O governo federal e o estado de exceção em relação a indígenas e quilombolas.

O governo federal e o estado de exceção em relação a indígenas e quilombolas.

No dia 20 de julho de 2017, a par de uma clara e inequívoca articulação com a bancada de parlamentares ruralistas formada no Congresso brasileiro, a Presidência da República chancelou parecer  da Advocacia Geral da União que para além de limitar os direitos dos povos indígenas e quilombolas, avança no sentido de constranger o Supremo Tribunal Federal que pautou para o próximo mês de agosto o julgamento de ações que dizem diretamente a esses povos, ou seja, quanto ao direito, ou não, de terem assegurados seus ancestrais direitos à luz do que prevê e fixa a Constituição de 1988.

Essa nefasta articulação que tem como pano de fundo a sustentação política do atual ( e ilegítimo ) Presidente da República, objetivando, dentre outras medidas, negar autorização à persecução criminal do mesmo ante o Supremo Tribunal Federal pelo Parlamento, simplesmente afronta de modo ignóbil e direto a Constituição da República fazendo    – o ato chancelado – tábua rasa dos preceitos fixados na Constituição Federal, arvorando-se  em uma decisão da Corte Suprema para uma caso específico e que não tem – e nunca teve – a extensão pretendida pelos setores do agronegócio e da mineração. Ou seja, uma decisão questionável e ainda em discussão tomada por parte do Supremo Tribunal Federal quando julgou, caso pontual (estamos nos referindo a o julgamento concernente à terra indígena Raposa Serra do Sol ), está sendo ardilosa e fraudulentamente utilizada pelo Chefe do Poder Executivo para ludibriar, enganar e corromper princípios constitucionais claros e taxativos de modo a manietar e impedir que os direitos dos povos indígenas e quilombolas sejam efetivamente respeitados pelo Estado brasileiro, que, pela elite racista e classista que dele se apoderou, simplesmente advoga verdadeiro etnocídio.

Esse texto não permite por sua extensão que nos aprofundemos em detalhes técnicos e legais, mas inexorável e irretorquível que o compromisso do atual governo com a maximização da exploração capitalista não tem limites – o que comprovam outras contrarreformas sociais de autoria do mesmo governo e que vêm sendo arrancadas a fórceps de um Congresso quase que totalmente comprometido com o rentismo e a exploração dos debaixo, contando com forte apoio da mídia burguesa. Para tanto valem todos os expedientes ao alcance da engenharia jurídica de corte reacionário que permeia esse ilegítimo governo, ainda que isso signifique rasgar a Constituição da República e implantar verdadeiro estado de exceção em relação a segmentos sociais vulneráveis politicamente.

A releitura, melhor, a interpretação casuísta e absolutamente descompassada   do conteúdo do disposto nos arts. 231 e 232 da Constituição da República, assim como do art.68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, sem embargo das regras regulamentares dessas balizas constitucionais, é meio e modo de, mais do que negar, surrupiar direitos dos indígenas e quilombolas, afrontando inclusive normativas internacionais as quais aderiu o Estado brasileiro.

O ato de chancela do (ilegítimo) Presidente da República é típico do arbítrio e atentatório aos princípios civilizatórios inscritos no Preâmbulo da Constituição de 1988. Se havia alguma dúvida sobre o desleixo com o ser humano por parte dos atuais governantes do Brasil, o ato em questão é sinal claro de que para além disso, há por parte dessa gente, o compromisso com a barbárie.

Rio de Janeiro, 22 de julho de 2017

Comissão de Direitos Humanos – OAB/RJ
Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas/RS
Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul

NOTA PÚBLICA DA ASSOCIAÇÃO ADVOGADAS E ADVOGADOS PÚBLICOS  PARA A DEMOCRACIA – APD

NOTA PÚBLICA DA ASSOCIAÇÃO ADVOGADAS E ADVOGADOS PÚBLICOS PARA A DEMOCRACIA – APD

A APD – Associação Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia, entidade civil sem fins lucrativos ou corporativistas, criada por advogados públicos federais, que busca a plena efetivação dos valores sociais e jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito através do fortalecimento da relação da Advocacia Pública com os movimentos sociais e populares, vem a público manifestar preocupação extrema com a edição do Parecer n. 001/2017/GAB/CGU/AGU, aprovado pelo Presidente da República em 19.07.2017, o qual, entre outras deliberações, acabou por consagrar o indigitado marco temporal de 1988, como limitador das demarcações de terras indígenas em território nacional, tese esta que não encontra sustentação na doutrina jurídica sobre o tema, sequer também aplicação irrestrita na jurisprudência, como pretendido pelo dito parecer vinculante da administração federal.

Ocorre que a partir do julgamento do rumoroso caso judicial intitulado Raposa Serra do Sol (pet. 3.388/RR) ganhou corpo entre os defensores da paralisação da demarcação de terras indígenas no País um suposto entendimento de que não poderiam mais ser demarcadas as áreas onde os indígenas não estivessem fisicamente presentes na data da promulgação da Constituição Federal, em 05.10.1988. Ganhou corpo, também, entre os opositores das demarcações o entendimento de que se estariam ampliando terras indígenas já demarcadas. Isso porque aquele julgamento estabeleceu uma apreciação genérica para as demarcações, criando a interpretação de que a Constituição estabeleceria um limitador no tempo para as demarcações, em que só o presente deveria ser reconhecido pela administração pública. Além disso, aquele julgamento incluiu nas razões de decidir e no dispositivo do acórdão uma suposta salvaguarda apontando uma proibição de ampliação de terras indígenas já demarcadas.

