27/set/2023
Em seu voto, o ministro apresentou a possibilidade de aproveitar recursos hídricos, orgânicos e minerais de Terras Indígenas, o preocupa o movimento indígena
No dia 20 de setembro, o julgamento do marco temporal foi pautado no Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Dias Toffoli votou contra a tese anti-indígena, formando maioria para que o marco temporal fosse anulado no judiciário brasileiro. No entanto, em seu voto o ministro apresentou a possibilidade de aproveitar recursos hídricos, orgânicos e minerais de Terras Indígenas, no qual o Congresso Nacional teria 12 meses para legislar sobre o tema. A proposta preocupa o movimento indígena.
Toffoli justifica a proposta sob argumento de que o tema sofre com uma suposta omissão legal e prejudica o desenvolvimento econômico do país. O mesmo argumento foi utilizado para aprovar o regime de urgência na tramitação do PL 191/2020, no início de 2022, pelo governo bolsonarista.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) alerta que a proposta representa mais uma violação aos direitos indígenas, pois flexibiliza o usufruto exclusivo dos povos e coloca as vidas indígenas nas mãos da bancada ruralista do legislativo. A organização ressalta também que a proposta foge do tema discutido no julgamento do STF e não prevê a participação dos povos indígenas no processo.
“[…] o ministro parece ignorar a realidade enfrentada pelos Povos Indígenas. Se o Tribunal tem autonomia para não se pautar pela situação política do país, os Povos Originários não podem ignorar que o Ministro propõe que seja o atual Congresso Nacional a decidir sobre o futuro de suas Terras, no exíguo prazo de 12 meses. Este Congresso Nacional, composto por ruralistas e ex-ministros do Governo Bolsonaro diretamente envolvidos na implementação da supramencionada política anti-indígena, essa sim, responsável pelo crescimento da invasão e da exploração ilegal de Terras Indígenas. A mesma Câmara dos Deputados que aprovou o PL 490/07 por 283 votos e o mesmo Senado Federal que aprovou o PL 2903/2023 na Comissão de Reforma Agrária e Agricultura, e agora se recusa a realizar Audiência Pública na Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça”, diz trecho da manifestação da Apib, por meio do seu departamento jurídico. Leia o parecer completo aqui.
Denúncias na TI Yanomami
A destruição da mineração e os perigos da proposta já podem ser vistos na Terra Indígena Yanomami. Dados do Mapbiomas indicam que a partir de 2016 a curva de destruição do garimpo na TI assumiu uma trajetória ascendente e, desde então, tem acumulado taxas cada vez maiores. Nos cálculos da plataforma, entre os anos de 2016 a 2020 o garimpo no território Yanomami cresceu 3350%.
Além disso, o documento “Yamaki ni ohotai xoa! = Nós ainda estamos sofrendo”, da Hutukara Associação Yanomami, Associação Wanasseduume Ye’kwana e Urihi Associação Yanomami, que avalia os seis meses após o início das operações emergenciais do governo federal na TI, também expõe o aumento de doenças e mortes na TI com a mineração desenfreada.
O relatório denuncia os conflitos entre as comunidades, a cooptação de jovens para o crime organizado, o enfraquecimento da agricultura familiar, além da dizimação gradativa do povo Yanomami, uma vez que o mercúrio tem limitado a capacidade reprodutiva das mulheres indígenas.
Outra denúncia feita pelas organizações indígenas no relatório é a morosidade, ineficiência e inação de militares no âmbito das operações de ajuda humanitária no território Yanomami. Segundo elas, os órgãos federais estariam descumprindo as determinações do STF e mesmo com a realização de algumas operações o garimpo na Terra Indígena Yanomami teria crescido 4% de janeiro a junho deste ano.
“O garimpo trouxe fome, malária e morte para os Yanomami. Com esse impacto no meio ambiente vai demorar bastante para se recuperar. Tem buraco igual na Serra Pelada. Vi um no Homoxi e sofri bastante, estamos sangrando, uma cicatriz recente e que vai demorar aproximadamente 30 a 50 anos para floresta crescer, isso se o Estado nos acompanhar, continuar a fiscalização e a Funai acordar e nos proteger e defender como manda a Constituição Federal”, diz Junior Hekurari no documento.
No dia 25 de setembro, o ministro do STF Luís Roberto Barroso atendeu uma solicitação da Apib e determinou que a União informe sobre o andamento das medidas de proteção ao povo Yanomami. O pedido da Apib foi feito ao Tribunal dentro da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 com base no relatório das organizações Yanomami.
Acesse a petição da Apib e decisão do ministro abaixo
Petição: https://apiboficial.org/files/2023/09/Pet.-APIB.-Militares-TIY.docx.pdf
Decisão: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF7092578decisao_monocratica.pdf
27/set/2023
Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
A entidade expressou preocupação com projetos de lei que possam violar os direitos das populações indígenas
No dia 26 de setembro, o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos elogiou o Supremo Tribunal Federal (STF) que, no dia 21 de setembro, formou maioria para anular a tese do marco temporal. No entanto, a ONU expressou preocupação de que a proteção oferecida pelo sistema judiciário não seja suficiente. Eles manifestaram apreensão quanto à possibilidade de que projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional – como o PL 2903 – possam violar os direitos das populações indígenas.
A mensagem da ONU para os legisladores é a mesma transmitida ao STF: “Não deve haver limitações na demarcação de terras”. A organização descreveu a decisão do STF como “altamente encorajadora” e destacou como uma decisão contrária teria perpetuado injustiças históricas.
Em agosto, a ONU publicou um comunicado reforçando o seu posicionamento contra o marco temporal e manifestando preocupação com “quaisquer ações que possam enfraquecer ou relativizar a proteção dos direitos dos Povos Indígenas no Brasil e na região”. A medida é resultado de incidências da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em conjunto com outras organizações e lideranças do movimento indígena.
Marco temporal no STF
Em sessão histórica no dia 21 de setembro, os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber do STF votaram contra o marco temporal e formaram maioria de votos para a derrubada da tese no Judiciário. A tese foi anulada com 9 votos contra e 2 a favor.
