#13 Povo que teve primeiro caso de Covid-19 confirmado no Brasil, os Kokama agora registram o maior número de mortes

#13 Povo que teve primeiro caso de Covid-19 confirmado no Brasil, os Kokama agora registram o maior número de mortes

O primeiro caso confirmado de contaminação por Covid-19 entre indígenas brasileiros foi de uma jovem de 20 anos do povo Kokama, no dia 25 de março, no município amazonense Santo Antônio do Içá. O descaso do Governo Federal e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) fez com que a região seja, atualmente, o território com a maior quantidade de casos confirmados de indígenas com o novo coronavirus no Brasil e que o povo Kokama seja a população indígena com mais mortos até este momento.

Em pouco mais de um mês da confirmação do primeiro caso, o povo Kokama perdeu nove parentes para a doença, de acordo com levantamento da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). Em nota publicada por lideranças Kokama, eles denunciam o racismo institucional e falta de atendimento na região do Alto e Médio Solimões no Amazonas: “O Hospital Militar HGUT, de Tabatinga, tem insistido em registrar na declaração de óbito do nosso parente como ‘pardo’”. As lideranças evidenciam a falta de atendimento da SESAI e a consequente subnotificação de casos.

A região possui 61 indígenas que testaram positivo para Covid-19, segundo dados da Coiab e da Sesai atualizados hoje. Por ser uma região de fronteira com Peru e Colômbia e que abrange três municípios (Tabatinga, Benjamin Constant e Santo Antônio do Içá) com grande circulação de pessoas, a necessidade de ação do poder público (federal, estadual e municipal) se torna ainda mais urgente.

Nós, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), reforçamos as exigências feitas pelos nossos parentes Kokama na nota publicada neste domingo: para que Sesai, Funai e MPF atuem de forma urgente para evitar a continuidade da propagação da doença na região. O Governo Federal deve ser responsabilizado pela grande quantidade de indígenas mortos e infectados no Amazonas. Além do povo Kokama, o povo Tikuna – que também possui grande população no mesmo território – registra sete parentes mortos por Covid-19, de acordo com dados da Coiab até o momento.

Acesse o pedido de socorro feito pelas lideranças do povo Kokama e fortaleça a pressão do movimento indígena para enfrentar a pandemia: https://bit.ly/pedidoSocorro

NÓS POVO KOKAMA PEDIMOS SOCORRO, ESTAMOS MORRENDO!

NÓS POVO KOKAMA PEDIMOS SOCORRO, ESTAMOS MORRENDO!

São nove óbitos Kokama por COVID 19 nestas últimas semanas. Quem irá se fazer responsável pelas perdas de nossos anciãos e professores?

Nós povo Kokama habitantes originários deste extenso território do Alto e Médio Solimões viemos através desta DENUNCIAR para a mídia nacional e internacional e os órgãos públicos o descaso do poder público frente o combate do COVID 19 nesta região.

As cidades de Tabatinga, Benjamin Constant e Santo Antônio do Iça, Estado do Amazonas, Brasil encontram-se declarada a contaminação comunitária.

O prefeito de Tabatinga e o DSEI do Alto Solimões comunicaram que a situação está fora de controle. E nós povo Kokama estamos registrando óbitos todos os dias. Estamos aflitos e desesperados.

Nós estamos indignados devido a negligência, descaso e omissão do poder público a nível Federal, Estadual e Municipal, apesar deste último já fizeram o possível para conter a propagação do virus.

Por ser una região de frontera com Peru e Colômbia de grande mobilidade terrestre e fluvial, as ações das autoridades se tornam insuficientes.

O sistema de saúde público encontra-se sobrecarregado e sem os equipamentos necessários para responder a demanda de casos confirmados por este vírus.

Este maligno invisivel chamada “gripezinha” está acabando com a vida de nossos parentes, nosso POVO KOKAMA .

Ainda o Estado, através da SESAI insiste em fazer diferença entre o atendimento de parentes que vivem na cidade e os que estão na aldeia.

