21/out/2022
Articulação solicita que União disponibilize documentos da perícia e do resultado da autópsia realizada no corpo do indígena
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolou na última quinta-feira (20/10) uma petição no Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo que o Governo Federal dê esclarecimentos sobre a morte do indígena de Tanaru, também conhecido como “Índio do buraco”. Ele vivia em isolamento voluntário e foi encontrado morto na sua maloca, em Rondônia, no dia 23 de agosto de 2022 por um servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Na ação, a Apib relembra que o corpo do indígena foi removido para o Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, com sede em Brasília, para perícia e autópsia. Os exames teriam apontado causa natural para o falecimento do indígena, mas os documentos que comprovariam os resultados dos exames não foram disponibilizados pela Funai.
O indígena era o último do seu povo e deve ser sepultado na própria maloca onde vivia na Terra Indígena Tanaru. No dia 14 de outubro, a Fundação afirmou em reunião que o corpo já estava em Rondônia, mas até o momento não foi informado se o procedimento já ocorreu ou por quais razões o sepultamento ainda não foi realizado. A Apib solicita que a União preste informações detalhadas sobre o caso e apresente qual destinação será dada à TI, protegida por uma Portaria de Restrição de Uso.
“Tendo em vista a omissão quanto às informações mencionadas, bem como o fundado receio pela veracidade das irregularidades relatadas, torna-se de extrema urgência que a FUNAI se pronuncie formalmente e por escrito acerca do relatado, bem como que compartilhe os documentos referentes aos procedimentos investigatórios e análises do caso e informe onde encontra-se o corpo de nosso parente e em quais condições”, diz um trecho do documento.
19/out/2022
Eles estão sendo ameaçados devido a mensagens de ódio de bolsonaristas
Fazendeiros e empresários da região do Vale do Guaporé, em Rondônia, estão promovendo ódio contra indígenas dos povos Migueleno, Kujubim e Puruborá. O objetivo é conseguir mais votos para Jair Bolsonaro no segundo turno das Eleições 2022, que acontece no dia 30 de outubro.
Nos últimos dias, um vídeo com um minuto de duração começou a circular no WhatsApp dos moradores locais. Com uma música ao fundo como se fosse um filme de horror, o vídeo mostra um mapa com uma área gigante e anuncia em letras vermelhas. “Você sabia que a maioria de vocês estão [sic] dentro dessa área que é de interesse da Funai que a esquerda promete virar reserva indígena”.
Após o compartilhamento do vídeo, indígenas dos três povos relatam que estão sofrendo com ameaças. “Depois que ele começou a circular, os indígenas começaram a sofrer intimidações, já que o mapa apresentado se refere a territórios reivindicados pelos povos Migueleno e Puruborá”, contou uma vítima em texto publicado no site UOL.
A Articulação dos Povos Indígenas (Apib) se solidariza com os povos originários que estão sofrendo com ameaças após o compartilhamento do conteúdo, que possui informações falsas e se opõe a demarcação de terras indígenas como é previsto na Constituição Federal. A Apib também reforça o pedido das organizações indígenas locais para que o Ministério Público e a Justiça Federal puna os responsáveis e garanta a proteção de lideranças destes povos.
Abaixo, confira nota publicada por organizações indígenas:
Nota de Solidariedade aos Povos Migueleno Kujubim e Purubora
*Texto com informações da Coluna “Vídeo, reunião e ameaça: bolsonarismo ataca indígenas por votos na Amazônia” de Carlos Madeiro: https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2022/10/16/video-reuniao-e-ameaca-bolsonarismo-ataca-indigenas-por-votos-na-amazonia.htm
19/out/2022
Por João Peres, Marcos Hermanson Pomar, Tatiana Merlino
O Joio e o Trigo em parceria com o Intercept.
18 de outubro de 2022.
O COORDENADOR REGIONAL da Funai de Barra do Garças, no Mato Grosso, afirmou em reunião fechada que o presidente do órgão, Marcelo Xavier, pretende legalizar o garimpo e a extração de madeira em terras indígenas. Em gravação obtida com exclusividade pelo O Joio e o Trigo em parceria com o Intercept, o capitão da reserva Álvaro Carvalho Peres diz que Xavier está estudando duas instruções normativas: “Uma que permite o indígena a fazer o manejo florestal, vender a madeira, cultivar a madeira. E a segunda é o garimpo em terra indígena, que já existe hoje de forma irregular”.
As declarações foram dadas em uma reunião realizada em 23 de agosto entre servidores de alto nível da Funai e indígenas ligados ao projeto Independência Indígena – que desenvolvem, junto a fazendeiros vizinhos, plantio de soja, milho e arroz dentro da Terra Indígena Sangradouro, no leste do Mato Grosso.
“E é isso aí que o indígena quer. Indígena não quer mais a roça de toco, não, eles ficarem no sol com a enxada, não”, afirmou Peres, em outro momento. “Ele quer é o maquinário, ele quer a colheitadeira, ele quer a plantadeira, ele quer o trator”.