“Nós saímos vitoriosos sim da tese do Marco Temporal mas ainda há muita luta a ser feita para afastar todas as ameaças que também estão tramitando no Senado Federal que é através do PL 2903. Seguimos mobilizados, seguimos lutando, pois a luta irá continuar para garantia e proteção dos direitos dos Povos Indígenas”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, depois da finalização da sessão de votação no STF do dia 21 de setembro em Brasília.
O julgamento deve ser retomado no dia 27 para debater sobre as propostas levantadas por Moraes e Toffoli no que refere à indenização prévia para invasores de TIs e o aproveitamento de recursos em TIs, o que preocupa o movimento indígena. A votação no Senado, defendida pela bancada ruralista para começar no dia 20 de setembro, foi adiada também para 27 de setembro.
*Com informações da coluna do Jamil Chade, UOL.
26/set/2023
Foto: Tukumã Pataxó
A votação na CCJ irá ocorrer a partir das 10h, pouco antes do retorno do julgamento do marco temporal, no Supremo, previsto para iniciar às 14h.
Mais uma vez o Senado tenta atropelar os direitos dos povos indígenas ao pautar o Projeto de Lei 2903, que tenta transformar o marco temporal em lei e busca legalizar crimes contra indígenas. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado vota, nesta quarta-feira (27), a partir das 10h (horário de Brasília), o PL, que foi nomeado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), como PL do Genocídio.
O projeto vai ser apreciado no mesmo dia que o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento do Marco Temporal, previsto para iniciar às 14h. Os ministros e ministras irão debater as propostas sobre indenização, mineração e permuta de Terras Indígenas que surgiram nas sessões ao longo do julgamento.
Em sessão histórica na última quinta-feira (21/09), o STF formou maioria de votos para a derrubada da tese patrocinada pelo agronegócio, no Judiciário. Com votação de 9×2 contrários ao Marco Temporal, o Tribunal formou maioria e selou uma importante vitória na luta por direitos dos povos indígenas, mas as propostas apresentadas pelos ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli serão discutidas somente nesta quarta-feira, dia 27. Saiba como foi a votação no STF aqui.
No Senado a votação estava prevista para o dia 20 de setembro, mas a sessão foi marcada pela falta de diálogo. Lideranças foram impedidas de entrar no local e a CCJ rejeitou o pedido de audiência pública. Após pedido de vistas coletivo dos senadores, a votação foi adiada também para o dia 27 de setembro.
Para a Apib, a decisão do Senado é uma afronta ao Supremo, ao movimento indígena e à democracia. “O marco temporal foi derrubado no Supremo, mas a luta continua. A bancada ruralista do Senado está colocando seus interesses econômicos à frente das vidas indígenas e tentando aprovar o PL 2903 antes da finalização do julgamento do marco temporal no Supremo”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.
Além disso, após a derrubada do marco temporal no STF, o senador Dr.Hiran (PP-RR) protocolou, no dia 22 de setembro, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que pede a instituição do marco temporal. Nomeada como PEC 048/2023, a emenda quer alterar a Constituição Federal de 1988 que prevê o direito originário dos povos indígenas sobre terras tradicionalmente ocupadas.
“O Supremo enterrou o Marco Temporal e o Senado tenta ressuscitar a tese com essa PEC 48. É uma movimentação que afronta a Constituição Federal e a democracia do Brasil. Os ruralistas tentam fazer dos direitos uma disputa em um cabo de guerra com o Supremo para tentar mostrar quem tem mais força. Seguiremos reforçando que direitos não se negociam e que as vidas indígenas não podem seguir sendo massacradas pelos interesses econômicos e políticos de quem quer que seja”, ressaltou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
A Apib ressalta que as atitudes do Senado são resultados da ligação direta de políticos brasileiros à invasão de terras indígenas, como mostra o dossiê “Os invasores” do site jornalístico “De olho nos ruralistas”. De acordo com o estudo, representantes do Congresso Nacional e do Executivo, possuem cerca de 96 mil hectares de terras sobrepostas às terras indígenas. Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de TIs, que doaram R$ 3,6 milhões para campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).
Entenda o PL 2903
No dia 23 de agosto, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado aprovou o texto, que agora é analisado pela CCJ. Além do marco temporal, o PL 2903 (antigo PL 490) possui outros retrocessos para os direitos dos povos indígenas, aponta o departamento jurídico da Apib.
Segundo o jurídico, o PL propõe a construção de rodovias e hidrelétricas em territórios indígenas sem consulta livre, prévia e informada das comunidades afetadas e quer permitir que fazendeiros assinem contratos de produção com indígenas, o que viola o direito dos povos originários ao usufruto exclusivo dos territórios demarcados.
O Projeto de Lei também autoriza qualquer pessoa a questionar o processo demarcatório, inclusive de terras indígenas já demarcadas e favorece a grilagem de terras, pois reconhece títulos de terras que estão sob áreas de ocupação tradicional. Ele também ressuscita o regime do tutela e assimilacionismo, padrões superados pela Constituição de 1988, que negam a identidade dos indígenas e flexibiliza a política indigenista de não contato com povos em isolamento voluntário, além de reformular conceitos constitucionais como a tradicionalidade da ocupação, direito originário e usufruto exclusivo.
Saiba mais sobre a tese que pode definir o futuro dos povos indígenas na cartilha e no site: https://apiboficial.org/marco-temporal/
26/set/2023
Ilustração: Apib
Na última quinta-feira (21) o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou sobre a tese do Marco Temporal. Com 9 votos contra e 2 votos a favor, a maioria dos Ministros decidiu por anular a tese ruralista. Mas o julgamento ainda continua no âmbito da RE do povo Xokleng que trata do processo de reconhecimento do território Laklãno Xockleng localizado em Ibirama, em Santa Catarina.
No mesmo dia, algumas horas após o STF ter enterrado o Marco Temporal, o Senado protocolou a Proposta de Emenda Constitucional 48 (PEC 48/2023) que prevê a alteração do inciso 1º do artigo 231 da Constituição Federal de 1988, numa tentativa de ‘desenterrar’ e constitucionalizar o Marco Temporal.
Vivemos um momento de vitória no sentido de ter conseguido enterrar a tese do Marco Temporal junto ao STF, embora tenham surgido outras teses que ameaçam nossos direitos, como a indenização prévia, indenização de terra nua entre outras. Apesar da vitória parcial, ainda é momento de continuarmos mobilizados na luta contra o Marco Temporal, agora no âmbito da PEC 48, além das demais ameaças contra nossos direitos.
