Apib contesta no STF tentativa do Senado de sustar demarcações indígenas

Apib contesta no STF tentativa do Senado de sustar demarcações indígenas

Foto: Samela Sateré Mawé/ Apib

A organização indígena pede ao STF a suspensão da Lei 14.701/2023 e denuncia inconstitucionalidades no projeto que tenta barrar homologações de terras Kaingang e Guarani em Santa Catarina e sustar o Art. 2º do Decreto 1775/1996.

Na segunda-feira, 09 de junho, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) apresentou manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito da  Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87 e Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7582, contra o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 717/2024, aprovado pelo Senado Federal. A organização pede a suspensão da Lei 14.701/2023 e contesta a tentativa do Congresso de sustar decretos presidenciais que homologaram as Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, em Santa Catarina e trecho do Decreto 1.775/1996, que detalha as fases do procedimento administrativo de demarcação.

Na manifestação, a Apib afirma que o PDL é inconstitucional e viola a separação entre os poderes ao invadir a competência do Executivo na demarcação de terras indígenas. A entidade também aponta que a proposta legislativa desrespeita decisões do STF que reconhecem o caráter administrativo e concreto dos atos de homologação, que não podem ser suspensos pelo Legislativo.

Outro ponto destacado pela Apib é a ausência de consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas afetados, como previsto na Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário. Para a organização, o Senado ignorou o direito dos povos Kaingang e Guarani e de todos os povos indígenas do Brasil de serem ouvidos antes da tramitação da medida, o que compromete a legalidade do processo.

A entidade também alerta para os riscos de retrocesso e insegurança jurídica com a tentativa de aplicar a Lei 14.701/2023 de forma retroativa. Segundo a Apib, a medida ameaça procedimentos demarcatórios já concluídos, contrariando o direito adquirido e o princípio do ato jurídico perfeito, protegidos pela Constituição.

A Apib pede ao STF que suspenda integralmente os efeitos da Lei 14.701/2023 ou, de forma subsidiária, os dispositivos que permitem a adequação de procedimentos demarcatórios em andamento. A organização afirma que a proposta legislativa é mais um instrumento político para obstruir o direito originário dos povos indígenas à terra, garantido pela Constituição de 1988.

No dia 11 de junho de 2025, o Relator Especial das Nações Unidas sobre os direitos dos Povos Indígenas reforçou o posicionamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) ao divulgar um novo comunicado em que expressa profunda preocupação com a aplicação contínua da tese do Marco Temporal. Em especial, ele destaca a gravidade da vigência da Lei nº 14.701/2023 e a recente aprovação do Projeto de Decreto Legislativo nº 717/2024, considerado um desdobramento direto dessa tese, como ameaças concretas aos direitos territoriais dos povos indígenas no Brasil.

MINERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS: o que está em jogo para o Brasil e o planeta?

MINERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS: o que está em jogo para o Brasil e o planeta?

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil publicou, por ocasião do “Seminário Territórios em Risco: os impactos da mineração em terras indígenas e a correlação com a Lei 14.701/2023 e a mesa de conciliação no STF”, realizado no Congresso Nacional, um documento sobre as ameaças e os impactos da mineração em Terras Indígenas (TIs). O documento analisa o panorama de propostas que desconstitucionalizam os direitos indígenas conduzidos, especialmente, pelo poder Legislativo.

No entanto, posições dentro do STF, como a do Ministro Flávio Dino, que têm apoiado a ideia de regulamentar a mineração em TIs, a falta de julgamento no STF da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Apib sobre a Lei do Genocídio Indígena (14.701/2023), as negociatas dentro da Câmara de Conciliação, do Ministro Gilmar Mendes, também se mostram críticas e representam sérias ameaças às vidas indígenas, aos biomas e à toda humanidade.

Na nota, o Departamento Jurídico da APIB, aborda povos que estão em vias de serem atingidos pela mineração, como o Povo Mura, e outros casos em que os impactos já são irreversíveis, como os Povos Krenak, Tupinikim, Guarani, Pataxó e Pataxó Hã-hã-hãe, Xikrin Mebêngôkre, Mebêngôkre Kayapó, Guarani Mbya, Yanomami.

De acordo com o documento, empresas e setores interessados querem trazer investimentos estrangeiros para viabilizar a transição energética através da exploração de “minerais da transição”, que estão justamente dentro de territórios protegidos. Além disso a mineração é a substituição de um modelo violento por outro com a falsa promessa de desenvolvimento.

As consequências dessa exploração são incalculáveis: desmatamento em larga escala; Contaminação de rios, solos e aquíferos; Intensificação de conflitos sociais; Uso intensivo de água, terra e energia; Introdução de grandes fluxos migratórios, inclusive de deslocamentos Forçados; Violações de direitos humanos; Danos à saúde coletiva e aos ecossistemas. Além disso, a mineração legalizada incentiva e favorece a expansão do garimpo ilegal.

Um estudo publicado na revista Nature revelou que, na Amazônia brasileira, entre 2005 e 2015, o desmatamento na Amazônia pela mineração industrial foi 12 vezes maior do que a área concedida para as minas. O impacto real se estende por meio de estradas, infraestrutura, portos e outros vetores de degradação.