Marcelo Xavier também defendeu a liberação da mineração nas TIs em entrevista à Rádio Jovem Pan em agosto, dizendo que “a vontade da mineração em terras indígenas” consta na Constituição Federal, que estaria sendo descumprida. O artigo 231 o contradiz. “A lavra das riquezas minerais em terras indígenas só pode ser efetivada com autorização do Congresso Nacional”, afirma o texto constitucional – que dá ainda aos povos indígenas “usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.
A Funai foi procurada para comentar as afirmações, mas não se manifestou até o fechamento da reportagem.
Em 2020, o governo federal encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 191, que abre espaço para atividades de mineração em terras indígenas e coloca a Funai na posição de mediadora entre comunidades indígenas e empreendedores – o PL também prevê compensação financeira e participação das comunidades nos lucros.
“Esse projeto não é impositivo”, declarou o presidente Jair Bolsonaro durante visita a uma estação de garimpo ilegal na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em outubro do ano passado. “Se vocês quiserem plantar, vão plantar. Se vão garimpar, vão garimpar. Se quiserem fazer algumas barragens no vale do rio, vão poder fazer”.
Ouvida sob sigilo, uma fonte que atuou na Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Social da Funai de Brasília durante a gestão Xavier lembrou que a autarquia estava sim trabalhando em uma instrução normativa de liberação da extração de madeira nas terras indígenas, mas que o entendimento geral no órgão era de que a liberação de garimpo dependeria da aprovação de uma lei complementar no Congresso Nacional.
O presidente da ONG Indigenistas Associados, que reúne funcionários da Funai, nos disse que não se surpreenderia caso a cúpula da fundação tentasse editar uma instrução normativa liberando o garimpo em terras indígenas. “Se encaixaria nessa tendência mais geral de infralegalismo autoritário que tem sido a marca do governo Bolsonaro”, afirmou Fernando Vianna.
Para o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário, o Cimi, Antônio Eduardo de Oliveira, a atual administração da Funai tem se excedido na edição de normas infralegais que vão, em sua opinião, contra os direitos dos povos indígenas. “Esse procedimento é ilegal”, criticou. “Permite que os territórios sejam totalmente desprovidos de vida, inviabilizando a existência das gerações presentes e futuras”.
‘Cai em dois tempos’
O encontro de 23 de agosto durou três horas e foi realizado em um galpão da cooperativa Cooigrandesan, criada para viabilizar o projeto de lavoura mecanizada em Sangradouro. O objetivo era discutir a multa e o embargo impostos pelo Ibama, em julho, aos fazendeiros ligados à lavoura, por desmatamento ilegal e construção de empreendimentos potencialmente poluidores em área protegida.
Estavam lá o Capitão Álvaro Carvalho Peres, responsável por coordenar as atividades da Funai em seis terras indígenas da etnia Xavante; o coordenador de Promoção à Cidadania da Funai, Tenente Coronel Jorge Claudio Gomes; o superintendente de Assuntos Indígenas do Governo do Mato Grosso, Agnaldo Santos; o fazendeiro Ary Ferrari; indígenas ligados à Cooigrandesan e o Coronel Fernando Fantazzini.
Nomeado em outubro do ano passado para a chefia da Direção de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai, um dos principais cargos do órgão, Fantazzini não tem no currículo, registrado na rede social Linkedin, qualquer experiência com a questão indígena. Durante a reunião, ele afirmou ter ficado “extremamente preocupado” ao receber a autuação do Ibama e ver o embargo.
“Por quê? Porque nós acreditamos no trabalho da cooperativa. Nós acreditamos no trabalho dos parceiros e viemos aqui de perto saber o que está acontecendo. E, no final das contas, eu estou vendo que houve um mal entendido por parte do Ibama”.
Os contratos entre fazendeiros e indígenas foram assinados em março de 2020, mas o projeto, idealizado por Bolsonaro, já era uma promessa desde 2017, quando o então deputado federal esteve em Primavera do Leste. A iniciativa, também conhecida como “Agro Xavante”, é uma das prioridades da presidência da Funai no mandato de Bolsonaro – que, no último dia 7 de outubro, acabou com os comitês regionais da Funai, frentes que tinham participação de indígenas.
Durante a conversa, o presidente da Cooigrandesan, Gerson Wa Raiwe, relatou que o superintendente do Ibama no Mato Grosso, Coronel Gibson Almeida, teria prometido apoio à empreitada. “Ele falou o que podíamos fazer”, disse Wa Raiwe. “Ele até falou para nós que ele está à disposição para quando nós decidirmos, ou agendarmos uma audiência junto à Funai, ao Ibama de Brasília”. O Ibama foi procurado pela reportagem, mas não encaminhou resposta.
Gomes e Fantazzini explicaram que viajaram de Brasília ao Mato Grosso para averiguar se “o que chegava para eles” na sede da Funai era verdadeiro e dizem ter se convencido, depois de conversas com indígenas, que a área de fato já estava antropizada, ou seja, já havia sido desmatada antes da abertura da lavoura – o que é desmentido por imagens de satélite levantadas pela área técnica local da Funai. Como o Joio revelou em setembro, a área técnica da Funai de Barra do Garças mostrou que apenas 20% da área da lavoura sofreu ação humana antes do início do projeto.