Nossa luta é por nossos territórios, por nossas vidas, por todos e todas que vieram antes de nós e por todos e todas que ainda estão por vir.
26/set/2023
Foto: @kamikiakisedje
A maior parte das mobilizações ocorreram nos estados do Amazonas, Mato Grosso e Pará
Cerca de 300 mobilizações contra o marco temporal foram realizadas pelo movimento indígena em 2023. As mobilizações ocorreram entre maio e setembro e foram convocadas e mapeadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e suas sete organizações regionais de base.
As manifestações reivindicavam a queda da tese no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Congresso Nacional, presentes respectivamente no Recurso Extraordinário n.º 1.017.365 e no PL 2903. Após dois anos de luta, os ministros do STF formaram maioria contra a tese no último dia 21 de setembro. Confira o histórico do marco temporal aqui.
Com o tema “Pela justiça climática, pelo futuro do planeta, pelas vidas indígenas, pela democracia, pelo direito originário/ancestral, pelo fim do genocídio, pelo direito à vida, por demarcação já: Não ao Marco Temporal!”, as mobilizações ocorreram em 24 estados brasileiros, além do Distrito Federal. A maior parte delas aconteceram no Amazonas (Estado com maior presença indígena, segundo o Censo 2022) e no Mato Grosso, com 24 mobilizações cada, seguido do Pará com 19 atividades.
Entre as mobilizações, dois acampamentos foram feitos na cidade de Brasília (DF). O primeiro deles no mês de junho, onde 2 mil indígenas acamparam na Praça da Cidadania para acompanhar a primeira sessão do julgamento deste ano. Já o segundo acampamento ocorreu no Memorial dos Povos Indígenas com a presença de mais de 600 lideranças.
“A queda do marco temporal é resultado das mobilizações e articulações que fizemos nos últimos meses e anos. Ocupamos não só Brasília, mas diversas cidades, territórios e perfis nas redes sociais com as nossas mensagens”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.
A luta continua
Em sessão histórica e com o placar de 9×2, o marco temporal foi derrubado no Supremo mas a discussão será retomada na próxima quarta-feira, 27 de setembro. O julgamento será retomado para debater sobre as propostas levantadas pelos ministros Alexandra de Moraes e Dias Toffoli no que refere à indenização prévia para invasores de terras indígenas e o aproveitamento de recursos em TIs.
A Apib comemora o respeito aos direitos indígenas no STF, mas alerta que a luta continua. Mesmo fora da legalidade, diversas terras indígenas estão sendo invadidas e a violência tornou-se constante. “É uma vitória para os povos indígenas, pois há anos nós estamos lutando para afastar essa tese que, de certa forma, estava paralisando os processos de demarcação no Brasil. No entanto, tem alguns pontos importantes a serem observados, porque os votos de Toffoli e Moraes trouxeram elementos bastantes perigosos para nós”, defende Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
No Senado, a tese do marco temporal está presente no Projeto de Lei 2903 que, atualmente, encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Em uma queda de braço com o Supremo, a bancada ruralista pressionou para que o PL fosse votado no dia 20, mas o dia foi marcado pela falta de diálogo: lideranças foram impedidas de entrar no Senado e a Comissão rejeitou pedido de audiência pública. A votação foi adiada para o dia 27 de setembro após pedido de vistas coletivo dos senadores.
Saiba mais sobre a tese que pode definir o futuro dos povos indígenas na cartilha e no site: https://apiboficial.org/marco-temporal/
25/set/2023
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso atendeu uma solicitação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e determinou que a União informe sobre o andamento das medidas de proteção ao povo Yanomami. O pedido da Apib foi feito ao Tribunal dentro da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 com base no relatório “nós ainda estamos sofrendo” feito pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), pela Associação Wanasseduume Ye’kwana (SEDUUME) e pela Urihi Associação Yanomami.
As organizações indígenas denunciaram a morosidade, ineficiência e inação de militares no âmbito das operações de ajuda humanitária no território Yanomami. Segundo as entidades, os órgãos federais estariam descumprindo as determinações do STF e mesmo com a realização de algumas operações o garimpo na Terra Indígena Yanomami teria crescido 4% de janeiro a junho deste ano.
Entre outros pontos, afirma que os alertas de garimpo na TI Yanomami foram interrompidos e que o espaço aéreo na região ficou fechado por apenas seis dias, dificultando o combate à mineração ilegal. Também sustenta que as cestas alimentares destinadas à ajuda humanitária não estão sendo entregues ou entregues com demora, provocando perda de alimentos.
Acesse a petição da Apib aqui
Acesse relatório completo das organizações Yanomami aqui
De acordo com o relatório, o contingente de profissionais, materiais e infraestrutura para o combate à malária é insuficiente e que falta articulação entre diferentes órgãos, entidades e ministérios. Relata, ainda, o agravamento da crise sanitária em algumas comunidades, com aumento de incidência de malária em até 11 vezes em alguns locais, se comparado com o mesmo período do ano anterior.
A decisão do ministro Barroso pede que a União se manifeste detalhadamente sobre o pedido da Apib, por cada um dos órgãos que atuam na área, a respeito das falhas de coordenação nas operações de logística, desintrusão e proteção à saúde dos povos indígenas Yanomami.
Acesse a decisão completa do ministro Barroso aqui
25/set/2023
A proposta de indenização sobre a terra nua pode bloquear as demarcações por falta de orçamento nos governos, além de ser um prêmio a grileiros invasores de terra indígena
A vitória da força do movimento indígena marcou esta quarta-feira, 21/09. No dia da árvore, o Supremo Tribunal Federal compreendeu as reivindicações dos povos originários do Brasil e derrubou o marco temporal, com nove votos contrários e dois favoráveis à tese. No entanto, durante o debate as teorias apresentadas pelos ministros deixaram diversas questões pendentes. Elas serão abordadas pela suprema corte nesta semana. Entre elas, a que mais preocupa a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil é a questão da indenização prévia sobre a “terra nua”, apresentada inicialmente pelo ministro Alexandre de Moraes e posteriormente pelo ministro Cristiano Zanin.