Por outro lado, as Terras Indígenas são comprovadamente barreiras de proteção ambiental e climática, perdendo menos de 1% de sua cobertura vegetal nativa, em contraste com os 28% verificados em áreas privadas.

O avanço da mineração sobre nossas terras compromete a imagem diplomática e a credibilidade climática do país, visto que estamos prestes a receber a COP30.

Confira o documento completo no linkMINERAÇÃO_EM_TERRAS_INDÍGENAS_o_que_está_em_jogo_para_o_Brasil

Movimento indígena convoca mobilizações ao redor do Brasil

Movimento indígena convoca mobilizações ao redor do Brasil

Apib denuncia retrocessos no Congresso e no STF e convoca mobilização nacional em defesa dos direitos territoriais indígenas

Com a aprovação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 717/2024 no Senado Federal, que suspende a demarcação das Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, em Santa Catarina, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), maior referência do movimento indígena brasileiro, convoca para a próxima segunda-feira, 9 de junho, uma mobilização nacional.

Em Brasília, os povos indígenas irão se concentrar a partir das 12h para um ato no Museu Nacional. A Apib convida organizações indígenas regionais e movimentos parceiros a somarem na luta contra o desmonte dos direitos indígenas no Congresso Nacional e a Câmara de Conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF), que discute a Lei do Genocídio Indígena (Lei nº 14.701/2023).

O PDL foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e no plenário do Senado em caráter de urgência no dia 28 de maio.  Apresentado pelo Senador Esperidião Amin (Progressistas), o texto também prevê a suspensão do art. 2º do Decreto nº 1775/1996 que regulamenta o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas no Brasil. O projeto alega que os decretos não observaram as novas regras impostas pela Lei nº 14.701, como a participação de estados e municípios no processo demarcatório.

Porém, a Apib ressalta que esta legislação altera o art. 231 da Constituição Federal e institui a tese do marco temporal. A tese limita o direito à demarcação apenas às comunidades que ocupavam seus territórios até 5 de outubro de 1988 e já foi declarada inconstitucional pelo plenário do STF em 2023. Na Corte, a Apib protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e solicitou que a Lei do Genocídio Indígena, como é conhecida.

O PDL 717 segue para votação na Câmara dos Deputados. O departamento jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil aponta quatro riscos com aprovação do projeto:  violência e conflitos fundiários, retrocesso jurídico e político, descumprimento da constituição e tratados internacionais e ameaça ao meio ambiente. Saiba mais aqui.

Após a aprovação do texto, a Apib registrou uma denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e na Organização das Nações Unidas (ONU). Nos documentos enviados à CIDH e ONU, a Apib alerta que a decisão dos senadores susta atos concretos do Presidente da República, o que é inconstitucional, e compromete a segurança jurídica dos povos indígenas em todo o país.

Mais ameaças 

Além do PDL, outra ameaça apontada pelo movimento indígena é a continuidade da Câmara de Conciliação do Supremo e o Projeto de Lei nº 6.093/2023. As atividades da câmara encerrariam em abril, mas foram adiadas até o dia 25 de junho. Em agosto do ano passado, a‬‭ Articulação‬‭ deixou a câmara pois o considera ilegítimo‬‭ e‬‭ inconstitucional.‬‭

Para a Apib o‬‭ espaço‬‭ de‬‭ negociação‬‭ foi‬‭ instituído‬‭ sem‬‭ a‬‭ devida‬ consulta‬‭ aos‬‭ povos‬‭ indígenas,‬‭ o que viola artigo 6º da‬‭ Convenção‬‭ 169‬‭ da‬‭ OIT. A câmara também ignorou‬‭ recursos‬‭ e‬‭ denúncias‬‭ apresentados‬‭ ao‬‭ longo‬‭ do‬‭ tempo‬‭ pela‬‭ organização,‬ reconhecida por sua legítima representação indígena.‬

“Mais‬‭ uma‬‭ vez,‬‭ reiteramos‬‭ a‬‭ preocupação‬‭ com‬‭ o‬‭ andamento‬‭ das‬‭ audiências‬ conduzidas‬‭ pelo‬‭ ministro‬‭ Gilmar‬‭ Mendes.‬‭ Sob‬‭ a‬‭ justificativa‬‭ de‬‭ reunir‬‭ sugestões‬‭ e‬‭ buscar‬ alternativas‬‭ de‬ “meio-termo” entre‬‭ os‬‭ interesses‬‭ dos‬‭ povos‬‭ indígenas‬‭ e‬‭ do‬‭ agronegócio,‬‭ seu‬ gabinete‬‭ extrapolou‬‭ os‬‭ limites‬‭ do‬‭ papel‬‭ de‬‭ relator,‬‭ ultrapassando‬‭ o‬‭ escopo‬‭ da‬‭ Lei‬‭ nº 14.701/2023‬‭ e‬‭ dos‬‭ debates‬‭ travados‬‭ na‬‭ Comissão‬‭ Especial”, diz nota da organização indígena.