Mesmo que a área já fosse antropizada, a cooperativa precisaria ter protocolado junto ao Ibama, antes do início do projeto, uma ficha de caracterização de atividade pedindo dispensa de licenciamento ambiental. É o que determina a Instrução Normativa nº1 Funai/Ibama – criada justamente para facilitar esse tipo de empreendimento. A FCA foi protocolada 11 meses depois da abertura da lavoura.
Fantazzini e Gomes se comprometeram, contudo, a produzir documentos atestando que a área embargada já havia sofrido ação humana por projetos de lavoura mecanizada desenvolvidos durante a ditadura e no fim da década de 1990. Com isso, convenceriam o Ibama a cancelar as sanções. Gomes chega a prometer que, ao chegar em Brasília, vai “pedir para ele [pessoa não identificada] me trazer a situação de que a área já foi antropizada, já foi plantada arroz, já foi trabalhado anteriormente” para que a versão chegue logo à Coordenação Geral de Meio Ambiente e a produção possa recomeçar.
A versão é semelhante à do presidente da Cooigrandesan. Em conversa com a reportagem por telefone no dia anterior, 22 de agosto, Wa Raiwe disse que, em alguns dias, o Ibama retiraria o embargo. “O Xavante é diferente. Quando fica bravo, esquece tudo. Não pensa em outra coisa a não ser partir para cima. Para quem não conhece, é arriscado se arriscar também”, ameaçou.
“Eu vou pegar lá, que tem uma coordenação [da Funai] que cuida justamente dessa parte de licenciamento ambiental, pegar os dados que já foi provado que ela [a área] já foi antropizada, e isso aí cai em dois tempos”, afirmou Gomes antes da chegada de Fantazzini. “Aí esse embargo termina na hora”.
Clima de violência
A gravação também registra uma série de ataques a servidores de carreira da Funai, apontados como responsáveis pelos revezes sofridos pelo Independência Indígena. “O governo entende que a comunidade indígena é a dona da trilha que ela vai abrir”, Fantazzini afirmou. “Estando dentro da legalidade, nós [a Funai] vamos sempre apoiar”.
“Há alguns anos atrás, havia até embate dentro da Funai, porque a maioria não pensava dessa maneira, era coisa de 5%”, ele seguiu. “Os outros 95% querem que os indígenas continuem como há 522 anos”.
Para Fernando Vianna, presidente da INA, a fala de Fantazzini é “absolutamente fantasiosa”. “Eles [direção da Funai] esticaram a corda até o limite e, quando a corda arrebentou, colocaram a culpa nas pessoas que estão fazendo a coisa da maneira correta”, disse ainda o indigenista, em referência aos servidores da Funai que apontaram irregularidades no projeto.
O secretário-executivo do Cimi, Antônio Eduardo de Oliveira, lembrou que a Funai vem retomando a proposta integracionista que marcou a política indigenista até a Constituição de 1988. “Querem retirar os funcionários de carreira mais compromissados com os direitos indígenas e colocar pessoas comprometidas com esse assédio aos povos originários”, diz o missionário. “Muitos [funcionários] tiveram que se aposentar, outros estão fazendo tratamento de saúde. É um clima de pressão e violência”.
Além de Fantazzini, indígenas presentes na reunião também fizeram duras críticas aos servidores de carreira da Funai que atuam na Coordenação Regional Xavante. “A Funai velha, manda para São Paulo, interior. Tem que ficar lá. Para que ficar aqui fazendo confusão? Manda lá [Nome de servidor 1], aqueles outros, [Nome de servidora], anti-indígena. Manda lá no Roraima, São Paulo, para trabalhar, fazer projetinho da roça de toco [roça tradicional]”, criticou Graciano Pronhopa, cacique em Sangradouro e um dos cooperados presentes no encontro.
Em outro momento, o presidente da cooperativa, Gerson Wa Raiwe, afirmou: “Quem nos procurou uma vez foi o [Nome de servidor 2, ex-coordenador local da Funai]. Aquele cara é um baita parasita”. Wa Raiwe ainda afirmou que um servidor, único funcionário de carreira presente na reunião, estava mentindo ao dizer que a Cooperativa não respondeu aos pedidos de informações emitidos pela CR Xavante.
“Se você quiser ver lá os termos, é tudo transparente. Que eu não vejo nesses 12 anos que você está na Funai, nunca vi transparência, nunca vi. Agora você vem me dizer aqui que está faltando transparência. Isso é mentira”, afirmou o presidente da Cooperativa. O Joio já mostrou que sucessivos pedidos de fornecimento de informações foram ignorados pela cooperativa, com a conivência do coordenador regional, capitão da reserva Álvaro Peres – muito elogiado, aliás, durante a reunião.
Procuramos Wa Raiwe por telefone e aplicativo de mensagens, mas ele preferiu não se manifestar.