No entanto, tais balizas, ditadas no seio de uma ação popular, nunca foram aceitas pela comunidade indigenista, vez que, em princípio, esbarram na própria Constituição ao ignorar a locução “direitos originários” às terras tradicionais (CF, art. 231, caput) e imprescritibilidade desses direitos (CF, art. 231, § 4º).

O julgamento, agora acolhido como vinculante pelo mencionado Parecer, rompeu com uma tradição jurídica que se firmou no Brasil desde a edição do Alvará Régio de 1680, denominada indigenato, segundo a qual os povos indígenas devem ter suas terras protegidas de qualquer outro título que não ostente a mesma condição de direito originário e anterior mesmo à organização do Estado nacional.
Inobstante, este rompimento não foi e não é aceito por esses mesmos povos, dado o inafastável reconhecimento de que eles existiam anteriormente à chegada dos colonizadores, o que lhes confere uma condição distinta de qualquer outro grupo humano formador da identidade nacional.

Esse direito único e inderrogável não pode ser cerceado por entendimentos que visam obstaculizar o retorno dos indígenas às suas terras, sob pena de se consolidar um tipo de espoliação largamente repudiada pela comunidade jurídica e pela sociedade internacional.
É da compreensão da APD que a Constituição Federal de 1988 acolheu o instituto do indigenato e consolidou uma proposta fraternal de inclusão e de reparação aos povos indígenas, ao reconhecer o direito originário às terras que ocupam, cujo direito à posse permanente independe até mesmo da existência de processo de demarcação, conforme preceitua o artigo 25 do Estatuto do Índio, Lei 6.001/1973.
Diante de tais fatos, a APD exorta o Estado Brasileiro a rever a interpretação dada pelo Parecer em questão, o qual não pode prevalecer sobre a longa tradição jurídica nacional, os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, e em detrimento dos valores supremos de uma sociedade fraterna e pluralista, tal como está consagrado no Preâmbulo da Constituição Federal.

Brasília, 21 de JULHO de 2017
Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia – APD

O marco temporal do STF fere a concepção da posse imemorial prevista na Constituição

O marco temporal do STF fere a concepção da posse imemorial prevista na Constituição

(Via Amazônia Real)

As terras indígenas em avançado processo de demarcação estão ameaçadas por 19 restrições da Corte. O marco já foi adotado na suspensão da Terra Indígena Guyraroká (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

O Supremo Tribunal Federal (STF) aplicou no julgamento da homologação da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, um precedente que encaixou os territórios reivindicados pelos indígenas do país em um mesmo marco no tempo, em 2009. As terras que estavam ocupadas podem ser definidas territórios originários. As outras, isto é, sem a presença indígena na data eleita, estão descartadas. O ano estipulado para o marco temporal foi o da promulgação da Constituição Federal em 05 de outubro de 1988.

Nesta quarta-feira (19), o presidente da República, Michel Temer (PMDB), aprovou parecer da Advocacia-Geral da União determinando que “toda a administração pública federal observe, respeite e dê efetivo cumprimento à decisão do STF no julgamento do caso Raposa/Serra do Sol, que fixou as “salvaguardas institucionais às terras indígenas”, aplicando esse entendimento à todos os processos de demarcação em andamento, de forma a contribuir para a pacificação dos conflitos fundiários entre indígenas e produtores rurais, bem como diminuir a tensão social existente no campo, que coloca em risco a vida, a integridade física e a dignidade humana de todos os envolvidos.”

Confira na íntegra

Michel Temer violenta os direitos dos povos indígenas para tentar impedir seu próprio julgamento

Michel Temer violenta os direitos dos povos indígenas para tentar impedir seu próprio julgamento

 Nota pública

O presidente Michel Temer aprovou e mandou publicar no Diário Oficial da União o parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), que obriga a administração pública federal a aplicar, a todas as Terras Indígenas do país, condicionantes que o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu, em 2009, quando reconheceu a constitucionalidade da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. O parecer simula atender uma orientação do STF, mas, na verdade, os ministros da corte já se manifestaram pela não obrigatoriedade da aplicação daquelas condicionantes a outros processos de demarcação.Importante lembrar que, em 2010, quando a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) apresentou proposta de súmula vinculante sobre o tema, o STF rejeitou o pedido por entender que não seria possível editar uma súmula sobre um tema no qual ainda não havia reiteradas decisões que pudessem demonstrar a consolidação de entendimento sobre o assunto.

A aplicação daquelas condicionantes a outras situações resulta em graves restrições aos direitos dos povos indígenas. Por exemplo, a autorização que o STF deu para a eventual instalação de infraestrutura para a defesa nacional naquela terra indígena de fronteira poderá, com o parecer da AGU, ser aplicada em qualquer outra região para desobrigar governos, concessionárias e empreiteiras a consultar previamente os povos indígenas, na abertura de estradas, instalação de hidrelétricas, linhas de transmissão de energia ou quaisquer outros empreendimentos que poderão impactar as Terras Indígenas.