Segundo os juristas, pessoas que tenham tomado posse de terras indígenas de “boa fé” teriam o direito a indenizações sobre a terra que ocupam. A lei atual já prevê a indenização pelas benfeitorias e o reassentamento de pequenos agricultores, através do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
As teses de Moraes e Zanin, no entanto, abrangem desde a agricultura familiar, até fazendeiros. E a soma das quantias para garantir as demarcações pendentes na FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), com a indenização sobre a terra, pode ultrapassar R$1 bilhão de reais. Um orçamento 46% maior do que a cifra atual do órgão.
De acordo com a pesquisa realizada pela Agência Pública as dez áreas com mais hectares sob posse de fazendeiros e contestação judicial, registradas pelo Sigef (Sistema de Gestão Fundiária) do INCRA se localizam nos estados de Pará/Mato Grosso, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pernambuco e Paraná e somam 544 mil hectares. São 55% do total de terras reivindicadas por povos indígenas, que atingem a quantia de R$942 milhões de reais, caso a indenização seja paga.
O cálculo desse preço leva em conta a chamada terra nua, ou seja, a área da fazenda em hectares, de acordo com cada localização e a base de cálculo da Pauta de Valores de Terra Nua do Incra. Ainda não está claro na discussão do STF, quais proprietários teriam direito a essa indenização ou quantos deles seriam beneficiados, por isso, este cálculo leva em conta todas as sobreposições nas TIs. Este orçamento está R$200 milhões acima do previsto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do governo Lula para a Funai em 2024.
Teses de indenização sobre a terra nua
Há duas propostas de indenização sobre a terra no STF. A proposta feita por Alexandre de Moraes no dia 7 de junho, apareceu infiltrada em seu discurso contrário ao marco temporal. Uma forma de amenizar os ânimos do agronegócio com um “caminho do meio”. Para ele, os proprietários de imóveis em terras indígenas poderiam receber “indenização prévia” à demarcação dos territórios pelas benfeitorias e pelo valor do terreno.
O artigo 231 da Constituição Federal, em seu parágrafo 6º, torna “nulos e extintos” os “atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse” das terras tradicionais indígenas. Ou seja: qualquer título de propriedade que esteja sobre esses territórios não tem validade. E não há nada previsto em termos de direito a indenizações, diante da extinção destes atos. A constituição permite apenas a compensação pelas “benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé”. Além disso, não está clara qual será a forma de garantir a posse integral do território aos Povos Indígenas, uma vez demarcado o território e paga a indenização aos fazendeiros invasores. A proposta deixa lacunas para o alargamento de conflitos que oneram o Estado e ceifam vidas indígenas.
Já Cristiano Zanin, afastou a tese do Marco Temporal durante seu voto no dia 31 de agosto, no entanto propôs a indenização com base em danos causados a terceiros pelo Estado, prevista no artigo 37 da Constituição. O que significa responsabilizar o poder público por equívocos na gestão das terras, visto que foi o próprio Estado que permitiu titular propriedades privadas sobre territórios tradicionais indígenas. Zanin atribui as sobreposições de TIs ao fato dos fazendeiros terem acreditado na idoneidade dos títulos concedidos pelas instituições estatais.
Para ele, a indenização deve ocorrer por via judicial ou administrativa. Um processo que correria fora dos trâmites para a demarcação de terras indígenas, sendo analisado caso a caso. As verbas para o pagamento das indenizações seriam encaminhadas do governo federal e dos estados e municípios que tenham incentivado a titulação privada de terras indígenas.
A proposta de Moraes é mais aprazível aos olhos do agronegócio. Gustavo Passarelli, advogado da Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), afirmou que “se [a indenização] pudesse fazer parte do processo administrativo [de demarcação de terras indígenas], acho que ajudaria a todos. Se for necessário esperar que o produtor ajuíze a demanda para depois receber a indenização, isso certamente atrasa o procedimento administrativo”, pontua Passareli. “Se no próprio procedimento administrativo já tiver uma previsão nesse sentido, fica mais rápido. O procedimento judicial é moroso.”
O Ministério dos Povos Indígenas apontou o voto de Zanin como uma saída mais plausível. “Mesmo com a questão das indenizações à terra nua, a proposta do ministro Zanin não impede a continuidade e abertura de novos processos demarcatórios, já que cada caso poderá ser analisado com suas particularidades”, afirmou Sonia Guajajara em nota divulgada no dia 31 de agosto.
A Apib se opõe a qualquer tipo de indenização, partindo do entendimento de que a própria constituição aponta o direito originário à terra e prevê no processo demarcatório as devidas garantias de direitos aos pequenos agricultores e aos investidores, que possam ter manejado benfeitorias dentro dos territórios, não demarcados pela morosidade do próprio Estado. Já os grandes proprietários do agronegócio têm atuado sistematicamente com suas frentes, confederações e articulações, para manipular leis, a economia e a política, além do uso da violência e do extermínio, para impedir as demarcações e se locupletar com as invasões. De maneira nenhuma se poderia considerar ações de “boa fé” destes sujeitos.
Um exemplo disso, é a Proposta de Emenda à Constituição número 48/2023, protocolada na última quinta-feira, 21/09, mesmo dia em que o Supremo apontou a inconstitucionalidade do marco temporal. A PEC feita pelo senador Hiran Gonçalves (PP-RR) ressuscita a tese e quer alterar a constituição para beneficiar os invasores.
Mesmo com a decisão do STF, apontando para a tese do indigenato, o Congresso Nacional continua discutindo o PL 2903/23, que também busca instituir o Marco Temporal e apresenta outras inúmeras ameaças aos direitos indígenas. O PL está nas mãos do senador Marcos Rogério (PL-RO), relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e deve voltar à pauta nesta semana.
Territórios em disputa
A Terra Indígena onde o cacique Raoni Metuktire passou sua juventude, chamada de Kapôt Nhinore, de ocupação tradicional dos povos Yudja (Juruna) e Mebengokrê (conhecidos como Kayapó), possui a maior área reivindicada por fazendeiros. Os estudos de identificação e delimitação foram aprovados pela Funai em julho deste ano. O território possui 362 mil hectares e está localizado na bacia do rio Xingu, entre os municípios de Santa Cruz do Xingu (MT), São Félix do Xingu (PA) e Vila Rica (MT).