Durante o encontro, Fantazzini também afirmou que os projetos de lavoura em terra indígena estariam sofrendo perseguição da justiça. “A gente pode ajudar, a gente pode articular, nós podemos fazer várias coisas para ajudar a virar o jogo, porém ela [Funai] sozinha, com a quantidade de pessoas no Judiciário que querem que dê errado, não vai conseguir”, afirmou. “A cooperativa precisa estar com o pé no chão, porque senão vai vir o pessoal da capa preta e lascar em cima”.
14/out/2022
O advogado estará presente na exibição filme “Rio de Ouro” e no painel sobre mineração ilegal de ouro na Amazônia.
No dia 19 de outubro, Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas (Apib) e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), estará presente na exibição do filme “Rio de Ouro” em Harvard, localizada no estado de Massachusetts, nos Estados Unidos. A universidade é considerada uma das melhores do mundo.
Após o filme, o advogado irá participar de um painel sobre quem lucra com a mineração ilegal de ouro na Amazônia e as consequências da mineração sobre a saúde pública, o meio ambiente e os direitos indígenas.
Junto com Eloy, debaterão sobre o tema os especialistas: Sarah Dupont, fundadora e Presidente da Amazon Aid Foundation; César Diniz, coordenador técnico do MapBiomas; Raoni Rajão, professor associado de gestão ambiental e estudos sociais de ciência e tecnologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); e Marcia Castro, professora andelot de demografia.
Além do painel, o assessor jurídico da Apib também irá participar no dia 18 de uma conversa sobre direitos indígenas no Brasil com estudantes da Faculdade de Direito de Harvard.
14/out/2022
A frase-flecha é disparada pela voz aguda de uma mulher pequena, porém robusta. Maria Leusa Munduruku é uma das mais importantes lideranças indígenas de seu povo. Quando gritou, ela acabara de saber que seu útero e seu leite, antes fontes de vida, tinham se tornado fontes de contaminação e morte para seus filhos. Assim como aconteceu com os peixes do Tapajós, depois que o rio que banha sua aldeia e a de tantos outros povos originários e ribeirinhos da Amazônia foi violado pelo garimpo ilegal. Pelas veias da mulher e do rio hoje corre o mercúrio.
Era final de setembro e a aldeia Sawré Myubu, no Pará, realizava uma Assembleia do Mercúrio. É difícil imaginar por que um povo indígena que vive em plena floresta amazônica faria uma assembleia com esse nome, mas as razões vão se revelando pouco a pouco na medida em que o rio antes de um azul intenso vai mudando de cor. Maria Leusa segue disparando flechas de dor: “Pelo nosso corpo! Pelos nossos filhos!”.
Ela e outras lideranças Munduruku se comunicam entre si chamando umas às outras de “véia”. É estratégia para não serem identificadas em mensagens de texto ou chamadas de celular, já que muitas delas estão grampeadas e/ou ameaçadas de morte. Maria Leusa teve sua casa incendiada em maio de 2021 por um grupo de garimpeiros que trabalha ilegalmente dentro de terras indígenas. Também atearam fogo na casa de seus pais. Meses antes, em abril de 2021, a Associação de Mulheres Munduruku Wakoborũ, cujo nome é uma homenagem a uma mulher mítica que liderou uma guerra contra a aldeia que matou um de seus irmãos, viu sua sede queimar no município de Jacareacanga, no Pará.
São “As Véias” que estão na linha de frente da guerra que contamina de mercúrio as veias do grande rio Tapajós. E também as veias dos corpos de humanos e não humanos. Na penúltima semana de setembro, a equipe de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), liderada pelo pesquisador Paulo Basta, entregou os resultados de uma investigação realizada em 2019 sobre a contaminação de mercúrio da população Munduruku. A pesquisa foi um pedido do próprio povo originário, expresso em uma carta enviada ao cientista anos antes, e foi realizada com amostras dos cabelos de 197 pessoas de idades diversas que habitam as comunidades de Sawré Muybu, Sawré Aboy e Poxo Muybu.
As pessoas que participaram do estudo viviam em 35 casas distribuídas pelas 3 aldeias, e 91,4% relataram consumir água de rios e córregos. As conclusões do estudo foram aterradoras: 57,9% apresentaram uma prevalência de exposição ao mercúrio acima de 6 microgramas. Isso significa que 57,9% carregam no corpo níveis de mercúrio acima dos limites de segurança estabelecidos pelos mais variados órgãos internacionais de saúde, como a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Nos rios, uma das mais importantes formas do mercúrio é o monometilmercúrio (MeHg), que é de longe o mais tóxico dos compostos de mercúrio devido à sua capacidade de atravessar membranas biológicas e chegar ao sistema nervoso central. Mesmo a exposição prolongada a baixas concentrações de MeHg pode causar alteração do material genético (genotoxicidade), entre outras graves consequências.
À medida que se aproxima das áreas de garimpo, os níveis se tornam cada vez mais altos. Na comunidade Sawré Aboy, no rio Jamanxim, um dos mais atingidos pela mineração ilegal, a concentração média de mercúrio em crianças de 12 anos é de 11 microgramas por grama, índice considerado extremamente elevado e resumido no resultado do exame pela sentença: “seu risco de adoecer é MUITO ALTO”.