O parecer pretende institucionalizar e pautar as decisões do STF sobre a tese do “marco temporal”, que restringe o direito às terras que não estivessem ocupadas pelos povos indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Isso representa uma ampla anistia à remoção forçada de comunidades indígenas praticadas durante a ditadura militar. Decisões do próprio STF rejeitaram mandados de segurança contra demarcações fundamentados nessa tese. O parecer da AGU toma partido numa discussão que ainda está em curso na Suprema Corte para impor restrições administrativas às demarcações de Terras Indígenas e ao usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre os recursos naturais dessas áreas.

O parecer aprovado por Temer foi anunciado previamente pelo deputado federal ruralista Luis Carlos Heinze (PP-RS) pouco antes da votação na Câmara do pedido de autorização para que o STF julgue o presidente por corrupção passiva, deixando claro que os direitos dos povos indígenas estão sendo rifados em troca dos votos ruralistas para manter Temer no poder. Heinze é o mesmo parlamentar que, em 2013, afirmou publicamente que índios, quilombolas e gays são “tudo o que não presta”.

As organizações signatárias manifestam o seu veemente repúdio ao parecer 001/2017 da AGU, que será denunciado em todos fóruns e instâncias competentes. Temos consciência dos inúmeros danos que estão sendo causados ao país e a todos os brasileiros na “bacia das almas” desse governo, mas pedimos o apoio dos demais movimentos sociais e da sociedade em geral contra mais esta violência.

Solicitamos ao Ministério Público Federal (MPF) que requeira a suspensão dos efeitos do parecer da AGU, cujas proposições são consideradas inconstitucionais por juristas de renome. Solicitamos, ainda, que o STF ponha fim à manipulação das suas decisões pelo atual governo, a qual tem o objetivo de desobrigar o reconhecimento do direito constitucional dos povos indígenas sobre suas terras e impor restrições aos outros direitos desses povos.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)
Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME)
Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE)
Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ARPINSUL)
Grande Assembléia do Povo Guarani (ATY GUASU)
Comissão Guarani Yvyrupa
Conselho do Povo Terena
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
Articulação dos Povos Indígenas do Amapá e Norte do Pará (APOIANP)
Associação Agroextrativista Puyanawa Barão e Ipiranga (AAPBI)
Associação Apiwtxa Ashaninka
Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC)
Associação do Povo Arara do Igarapé Humaitá (APAIH)
Associação dos Povos Indígenas do Rio Envira (OPIRE)
Associação dos Produtores Kaxinawa da Aldeia Paroá (APROKAP)
Associação dos Produtores Kaxinawá da Praia do Carapanã (ASKPA)
Associação Indígena Katxuyana, Kahiana e Tunayana (Aikatuk)
Associação Indígena Nukini (AIN)
Associação Nacional de Ação Indigenista-Bahia (Anai-Bahia)
Associação Sociocultural Yawanawa (ASCY)
Associação Terra Indígena Xingu (ATIX)
Associação Wyty-Catë dos povos Timbira do MA e TO (Wyty-Catë)
Amazon Watch
Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza
Centro de Trabalho Indigenista (CTI)
Conectas
Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP)
Comissão Pró-índio do Acre (CPI-Acre)
Conselho das Aldeias Wajãpi (APINA)
Conselho Indígena de Roraima (CIR)
Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs
Conectas
Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN)
Federação dos Povos Indígenas do Pará
Federação das Organizações e Comunidades Indígenas de Médio Purus (Focimp)
FIAN Brasil
Greenpeace
Hutukara Associação Yanomami (HAY)
Ibase
International Rivers Brasil
Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB)
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepe)
Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)
Instituto Socioambiental (ISA)
INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos
Rede de Cooperação Amazônica (RCA)
Operação Amazônia Nativa (Opan)
Organização dos Agricultores Kaxinawá da Colônia 27 (OAKTI)
Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi de Pauini (Opiaj)
Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ)
Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC)
Organização dos Povos Indígenas Apurina e Jamamadi de Boca do Acre Amazonas (Opiajbam)
Organização Geral Mayuruna (OGM)
Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil
Terra de Direitos
Uma Gota no Oceano

Foto: Takukam Takuikam

MPF divulga nota pública contra retrocesso em demarcação de terras indígenas

MPF divulga nota pública contra retrocesso em demarcação de terras indígenas

(Via Ministério Público Federal)

O Ministério Público Federal (MPF) se manifestou, em nota pública, contra o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), aprovado pelo presidente Michel Temer, sobre os processos de demarcação de terras indígenas.

Para a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR/MPF), a posição do presidente da República demonstra que “o atual governo faz o que os antecessores já faziam: não demarca, não reconhece e não protege terras indígenas”.

O parecer, divulgado nessa quinta-feira (19), orienta a administração federal a vincular as condicionantes estabelecidas no caso Raposa Serra do Sol para outros processos demarcatório, mesmo tendo o Supremo Tribunal Federal expressamente reconhecido que a decisão tomada na PET 3388 não é dotada de eficácia vinculante para outras terras indígenas.

Leia a íntegra da nota pública do MPF:

O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, é firme desde sempre na determinação do dever do respeito às terras indígenas. A decisão no caso Raposa Serra do Sol é extraordinariamente bela e afirmativa dos direitos originários dos índios às terras de sua ocupação tradicional.