Já o Projeto de Lei nº 6.093/2023, propõe uma série de mudanças no procedimento administrativo de demarcação de terras. Em tramitação na Câmara dos Deputados, o projeto é de autoria da deputada federal Coronel Fernanda (PL/MT), e prevê a instituição da tese do marco temporal, a retirada da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) da coordenação dos processos demarcatórios e quer submeter a homologação das terras ao Congresso Nacional.

PL da devastação

Somando às ameaças já apontadas, o Projeto de Lei nº 2.159/2021, conhecido como PL da Devastação, representa um ataque direto aos direitos dos povos indígenas e à proteção ambiental no Brasil. O projeto propõe a flexibilização do licenciamento ambiental, permitindo o autolicenciamento e dispensando análises técnicas prévias, o que pode resultar em obras de alto impacto sem avaliação adequada dos danos ao meio ambiente, à saúde e aos modos de vida das comunidades.

Especificamente para os povos indígenas, o PL restringe a participação de órgãos de proteção aos direitos indígenas ao licenciamento de atividades apenas sobre as terras indígenas já homologadas, gerando insegurança jurídica para inúmeras comunidades que ocupam tradicionalmente suas terras. Além disso, o projeto ignora o direito à consulta livre, prévia e informada, assegurado pela Convenção 169 da OIT, tratado internacional do qual o Brasil é signatário, desrespeitando compromissos internacionais e fragilizando ainda mais a proteção dos direitos coletivos indígenas.

APIB faz denúncia na ONU e na CIDH sobre ameaça à demarcação de terras indígenas aprovada pelo Senado

APIB faz denúncia na ONU e na CIDH sobre ameaça à demarcação de terras indígenas aprovada pelo Senado

O PDL nº 717 suspende a demarcação das Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos (SC) e o Art. 2º do Decreto nº 1775/96, gerando insegurança jurídica em todo o país.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denunciou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e à Organização das Nações Unidas (ONU) a aprovação, no Senado Federal, do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 717/2024, que suspende a demarcação das Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, localizadas no estado de Santa Catarina.

O projeto foi aprovado no plenário do Senado na última quarta-feira, 28 de maio, com apenas três votos contrários. O texto também susta o Art. 2º do Decreto nº 1775/1996, que detalha  o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas. Agora, o projeto segue para a Câmara dos Deputados.

“Vivemos um retrocesso! Vivemos um desrespeito a Constituição Federal de 1988, no que tange o Artigo 231. Não podemos aceitar que cláusulas pétreas sejam desrespeitadas, não podemos aceitar nossos direitos sendo rasgados!”, diz a Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

Nos documentos enviados à CIDH e ONU, a Apib alerta que a decisão dos senadores susta atos concretos do Presidente da República, o que é inconstitucional, e compromete a segurança jurídica dos povos indígenas em todo o país. Segundo a organização, o projeto é baseado na Lei 14.701/2023, que transformou em lei a tese do marco temporal, de modo a limitar o direito à demarcação apenas às comunidades que ocupavam seus territórios até 5 de outubro de 1988, e alterou profundamente o rito do procedimento administrativo de demarcação. Sob o argumento de garantir a participação dos ruralistas, a lei criou uma série de entraves à demarcação das terras indígenas.

A Lei 14.701 é nomeada pelo movimento indígena como Lei do Genocídio Indígena e do marco temporal. A Apib destaca que a legislação é alvo de questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF), que chegou a declarar a tese inconstitucional em setembro de 2023.

A organização recorda ainda declarações do secretário-geral da ONU, António Guterres, que em abril reafirmou a não negociabilidade dos direitos indígenas. No mesmo contexto, o relator especial da ONU, Bernard Duhaime, apontou que o marco temporal ignora o histórico de remoções forçadas de comunidades indígenas, especialmente durante o regime militar.

A Apib reforça que a Corte Interamericana de Direitos Humanos já decidiu que a perda de território por expulsão não pode impedir o reconhecimento da posse tradicional. Para a entidade, a aprovação do projeto e a vigência do marco temporal representam sérias ameaças aos direitos indígenas, à preservação ambiental e à luta contra as mudanças climáticas. Por isso, a Articulação dos Povos Indígenas solicita que a ONU cobre esclarecimentos do Estado brasileiro, monitore o processo legislativo e inclua o caso como exemplo de ameaça sistêmica aos direitos indígenas.

Apib denuncia falhas em planos de pós-desintrusão de terras indígenas

Manifestação enviada ao STF aponta omissões do Governo Federal em ações nas TIs Apyterewa, Trincheira Bacajá e Karipuna e cobra mudanças estruturais para garantir a segurança e os direitos dos povos indígenas.

O departamento jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolou, nesta sexta-feira (30/05), manifestação nos autos da ADPF 709 apontando as falhas observadas na condução dos processos de pós-desintrusão das terras indígenas Apyterewa, Trincheira Bacajá e Karipuna por parte do Governo Federal, de forma a sugerir alterações estruturais nos planos atuais e futuros no intuito de garantir a voz dos povos indígenas em tais ações.