Antes de os resultados individuais serem entregues, o pesquisador fez uma apresentação sobre a situação geral das três comunidades investigadas. Estávamos em uma pequena maloca circular coberta de palha, onde centenas de pessoas esperavam a confirmação científica daquilo que já sentiam em seu corpo, mas que era preciso confirmar na linguagem do branco, para terem alguma chance de serem escutadas. O calor deixava os corpos pegajosos. Uma chuva se anunciava pelos trovões. As mulheres amamentavam seus filhos. As crianças pequenas corriam e brincavam pelo espaço. O cheiro do peixe, preparado na cozinha, invadia a atmosfera com um toque de insanidade: nosso jantar era o principal vetor da contaminação por mercúrio.
A chuva caiu sobre a comunidade reunida enquanto Paulo Basta descrevia os rios voadores, os volumosos cursos de água formados pelo suor da floresta amazônica, rios que voam sobre nossas cabeças levando chuva para o centro-sul. É uma imagem deslumbrante, e ela sempre emociona quem a escuta. Não desta vez. O pesquisador nos contava que essa chuva também continha o mercúrio que evapora do garimpo e poderia estar, naquele exato momento, contaminando o solo, as plantações e os alimentos. Enquanto o cerco aumentava, o vento trazido pela chuva balançava uma faixa pintada e pendurada pelos indígenas: “O futuro é agora”.
É justamente o futuro do povo Munduruku que está sendo mais diretamente ameaçado. A contaminação por mercúrio tem seus efeitos mais graves naqueles que ainda nem nasceram, naqueles que estão por nascer, sendo gestados nos úteros de suas mães, e naqueles que acabaram de nascer e que estão sendo amamentados com o leite materno. É durante a gestação e a amamentação que os efeitos da contaminação se tornam mais graves, podendo causar danos irreparáveis ao sistema nervoso central do feto e dos recém-nascidos.
Outro estudo conduzido pelo grupo de Basta, este liderado pelo pesquisador Rogério de Oliveira, da Universidade de São Paulo (USP), comprovou alterações somatossensoriais, motoras e cognitivas sofridas pela mesma amostra da população Munduruku. Essa pesquisa, com 111 pessoas, verificou que duas delas, com níveis de monometilmercúrio (MeHg) de 11,68 e 15,68 microgramas por grama, tinham coordenação motora prejudicada. Outras, com nível de exposição ao monometilmercúrio maiores do que 10 microgramas por grama, apresentaram cerca de duas vezes mais chances de déficits cognitivos e erros em testes de fluência verbal. A piora nas funções motoras e cognitivas são sugestivas de neurotoxicidade devido à exposição crônica à substância tóxica.
Os cientistas do estudo liderado por Basta propuseram que: 1) seja feita a interrupção imediata das atividades de mineração ilegal e a cessação da invasão de terras tradicionais e protegidas da Amazônia; 2) comece o desenvolvimento de um plano nacional para descontinuar o uso de mercúrio na mineração artesanal; 3) um plano de gestão de risco seja desenvolvido para populações cronicamente expostas ao mercúrio. Mas quem os escuta no governo Bolsonaro, em que o presidente deliberadamente estimula o garimpo em áreas protegidas e apresentou um projeto de lei para liberar a mineração em terra indígena?
É difícil alcançar o sentimento de escutar que seu leite está contaminado por mercúrio ao mesmo tempo que o filho está sendo amamentado, mas essa era a realidade daquelas mulheres com seus bebês colados ao peito. É difícil descobrir que o peixe, a base de alimentação daquela região, assim como de toda a região amazônica, o peixe que alimenta a mãe que amamenta, pode ser a fonte de contaminação do feto que cresce em seu útero.
A tristeza se adensou sobre a maloca, ainda mais pesada que as nuvens de alguns minutos antes. Houve um silêncio longo, e as lágrimas desceram pelos rostos das mulheres e homens Munduruku. Uma liderança chamada Hans Kaba atravessou a atmosfera com sua voz. Ele pegou o microfone e tentou dar palavra ao sentimento, mas a palavra ainda queria ser silêncio: “Eu não tenho pergunta, porque eu estou entendendo. Se eu não entendesse, eu teria pergunta. Só é muito triste porque eu entendo que essa é uma doença que não tem cura. É muito triste”.
Triste foi a palavra da língua portuguesa mais ouvida durante a assembleia. As falas aconteciam ora em português, ora em Munduruku, sempre com traduções para ambas as línguas que faziam com que todos ali pudessem ter acesso ao debate. Quando as pessoas faziam suas falas na língua Munduruku, algumas poucas palavras eram ditas em português. São aquelas que não existem no mundo Munduruku, mas passaram a invadir suas vidas. Palavras também contaminam. Palavras negadas. Palavras inimigas. Palavras intraduzíveis.
A floresta é uma linguagem. O rio é uma linguagem. E na linguagem Tapajós, o povo Munduruku se recusa a acolher em sua língua palavras que barram sua vida e fazem questão de gritá-las alto na língua que os ameaça. Anotei todas as palavras e expressões que apareciam na língua portuguesa: doença, impacto, garimpo, exame, discussão, Estado, pesquisa, fome, projeto de morte, ilegal, malária, ausência, tradução, mercúrio, denunciar, esperar, destruição, traidor, triste e solução.