Todo o esforço do Estado brasileiro desde então é distorcer o conteúdo da decisão do Supremo, para desobrigar-se do seu dever de proteger o direito dos índios às suas terras indígenas.

O Supremo Tribunal Federal determina ao Estado brasileiro demarcar as terras indígenas, sem hostilizar as comunidades indígenas e respeitar a diversidade étnica e cultural. Também determina que se reconheçam aos índios os direitos às terras quando delas retirados à força e a elas impedidos de retornarem. O Supremo Tribunal Federal, nessa mesma decisão, proclamou que essa dinâmica de ocupação indígena é revelada a partir do saber antropológico posto em prática, respeitando a metodologia “propriamente antropológica”, para evidenciar o que ocupam, como ocupam e quanto ocupam, como permanecem com os laços culturais, religiosos, sociais com aqueles espaços, mesmo quando forçados a deles se retirarem.

O Parecer 001/2017/GAB/CGU/AGU, aprovado pelo presidente Michel Temer, que pretende ter força vinculante, põe no papel o que o atual governo faz e os que antecederam já faziam: não demarcar, não reconhecer e não proteger. Deliberadamente passa ao largo dos pontos acima referidos e realça limitações definidas pelo Supremo para o caso Raposa Serra do Sol.

Se marco temporal existe, não está em 1988, mas na continuidade da história constitucional da afirmação dos direitos territoriais indígenas, que se inicia em 1934, repetido em 1937 e 1946, ampliado em 1967 e mais ainda na EC de 1969, e densamente positivado na Constituição de 1988. Esse histórico tem ressonância na jurisprudência consolidada e reiterada do Supremo Tribunal Federal, muito embora tenha sido ignorado pelo parecer.

O parecer tem apenas um grande mérito: traz as digitais do presidente da República e, portanto, faz dele o responsável direto da política indigenista da sua administração.

O Supremo Tribunal Federal terá agora em agosto nova e plural oportunidade de debater vários desses temas.

Os índios nada podem esperar da Administração. A certeza dos índios e a esperança de seu futuro estão nas mãos da Justiça!  

Nota Pública 2

Publicado originalmente no site do MPF: http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/mpf-divulga-nota-publica-contra-retrocesso-em-demarcacao-de-terras-indigenas

Dallari: Parecer da AGU não é vinculante. É apenas opinativo, inconstitucional e ilegal

Dallari: Parecer da AGU não é vinculante. É apenas opinativo, inconstitucional e ilegal

Por Dalmo de Abreu Dallari*, no Jornal do Brasil

 

Para dar a aparência de legalidade à invasão das áreas indígenas foi montada uma farsa, que, em resumo, seria a simulação de um parecer vinculante emitido pela Advocacia Geral da União e assinado pelo Presidente da República, restringindo os direitos dos índios às terras que concretamente ocupavam quando foi posta em vigor a Constituição de 1988. Quanto a este ponto, o simulado parecer vinculante retomaria a tese nesse sentido que foi intitulada de «marco temporal» na ação referente à reserva indígena Raposa Serra do Sol, em 2009, e até agora não confirmada por decisão do plenário do Supremo Tribunal.

Antes de tudo, trata-se de um parecer simulado, pois não foi elaborado por solicitação do Presidente da República para esclarecer qualquer dúvida ou para orientar uma decisão. Com efeito, num video que está sendo divulgado pela Frente Parlamentar do Agronegócio o Deputado Federal Carlos Heinze, do PP do Rio Grande do Sul, integrante da bancada do Agronegócio, informa o seguinte : «Nós acertamos um parecer vinculante em decorrência do qual mais de 700 processos envolvendo a demarcação de áreas indígenas serão atingidos, suspendendo essa demarcação».

Esse é um pormenor fundamental do ponto de vista jurídico: o Presidente da República não solicitou esse parecer e ele não é expressão de uma análise jurídica, mas de uma conjugação de interesses manifestamente ilegal. Por essas razões, o parecer que for encaminhado ao Presidente da República com a chancela da Advocacia Geral da União, como referido no site da Frente Parlamentar do Agronegócio,  não atende aos requisitos legais para ser vinculante, ou seja, para ser legalmente obrigatório.

Quanto ao efeito vinculante de um parecer, vem muito a propósito relembrar aqui uma notável análise jurídica feita pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, no processo do Mandado de Segurança 24.631-6 do Distrito Federal, fundamentando seu voto, que foi acolhido pela Suprema Corte. O Ministro ressaltou, então, os aspectos doutrinários nestes termos : «A doutrina nacional reconhece, genericamente, a natureza meramente opinativa dos pareceres lançados nos processos administrativos» (MEIRELLES , Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 28a. ed., São Paulo, Malheiros, 2003, p.189). E acrescenta mais adiante : «se a lei (I) não exige expressamente parecer favorável como requisito de determinado ato administrativo, ou (II) exige apenas o exame prévio por parte do órgão de assessoria jurídica, o parecer técnico-jurídico em nada vincula o ato administrativo a ser praticado, e dele não faz parte. Nesses casos, se o administrador acolhe as razões do parecer, incorpora, sim, ao seu ato administrativo, os fundamentos técnicos; mas isso não quer dizer que, com a incorporação dos seus fundamentos ao ato administrativo, o parecer perca sua autonomia de ato meramente opinativo que nem ato administrativo propriamente é, como bem define Hely Lopes Meirelles».