Deixando o nosso povo ainda mais exposto para o contágio deste vírus.

Estamos sofrendo com a falta de atendimento, despreparo das equipes médicas e falta de estruturas hospitalares, Unidade de Pronto Atendimento – UPA e Unidade de Terapia Intensiva – UTI para receber os pacientes.

Soma-se ao descaso das unidades de saúde o desconhecimento no trato com os povos indígenas, negando a nossa identidade. De fato, o Hospital Militar HGUT de Tabatinga tem insistido em registrar na Declaração de Óbito do nosso parente como “pardo”.

Queremos deixar claro a todos que RANI não faz a gente indígena! E sim, o reconhecimento de nossos líderes e representantes natos KOKAMA.

Nós SOMOS INDÍGENAS ANCESTRAIS! Além das dores o que é perder um parente, os médicos aspirantes precisam estarem cientes dos fatos das ocorrências juntamente com Assistência Social.

Pois, fomos comunicados dos óbitos 24 horas após o falecimento. Sabemos da dificuldade dos profissionais de saúde, ao transferir um paciente faz-se o necessário o intercâmbio da totalidade da vida do estado do paciente, onde ocorreu o descaso com o nosso parente, nossa família o professor ANCELMO. A UPA não repassou os dados completo do nosso primo para HGUT, e agora a culpa é de quem?

Estamos indignados por essa fatalidade! Não tem mais respeito com NÓS indígenas! Independente de quem for pois todos são pessoas humanas.

Ressaltamos o apreço da compreensão de todos.

EXIGIMOS QUE FUNAI, SESAI, MPF atuem de forma URGENTE para o fortalecimento das unidades hospitalares nos munícipios do Alto e Médio Solimões onde o vírus está se propagando com rapidez e matando os nossos parentes.

EXIGIMOS que se tomem as medidas necessárias para o isolamento social com mais vigor!

PEDIMOS que as autoridades SESAI e FUNAI disponibilize transporte para deslocar os familiares de nossos parentes falecidos.

EXIGIMOS um mínimo de dignidade aos povos indígenas nessas horas difíceis e de dor.

Apesar de nosso ente querido fazer a travessias para a vida espiritual sem dor, eles continuam a nos apoiar nessa luta!

Lembramos de nossos parentes falecidos por COVID 19:

Augustinho Samias – Aldeia Sapotal e falante materno
Idelfonso Tananta de Souza – Aldeia Sapotal
Lindalva de Souza Moura – Manaus
Anselmo Rodrigues Samias – professor da Aldeia Sapotal
Antônio Vela Sammp – Sapotal
Antônio Castilho – Manaus
Alberto Guerra Samias – Aldeia Sapotal

Assinamos esta carta os representantes legítimos do povo Kokama:

Glades kokama Rodrigues
Presidenta/ TWRK
E-mail: [email protected]

Eladio Kokama Curico
Presidente / OGCCIPK
E-mail: [email protected]

Edney Kokama Samias
Patriarca Tradicional
[email protected]

Conselho Terena pede e Justiça Federal suspende nomeação de militar na Funai de Campo Grande

Conselho Terena pede e Justiça Federal suspende nomeação de militar na Funai de Campo Grande

“Em que pese a defesa da União no sentido de que o nomeado possui qualificação técnica para ocupação do posto, pois exerceu atividades, durante a sua vida militar, de Encarregado do Setor Financeiro; a função de Coordenador Regional da FUNAI transcende à coordenação de questões orçamentárias, consistindo na representação, política e social, das comunidades indígenas locais”.
“Logo, as diversas declarações prestadas pelo Coordenador têm o condão de ofender justamente o grupo que deve ser protegido pela FUNAI, o que põe em sério risco a representatividade da minoria e garantia dos direitos constitucionais de organização social, costumes, línguas, crenças e tradições indígenas”.

“Diante de todo o exposto, DEFIRO A MEDIDA LIMINAR para suspender a eficácia da Portaria n. 149, de 3 de fevereiro de 2020, que nomeou José Magalhães Filho para exercer o cargo de Coordenador Regional Campo Grande da FUNAI”.