Destes, mais de 258 mil hectares são reivindicados por fazendeiros, 79% da terra indígena. Se todos eles fossem indenizados pelo valor da terra nua, o custo seria de R$477,5 milhões.
Entre as dez terras que fazem parte do levantamento da Agência Pública, três estão na mesma região do Maranhão, cerca de 580 km a sudoeste de São Luís. As Terras Indígenas Porquinhos dos Canela-Apãnjekra, Bacurizinho e Kanela Memortumré têm juntas cerca de 374 mil hectares, sendo que ao menos 194 mil (52% do total) são disputados por fazendeiros. Se todos eles fossem indenizados pelo valor médio da terra nua aplicado hoje pelo Incra, seriam necessários R$108 milhões.
As Terras Indígenas Porquinhos dos Canela-Apãnjekra, Bacurizinho, reivindicam ampliação de áreas demarcadas, e já estão declaradas. Enquanto Bacurizinho é habitada pelo povo Guajajara, a terra Porquinhos é do povo Canela Apanyekrá. Já o território Kanela Memortumré é ocupado pelo povo Kanela e aguarda portaria declaratória.
O estado do Mato Grosso do Sul é campeão em casos de invasão de terras indígenas e assassinatos, de acordo com dados dos relatórios Os Invasores I e II, da página De Olho nos Ruralistas e levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) com base em números do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Três tekoha (“lugar onde se é”, em Guarani) na região de Dourados, onde vivem os povos Guarani e Kaiowá, somam cerca de 118 mil hectares, sendo que metade é disputada por fazendeiros. Juntas, as indenizações nas TIs Dourados-Amambaipeguá I, Iguatemipegua I e Ypoi/Triunfo custam R$269,8 milhões.
Os conflitos na região envolvem os Guarani e Kaiowá expulsos de suas terras a partir do século 19, que desde o fim da década de 1970 buscam retomar os territórios transformados em fazendas.
Estes territórios são apenas alguns exemplos das disputas envolvendo os abusos do agronegócio e os povos indígenas. O recente levantamento do De olho nos ruralistas apontou que existem 1.692 invasões de fazendas sobre terras indígenas, resultando em 1,18 milhão de hectares, envolvendo empresas transnacionais, políticos, donos de veículos de comunicação e personalidades da elite brasileira.
22/set/2023
O julgamento do RE 1.017.365, que busca definir, com repercussão geral, a constitucionalidade da fixação da tese do “marco temporal” para a demarcação de Terras Indígenas no Brasil, voltou à pauta do Supremo Tribunal Federal na última quarta-feira, 20 de setembro. O voto do Ministro Dias Toffoli consolidou a atual maioria de 5 votos contrários à tese do marco temporal, contra dois favoráveis – proferidos pelos Ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça. No entanto, ao contrário dos outros ministros e com temática alheia à discutida no processo, Toffoli optou por expandir os temas analisados e incluiu a possibilidade de aproveitamento de recursos hídricos, orgânicos e minerais de Terras Indígenas, sob o argumento de que o tema sofre com uma suposta omissão legal e prejudica o desenvolvimento econômico do país.
A APIB vem por meio deste documento manifestar sua profunda preocupação com a proposta do Ministro, considerando a possibilidade de que o Tribunal determine ao atual Congresso Nacional, amplamente ruralista e contra os Direitos Indígenas, a edição de Lei ordinária sobre este tema, sem que tenha havido a devida participação dos Povos Indígenas neste processo. Dessa forma, tal “outorga” ao Poder Legislativo, no que se refere à definição jurídico-normativa sobre a mineração em Terras Indígenas, além de se tratar de tema alheio ao discutido no julgamento do STF, representa, na prática, a alta possibilidade de instituição de diploma contrário aos interesses indígenas no país, em vista à atual configuração do Congresso Nacional brasileiro.
A mineração em Terras Indígenas, atividade por meio da qual se pretende autorizar toda sorte de exploração econômica de territórios tradicionais, possui alto grau de prejudicialidade à garantia e manutenção dos Direitos dos Povos Originários, além de ameaçar diretamente sua sobrevivência física, religiosa e cultural. A história recente nos mostra que a existência de empreendimentos para extração de recursos hídricos, orgânicos (hidrocarbonetos) e minerais, na prática, gera a destruição de territórios indígenas, a contaminação das populações por agentes biológicos e químicos, como o mercúrio, e o esgarçamento do tecido social destas comunidades, além de enfraquecer ou inviabilizar sua Soberania Alimentar e submeter mulheres e crianças à violência física e sexual.
Alheia ao julgamento, esta discussão sobre o aproveitamento econômico de Terras Indígenas foi justificada por Dias Toffoli pelo mesmo argumento que levou à aprovação do regime de urgência na tramitação do PL 191/2020, no início de 2022. Naquele momento, o governo bolsonarista e seus aliados na Câmara dos Deputados exploraram a dependência brasileira de fertilizantes russos para pressionar pela aprovação deste projeto de lei que, se não revoga os Direitos Territoriais Originários de Posse e Usufruto Exclusivo, os relativiza ao limite.
Segundo estes atores políticos, somente a exploração mineral – especialmente de potássio – em Terras Indígenas evitaria um colapso econômico do país. O que se seguiu, foi uma série de estudos comprovando que as maiores reservas de potássio e demais minerais utilizados na produção de fertilizantes agrícolas não residem em Terras Indígenas. O relatório “Crise dos fertilizantes no Brasil: da tragédia anunciada às falsas soluções”, de autoria de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, indicou que 90% das reservas deste mineral em solo amazônico encontram-se fora de Terras Indígenas e, nacionalmente, se dividem entre os estados do Amazonas (21%), Sergipe (4%), Minas Gerais e São Paulo (que, somados, abrigam 75% das reservas). Dados da própria Agência Nacional de Mineração e do Serviço Geológico do Brasil indicam que apenas 11% das jazidas de sais de potássio se sobrepõem a Terras Indígenas. É muito preocupante, portanto, que o Ministro Dias Toffoli faça uso de uma retórica sem fundamentação concreta para justificar a inserção de uma tese prejudicial – e sem nenhuma conexão com o caso em discussão – no julgamento mais importante do século para os Povos Indígenas e para a sociedade brasileira.