Embora se esteja usando maliciosamente a expressão «parecer vinculante», pretendendo dar-lhe  o caráter de obrigação legal, o parecer emitido pela Advocacia Geral da União é apenas opinativo. Esse qualificativo não torna sem importância os pareceres nem reduz a responsabilidade dos seus emitentes, mas –este é o ponto essencial no caso em exame- ele é apenas opinativo, não é vinculante.

Outro ponto de fundamental importância refere-se ao conteúdo do parecer. A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no caso da área indígena Raposa Serra do Sol, não foi até agora confirmada pelo Plenário. Essa infeliz decisão restringiu os direitos das comunidades indígenas às áreas das quais detinham a posse efetiva quando da promulgação da Constituição de 1988, gerando a expressão «marco temporal». A grande demora na apreciação final pela Suprema Corte decorre, precisamente, do elevado número de questionamentos assinalando a inconstitucionalidade da restrição imposta pelo «marco temporal». Com efeito, a Constituição estabelece, enfaticamente, que as comunidades indígenas têm direito às áreas que tradicionalmente ocupam, não se admitindo, como é amplamente sustentado em obras de doutrina jurídica e já foi reafirmado em inúmeras decisões judiciais, que uma terra indígena ilegalmente invadida perca a condição de área de ocupação tradicional de uma determinada comunidade.

Em suma, o referido parecer não se enquadra em qualquer hipótese legal para ser vinculante e ainda contém inconstitucionalidade manifesta quando adota a tese do «marco temporal». Além disso, tendo em conta o que foi divulgado pelas redes sociais, o processo de elaboração do parecer foi flagrantemente ilegal. Por todas essas razões, ele deve ser ignorado na consideração dos fundamentos jurídicos dos direitos indígenas.

Professor Dalmo Dallari ao lado de Eliseu Lopes Guarani Kaiowá. Foto: Tatiane Klein / ISA

*Jurista

Documento final da 10º Grande Assembleia do Povo Terena

Documento final da 10º Grande Assembleia do Povo Terena

10a HÁNAITI HO’ÚNEVO TÊRENOE

10a GRANDE ASSEMBLEIA DO POVO TERENA

Conselho do Povo Terena

“O Conselho Terena unido em torno da luta pelos direitos originários dos povos indígenas renova o compromisso de continuar a árdua luta pela vida e mãe terra”

Oziel Vive! Oziel Vive!

Nós, lideranças Terena, reunidos por ocasião da 10a Grande Assembleia Terena, na aldeia Buriti, Terra Indígena Buriti, Município de dois irmãos do Buriti, Mato Grosso do Sul, nos dias 31 de maio a 03 de junho de 2017, com presença de lideranças Guarani Kaiowá, Guarani Nhandeva, Guarani Mbya, Guajajara, Tuxá, Kaigang, Xavante, Baré, Xacriaba, Kadiwéu, Kinikinau e Cabiwá, juntamente com as mulheres, juventude, anciãos, professores e nossos guerreiros, vimos a público informar o que se segue:

O conselho do Povo Terena é a organização tradicional que tem por objetivo congregar os caciques e lideranças de retomada em torno da luta pelo território tradicional e a constante busca do bem viver. Neste momento, reafirmamos nosso compromisso de continuar lutando, em sintonia com o movimento indígena nacional, contra todos os retrocessos de direitos.

 

Reafirmamos, nosso compromisso de integrar a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, juntamente com as demais organizações de base do movimento indígena. Continuaremos defendendo o fortalecimento do órgão indigenista oficial do estado brasileiro a FUNAI, que neste momento está sofrendo ataques da bancada ruralista e evangélica. Repudiamos novamente a militarização da FUNAI, pois diante dos direitos conquistados no processo de democratização de 1988, a nomeação de um general para a presidência constitui uma afronta aos direitos dos povos indígenas. Basta lembrar todas as violações perpetradas contra os povos indígenas no período da ditadura militar.

De igual modo, não reconhecemos este governo ilegítimo e ruralista, que tenta a todo custo “rifar” nossos direitos em troco de apoio político da bancada do “boi, da bíblia e da bala”. Nossos direitos originários não podem ser visto como moeda de troca de apoio político, nem tão pouco ser questionado por parlamentares que não tem o mínimo de decência ética, moral e política. Somos povos desta terra, somos anterior ao Estado e nossos direitos não são negociáveis.

 

Nosso movimento chega a décima grande assembleia terena e neste tempo, sofremos muitas perseguições. Lideranças foram mortas, sofreram atentados e muitos presos. Outros tantos estão sendo criminalizados por lutarem por seus direitos, seja em inquéritos da polícia federal ou por comissão de inquérito parlamentar (CPI) conduzido por parlamentares ruralistas que envolvidos em escândalos políticos. Enfrentamos o “Leilão da Resistência” que tinha por objetivo angariar fundos para constituir milícia armadas. Fomos as instâncias internacionais denunciar o Estado brasileiro pelo genocídio em curso contra os povos indígenas. E também, retomamos parte significativa de nosso território.