A Apib, igualmente, informou ao Supremo Tribunal Federal sobre os recentes episódios de violência na Terra Indígena Apyterewa, a qual, recentemente, sofreu 6 (seis) ataques por pistoleiros com inteterreses de manter a prática da pecuária ilegal dentro do território tradicional, ainda que sob a égide do plano de sustentabilidade pós-desintrusão. A situação é semelhante na Terra Indígena Karipuna, a qual, mesmo com a elaboração de plano para idênticos fins, padece com a abertura de trechos para possibilitar a invasão com fins de extração ilegal de madeira.

A Apib considera as atividades de desintrusão e sustentabilidade pós-desintrusão como essenciais para a proteção da vida, segurança e a manutenção da tradição dos povos indígenas. Entretanto, alerta que para a realização de um plano de pós-desintrusão eficaz e que, de fato, proteja os territórios e povos indígenas neles residentes, é preciso a permanência constante de equipes da Funai, Ibama e ICMBio nas terras indígenas, além de uma melhoria nos procedimentos de monitoramento (remoto e presencial), maior vigilância e fiscalização, bem como a obrigatória elaboração de planos de recuperação ambiental e reocupação territorial das comunidades.

A ADPF 709 foi ajuizada pela Apib em 2020 em vista à omissão do Estado Brasileiro na proteção dos direitos fundamentais dos povos indígenas, especialmente diante da pandemia da Covid-19, para fins de adoção de medidas emergenciais para proteger a saúde e a vida das comunidades indígenas, com foco particular nos povos indígenas isolados e de recente contato. Ao longo do processo, houve a determinação para elaboração de 7 planos de desintrusão referentes a 8 terras indígenas: Yanomami, Apyterewa, Trincheira Bacajá, Munduruku, Karipuna, Araribóia, Kaypó e Uru-Eu-Wau-Wau.

APIB, Plataforma CIPÓ e WTT entregam contribuição conjunta à CDB sobre sinergias entre as Convenções do Rio

Documento propõe mecanismos concretos de integração entre os tratados da Rio-92 com protagonismo de povos indígenas e comunidades locais

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em parceria com a Plataforma CIPÓ e a World-Transforming Technologies (WTT), submeteu uma contribuição oficial à Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), em resposta à solicitação da COP16 (decisão 16/22), que busca opiniões sobre formas de fortalecer a coerência política entre as três convenções criadas na Rio-92: a CDB, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) e a Convenção de Combate à Desertificação (UNCCD).

O documento apresenta recomendações concretas para fortalecer a articulação entre os tratados, colocando os Povos Indígenas e Comunidades Locais (IPLCs) como elos fundamentais para a implementação coordenada e efetiva dos compromissos internacionais. A proposta se organiza em torno de três eixos estratégicos:

  • Integração dos sistemas de conhecimentos tradicionais e locais (ILK);
  • Participação digna e efetiva de Povos Indígenas e Comunidades Locais;
  • Mecanismos de financiamento e monitoramento transparentes e participativos.

Entre as recomendações está o fortalecimento da coordenação entre órgãos científicos como IPBES, IPCC e SPI, para incorporar saberes indígenas nos processos de produção e comunicação de conhecimento. O texto também defende a criação de um mecanismo permanente e coordenado entre as convenções que assegure a presença qualificada de lideranças indígenas nos fóruns decisórios, com infraestrutura adequada, financiamento desburocratizado e segurança em seus deslocamentos.

Além disso, o documento propõe o alinhamento dos sistemas de financiamento e monitoramento das convenções e a criação de linhas de financiamento direto para povos indígenas, com ênfase em fundos comunitários autogeridos, como Jaguatá, Nusantara, Podáali e FIRN. A ideia é garantir que os recursos cheguem diretamente às comunidades que atuam na linha de frente das soluções para as crises do clima, biodiversidade e degradação da terra.

A submissão reafirma que não é possível construir respostas justas e eficazes para os desafios ambientais globais sem considerar os sistemas de conhecimento e os direitos dos povos indígenas e comunidades locais.

Para saber mais, leia a recomendação na íntegra em:

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CCJ suspende demarcação das TIs Toldo Imbu e Morro dos Cavalos. Apib repudia decisão e aponta riscos

CCJ suspende demarcação das TIs Toldo Imbu e Morro dos Cavalos. Apib repudia decisão e aponta riscos

Foto: Conselho Indígena Missionário

O PDL 717 segue para votação no plenário do Senado em caráter de urgência

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal aprovou, na manhã desta quarta-feira, 28 de maio, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 717/2024, que suspende a demarcação das Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, localizadas no estado de Santa Catarina.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) considera a decisão grave e afirma que ela representa um ataque aos direitos dos povos indígenas. A organização repudia a medida e alerta que ela abre um perigoso precedente, podendo levar à revogação de outras demarcações ou impedir a homologação de territórios ainda não regularizados.

“O Senado, mais uma vez, afronta o texto constitucional, a divisão e a competência dos poderes ao tentar sustar os efeitos da homologação dos territórios indígenas Morro dos Cavalos e Toldo Imbu. Esse é mais um episódio que evidencia como as bancadas com interesses sobre terras indígenas têm atuado, articulando e fazendo lobby dentro da política brasileira, especialmente no Congresso Nacional”, ressalta Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib. 