Solução foi a segunda palavra mais repetida. Triste, a primeira. Triste nomeou o sentimento que atravessou os corpos dos que lá se reuniam após a leitura dos resultados da contaminação. Solução parece nomear a imediata exigência de viver. Foi essa exigência, a de viver, que motivou cada uma das Véias que se levantaram para tomar o microfone e perguntar repetidas vezes: “Qual é a solução?”. As vozes das Véias eram amplificadas por uma imensa caixa de som e se transformavam em flechas certeiras, agudas e em altíssimo volume.
Foi quando a Véia Maria Leusa lançou sua flecha e nos atingiu no coração: “Pelo nosso útero que está doente! Pelo nosso corpo! Pelos nossos filhos! Eu pergunto para as mulheres, vocês querem ver seus filhos doentes?”.
As mães Munduruku respondem em uníssono: “não”. Penso o que as mães de Santarém, as mães de Itaituba, as mães de Jacareacanga, as mães de Alter do Chão responderiam à pergunta da Véia: “Vocês querem ver seus filhos doentes?”. A pergunta precisa ser respondida agora, e em coletivo, para que seus filhos tenham algum futuro. A única ação possível é a imediata interrupção de atividades garimpeiras não só em territórios indígenas, mas em toda a bacia do Tapajós. Não são só os filhos gerados em ventres Munduruku que estão sendo contaminados, mas todos aqueles que vivem às margens do rio, humanos e não humanos.
Como Hans Kaba compreendeu, a doença provocada por contaminação de mercúrio não tem cura. Não há remédio para isso. Tudo ensombrece ao serem informados que o mercúrio depositado nas águas do Tapajós permanecerá no rio até ser diluído em outros locais e absorvido pela fauna, flora e pelos corpos humanos, ao longo dos anos.
Enquanto as Véias gritavam, as crianças habitavam os espaços da assembleia chorando e brincando, alheias às palavras que ameaçavam seu futuro. Um pariwat, como é chamado o homem branco, parecia incomodado com o barulho criado por elas. Ele era o único que parecia incomodado e chegou a tentar controlar um pequeno grupo de meninas e meninos, que não lhe deu qualquer atenção. Sem sucesso, o homem buscou a cumplicidade de um Munduruku, exigindo providências. Uma das Véias, atenta a tudo que era dito à sua volta, devolveu: “Deixa as crianças, quem está incomodando é ele”.
Ainda assim, o homem, funcionário do governo federal, não compreendeu seu lugar naquela assembleia. Interrompeu a fala de uma das Véias quando ela denunciava a atuação da instituição em que ele trabalha e que, no governo Bolsonaro, passou a atuar de modo contrário à sua função. “Você não entendeu o meu pronunciamento”, gritou o pariwat. Com um salto, a Véia largou o microfone e avançou em direção ao homem, imenso, com tapas e chutes enquanto gritava que era ele quem não estava entendendo. “Eu vou embora. Eu saio”, ele balbuciou, parecendo ter encolhido. Não se soube mais dele.
Uma coisa é saber o que significa o conceito de coragem, outra coisa bem diferente é ver a coragem existindo. E a coragem se materializou ali diante de todos em um pequeno corpo de mulher enfurecido. Caso alguém mais ainda tivesse dúvidas sobre o seu lugar, outra Véia explicou: “Pariwat não tem direito de falar, ele tem que ficar calado. Ele tem só que escutar. Nós estamos aqui para defender nosso rio, nossa terra e nossos filhos. Ele não pode querer falar mais alto”.
E então uma mulher muito velha tomou a palavra para fazer uma longa fala em Munduruku. Eu não era capaz de entender, e ela não pronunciou nenhuma palavra em português. Eu não entendia, mas sentia. Sentia não só pelo tom de cada palavra, mas pelo silêncio que foi tomando conta da maloca. De repente, todos que estavam em volta começaram a se aproximar. Velhos, jovens, crianças, todos foram silenciando. Os jovens Munduruku sacaram seus celulares e começaram a gravar aquela fala inacessível a pariwats. No dia seguinte, uma das Véias explicou que o rio está doente, mas que elas vão curar o rio. Perguntei como se cura um rio. A Véia me disse que as mulheres trabalhariam junto com a mãe do rio. “Tudo tem mãe”, ela disse.
Os dias de assembleia teceram uma aliança entre as mães da floresta, humanas e mais–que-humanas. Foi como mães que as Véias se levantaram para afirmar seu papel de cuidar de seus territórios, de seus corpos e de suas filhas e filhos. Uma aliança entre as mães Munduruku e a mãe do rio; a mãe do Pirarucu e Wakoburu; cabelos e sangue; rio cor de leite e leite materno contaminado; úteros e rios, líquido amniótico e águas doentes; peixes e crianças; corpo e território. Os filhos das Véias e as veias do rio.