 

Lutar por direitos não é crime!

Defendemos a retomada de nossos territórios tradicionais. Retomada enquanto processo de territorialização legítimo do povo terena e não iremos recuar um palmo de terra retomada. Hoje não temos mais apenas uma bancada ruralistas, mas sim um governo ruralista, pois as forças do agrobaditismo tomou conta da estrutura do estado que o gesta apenas para seus próprios fins. As forças anti indígenas não passarão por cima do movimento indígena, pois nosso movimento tem um comando espiritual. Ainda que os atuais caciques e lideranças do conselho terena sucumbam na luta pela terra, novas lideranças se erguem, pois nosso sangue faz brotar a esperança.

Nossa organização – CONSELHO TERENA – nasceu no chão batido da aldeia, de debaixo do pé de arvoredo, de uma articulação das lideranças indígenas e batizado pela nossa anciã. Nossa organização não nasceu dentro da assembleia legislativa, numa reunião dirigida por purutuye ruralista e não andamos de mãos dadas com o agronegócio que tanto mata e usurpa nossos direitos. Por isso temos a dignidade de erguer nossa voz e defender nosso povo.

 

Dos encaminhamentos:

 

  •  Plenária das mulheres indígenas: foi realizado na noite do dia 02 de junho de 2017 a plenária das mulheres com as seguintes decisões: a) Fica constituída a Articulação das mulheres Terena; b) Fica designada as mulheres articuladoras desta comissão; c) Fica decidido a realização da Hanaiti Ho’únevohiko Sêno Têrenoe (Encontro de Mulheres Terena) nos dias 9 e 10 março 2018, local na aldeia buriti.
  • Mesa de parlamentares indígenas: no dia 02 de junho de 2017, no período vespertino foi realizado a plenária dos vereadores indígenas com a presença dos seguintes: Vereador Eder Alcantara – Dois Irmãos do Buriti – MS; Vereador Rogério – Japorã – MS; Vereador Oltacir Figueiredo – Sidrolândia – MS; Vereador Cleber – Paranhos – MS; Vereadora Daiana – Japorã – MS; Vereadora Adelina – Japorã – MS; Vereador Oswaldo – Rochedo – MS; Vereador Joaquim – Joaporã – MS. Com os seguintes encaminhamentos: 1) a APIB irá organizar o I Encontro de Parlamentares Indígenas do Brasil, no mês de outubro de 2017; 2) Fica encaminhado reuniões semestrais dos vereadores indígenas de Mato Grosso do Sul; 3) Fica encaminhado a formação de vereadores indígenas no âmbito do conselho terena.
  • Mesa da Saúde Indígena: esteve presente na 10a assembleia terena o secretário especial de saúde indígena Sr. Marco Antonio Toccolini que ouviu atentamente todas as denuncias feitas pelas lideranças sobre o descaso com a saúde indígenas, diante da má gestão do DSEI MATO GROSSO DO SUL. Os caciques Terena cobraram duramente o atual gestor Edimilson Canale que embora seja da etnia terena não tem feito uma gestão em articulação com as comunidades indígenas. De igual modo, o representante do ministério público federal que também informou que irá tomar as medidas cabíveis diante das denúncias de farra com diárias, funcionários fantasmas, uso da máquina público para fins políticos. E ainda, na 10a Assembleia Terena aconteceu a reunião ordinária do Conselho Nacional de Saúde – CNS; Conselho Intersetorial de Saúde Indígena – CISI, que contou com a presença dos conselheiros de saúde, Secretário Especial de Saúde Indígena Sr. Marco Antonio Toccolini, Lucinha Tremembé – coordenadora executiva do Fórum de Presidente de CONDISI, Marcos Pádua – Secretário Executivo do Fórum de Presidente de CONDISI, Rildo Kaigang – representante da CISI, Edson Tiago – represente do Conselho Terena na CISI e no FPCONDISI e Lúcio Terena e Bruno Xavante – ambos representantes do Controle Social da SESAI, Camila Facenda e Vânia – representantes do CISI.

 

Encaminhamentos:

  1. Que deve ser feito uma ação conjunta dos órgãos governamentais federal, estadual e municipal para a questão da segurança alimentar nutricional do povo guarani kaiowá;
  2. Que seja assegurada condições da entrada das equipes de saúde em relação ao segurança para prestar atendimento a saúde das comunidades indígenas que estejam em contexto de retomada, especial guarani kaiowá, junto a funai e polícia federal;
  3. Que seja articulado junto a FUNAI e CONAB a melhoria das cestas básicas em relação aos alimentos fornecidos que atenda às necessidades e cultura alimentar das comunidades indígenas de Mato Grosso do Sul, bem como que tais alimentos não sejam fornecidos próximos dos prazos de vencimentos, muito menos vencidos e estragados. E ainda, que as segurança alimentar e nutricional passe pela assistência técnica na produção de alimentos na aldeia necessitando de apoio da FUNAI em articulação com o Ministério da Agricultura;
  4. Fica encaminhado que o CISI vai acompanhar as providencias que serão tomadas pelo senhor secretário especial de saúde indígena tendo em vista todas as denúncias trazidas pelas lideranças indígenas durante a assembleia terena;
  5. As denúncias serão encaminhadas ao Fórum de Presidentes do CONDISI, Conselho Nacional de Saúde e demais órgãos de fiscalização;
  6. Criação de polo base em todos os municípios que tenham território indígenas;
  7. Que seja providenciado pela SESAI a questão definitiva do abastecimento da água para as comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul, em conjunto com as prefeituras municipais;
  8. Que todos os encaminhamentos relacionados ao atendimento à saúde dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul sema encaminhados da CISI para o mistério da saúde e SESAI, para as providencias necessárias;