O coordenador esteve no Senado e acompanhou as articulações. Dinamam também critica a posição do Governo Federal no processo: “A Presidência da República precisa atuar de forma mais incisiva. O que vimos hoje foi o esvaziamento da bancada governista na defesa de um decreto que homologou duas terras indígenas, assinado pelo presidente Lula. Hoje ficou ainda mais evidente que não há uma orientação clara do governo para que seus senadores aliados atuem de forma firme. Mas seguiremos vigilantes. Não vamos aceitar retrocessos!”, disse ele.

Agora, o PDL 717 segue para votação no plenário do Senado em caráter de urgência. O departamento jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil aponta quatro riscos com aprovação do projeto:  

  1. Violência e Conflitos Fundiários: A suspensão das demarcações pode aumentar a violência no campo, favorecendo invasões ilegais e agravando os conflitos entre indígenas e setores do agronegócio.
  2. Retrocesso Jurídico e Político: A sustação da demarcação das TIs Toldo Imbu e Morro dos Cavalos cria um precedente para a revisão de outras demarcações já consolidadas, ameaçando o direito dos povos indígenas em todo o Brasil.
  3. Descumprimento da Constituição e Tratados Internacionais: O PDL afronta o artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece os direitos indígenas sobre suas terras tradicionais, e também desrespeita a Convenção 169 da OIT, que obriga consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas em decisões que os afetam.
  4. Ameaça ao Meio Ambiente: As Terras Indígenas cumprem um papel fundamental na preservação ambiental. A revogação de suas demarcações pode levar ao desmatamento, degradação dos biomas e perda da biodiversidade.

O que diz o PDL 717

Apresentado pelo Senador Esperidião Amin, o projeto suspende os decretos que homologaram a demarcação das Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, além do Art. 2º do Decreto nº 1775/1996, que orienta o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas. 

O texto alega que os decretos não observaram as novas regras impostas pela Lei nº 14.701/2023, apontada pelo movimento indígena como Lei do Genocídio Indígena. A legislação transformou o marco temporal e diversos crimes contra os povos originários em lei. 

O PDL afirma que o Decreto nº 1775/1996 e a demarcação dessas terras devem ser suspensas por suposta falta de participação de estados, municípios e terceiros interessados. Entretanto, a Apib ressalta que a medida desconsidera que tais terras foram reconhecidas por meio de amplos estudos técnicos e consultas às comunidades indígenas e populações afetadas.

A demarcação das Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos é resultado de um processo histórico e legalmente embasado. O PDL em questão representa uma afronta aos direitos indígenas, ao meio ambiente e à segurança jurídica. Por isso, é fundamental que o Congresso Nacional rejeite essa medida e garanta a proteção dos territórios tradicionais”, diz nota da Apib. 

Leia a nota completa aqui.

Nota de Solidariedade à Ministra Marina Silva

Nota de Solidariedade à Ministra Marina Silva

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil manifesta total solidariedade à Ministra de Estado do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, que foi alvo de violência política de gênero durante a sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado.

Ela foi convidada para a reunião para prestar informações sobre a criação de uma unidade de conservação marinha, porém foi desrespeitada em diversos momentos e teve o direito de fala cortado pelo Senador do PL de Rondônia, Marcos Rogério.

A ministra insistiu na fala, afirmando que não é uma “mulher submissa”, e o senador retrucou: “me respeite, ministra, se ponha no seu lugar”, gerando a reação dos demais presentes. Marina continuou posicionando o trabalho do ministério. “Ao defender o meio ambiente eu estou defendendo os interesses estratégicos do Brasil”, declarou.

Então, o senador Plínio Valério (PSDB-AM), continuou os ataques dizendo que a ministra não merecia respeito. “Olhando para a senhora, estou falando com a ministra, e não com uma mulher”, afirmou. “Eu sou as duas coisas”, retrucou Marina. “A mulher merece respeito, a ministra, não”, concluiu ele. Há dois meses, o mesmo representante da direita disse que gostaria de enforcar Marina. Marina Silva se retirou e, em seguida, a sessão foi encerrada.

O ataque acontece uma semana após a casa aprovar a lei de desmanche do licenciamento ambiental. O chamado PL da Devastação (2159/2021) que tramita agora na Câmara de Deputados. Autoridades classificaram o tratamento direcionado à Ministra como “absurdo” e “misógino”.

Repudiamos os atos desprezíveis e antidemocráticos dentro do Senado. Somamos nossa indignação aos demais representantes dos reais interesses do povo brasileiro.

Os ataques contra a ministra são mais que uma expressão do machismo e racismo enraizados nas instituições brasileiras, eles fazem parte do projeto dominante no poder legislativo, que promove o desmonte das leis e a destruição do meio ambiente em favor do lucro de poucos.