Dessa forma, a proposta de tese a ser fixada não encontra respaldo no arcabouço jurídico nacional, que restringe e, em alguns casos, até mesmo veda a exploração econômica de Terras Indígenas. Além disso, é certo que o atual diploma processualista brasileiro, por inteligência do art. 10 do Código de Processo Civil, veda a prolação das chamadas “decisões surpresa”, em vista ao cerceamento do contraditório e ampla defesa das partes. No caso em questão, o Ministro adentrou no mérito da regulamentação da mineração em terras indígenas sem ter dado às partes oportunidade de se manifestar, de forma a anular, implicitamente, a consulta aos representantes das comunidades indígenas atingidas pelo julgamento, bem como dos órgãos indigenistas que possuem norte à proteção e garantia dos direitos originários.
Ainda, o Ministro motiva a necessidade de regulamentação § 1º do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição Federal por decorrência do avanço recente do garimpo ilegal e de outras explorações íliticas nas áreas protegidas, as quais, segundo o magistrado, encontram-se entregues à ilegalidade, gerando alto custo ao país, em vista do impacto no Meio Ambiente e do cenário de emergência humanitária observado, por exemplo, na Terra Indígena Yanomami, altamente atingida pela invasão de garimpeiros, grileiros e demais empresários com interesses na exploração dos territórios indígenas do país.
A escala e intensidade do garimpo ilegal em tal Terra Indígena cresceu exacerbadamente nos últimos cinco anos. Dados do Mapbiomas indicam que a partir de 2016 a curva de destruição do garimpo assumiu uma trajetória ascendente e, desde então, tem acumulado taxas cada vez maiores. Nos cálculos da plataforma, entre os anos de 2016 a 2020 o garimpo na TIY cresceu nada menos que 3350%.
Este cenário, porém, não é fruto de mera omissão legislativa. Os últimos anos foram marcados por uma política anti-indígena que desmontou e desfinanciou os órgãos responsáveis pela implementação da Política Indigenista Nacional e pelo controle ambiental. Um dos eixos desta política se estruturou justamente sobre facilitação da abertura de Terras Indígena à exploração econômica, combinando o estrangulamento de instituições de proteção socioambiental com discursos e sinalizações públicas em favor de agentes econômicos interessados nesta exploração ilegal, que se viram incentivados a cometerem ilícitos ambientais com a garantira de que não seriam punidos.
Sabe-se que nos últimos quatro anos houve o desmantelamento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), principal órgão de proteção indígena, a partir da nomeação, por Jair Bolsonaro, do delegado Marcelo Xavier para presidir o órgão, o qual, dolosamente, buscou gerenciar a autarquia a partir de interesses opostos às Garantias Constitucionais dos Povos Indígenas. Cenário semelhante ocorreu com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), a qual, encarregada da proteção à saúde originária e presidida anteriormente pelo militar Robson Santos da Silva, também nomeado pelo antigo gestor do executivo federal, contribuiu com o genocídio étnico dos povos tradicionais, principalmente na negligência observada no combate à COVID-19. Nesse sentido, é certo que o cenário de aumento do garimpo ilegal e o alto impacto às comunidades indígenas e ao Meio Ambiente do país é resultado do enfraquecimento de Políticas Públicas voltadas à proteção e preservação dos povos e cultura originários e não à omissão legislativa, em nada se assemelhando à conjuntura apresentada por Dias Toffoli.
Ainda, a Constituição Federal prevê regimes legais diferenciados para a mineração e para o garimpo. A mineração corresponde a uma atividade econômica e industrial que consiste na pesquisa, exploração, lavra (extração) e beneficiamento de minérios presentes no subsolo. O processo de minerar passa pela extração de minerais e envolve várias etapas a serem seguidas até se chegar ao seu produto final, são elas: pesquisa e exploração, lavra e beneficiamento. O garimpo, por sua vez, é uma atividade extrativista que tem como objetivo a obtenção de minérios, em teoria, de cunho artesanal e empregando pouca ou nenhuma tecnologia avançada. Também possui especial proteção pela Constituição Federal, tendo em vista a expressa proibição da prática em Terras Indígenas (art. 231, § 7º).
No que se refere aos marcos legais sobre a mineração em Terras Indígenas, o parágrafo 6º do art. 231 da Constituição Federal determina que são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação e a posse das Terras a que se refere o artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nela existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção, direito a indenização ou à ações contra a União, salvo na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.
A extração de minérios em Terras Indígenas e as respectivas discussões jurídicas sobre o tema impactam diretamente na vida em comunidade de tais povos, de modo que deve haver, conforme art. 6 da Convenção 169 da OIT, consulta aos povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de instituições representativas como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI).
Dessa forma, observa-se que a Constituição Federal condiciona o aproveitamento mineral de Terras Indígenas a duas exigências: prévia autorização do Congresso Nacional e a oitiva das comunidades afetadas, após a efetiva tramitação da Lei Complementar que visa regulamentar os artigos da Constituição Federal que tratam sobre a questão.
Frente a tais condicionantes, o Ministro Dias Toffoli propõe que o STF estabeleça o prazo de 12 meses ao Congresso Nacional para que se legisle sobre o tema. Esta proposta é extremamente preocupante. O julgamento do RE 1.017.365 tem repercussão geral e definirá o estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena à luz das regras dispostas no artigo 231 do texto constitucional. Nem o caso concreto nem a tese de repercussão geral versam sobre o aproveitamento econômico das terras indígenas, mas exclusivamente das relações de posse delas derivadas.
A inserção de um posicionamento definitivo do STF sobre a exploração econômica desses territórios, nestes termos, viola o devido processo legal, garantido pelo art. 5, LIV, da Constituição Federal, ao não permitir que os reais interessados e impactados pela decisão se manifestem de maneira informada e em tempo hábil sobre o tema.