 

  • O CONSELHO TERENA requer a imediata intervenção no DSEI MATO GROSSO DO SUL, com a exoneração imediata do atual gestor Edmilson Canale e consequente nomeação de interventor de Brasília, para que realize auditoria nos contratos atuais, bem como assuma a responsabilidade de fazer uma gestão voltada para as comunidades indígenas.
  • Plenária da Juventude: a juventude presente se reuniu no dia 01 de junho de 2017 para tratar de temas específicos dos jovens. Contou com a presença de representantes da Rede Nacional da Juventude Indígena – REJUIND. Foram tratados temas como fortalecer a identidade étnica, educação superior indígenas e o papel da juventude na luta por direitos na conjuntura atual. Ficou decidido o fortalecimento da Comissão de Juventude Terena que foi formada em 2014 na Aldeia Lalima, bem como a necessidade de congregar mais jovens. Ficou decidido a realização do Encontro da Juventude Terena na Aldeia Cabeceira, Terra Indígena Nioaque, no mês de setembro de 2017.
  • O Conselho Aty Guasu e Conselho Terena reivindicam a criação de um DSEI específico para cone sul do estado para atender as comunidades Guarani e Kaiowá;
  • O Conselho Aty Guasu e Conselho Terena reivindicam a contratação de professores nas retomadas indígenas, para garantir o cumprimento da Constituição Federal no que tange ao direito fundamental a educação;
  • Fica autorizado, o ingresso do Conselho Terena como assistente litisconsorcial nos processos que estão tramitando no Supremo Tribunal Federal e nas demais instâncias judiciais para defender os territórios indígenas e reforçar a luta contra o marco temporal;
  • Fica criado a Revista Terena Vukápanavo – primeira indígena que terá como comitê editorial os seguintes pesquisadores: Luiz Henrique Eloy Amado, Zuleica da Silva Tiago, Daniele Lourenço, Eder Alcântara Oliveira, Simone Eloy Amado, Elison Floriano Tiago, Erick Marques e Evelin Tatiane da Silva Pereira;
  • Fica autorizado a constituição de comissão de estudantes e lideranças para reivindicar a instituição de política de cotas para indígenas na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS;
  • Fica decido que neste mês de junho de 2017, uma comissão de 50 lideranças terena seguirá para Brasília com o objetivo de acompanhar os processos de demarcação na FUNAI, no Ministério da Justiça, no Supremo Tribunal Federal e demais instâncias governamentais afetas aos povos indígenas;
  • Fica decidido a realização da 11a Grande Assembleia Terena na aldeia Água Branca, Terra Indígena Taunay-Ipegue, no mês de novembro de 2017;
  • Por fim, repudiamos o chamado “Fórum de Caciques Terena” que de forma sistêmica vem apoiando as ações anti indígena dos ruralistas. Este fórum foi criado justamente para legitimar as ações do agrobanditismo em detrimento do direito de nossas comunidades.

 

Povo Terena,
Povo que se levanta! Vukápanavo!

Aldeia Buriti, 03 de junho de 2017. Assinam lideranças presentes.

Nota pública contra a militarização da Funai e os golpes do Governo Temer contra os direitos indígenas

Nota pública contra a militarização da Funai e os golpes do Governo Temer contra os direitos indígenas

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) vem de público manifestar novamente seu veemente repúdio à determinação do Governo Temer de ignorar os posicionamentos já expressados anteriormente contra a militarização, o loteamento partidário de cargos e o desmonte em curso da Fundação Nacional do Índio (Funai) para atender os anseios das bancadas evangélica e ruralista principalmente que apoiaram o impeachment para dar sustentação a sua agenda antipopular e anti-indígena.

A nomeação pelo Ministro Chefe da Casa Civil, Eliseu Lemos Padilha, do General Franklimberg Ribeiro de Freitas para exercer, interinamente, o cargo de Presidente da Funai, constitui mais uma afronta aos povos e organizações indígenas de todo o país, que durante intensas jornadas de mobilização em 2016 se posicionaram, contra a indicação do militar ao cargo de presidente da instituição, não só por sua vinculação militar, mas também pelo fato de ser um indicado do Partido Social Cristão (PSC), agrupação reconhecidamente contrária aos direitos indígenas dentro e fora do Congresso Nacional, onde tem atuado explicitamente para criminalizar as demarcações de terra no âmbito da CPI da Funai e do INCRA, além de apoiar a aprovação da PEC 215 e outras iniciativas anti-indígenas.