Em agenda com autoridades europeias, Apib reivindica votos contra o acordo UE-Mercosul e metas mais ambiciosas na COP30

Em agenda com autoridades europeias, Apib reivindica votos contra o acordo UE-Mercosul e metas mais ambiciosas na COP30

Foto: Yago Kaingang/Apib

Em Londres e Bruxelas, Apib pressiona por políticas que protejam os povos indígenas e o meio ambiente

Entre os dias 12 e 16 de maio, as lideranças indígenas Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e Alessandra Korap Munduruku, coordenadora da Associação Indígena Pariri, participaram de reuniões com deputados do Grupo dos Socialistas e Democratas do Parlamento Europeu em  Bruxelas, na Bélgica, e também com Parlamentares e autoridades britânicas, em Londres, Reino Unido. O objetivo da agenda foi tratar dos impactos do acordo União Europeia-Mercosul, que pode aumentar o desmatamento e a violência contra os povos indígenas no Brasil, além de reivindicar metas mais ambiciosas na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá em novembro, em Belém (PA).

Entre os impactos negativos do acordo entre a UE e o Mercosul, a Apib alerta que ele aumenta a cota de importação de carne bovina para a UE (com tarifas reduzidas) em 99 mil toneladas por ano, o que representa um aumento de 50% em comparação com as atuais exportações de carne bovina do Mercosul para o bloco europeu. Estimativas sugerem que essa cota poderia acelerar as taxas de desmatamento na região do Mercosul em pelo menos 5% ao ano. Outras projeções apontam que o impacto da cota de carne bovina pode resultar em um desmatamento adicional entre 620 mil e 1,35 milhão de hectares em cinco anos. 

Em relação à soja, as autoridades consideram que o Acordo não promoveria uma expansão de sua produção dado que a soja brasileira já conta com isenção de alíquota de importação para o bloco europeu. Entretanto, a Apib aponta que o aumento da produção de gado promovida pelo Acordo, levará a um aumento indireto da produção de soja para produção de ração para a expansão da pecuária. Além disso, as lideranças destacaram impactos indiretos do Acordo a partir da demanda pela expansão da infraestrutura para o escoamento da produção de commodities, como a construção da Ferrogrão e de portos que já estão promovendo desmatamento e invasão de territórios indígenas.

Sobre os direitos indígenas, o texto do acordo UE-Mercosul menciona apenas o “consentimento prévio e informado”, em oposição ao direito internacionalmente reconhecido de “consentimento livre, prévio e informado” — ou seja, omite o elemento crucial de que o consentimento deve ser obtido sem coerção ou intimidação. Além disso, o texto limita a obrigação de obter o consentimento dos povos indígenas a um cenário muito restrito: a inclusão nas cadeias de suprimentos, em vez de proteger seus direitos frente às ameaças das atividades econômicas facilitadas pelo acordo.

“Pedimos que todos eles, na maioria parlamentares social-democratas, que votem contra este acordo. O projeto não pode ser mais modificado, então este é um momento decisivo de articulação com o parlamento europeu”, contou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib. 

O parlamento europeu deve votar o acordo UE-Mercosul entre outubro de 2025 e fevereiro de 2026.

Financiamento direto para os povos indígenas

Outro tema da agenda internacional foi a COP30. Dinamam e Alessandra explicaram aos parlamentares que esperam que o legado da conferência seja o avanço na demarcação de terras indígenas.

Eles também denunciaram a contradição do Estado do Pará, que sediará a conferência, mas tem permitido o garimpo ilegal e firmado acordos de crédito de carbono sem a consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas. Além disso, criticaram o pacote de leis anti-indígenas do Congresso Brasileiro, como a Lei 14.701/2023, que legalizou o marco temporal e diversos crimes contra os povos indígenas.

Com isso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil pediu que os parlamentares europeus se comprometessem com metas mais ambiciosas na COP30, como o anúncio da ampliação do financiamento direto aos povos indígenas e o reconhecimento territorial em nível global.

Lei Antidesmatamento

Além do acordo UE-Mercosul e da COP30, a Apib destacou a importância da Lei Antidesmatamento (EUDR) e da criação de legislações que promovam a fiscalização de commodities.

O Regulamento da União Europeia sobre Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), também conhecida como Lei Antidesmatamento, é uma legislação que visa garantir que algumas commodities importadas pela União Europeia não estejam associadas ao desmatamento e à degradação florestal. Assim, o EUDR exige que empresas comprovem que os produtos que importam e vendem na UE não vêm de áreas desmatadas ou degradadas. A lei entra em vigor em dezembro de 2025.

“O Brasil sempre se opôs à EUDR, mas nós, povos indígenas, sempre fomos a favor. Estamos cansados de compromissos sem implementações. Queremos mais legislações, como a Lei Antidesmatamento, que visem a rastreabilidade das commodities. Dessa forma iremos impedir o desmatamento e invasão dos territórios indígenas”, diz Dinamam Tuxá.

O coordenador executivo da Apib também afirma que é necessário incluir nestas regulações todos os biomas brasileiros e mais commodities. “O desmatamento na Amazônia diminuiu, mas no Cerrado aumentou quase na mesma proporção. É preciso incluir fiscalização em todos os biomas, não só nas florestas. Temos que considerar também mais commodities e minérios, como o ouro”, ressalta ele.



Alerta Congresso: Em defesa das Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos

Alerta Congresso: Em defesa das Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos

Introdução

As Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos estão sob grave ameaça com a tramitação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 717/2024 que busca sustar a demarcação dessas áreas. Caso aprovado, o PDL representará um ataque frontal aos direitos territoriais dos povos indígenas garantidos pela Constituição Federal e consolidará um perigoso precedente de violação dos direitos originários.