Além disso, o Ministro parece ignorar a realidade enfrentada pelos Povos Indígenas. Se o Tribunal tem autonomia para não se pautar pela situação política do país, os Povos Originários não podem ignorar que o Ministro propõe que seja o atual Congresso Nacional a decidir sobre o futuro de suas Terras, no exíguo prazo de 12 meses. Este Congresso Nacional, composto por ruralistas e ex-ministros do Governo Bolsonaro diretamente envolvidos na implementação da supramencionada política anti-indígena, essa sim, responsável pelo crescimento da invasão e da exploração ilegal de Terras Indígenas. A mesma Câmara dos Deputados que aprovou o PL 490/07 por 283 votos e o mesmo Senado Federal que aprovou o PL 2903/2023 na Comissão de Reforma Agrária e Agricultura, e agora se recusa a realizar Audiência Pública na Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça.
Os Povos Indígenas brasileiros estão enfrentando uma grave ofensiva contra seus Direitos Originários de Posse e Usufruto Exclusivo sobre seus territórios. O Supremo Tribunal Federal tem em mãos o maior julgamento social e climático do século, do qual dependem o futuro dos Povos Indígenas e o projeto de nação que deriva da Constituição Federal de 1988. Não podemos permitir que essa decisão seja tomada sem a devida participação dos Povos Indígenas e que seja este o Congresso Nacional responsável por decidir sobre a existência dos territórios originários que garantem a vida e o equilíbrio climático do Planeta.
Mauricio Terena
Coordenador Jurídico da APIB
OAB/MS 24.060
Giovanna Dutra Silva Valentim
Assessora Jurídica da APIB
OAB/SP 485.585
Iorrannis Luiz Moreira da Silva
Secretário Jurídico da APIB
Advogado OAB/MS 27.100
21/set/2023
Foto: @tukuma_pataxo / APIB
Com o placar de 9×2 contra a tese anti-indígena, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) comemora e alerta para teses sobre indenização e mineração apresentadas no julgamento
Em sessão histórica nesta quinta-feira (21/09), os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram contra o marco temporal e formaram maioria de votos para a derrubada da tese no Judiciário. Com placar de 9×2, a votação dos ministros foi concluída derrubando a tese do Marco Temporal. No entanto, o julgamento deve ser retomado no dia 27 para debater sobre as propostas levantadas por Moraes e Toffoli no que refere à indenização prévia para invasores de TIs e o aproveitamento de recursos em TIs, o que preocupa o movimento indígena. A votação no Senado defendida pela bancada ruralista para começar no 20 de setembro, foi adiada também para 27 de setembro.
“Nós saímos vitoriosos sim da tese do Marco Temporal mas ainda há muita luta a ser feita para afastar todas as ameaças que também estão tramitando no Senado Federal que é através do PL 2903. Seguimos mobilizados, seguimos lutando, pois a luta irá continuar para garantia e proteção dos direitos dos Povos Indígenas”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, depois da finalização da sessão de votação no STF do dia 21 de setembro em Brasília.
Continuamos na luta para que nenhum direito seja negociado!
A Apib comemora o respeito aos direitos indígenas mas alerta de que a luta continua pois, mesmo fora da legalidade, diversas terras indígenas estão sendo invadidas. “É uma vitória para os povos indígenas, pois há anos nós estamos lutando para afastar essa tese que, de certa forma, estava paralisando os processos de demarcação no Brasil. No entanto, tem alguns pontos importantes a serem observados, porque os votos de Toffoli e Moraes trouxeram elementos bastantes perigosos para os Povos Indígenas”, defende Tuxá. Mesmo perante a crescente violência provocada pela ocupação ilegal de território indígena, o ministro Moraes levantou a tese de uma possível indenização para invasores, que supostamente possuam títulos de propriedade rural de “boa fé”, e Toffoli defendeu a possibilidade de aproveitamento de recursos hídricos, orgânicos e minerais localizados dentro de Terras Indígenas.
Votaram contra a tese do Marco Temporal: Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. André Mendonça e Nunes Marques votaram a favor do marco temporal.
O Marco Temporal é uma tese política que afirma que os povos indígenas só teriam direito aos seus territórios caso estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A Apib aponta que a tese é inconstitucional e anti-indígena, pois viola o direito originário dos povos ao território ancestral – previsto na própria Constituição – e ignora as violências e perseguições, em especial durante a ditadura militar, impossibilitando que muitos povos estivessem em seus territórios na data de 1988.
No STF, o marco temporal trata, no mérito, de uma ação possessória (Recurso Extraordinário n.º 1.017.365) envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. Com status de repercussão geral, a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país. Como afirmou o Ministro Luís Roberto Barroso, “A constituição é muito clara, não existe propriedade sobre terras tradicionalmente pertencentes a comunidades indígenas. Esta é a solução deste caso.”
Mesmo que o resultado da votação seja uma vitória para os Povos Indígenas do Brasil, outras propostas levantadas pelos ministros em seus votos ameaçam o cenário atual de luta pelo respeito dos nossos direitos.
O Ministro Alexandre de Moraes votou contra o Marco Temporal na sessão do STF que aconteceu em 7 de junho de 2023. Mesmo com uma posição contrária à tese, ele levantou uma proposta altamente ameaçadora para os Povos Indígenas. Moraes supôs a existência de proprietários rurais de “boa fé”, que poderiam receber indenização do Estado pela terra nua, caso eles chegassem a ser desapropriados das terras que ocupam ilegalmente para realizar a demarcação de uma terra indígena.
A Apib considera que, apesar da existência de uma pequena parcela de pequenos proprietários que adquiriram de boa-fé títulos de propriedade sobre terras indígenas por ilegalidade praticada pelo Estado, a proposta da indenização supõe uma premiação aos invasores ilegais que representam a maioria das propriedades com sobreposição em terras indígenas, portanto, um incentivo à ocupação ilegal de terras paga com dinheiro público. A partir do cruzamento de bases de dados fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), os dados dos relatórios “Os Invasores” realizados por De Olho nos ruralistas, mostram 1.692 sobreposições de fazendas em terras indígenas, o que representa 1,18 milhão de hectares e, desse total, 95,5% estão em territórios pendentes de demarcação. Com a sua proposta, Morares ignora a vasta história de grilagem de terras no Brasil e a ação criminosa de ruralistas, que tem provocado um aumento da violência contra os povos indígenas e um crescimento do desmatamento. Entre 2008 e 2021, 46,9 mil hectares foram desmatados em áreas de sobreposição de fazendas em terras indígenas, segundo apontam os dados do relatório previamente mencionado.
Por sua vez, o Ministro Dias Toffoli votou no dia 20 de setembro, representando o 5 voto contrário à tese do marco temporal. No entanto, ao contrário dos outros ministros e com temática alheia à discutida no processo, Toffoli optou por expandir os temas analisados e incluiu a possibilidade de aproveitamento de recursos hídricos, orgânicos e minerais de Terras Indígenas, sob o argumento de que o tema sofre com uma suposta omissão legal e prejudica o desenvolvimento econômico do país. Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib, complementa: “No último momento, o ministro trouxe uma questão que muito nos preocupa enquanto movimento indígena. O ministro preceitua teses sobre exploração econômica em terras indígenas. A gente entende que não é momento para fazer esse debate e a forma que ele fez isso, em alguma medida, flexibiliza o usufruto exclusivo dos povos indígenas’’.
Leia o comunicado completo realizado pela Assessoria Jurídica da APIB em manifestação sobre o voto do Ministro Dias Toffoli.
A quem interessa o Marco Temporal?
Dentre as ameaças, resaltamos a ocupação ilegal em algums Terras Indígenas por alguns fazendeiros que estão ligados diretamente com o poder político ruralista. Políticos brasileiros, representantes no Congresso Nacional e no executivo, possuem 96 mil hectares de terras sobrepostas às Terras Indígenas. Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de Terras Indígenas, que doaram R$ 3,6 milhões para campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).
Votação no Senado adiada
Sob pressão da bancada ruralista, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado tinha previsto começar no dia 20 de setembro a debater o Projeto de Lei 2903, que pretende transformar o Marco Temporal em lei e legalizar crimes cometidos contra povos indígenas. No entanto, a falta de diálogo marcou a jornada: lideranças foram impedidas de entrar e a Comissão rejeitou pedido de audiência pública para. A votação foi adiada para o dia 27 de setembro após pedido de vistas coletivo dos senadores. “Os direitos dos povos indígenas estão sendo violados e não estamos sendo escutados. O parlamento não está ouvindo a opinião pública o que beneficia apenas os interesses do agronegócio”, alerta Tuxá. Para a Apib, o embate entre legislativo e judiciário é uma afronta de políticos que querem impor seus interesses econômicos nas terras indígenas sobre as próprias vidas indígenas.
Sobre a Apib
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) é uma instância de referência nacional do movimento indígena no Brasil, criada de baixo pra cima. Ela aglutina sete organizações regionais indígenas (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa) e nasceu com o propósito de fortalecer a união de nossos povos, a articulação entre as diferentes regiões e organizações indígenas do país, além de mobilizar os povos e organizações indígenas contra as ameaças e agressões aos direitos indígenas.
Saiba mais sobre o marco temporal: https://apiboficial.org/marco-temporal/
Para mais informações e para agendar entrevistas pode contatar com o serviço de imprensa:
E-mail: [email protected]
Coordenação de comunicação – Samela Sateré Mawé – +55 (92) 98285 5077
Comunicação internacional – +55 (65) 99686 6289 / +55 (21) 96665 5518 / +55 (92) 99430-3762
20/set/2023
Foto: Kamikia Kisedje
Voto do ministro apesar de ser contra o Marco Temporal abre brecha para legalizar exploração de mineração em Terras Indígenas.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli votou contra a tese do Marco Temporal para demarcação de Terras Indígenas, na sessão realizada na tarde de hoje (20/09). Agora o placar de votação está com cinco votos contrários à tese ruralista contra dois votos favoráveis à proposta anti-indígena. O julgamento foi interrompido por falta de tempo e deve ser retomado amanhã, 21 de setembro.
“O voto do ministro Toffoli é contra o marco temporal, mas traz pontos perigosos contra os povos indígenas. Temos que manter a vigilância e continuar as mobilizações. É importante lembrar que o Supremo ainda não concluiu o julgamento e os votos ainda estão em disputa. Vamos torcer e articular para que os próximos votos sigam o voto do relator [Edson Fachin], que é o que estamos defendendo. Um voto contra o marco temporal, mas também contra a indenização prévia e que garanta o direito originário dos povos indígenas”, afirmou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, após o encerramento da sessão.
Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib, complementa: “No último momento, o ministro trouxe uma questão que muito nos preocupa enquanto movimento indígena. O ministro preceitua teses sobre exploração econômica em terras indígenas. A gente entende que não é momento para fazer esse debate e a forma que ele fez isso, em alguma medida, flexibiliza o usufruto exclusivo dos povos indígenas’’.
O julgamento do marco temporal já tinha sido suspenso no dia 31 de agosto. Desde então, lideranças indígenas, de diferentes povos e territórios, estão mobilizados em Brasília, onde estão acampados no Memorial dos Povos Indígenas.
Até o momento, os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli já votaram e foram contrários à tese. André Mendonça e Nunes Marques votaram a favor do marco temporal. Ainda faltam votar as ministras Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luiz Fux e Gilmar Mendes.
O marco temporal é uma tese política que afirma que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras se estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A Apib aponta que a tese é inconstitucional e anti-indígena, pois viola o direito originário dos povos ao território ancestral – previsto na própria Constituição – e ignora as violências, em especial da ditadura militar, e a tutela do Estado a que os povos foram submetidos até 1988.
No STF, o marco temporal trata, no mérito, de uma ação possessória (Recurso Extraordinário n.º 1.017.365) envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. Com status de repercussão geral, a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país. Como afirmou o Ministro Luís Roberto Barroso, “A constituição é muito clara, não existe propriedade sobre terras tradicionalmente pertencentes a comunidades indígenas. Esta é a solução deste caso.”
Senado adiado
A falta de diálogo e respeito marcou a sessão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, hoje (20/09). Lideranças foram impedidas de entrar e a comissão rejeitou pedido de audiência pública para debater o Projeto de Lei 2903, que pretende transformar o Marco Temporal em lei e legalizar crimes cometidos contra povos indígenas. A votação foi adiada para o dia 27 de setembro após pedido de vistas coletivo dos senadores.
Para a Apib, o embate entre legislativo e judiciário é uma afronta de políticos que querem impor seus interesses econômicos nas terras indígenas sobre vidas indígenas e do povo brasileiro.