Decisão – Justiça Federal de Campo Grande

#12:  Morre primeiro indígena no Nordeste por Covid-19 e vírus chega a aldeias na região Sul

#12: Morre primeiro indígena no Nordeste por Covid-19 e vírus chega a aldeias na região Sul

O canto de Rondinelle Fulni-ô, 42 anos, seguirá ecoando em nossa memória. Ele é o primeiro indígena a falecer por Covid-19 na região Nordeste. Rondinelle era artesão e morreu no dia 23 de abril, mas apenas ontem, dia 1 de maio, o resultado com o diagnóstico positivo para Coronavírus foi divulgado pela Prefeitura de Águas Belas, Pernambuco. Hoje, 2 de maio, um ancião do povo Fulni-ô, que não teve a idade divulgada morreu com suspeita de CoVID-19 na mesma região, onde vivem cerca de 4 mil indígenas.

Os casos de morte e contaminação da Covid-19 entre indígenas seguem aumentando a cada dia no Brasil. Hoje, 26 povos estão afetados diretamente pela pandemia, o caso mais mais recente é a confirmação da chegada do vírus na região Sul. Um casal do povo Kaingang que vive na Terra Indígena Serrinha, nos municípios de Ronda Alta e Três Palmeiras, Rio Grande do Sul, testou positivo para o novo coronavírus. Segundo informações da Frente Indígena e Indigenista de Controle e Combate ao Coronavírus na Região Sul existem outros casos suspeitos na região, que não estão sendo acompanhados e diagnosticado pela falta de testes o que aumenta os riscos de contaminação.

Para nós, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), não são apenas números, são vidas que perdemos e tantas mais que estão em risco. Vivemos tempos alarmantes em que Governo Federal está no centro do agravamento desta crise social e sanitária.

Os povos indígenas vivem a ameaça de um novo ciclo de genocídio no Brasil porque temos comprovada vulnerabilidade em contextos de disseminação de vírus. Na nossa história muitos povos foram dizimados pela propagação de doenças muitas vezes realizada de forma intencional, como no período da ditadura militar.

A Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), organizaçao de base da Apib, tem recebido diariamente denúncias da falta de assistência e testagem para casos suspeitos. Os estados de Pernambuco e Ceará, que concentram a maior quantidade de casos confirmados na região nordeste, estão com os sistemas de saúde colapsados.

A Amazônia segue sendo a região, no Brasil, com a maior quantidade de casos de indígenas infectados e mortos por Covid-19. A doença já chegou a 18 povos na Amazônia, 5 povos que vivem na região Nordeste, 2 povos no Sudeste e 1 povo na região Sul do país.

Indígenas realizam edição histórica do Acampamento Terra livre

Indígenas realizam edição histórica do Acampamento Terra livre

Maior encontro das nações indígenas do Brasil se reinventa virtualmente e reúne indígenas de todo Brasil em 04 dias de atividades com foco na luta por direitos

Termina hoje à noite, 30/04, o maior encontro das nações indígenas do Brasil, Acampamento Terra Livre (ATL), que este ano acontece em formato virtual nas redes sociais da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), por conta do isolamento social contra a pandemia da COVID-19.

De 27 a 30 de abril, centenas de indígenas e não-indígenas, em muitos pontos do País, dentro de suas casas e aldeias, se conectaram virtualmente para a realização da já considerada a mais histórica edição do evento. Foram 32 mesas de discussões em formato live, dezenas de apresentações artísticas, entre rituais e cantos tradicionais; mais de 300 mil visualizações, milhares de compartilhamentos e a participação de lideranças indígenas de diferentes gerações de norte a sul do país, parlamentares, artistas, antropólogos, juristas, indigenistas, pesquisadores, acadêmicos, jornalistas, procuradores, organizações de base e especialistas de muitos outros âmbitos.

A edição é considerada histórica, porque foi a primeira vez que povos dos mais diversos territórios se encontram no ambiente online para construir o que acontece há 15 anos presencialmente em Brasília – DF.

“Neste momento de crescimento dos ataques aos direitos indígenas e de nossa extrema vulnerabilidade frente à pandemia, a reinvenção na estratégia foi fundamental para continuarmos mobilizados. A sociedade precisa entender o papel dos povos indígenas no combate às mudanças climáticas, para garantir a água, o clima, a alimentação mundial. Até o momento, o Brasil registra 16 óbitos de indígenas no Brasil pela COVID-19. O estado brasileiro precisa ter ações concretas para evitarmos um novo genocídio. A luta indígena é de todos, e somente juntos iremos derrubar este governo genocida”, alerta Sonia Guajajara, coordenadora executiva da APIB.

O uso da tecnologia colocou, mais uma vez, o movimento indígena na vanguarda da resistência, pois permitiu não só a troca de saberes, promoveu emocionantes falas (como o diálogo entre mulheres), reforçou a espiritualidade, a tradição e a união de diferentes etnias; como levantou importantes encaminhamentos para as ações necessárias para garantir o cumprimento de medidas para a proteção territorial e da saúde dos povos ancestrais no contexto da pandemia.

Essa articulação é importantíssima num cenário onde o governo federal torna-se seu maior inimigo, com recentes determinações que incentivam a grilagem de suas terras (MP 910), a normativa 09 da FUNAI (que permite a ocupação de territórios indígenas não homologados), a retirada de órgãos protetivos como IBAMA e FUNAI do Conselho da Amazônia, entre falas do presidente da República que inferiorizam e reforçam o preconceito contra essas nações.

Os vídeos dos debates podem ser consultados na página da APIB, contendo painéis jurídicos com debates extremamente qualificados, com a opinião de importantes nomes do direito e também do fortalecimento da rede de advogados indígenas, em temas urgentes como mineração em terras indígenas, demarcação de territórios, povos isolados, mudanças climáticas, política indigenista, entre muitos outros.

“É difícil dizer qual é a ameaça mais gritante que o governo federal faz contra os povos indígenas, mas uma delas é a edição da Instrução Normativa 09/2020 da FUNAI, que fulmina o direito básico dessas nações, que é o direito ao território. A possibilidade de que mais mortes aconteçam, é imensa. Contra isso, expedimos ontem, pelo MPF, a recomendação para que essa Instrução seja imediatamente revogada. Ela foi assinada por 49 procuradores de 23 Estados do Brasil”, declarou o procurador Felício Pontes, do MPF-PA.

No mesmo painel (Frente Parlamentar Mista em defesa dos Direitos Indígenas), a deputada federal Joenia Wapichana, primeira parlamentar indígena do Brasil, também anunciou a expedição de uma carta assinada por diversas organizações, dirigida à Organização Mundial da Saúde (OMS), com o pedido para que os povos originários (do mundo todo) sejam considerados como o de maior risco e vulnerabilidade de contaminação pela COVID-19, e portanto, devem receber atendimento prioritário no enfrentamento da pandemia.
“Trazemos a preocupação das grandes lideranças indígenas, que lutam pelos seus modos de viver (…). Pedimos a vossa atenção quanto ao pleito de integrantes da aliança de parlamentares indígenas da América Latina, estendendo a todos os povos originários, para orientar aos governos do mundo que implementem políticas públicas que garantam a segurança física, alimentar, territorial e cultural desses povos”, diz um trecho da carta.

#11 Durante a pandemia, Funai emite norma que incentiva invasão de terras indígenas

#11 Durante a pandemia, Funai emite norma que incentiva invasão de terras indígenas

O (des)governo Bolsonaro publicou no dia 22 de abril outra medida anti-indígena. No meio de uma crise sanitária que ameaça causar um novo genocídio aos povos indígenas, a Fundação Nacional do Índio (Funai), emitiu a Instrução Normativa nº 9 que permite legalizar o crime de grilagem dentro de áreas indígenas. Uma medida inconstitucional e criminosa, que agrava ainda mais a violência contra os povos indígenas e incentiva o aumento de crimes ambientais.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e suas organizações de base exigem a imediata anulação desta instrução normativa. Mais uma vez o governo de forma criminosa rasga a Constituição Brasileira, que garante aos povos indígenas o direito originário ao território tradicional, para atender aos interesses do agronegócio, grileiros, latifundiários e mineradoras.

O Ministério Público Federal (MPF) emitiu, no dia 29 de abril, recomendação feita por 49 procuradores de 23 estados para Funai anular a Normativa nº 9. A medida descumpre decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e de Cortes Internacionais que reconhecem os nossos direitos. Esta norma do governo também desrespeita a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

A pandemia da Covid-19 já chegou em 20 povos indígenas no Brasil. Não estamos enfrentando apenas um vírus. Junto com o aumento de casos de indígenas infectados e mortos pela Covid-19 está o crescimento de assassinatos das nossas lideranças e o aumento das invasões de madeireiros, garimpeiros, missionários e grileiros em nossas terras. O isolamento social recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) não pode ser um privilégio de poucos. No dia 29 de abril, um projeto de lei que prevê atenção especial aos povos indígenas devido à pandemia foi aprovado para tramitar com urgência no Congresso Nacional.

Este ano realizamos a maior assembléia dos povos indígenas onlineNesta 16ª edição do Acampamento Terra Livre feita online, levantamos tal alerta e reforçamos a necessidade de anularmos esta nova medida da Funai. Querem nos negar o direito de viver há mais de 520 anos, mas não iremos permitir que isso aconteça jamais.

Em tempos de coronavírus, indígenas fazem acampamento virtual

Em tempos de coronavírus, indígenas fazem acampamento virtual

Confira publicação do El País sobre o ATL

O estado de emergência causado pelo novo coronavírus impediu a realização presencial do Acampamento Terra Livre (ATL), evento que reúne todos os anos, em abril, milhares de indígenas de diversas etnias em Brasília para discutir e apresentar soluções para a defesa de seus territórios e direitos.

O ATL, contudo, está acontecendo, mas virtualmente, com uma série de discussões, transmissões ao vivo e apresentações culturais orientadas a estimular a mobilização indígena e denunciar o cenário de omissão do Estado brasileiro quanto a esses povos. Para tanto, é imprescindível mostrar que o atual governo vem seguindo à risca a inconstitucional promessa de não demarcar os territórios, agravando conflitos, violências e a vulnerabilidade social de diversos grupos.

É importante pontuar que a inferiorização do indígena, promovida em discursos do presidente da República, tem repercussão direta nas práticas governamentais. Exemplo disso é que durante a gestão do ex-ministro Sérgio Moro, o Ministério da Justiça deixou de analisar todos os processos demarcatórios que estavam sob sua responsabilidade, devolvendo-os à Fundação Nacional do Índio (Funai) e atrasando a solução de conflitos antigos.

A autarquia indigenista, por sua vez, recusa-se a adotar políticas públicas em territórios não demarcados, o que provoca uma espécie de círculo vicioso das omissões: o mesmo Estado que se omite no seu dever constitucional de demarcar Terras Indígenas utiliza os efeitos da omissão como argumento para deixar de exercer a política indigenista. Indígenas que estão em territórios não demarcados são tratados como invasores, e, quando vão protestar, são recebidos pela Força Nacional de Segurança Pública, ao passo que os adversários da causa indígena recebem outro tipo de tratamento.

O discurso integracionista e de ódio do Governo federal repercute, também, no assédio aos recursos naturais dos territórios, pois há uma sinalização favorável e até um estímulo à violação dos direitos indígenas, constantemente tratados como fraudulentos ou exagerados. A devastação da floresta e os impactos de atividades ilícitas são profundos, o que é favorecido por um projeto eficaz de desestruturação dos órgãos de fiscalização. Em vez de combater a usurpação de terras públicas e garantir a proteção de territórios e unidades de conservação, o Estado brasileiro preferiu editar a Medida Provisória nº 910, que premia a grilagem e convalida ocupações irregulares. Com isso, há uma renúncia à proteção do patrimônio público e o favorecimento a crimes ambientais, sem haver a necessária destinação às finalidades constitucionais de demarcação e reforma agrária.

No cenário de pandemia, tais problemas se agravam. Além da persistência da vulnerabilidade dos territórios, inclusive com o aumento de índices de desmatamento na Amazônia, conforme dados do Sistema Deter-B, do INPE, a disseminação da covid-19 expõe as deficiências do subsistema de saúde indígena, política pública que vinha sendo precarizada por tentativas de privatização e facilitação de evangelização. O risco de colapso causado pelo vírus realça as dificuldades de articulação entre a esfera federal e os Municípios e Estados na saúde indígena, e as carências de profissionais e materiais são imediatamente sentidas.

Não bastassem essas dificuldades, o Governo não adota medidas diferenciadas para o recebimento do auxílio emergencial. A recusa de diálogo com organizações e movimentos sociais na discussão quanto à implementação do benefício e quanto à adoção de mecanismos para garantir a não aglomeração nas cidades para o seu recebimento geram o risco de contaminação em massa. As formas como os indígenas se organizam para ir às cidades, geralmente em grupos, e as dificuldades na permanência nos municípios acendem o alerta para o risco de aumento exponencial de casos nessas regiões.

Canal de pressão
Assim, o vírus se impõe sobre uma realidade em que os reais invasores continuam nos territórios, as políticas públicas não funcionam adequadamente e o Governo Federal ainda pensa que os indígenas precisam tornar-se “seres humanos iguais a nós”. Soma-se que a crise da democracia no Brasil bloqueia canais de participação e de escuta dos grupos, dificultando ainda mais a construção de soluções.

Diante disso, considerando o fato de que a covid-19 provoca efeitos desiguais sobre os povos indígenas e o dever do Estado de prevenir o genocídio, torna-se fundamental que os indígenas possam, com o apoio da sociedade civil, efetivamente mostrar os seus anseios e apontar os caminhos e as demandas para o enfrentamento dessa realidade, o que passa pela proteção dos territórios e pelo respeito à sua identidade.

Finalmente é preciso reafirmar que as atrocidades contra os indígenas não ficaram no passado. Ele se perpetua em diversos cantos do país, onde os “parentes” são assassinados em razão da sua etnia e de seus modos de vida. Na pandemia, os problemas se multiplicam, e a histórica omissão do Estado e o racismo estrutural provocam repercussões desiguais e desproporcionais.

É por isso que o ATL se torna ainda mais importante. Ainda que não haja a presença física nem as manifestações de rua em Brasília, devemos refletir e lutar pela causa indígena e pela democracia.

Julio José Araujo Junior é procurador da República e Mestre em Direito Público pela UERJ. Autor de Direitos territoriais indígenas: uma interpretação intercultural.

Marivelton Baré é presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN).

#10 “Amanhã sentirei saudades, hoje só consigo sentir dor, indignação e revolta”

#10 “Amanhã sentirei saudades, hoje só consigo sentir dor, indignação e revolta”

Alerta APIB #10 Covid-19 e povos indígenas
Brasil, quarta-feira, 29 de abril de 2020

O sentimento é de revolta e indignação. Os povos indígenas em contexto urbano estão esquecidos durante essa pandemia, justamente quando mais estamos fragilizados. Porém, na época da campanha eleitoral, estavam todos lá, levando seus mutirões de saúde, suas dentaduras, seu asfalto, suas carreatas.

E qual é mesmo o papel da SESAI ?! Saímos das aldeias, mas trazemos nosso território em nosso corpo e no nosso espírito. Apesar de ser uma política de Governo o nosso
extermínio, nós sobrevivemos. Para nós, povos indígenas, estarmos vivos é um ato de rebeldia. Precisamos de atenção nas aldeias e na cidade, especialmente nas periferias, onde fizemos morada.

Por todo o país, povos indígenas sofrem com a invisibilidade.
Nos centros urbanos, não temos o direito nem de escrevermos a nossa etnia nos prontuários de atendimento. Os brancos podem se envergonhar de quem são, nós não.

Manaus não dá para esconder. São mais de 30 mil indígenas morando na cidade, disputando leitos de morte no SUS. Não dá pra brincar de ser índio só
na época do boi.

O vírus está na minha comunidade Wotchimaücü, todos os meus irmãos estão doentes. Para contribuir, fizemos uma campanha online de financiamento coletivo, para ajudar a comunidade a superar esse momento de dificuldades, pois, praticamente todas as famílias vivem da venda de artesanato nas feiras.

Hoje morreu um mestre do povo Tikuna em Manaus, vice-cacique, professor Aldenor Basques Félix Gutchicü, pelos sintomas, possivelmente mais uma vítima do Covid-19, associada a outros males, inclusive, a falta de assistência.

Babu como era carinhosamente chamado, foi um dos precursores do Curso de Pedagogia Intercultural da Universidade do Estado do Amazonas e responsável por a primeira geração de crianças Tikuna, nascidas em Manaus, ter a oportunidade de estudar e aprender a sua língua materna. Também era um grande entusiasta da nossa cultura, músico autodidata, compomos juntos algumas canções que falam do sagrado.

Aldenor não merecia esse triste fim, morrer dentro do Uber, longe da sua família, que está no Alto Solimões e a comunidade chorando de longe sem poder se despedir.

Babu esbanjava um sorriso de luz. Amanhã sentirei saudades, hoje só consigo sentir dor, indignação e revolta.

O texto deste alerta é da jornalista Djuena Tikuna.
Acompanhe o ATL ao vivo em apib.info e acesse os casos de Covid-19 e povos indígenas no site quarentenaindigena.info

Nota Técnica: a Instrução Normativa da Funai nº 09/2020 e a gestão de interesses em torno da posse de terras públicas

Nota Técnica: a Instrução Normativa da Funai nº 09/2020 e a gestão de interesses em torno da posse de terras públicas

FUNAI EDITA NORMATIVA E SE TRANSFORMA EM CARTÓRIO DE CERTIFICAÇÃO DE IMÓVEIS PARA POSSEIROS, GRILEIROS E LOTEADORES DE TERRAS INDÍGENAS

A Indigenistas Associados (INA), associação de servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), apresenta nota técnica sobre a Instrução Normativa/ Funai n. 9 (IN 09), de 16 de abril de 2020. Publicada na edição de 22 de abril de 2020 do Diário Oficial da União (DOU), a IN 09, ao tempo em que revoga a IN/ Funai de número 03, datada de 20 de abril de 2012, promove mudança administrativa da máxima gravidade e, em flagrante contraste com a razão de ser da autarquia indigenista, da mais gritante parcialidade contra os direitos indígenas.

A Instrução Normativa n. 09/2020 transforma a Funai em instância de certificação de imóveis para posseiros, grileiros e loteadores de Terras Indígenas (TIs). O ato administrativo em questão insere-se como mais uma das infelizes iniciativas relativas aos direitos territoriais indígenas que, em conjunto, constituem o que se pode chamar de revisionismo demarcatório, em contexto político de escalada cronológica de destruição dos direitos indígenas.

A nova diretriz da Funai se dá no contexto das pretensões da Medida Provisória 910/ 2019, também conhecida como “MP da grilagem”, e seus dois relatórios. Trata-se de dispositivo normativo com amplo impacto sobre a realidade socioambiental brasileira com incidência sobre conflitos em torno da posse da terra e do aproveitamento de recursos naturais em TIs.

Com a IN 09, e em vista da MP da Grilagem, invasores de TI poderão solicitar documento à Funai e, munidos desse documento, requerer junto ao Incra, por meio de cadastro autodeclaratório, a legalização dessas áreas invadidas. Ocupantes, posseiros e grileiros também poderão licenciar atividades econômicas como extração madeireira, inclusive em áreas interditadas em razão da ocupação de índios isolados, a exemplo da TI Piripkura e TI Kawahiva do Rio Pardo, no Mato Grosso, cercadas e intensamente pressionadas por madeireiros.

Para a emissão do documento previsto na IN 09, a Funai passará a considerar apenas a existência de TIs homologadas, reservas indígenas e terras dominiais indígenas plenamente regularizadas (art. 1º, §1º), ignorando por completo, por exemplo, TIs delimitadas, TIs declaradas e TIs demarcadas fisicamente. Na IN 09 se ignoram ainda por completo as TIs com portaria de restrição de uso (art. 7o, Decreto n. 1.775/1996), as terras da União cedidas para usufruto indígena e também as áreas de referência de índios isolados, em restrição de uso, às quais não se faz qualquer menção.

Se nada for feito para impedir que a política indigenista siga por esse rumo, o cenário que se avizinha é de acirramento dos conflitos fundiários entre indígenas e não indígenas, com previsível aumento de episódios que cheguem à concreta manifestação de violência física, inclusive com casos de mortes. Nada leva a crer que os povos indígenas deixarão de recorrer aos meios de resistência de que dispõem para defender suas territorialidades.

Leia a nota técnica completa da INA aqui

#09: Cresce número de mortos e indígenas contaminados; APIB realiza mobilização online

#09: Cresce número de mortos e indígenas contaminados; APIB realiza mobilização online

Os casos de indígenas infectados por Covid-19 aumentaram 111% nos últimos quatro dias e as mortes contabilizadas pelas organizações indígenas são de 15 parentes, um salto alarmante de 50% de indígenas falecidos no mesmo período. No dia 23 de abril os casos confirmados eram de 42 indígenas contaminados e 10 parentes mortos. A última atualização dos dados feita, na noite do dia 27 de abril, pelas organizações de base da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) contabilizam 89 parentes infectados e 15 mortos.

A cada dia os casos aumentam de forma alarmante e o governo Bolsonaro segue de forma criminosa negligenciando a proteção dos povos indígenas, descumprindo a Constituição Federal. Pelo levantamento realizado pelas organizações indígenas, 19 etnias estão sendo afetadas até o momento e os casos suspeitos já abrangem todas as regiões do país.

Os dados do Governo Federal seguem sendo subnotificados e a SESAI não consegue acompanhar e registrar os indígenas que vivem nas cidades fora dos territórios tradicionais. Entendemos este fato com um ato de racismo institucional e exigimos a revogação urgente da portaria 070/2004 para garantir o atendimento de todos os indígenas, aldeados ou não.

Nós, da APIB, e todo movimento indígena, estamos encarando este momento com extrema preocupação. Podemos viver outro ciclo de genocídio dos nossos povos. As invasões e crimes cometidas por madeireiros, garimpeiros e grileiros seguem intensas nos nossos territórios da mesma forma que a ameaça da contaminação do vírus avança a cada dia.

Hoje, o Amazonas, que está com colapso no sistema de saúde, segue como estado com maior número de casos de contaminados e de mortes por Covid-19 entre indígenas. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) tem recebido diariamente informações de casos suspeitos e acompanhado denúncias sobre a falta de testes rápidos e da não atenção da Sesai com os indígenas que vivem fora dos territórios. Indígenas, que estão em tratamento por outras doenças, e estão sendo contaminados nos hospitais e na Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai) de Manaus. Isto é grave!

Para enfrentar as ameaças da pandemia e o aumento das violências contra os povos indígenas iniciamos ontem, 27, a 16ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) online. Vamos ocupar as redes e demarcar as telas até o dia 30 de abril com encontros virtuais para mobilizarmos nossa articulação e pressionarmos o Governo Federal e os Governos Estaduais para implementarem medidas urgentes de proteção à vida dos povos indígenas.

Acompanhe o ATL ao vivo em apib.info e acesse os casos de Covid-19 e povos indígenas no site quarentenaindigena.info