Contexto do PDL

O PDL apresentado pelo Senador Esperidião Amin visa sustar o Art. 2º do Decreto nº 1775/1996, que rege o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, bem como os decretos que homologaram a demarcação das Terras Indígenas Toldo Imbu – Decreto nº 12.289/2024 –  e Morro dos Cavalos – Decreto nº 12.290/2024 -, alegando que os procedimentos administrativos não observaram as novas regras impostas pela Lei nº 14.701/2023, que regula o art. 231 da Constituição Federal.

O projeto argumenta que o Decreto nº 1775/1996 e a demarcação dessas terras devem ser sustados por suposta falta de participação de estados, municípios e terceiros interessados, desconsiderando que tais terras foram reconhecidas por meio de amplos estudos técnicos, além de consultas às comunidades indígenas e populações afetadas.

Ademais, insta salientar que, durante os dias 26 de março e 02 de abril de 2025, o Supremo Tribunal Federal encaminhará a finalização da Câmara de Conciliação sobre Direitos dos Povos Indígenas e de Particulares. Em seu bojo, foram realizadas discussões sobre aprimoramentos na participação de entes federados e particulares no procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas. No âmbito dos consensos obtidos, a proposta apresentada pelo Ministro Gilmar Mendes, especialmente no artigo 89, que trata da Revisão e Reanálise de Procedimentos Administrativos Demarcatórios, aponta que os procedimentos administrativos que já contam com portaria declaratória publicada pelo Ministério da Justiça e decreto de homologação expedido pela Presidência da República permanecerão resguardadas e não terão que ser readequados ao que rege a nova legislação, a fim de resguardar a segurança jurídica.

A Situação Jurídica das Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos no STF

A demarcação da Terra Indígena Toldo Imbu está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), no Recurso Extraordinário 971228. Recentemente, o Ministro André Mendonça suspendeu os efeitos da demarcação até o julgamento final do caso, baseando-se no Tema 1031, que trata do marco temporal. Contudo, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Procuradoria-Geral da República demonstraram que a decisão monocrática foi equivocada, pois a suspensão do julgamento do marco temporal não impede a continuidade de processos administrativos de demarcação. Além disso, há provas concretas do esbulho renitente, ou seja, da expulsão forçada dos Kaingang de suas terras, invalidando a tese do marco temporal em relação a essa TI.

A decisão liminar concedida monocraticamente pelo Ministro André Mendonça, para suspender o ato administrativo de homologação da TI Toldo Imbu, contudo, está em processo de referendo da liminar pelo Plenário virtual do STF. Contudo, insta salientar que o Ministro Gilmar Mendes solicitou vistas do feito, postergando o referendo em 90 (noventa) dias e que o Ministro Edson Fachin já apresentou seu voto em que aduz que o STF suspendeu os processos judiciais sobre a constitucionalidade da Lei 14.701/2023 em instâncias inferiores, não tendo de forma alguma encaminhado a suspensão de processos administrativos de demarcação em curso.

O Mandado de Segurança (MS) 40.107, por sua vez, questiona a homologação da Terra Indígena Morro dos Cavalos pelo Presidente da República, argumentando que o ato desconsiderou os critérios estabelecidos pela Lei 14.701/2023. A fundamentação do MS baseia-se na alegação de que a terra não era ocupada por indígenas na data do marco temporal (5 de outubro de 1988), tampouco estava sob renitente esbulho. Os impetrantes sustentam que possuem título formal de propriedade, registrado antes da Portaria de Declaração da terra indígena, e que a Lei 14.701/2023 exige que esses critérios sejam observados para garantir a legalidade da demarcação​.

Sob a ótica da defesa dos direitos indígenas, a crítica ao MS se fundamenta na inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023, que busca restringir o direito originário dos povos indígenas às suas terras tradicionais, contrariando o artigo 231 da Constituição Federal. A exigência do marco temporal ignora a violência histórica que forçou a remoção de diversas comunidades indígenas de seus territórios e pode inviabilizar processos de demarcação legítimos. O argumento dos impetrantes reforça a noção de propriedade privada em detrimento do direito indígena, desconsiderando a relação ancestral dos povos indígenas com a terra. Assim, a fundamentação do MS ameaça o reconhecimento e a proteção dos territórios indígenas, perpetuando injustiças históricas e colocando em risco a sobrevivência cultural e física desses povos

Da Irretroatividade da Lei nº 14.701/2023

No tocante ao tema da retroatividade da Lei nº 14.701/2023 aos atos administrativos produzidos em processos administrativos findos ou em curso, há de se considerar que a Constituição Federal, em seu Art. 5º, inciso XXXVI, prevê que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, o que no entendimento da APIB respalda a atuação da União em dar seguimento a publicação de Portarias Declaratórias e Decretos de Homologação de Terras Indígenas nos quais o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação, elaborado pelo grupo técnico da Funai, já tenha sido exposto ao contraditório, com abertura de prazo para contestações, e tenha sido objeto de decisão administrativa do Ministério da Justiça.

Em mesmo sentido do dispositivo constitucional mencionado, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), em seu Art. 6º, prevê expressamente que “lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitando o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.

O disposto na CF e na LINDB prima pela segurança jurídica. De partida, o direito dos povos indígenas às terras tradicionalmente ocupadas, inscrito no Art. 231 da Constituição Federal, foi reconhecido juridicamente como anterior ao próprio Estado. De tal forma que o direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais é mais do que um direito adquirido, haja vista ser um direito originário, e o processo administrativo de demarcação se reveste de natureza meramente declaratória. O que restou expresso no Item 01 do Tema 1031:

I – A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena;

Nos termos do Decreto nº 1.775/1996, que já teve sua constitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, aprovação e posterior publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação constitui ato jurídico perfeito. Tendo em vista que faculta a participação dos Estados, Municípios e dos interessados e estipula prazo para sua impugnação, possibilitando o contraditório e a ampla defesa, bem como é elaborado por antropólogo de qualificação reconhecida, senão vejamos:

Art. 2° A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida, que elaborará, em prazo fixado na portaria de nomeação baixada pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, estudo antropológico de identificação.

§ 1° O órgão federal de assistência ao índio designará grupo técnico especializado, composto preferencialmente por servidores do próprio quadro funcional, coordenado por antropólogo, com a finalidade de realizar estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação.

§ 2º O levantamento fundiário de que trata o parágrafo anterior, será realizado, quando necessário, conjuntamente com o órgão federal ou estadual específico, cujos técnicos serão designados no prazo de vinte dias contados da data do recebimento da solicitação do órgão federal de assistência ao índio.

§ 3° O grupo indígena envolvido, representado segundo suas formas próprias, participará do procedimento em todas as suas fases.

§ 4° O grupo técnico solicitará, quando for o caso, a colaboração de membros da comunidade científica ou de outros órgãos públicos para embasar os estudos de que trata este artigo.

§ 5º No prazo de trinta dias contados da data da publicação do ato que constituir o grupo técnico, os órgãos públicos devem, no âmbito de suas competências, e às entidades civis é facultado, prestar-lhe informações sobre a área objeto da identificação.

§ 6° Concluídos os trabalhos de identificação e delimitação, o grupo técnico apresentará relatório circunstanciado ao órgão federal de assistência ao índio, caracterizando a terra indígena a ser demarcada.

§ 7° Aprovado o relatório pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, este fará publicar, no prazo de quinze dias contados da data que o receber, resumo do mesmo no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localizar a área sob demarcação, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área, devendo a publicação ser afixada na sede da Prefeitura Municipal da situação do imóvel.

§ 8° Desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação de que trata o parágrafo anterior, poderão os Estados e municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de que trata o parágrafo anterior.

Não é de se olvidar ainda que, em que pese não tenha ocorrido o julgamento dos embargos de declaração opostos em face do RE Xokleng (caso paradigma da repercussão geral), a decisão colegiada do Supremo Tribunal Federal no Tema 1031 fez coisa julgada material, pois estabeleceu as balizas do “estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena à luz das regras dispostas no artigo 231 do texto constitucional”.

Por fim, a aplicação retroativa da Lei nº 14.701/2023 aos procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas em curso iria na contramão dos princípios constitucionais da eficiência e da celeridade processual, que regem a administração pública, nos termos dispostos no Art. 5º, inciso LXXVIII e 37, caput, da CRFB/1988.

Por todo o exposto, esta Articulação dos Povos Indígenas do Brasil aduz que a retroatividade da Lei nº 14.701/2023 é inconstitucional, por afronta aos Arts. 5º, incisos incisos XXXVI, LXXVIII e Art. 37, caput pois lei nova não pode atingir direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, tampouco a Administração Pública poderia inobservar a eficiência e a celeridade processual de seus atos administrativos.

Os Riscos do PDL

Caso seja aprovado, o PDL trará uma série de conseqüências negativas, tais como:

1. Violência e Conflitos Fundiários: A suspensão das demarcações pode aumentar a violência no campo, favorecendo invasões ilegais e agravando os conflitos entre indígenas e setores do agronegócio.
2. Retrocesso Jurídico e Político: A sustação da demarcação das TIs Toldo Imbu e Morro dos Cavalos cria um precedente para a revisão de outras demarcações já consolidadas, ameaçando o direito dos povos indígenas em todo o Brasil.
3. Descumprimento da Constituição e Tratados Internacionais: O PDL afronta o artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece os direitos indígenas sobre suas terras tradicionais, e também desrespeita a Convenção 169 da OIT, que obriga consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas em decisões que os afetam.
4. Ameaça ao Meio Ambiente: As Terras Indígenas cumprem um papel fundamental na preservação ambiental. A revogação de suas demarcações pode levar ao desmatamento, degradação dos biomas e perda da biodiversidade.

Conclusão

A demarcação das Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos é resultado de um processo histórico e legalmente embasado. O PDL em questão representa uma afronta aos direitos indígenas, ao meio ambiente e à segurança jurídica. Por isso, é fundamental que o Congresso Nacional rejeite essa medida e garanta a proteção dos territórios tradicionais.

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