Com a nomeação de Franklinberg, o governo Temer promove a militarização da Funai, como nos tempos da ditadura militar, a fragilização total do órgão e a perspectiva de mudança nos procedimentos de demarcação das terras indígenas, em favor da implementação da agenda neoliberal desenvolvimentista e em detrimento da autonomia e protagonismos dos nossos povos. Com esta indicação, o governo Temer aparelha o órgão indigenista em consonância com os propósitos do ministro da justiça, o ruralista, Osmar Serraglio, operador da agenda de expansão das fronteiras agrícolas e dos grandes empreendimentos sobre os territórios indígenas.

A Apib rechaça quaisquer iniciativas individuais ou mesmo de grupos indígenas ou não, que venham manifestar apoio ao novo presidente interino da Funai, e reivindica respeito à memória dos nossos antepassados que deram a sua vida para conquistar o reconhecimento dos nossos direitos na Constituição Federal de 1988 e dos nossos líderes que dia-a-dia tombam na defesa e efetivação desses direitos.

A Apib, por fim, chama a todos os povos, organizações regionais e de base a se mobilizarem mais uma vez contra essa avalanche de retrocessos, de esfacelamento das garantias e direitos constitucionais, que ameaçam a diversidade étnica e cultural dos nossos povos e o nosso direito originário às nossas terras tradicionais.

Não à militarização da Funai!
Unificar as lutas em defesa do Brasil Indígena
Pela garantia dos direitos originários dos nossos povos

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB

MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA

Declaração do 14º Acampamento Terra Livre

Declaração do 14º Acampamento Terra Livre

Nós, povos e organizações indígenas do Brasil, mais de quatro mil lideranças de todas as regiões do país, reunidos por ocasião do XIV Acampamento Terra Livre, realizado em Brasília/DF de 24 a 28 de abril de 2017, diante dos ataques e medidas adotadas pelo Estado brasileiro voltados a suprimir nossos direitos garantidos pela Constituição Federal e pelos Tratados internacionais ratificados pelo Brasil, vimos junto à opinião pública nacional e internacional nos manifestar.

Denunciamos a mais grave e iminente ofensiva aos direitos dos povos indígenas desde a Constituição Federal de 1988, orquestrada pelos três Poderes da República em conluio com as oligarquias econômicas nacionais e internacionais, com o objetivo de usurpar e explorar nossos territórios tradicionais e destruir os bens naturais, essenciais para a preservação da vida e o bem estar da humanidade, bem como devastar o patrimônio sociocultural que milenarmente preservamos.

Desde que tomou o poder, o governo Michel Temer tem adotado graves medidas para desmantelar todas as políticas públicas voltadas a atender de forma diferenciada nossos povos, como o subsistema de saúde indígena, a educação escolar indígena e a identificação, demarcação, gestão e proteção das terras indígenas. Além disso, tem promovido o sucateamento dos já fragilizados órgãos públicos, com inaceitáveis cortes orçamentários e de recursos humanos na Fundação Nacional do Índio (Funai) e com nomeações de notórios inimigos dos povos indígenas para cargos de confiança, além de promover o retorno da política assimilacionista e tutelar adotada durante a ditadura militar, responsável pelo etnocídio e genocídio dos nossos povos, em direta afronta à nossa autonomia e dignidade, garantidos expressamente pela Lei Maior.

No Legislativo, são cada vez mais frontais os ataques aos direitos fundamentais dos povos indígenas, orquestrados por um Congresso Nacional dominado por interesses privados imediatistas e contrários ao interesse público, como o agronegócio, a mineração, as empreiteiras, setores industriais e outros oligopólios nacionais e internacionais. Repudiamos com veemência as propostas de emenda constitucional, projetos de lei e demais proposições legislativas violadoras dos nossos direitos originários e dos direitos das demais populações tradicionais e do campo, que tramitam sem qualquer consulta ou debate junto às nossas instâncias representativas, tais como a PEC 215/2000, a PEC 187/2016, o PL 1610/1996, o PL 3729/2004 e outras iniciativas declaradamente anti-indígenas.

Igualmente nos opomos de forma enfática a decisões adotadas pelo Poder Judiciário para anular terras indígenas já consolidadas e demarcadas definitivamente, privilegiando interesses ilegítimos de invasores e promovendo violentas reintegrações de posse, tudo sem qualquer respeito aos mais básicos direitos do acesso à justiça. A adoção de teses jurídicas nefastas, como a do marco temporal, serve para aniquilar nosso direito originário às terras tradicionais e validar o grave histórico de perseguição e matança contra nossos povos e a invasão dos nossos territórios, constituindo inaceitável injustiça, a ser denunciada nacional e internacionalmente visando à reparação de todas as violências sofridas até os dias de hoje.

Soma-se a essa grave onda de ataques aos nossos direitos o aumento exponencial do racismo institucional e a criminalização promovidos em todo o País contra nossas lideranças, organizações, comunidades e entidades parceiras.

Diante desse drástico cenário, reafirmamos que não admitiremos as violências, retrocessos e ameaças perpetrados pelo Estado brasileiro e pelas oligarquias econômicas contra nossas vidas e nossos direitos, assim como conclamamos toda a sociedade brasileira e a comunidade internacional a se unir à luta dos povos originários pela defesa dos territórios tradicionais e da mãe natureza, pelo bem estar de todas as formas de vida.

Unificar as lutas em defesa do Brasil Indígena

Pela garantia dos direitos originários dos nossos povos

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB

 MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA