe a Comissão sobre as ações empreendidas para investigar os fatos que motivaram a denúncia, de modo a “evitar sua repetição” – ou seja, para impedir que uma nova cautelar da CIDH seja necessária.
A solicitação de medidas cautelares à CIDH foi feita por um conjunto de organizações indígenas e da sociedade civil, que incluem a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), a Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR), o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, a Conectas Direitos Humanos, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos, o Instituto Hori Educação e Cultura, a Justiça Global e a Terra de Direitos.
A medida cautelar refere-se, especificamente, aos Pataxó das Terras Indígenas (TIs) Comexatibá e Barra Velha do Monte Pascoal. Na resolução, a CIDH constatou que os indígenas destas áreas estão em “grave e urgente risco de dano irreparável aos seus direitos”.
Há anos, o povo Pataxó aguarda pela conclusão da demarcação destas duas terras. Nos últimos meses, como forma de proteger seu território e resistir à pressão do agronegócio, do setor hoteleiro e da especulação imobiliária, os Pataxó deram início a um processo de autodemarcação. Desde então, têm sofrido com uma violência intensa, contínua e desproporcional.
Entre setembro e janeiro, no intervalo de apenas cinco meses, quatro jovens Pataxó foram assassinados na região – entre eles, dois adolescentes. Gustavo Silva da Conceição, de apenas 14 anos, foi assassinado com um tiro nas costas durante um ataque de pistoleiros em setembro, na TI Comexatibá.
Em outubro, o corpo do Pataxó Carlone Gonçalves da Silva, de 26 anos, foi encontrado, depois dele ter desaparecido na TI Barra Velha. Em janeiro, Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25 anos, e o adolescente Nauí Brito de Jesus, de 16 anos, foram perseguidos e executados por pistoleiros numa estrada próxima a uma retomada realizada pelos Pataxó na TI Barra Velha do Monte Pascoal.
Nos últimos meses, os Pataxó foram alvo de “ameaças, cercos armados, tiroteios, difamação e campanhas de desinformação”, informaram as organizações proponentes à CIDH.
A participação de policiais nos ataques armados contra o povo Pataxó, evidenciada em investigações e relatada à CIDH, também chamou atenção do órgão interamericano.“A Comissão imprime particular seriedade às alegações de que parte das pessoas responsáveis pelos eventos de violência seriam agentes estatais, como policiais militares, pois estes exercem um papel relacionado à garantia e proteção de direitos”, aponta a resolução.
Algumas das ações adotadas pelo Estado são avaliadas positivamente pela CIDH, como o “monitoramento próximo” da situação pelo Ministério dos Povos Indígenas, a criação de um Gabinete de Crise pelo governo federal e a identificação de suspeitos dos assassinatos de Samuel, Nauí e Gustavo Pataxó – todos eles policiais militares.
Ainda assim, a CIDH ressalta que “há continuidade de um cenário de desproteção”, e que várias medidas propostas pelo Estado permanecem “pendentes de implementação”, como a realização de uma visita in loco do Gabinete de Crise aos territórios deflagrados, o avanço efetivo no processo administrativo de demarcação das terras Pataxó e medidas concretas para proteger as lideranças do povo incluídas no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humano.
A CIDH também destaca, entre as medidas necessárias e não efetivadas, o envio da Força Nacional de Segurança Pública à região – solicitado de forma reiterada pelo povo Pataxó e recomendado pelo próprio Gabinete de Crise.
Após o assassinato de Gustavo Pataxó, o governo estadual da Bahia chegou a estabelecer uma Força-Tarefa, formada basicamente por policiais militares, para atuar na região.“Mesmo com a Força-Tarefa da Secretaria de Segurança Pública da Bahia criada em 2022, não se impediu a concretização de dois assassinatos em janeiro de 2023”, aponta a Comissão. A análise da CIDH referenda as denúncias que vêm sendo feitas pelo povo Pataxó ao longo dos últimos meses.
“Eles [a Força-Tarefa] chegaram dizendo que vieram para apaziguar o conflito. Mas antes de sentar com os indígenas para saber o que estava acontecendo, eles foram primeiro sentar com os fazendeiros”, relata Uruba Pataxó, vice-cacica da aldeia Barra Velha, ou “aldeia mãe”, na TI Barra Velha.
Como folha seca: a luta do povo Pataxó por liberdade e contra a violência
Solução, só com demarcação
Com limitações para circular pelo próprio território devido aos ataques e ameaças, o povo Pataxó tem sido firme em afirmar que a situação só poderá ser resolvida de forma definitiva com a demarcação de suas terras.
“Nossos territórios Barra Velha e Comexatibá estão passando por um momento difícil. Nós perdemos quatro jovens”, relatou o cacique Renato Pataxó, da aldeia Boca da Mata, na TI Barra Velha, numa das plenárias do 19º ATL.
“Passamos por quatro anos do genocídio de nosso povo. Quatro anos do latifúndio se armando para nos matar. E isso ainda está acontecendo: os Pataxó do sul da Bahia sofrendo ataque, os Guarani e Kaiowá sofrendo ataque, e todos os parentes que estão na área de autodemarcação sofrendo ataque”, pontuou o cacique.
A reivindicação e o relato da jovem liderança Pataxó refletem-se, também, na pauta e nas reivindicações dos cerca de seis mil indígenas de diversos povos e de todas as regiões do país que participam da mobilização na capital federal. A demarcação de todas as terras reivindicadas pelos povos originários é uma das principais pautas do ATL 2023.
“O que a gente pede é que nosso território, e não só o nosso, mas todos os territórios indígenas no Brasil, sejam demarcados, para que nossos parentes não morram mais. É muito difícil ver nossos parentes caírem e a gente não poder falar”, afirmou o cacique Renato.
“A terra é sagrada para nós. Se para eles a terra é negócio, para nós é vida. É onde nós plantamos, colhemos, bebemos nossa água cristalina. Eles em cima estão devastando, envenenando nossas águas, e nós estamos embaixo, bebendo água envenenada”, apontou o Pataxó.
Recomendações da CIDH ao Estado brasileiro:
1. adote as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros do Povo Indígena Pataxó conforme identificados, inclusive de atos perpetrados por terceiros, levando em consideração a pertinência cultural das medidas adotadas;
2. coordene as medidas a serem adotadas com as pessoas beneficiárias e seus representantes; e
3. informe sobre as ações adotadas para a investigação dos fatos que motivaram a adoção desta medida cautelar e, assim, evitar sua repetição.
30/mar/2023
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), a Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR), o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos (FADDH), o Instituto Hori Educação e Cultura, a Justiça Global e a Terra de Direitos enviaram um relatório à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para esclarecer a situação de violência constante a que o povo Pataxó têm sido submetido, no extremo sul da Bahia. A CIDH recebeu o documento na sexta-feira, 24/03.
O relatório do governo enviado à Comissão afirma que “o Estado tem buscado pacificar os conflitos narrados na área em questão, investigar os crimes ocorridos e, em sede judicial, tem assegurado os direitos dos indígenas”. Porém, até o momento os esforços para conter as investidas dos fazendeiros e milicianos contra a vida dos povos indígenas da região se mostraram ineficazes. E a íntima relação de policiais da Bahia com os fazendeiros têm tornado as instituições de segurança inacessíveis e ameaçadoras para os indígenas.
Em diversas oportunidades, os caciques e lideranças Pataxó têm reiteradamente solicitado o envio urgente da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) à região, inclusive em reuniões do Gabinete de Crise do Ministério dos Povos Indígenas, na crença de que ampliar a força-tarefa diminuirá a ousadia dos fazendeiros.
Insegurança e Estado de guerra
O Estado brasileiro conduziu uma Força Tarefa, no âmbito do Sistema Estadual de Segurança Pública, para intensificar o policiamento feito pela Polícia Militar da Bahia, concluir as investigações e ações de polícia judiciária no âmbito da polícia civil da Bahia (PCBA) e do departamento de polícia técnico (DPT), assim como a fomentação da atuação interinstitucional. A medida foi tomada apenas depois que o jovem Gustavo Pataxó foi assassinado pela milícia, em 4 de setembro de 2022. Mesmo assim, em janeiro de 2023, outros dois indígenas foram assassinados às margens da BR 101.
A Força Tarefa culminou com a prisão de três policiais militares da Companhia Independente de Policiamento Especializado da Mata Atlântica (CIPE – MA / CAEMA), no dia 06 de outubro de 2022. Em janeiro, houve grande apreensão de armas e munições, reforço da Força Tarefa e o soldado autor dos últimos dois assassinatos foi preso temporariamente. Também houve a instauração de uma Força Integrada de Combate a Crimes Comuns envolvendo Povos e Comunidades tradicionais (FI/SSP) e a apresentação de um Plano de Atuação Integrada de Enfrentamento à Violência contra Povos e Comunidades Tradicionais.
Mesmo assim, a Federação Indígena das nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (FINPAT), relata que as comunidades Pataxó tem enfrentado a impossibilidade de realizar denúncias oficiais, por meio de boletins de ocorrência, devido à insegurança em relação às forças de segurança pública.
Como afirma o relatório da Apib, “isso se deu justamente devido à insegurança das comunidades em relação às forças locais, devido à participação de policiais militares em grupos milicianos que, contratados por fazendeiros, atacam as comunidades, o que acaba por comprometer a lisura da Polícia Militar enquanto instituição de segurança, uma vez que muitos policiais que estão agindo à margem da Lei, usando o aparato do Estado, treinamento militar, equipamentos, estrutura e inteligência, para cometer crimes e atentados contra a vida de dezenas de pessoas indígenas vulneráveis, sem condições de defesa.”
Ataque midiático
A mídia protagoniza a guerra contra os indígenas, realizando uma ofensiva contra as comunidades Pataxó, num movimento de propaganda anti-indígena. O povo tem sido alvo de uma série de reportagens em grandes meios de comunicação que questionam a legitimidade da demarcação de seus territórios e, inclusive, a identidade indígena das comunidades envolvidas.
A emissora Jovem Pan News é responsável por circular uma notícia criminosa, no dia 21/03, que, além de trazer uma série de informações falsas, tenta deslegitimar os indígenas em luta pela demarcação de suas terras.
A notícia falsa associa as retomadas das Terras Indígenas de Barra Velha e Comexatibá ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, chama o povo Pataxó de “falsos índios” e atribui a eles crimes praticados pela milícia armada, contratada pelos fazendeiros intrusos, que têm aterrorizado a população da região. Nenhuma liderança indígena foi entrevistada pela reportagem, o que só reforça o caráter racista e calunioso da notícia.
No início de março, a emissora Band também prestou o desserviço de publicar uma matéria difamatória e racista contra o povo Pataxó. Essas e outras empresas de comunicação têm promovido uma campanha midiática contra as autodemarcações na região, que se propagam ainda mais através das redes sociais. As notícias não esclarecem os motivos reais dos conflitos e não apuram responsáveis, atribuindo supostos crimes à luta dos indígenas, ao mesmo tempo em que não reconhecem a legitimidade do povo sobre seu território.
Justiça
O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski suspendeu uma decisão da Justiça de Teixeira de Freitas a favor da reintegração de posse nas retomadas de duas áreas na região, na sexta-feira, 24/03. O ministro considerou o despejo uma ofensa à decisão anterior do STF, do ministro Edson Fachin, que em 2021 suspendeu todos os processos que tratem de demarcações de áreas indígenas até o fim da pandemia de covid-19 ou do julgamento final do caso.
Os territórios de Barra Velha e Comexatibá estão delimitados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), aguardando a assinatura do presidente da república na carta declaratória, para homologação dos documentos.
A Fazenda Marie, em Itamaraju, e a Fazenda Santa Rita III, em Prado são reivindicadas como parte das Terras Indígenas e serão mantidas sob a posse do povo Pataxó. A defensoria também apresentou uma Reclamação Constitucional para impedir a retirada dos indígenas de um terceiro imóvel, a Fazenda Therezinha. A área integra a Terra Indígena Comexatibá, em Prado, mesmo local onde o jovem indígena Gustavo Pataxó, de 14 anos, foi assassinado no final do ano passado. Ainda não há resultado sobre o último pedido de suspensão de desocupação.
O Ministério dos Povos Indígenas, apesar de vigilante, ainda não apresentou propostas efetivas para a situação. O gabinete de crise que atua desde janeiro em Brasília, foi prorrogado por 45 dias, mas surtiu poucos efeitos reais sobre a violência. A chegada da comitiva ministerial ao estado é inadiável. A vida de 12 mil indígenas Pataxó não pode mais esperar a discussão de soluções dos conflitos que assolam o território. O único caminho é a demarcação das Terras Indígenas Pataxó e a prisão dos fazendeiros e milicianos criminosos.