No último dia, assistimos ao filme Amazônia, a Nova Minamata?, de Jorge Bodansky. O filme mostra a contaminação por mercúrio vivida pela população do vilarejo de Minamata no Japão dos anos 1930 até 1960, produzida pela empresa Chisso, e cria uma relação entre a história desse vilarejo e o que está acontecendo agora na Amazônia. Diante de nós se desenrolava um passado no Japão que pode falar sobre um futuro anunciado na Amazônia. Diante de nós desfilavam imagens de corpos retorcidos por graves efeitos motores e neurológicos causados pela contaminação em Minamata. Ao meu lado, assistindo àquele horror, corpos Munduruku começavam a sentir os primeiros efeitos da contaminação.
13/out/2022
Foto: @kaititopramrefoto
Mobilização ‘Aldear a Política’, que contabilizou 446 mil votos em candidatos indígenas no 1º turno e as organizações de base da Apib reforçam apoio a Lula.
Em carta aberta aos Povos Indígenas e ao Brasil, divulgada nesta quinta-feira, 13.10, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) declarou, oficialmente, apoio ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno das Eleições presidenciais 2022. O posicionamento foi anunciado durante coletiva de imprensa realizada na sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, em Brasília.
O evento reuniu representantes de várias etnias, membros da coordenação executiva da Apib, além das candidatas eleitas pela Bancada Indígena, Célia Xakriabá (MG) e Sônia Guajajara (SP) e de mulheres integrantes da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
“As candidaturas indígenas que fizeram parte da Bancada Indígena da Apib tiveram mais de 446 mil votos nas urnas. Demonstramos a força da mobilização coletiva para ocupação das Casas Legislativas estadual e federal, encabeçando, principalmente, a questão da identidade territorial por meio da retomada da demarcação de territórios, principal luta do movimento indígena”, diz trecho do documento.
O chamado convoca as bases para atuar, por meio de sensibilização, junto a quem não votou no primeiro turno seja por abstenção ou pela opção do voto nulo ou em branco. Além disso, reforça a necessidade do retorno às demarcações e proteção dos territórios, a reestruturação das instituições responsáveis pelas políticas públicas voltadas aos povos originários e a retomada dos compromissos ambientais internacionais assumidos pelo Brasil em relação ao clima e ao meio ambiente.
A carta traz ainda, em oito pontos, uma análise de conjuntura do contexto de violações contra os direitos humanos, cometidos pelo atual governo ao longo dos últimos quatro anos. Entre elas estão: a paralisação da demarcação de terras indígenas; omissão e morosidade no atendimento às comunidades, principalmente no período da pandemia de Covid-19; desmonte de instituições e políticas públicas específicas e diferenciadas garantidas na Constituição Federal de 88; violação do direito de consulta livre, prévia e informada assegurada aos povos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); e propositura de leis antiindígenas, em consonância com o Congresso Nacional.
“Vamos construir um novo horizonte, de respeito total aos nossos direitos fundamentais, à nossa vida e dignidade, no marco de uma nova relação com o Estado brasileiro, multiétnico e cultural, que ainda tem muitas dívidas a pagar pelo histórico de violência e morte, física e cultural, que por séculos vitimou os nossos povos e comunidades”, destaca outro trecho da carta aberta.
“Neste momento, somos um movimento unificado. Viemos romper com o racismo da ofensa, retomar o Brasil que foi arrancado de nós; Nunca existiu Brasil sem a nossa presença. Nossa candidatura trouxe uma reflexão diferente: vimos pessoas que votavam em mulheres e em outros candidatos presidenciais. Agora, não existem duas pautas, não se trata de partido, mas de plano de vida ou plano da morte”, afirmou a deputada eleita pela Bancada Indígena, Célia Xakriabá (PSOL-MG).
Ela lembrou ainda que, em 2021, a Apib denunciou o presidente Jair Bolsonaro junto Tribunal de Haia por crimes contra a humanidade, que incluiu o desmantelamento das estruturas públicas de proteção socioambiental e aos povos indígenas, o que desencadeou invasões nas Terras Indígenas, desmatamento e incêndios nos biomas brasileiros, além do aumento do garimpo e da mineração nos territórios. A denúncia foi atualizada em junho, incluindo a negligência nas buscas por Bruno da Cunha Araújo Pereira e Dom Phillips e a barbárie no território Yanomami.
A deputada Sônia Guajajara (PSOL-SP) lembrou que os povos indígenas sempre estiveram na luta pela cobrança de seus direitos, em todos os governos, e que este fato nunca significou ignorar lacunas deixadas em gestões anteriores.
“O voto no presidente Lula é para podemos ter o direito de continuar brigando por nossas pautas. Sempre fomos recebidos. Enquanto nossas pautas não forem atendidas, nossos povos estiverem em segurança nos territórios, a gente não vai deixar de exigir ou cobrar essa responsabilização do estado brasileiro”, afirmou a deputada eleita por São Paulo.
“A política e o projeto de genocídio deste governo não tem comparação a nenhum outro momento histórico do Brasil. Não podemos adiar o processo de retomada da democracia”, completou.
Aldear o Congresso
Na ocasião, as deputadas eleitas Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, avaliaram como positivo o movimento ‘Aldear a Política’, que trabalhou de forma articulada e coletiva em todo o Brasil para conseguir aumentar o número de representantes da Bancada Indígena no Congresso Nacional.
O resultado foi um crescimento de 100% em relação à última eleição proporcional, em 2018, quando a deputada federal Joênia Wapichana tornou-se a primeira mulher indígena eleita como deputada federal.
“Este é um recado para além do saldo eleitoral: estamos trazendo uma voz importante de um Brasil que reconhece que nós existimos e que estamos vivendo um ecocídio contra a humanidade”, afirmou. Xakriabá afirmou que os povos indígenas representa 5% da população mundial, responsável pela proteção de mais de 80% do patrimônio natural do planeta.
“A presença da Joênia (Wapichana) no Congresso foi fundamental para a gente entender que era necessário ampliar nossa voz. A forma de fazer campanha no Brasil ainda é muito desigual, mas conseguimos chegar e estaremos lá fazendo jus a esse voto e a essa consciência política ambiental para salvar a mãe Terra”, afirmou Sônia Gujajara.
Ela ressaltou que priorizará a retomada da demarcação das terras indígenas, a Politica Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGAT) e o Conselho Nacional de Políticas Indigenistas (CNPI), por meio de alianças com candidatos eleitos provenientes de movimentos e segmentos sociais sub-representados no Parlamento. O objetivo é formar uma linha de enfrentamento da agenda de retrocessos na Câmara dos Deputados.
ATL 2022
Há 28 anos, em 1994, as organizações dos povos indígenas do Brasil pautavam a democracia junto ao presidente Lula. Na ocasião, a liderança Fausto Mandulão, de Roraima, fez a entrega de um manifesto, solicitando a proteção dos direitos constitucionais à terra, à saúde, à educação e à representatividade dos povos nas instâncias do governo.
Em abril deste ano, a Apib divulgou carta compromisso endereçada ao então pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva, durante a 18° edição do Acampamento Terra Livre (ATL), maior mobilização nacional indígena que reuniu mais de 8 mil parentes de 200 povos diferentes.
Na ocasião, o movimento indígena anunciou os cinco eixos de ação necessários para assegurar a defesa dos direitos fundamentais dos povos indígenas no Brasil: Direitos territoriais indígenas: demarcação e proteção aos territórios indígenas (Eixo 1); Retomada dos espaços de participação e controle social indígenas (Eixo 2); Reconstrução de políticas e instituições indígenas (Eixo 3); Interrupção da agenda anti-indígena no congresso federal (Eixo 4) e Agenda ambiental (Eixo 5).
13/out/2022
Petição afirma que candidato à reeleição tem “história política de desprezo e estímulo à morte aos povos tradicionais brasileiros”
A Apib entrou com uma petição no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em repúdio ao candidato à reeleição, Jair Messias Bolsonaro. O documento foi agregado ao processo que solicita a retirada de circulação do vídeo divulgado pela campanha de Luiz Inácio Lula da Silva, no qual Bolsonaro afirma que “comeria um índio sem problema nenhum”. O vídeo mostra trechos de uma entrevista concedida ao jornal New York Times em 2016. O processo será julgado nesta quinta-feira, 13/10.
Os Advogados de Bolsonaro alegaram ao TSE que se trata de “descontextualização” da entrevista, além de “constituir fato ofensivo à honra do candidato”. O processo ainda defende a fala do então deputado: “longe de comportamento repulsivo e desumano que busca construir artificialmente a Representada, consubstancia, na realidade, a deferência do Representante à cultura indígena”.
Para a Apib, o conteúdo da entrevista e as alegações da defesa do candidato, são absolutamente mentirosas e ofensivas à cultura e à história do Povo Yanomami. A petição registra que “durante os anos de 2019 a 2021, período de mandato de Jair Bolsonaro na presidência do país e de Marcelo Xavier na presidência da Funai – Fundação Nacional do Índio, nenhuma terra indígena foi identificada, declarada ou homologada. Ao contrário, nessa gestão, o governo federal retardou pelo menos 27 processos de demarcação de Terras Indígenas que já estavam em fase avançada de andamento”.
As políticas conduzidas por Bolsonaro durante sua gestão e as mudanças feitas na Funai, tiveram como consequência uma escalada de violências contra os indígenas, a invasão de territórios e a ampliação de crimes ambientais como desmatamento e mineração ilegal. Conforme relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), apenas até agosto deste ano foram registrados 355 casos de violência contra indígenas em 2021, enquanto que em todo o ano de 2020 foram registrados 304 casos. Além disso, pelo mesmo estudo, enquanto que em 2020 foram registradas 263 invasões aos territórios dos povos originários, em 2021 foram 305, um crescimento de 16%.
13/out/2022
Foto: @scarlettrphoto
O resultado das eleições do 1º turno, em 2 de outubro, certamente gerou um sentimento de frustração nos cidadãos e cidadãs que votaram no ex-presidente Lula e que tinham a expectativa de “mandar para casa” o neofascista Jair Bolsonaro e dar um passo fundamental para o enterro do bolsonarismo – fenômeno político que aglutina desde 2018 os setores mais reacionários e de extrema-direita do país, turbinado pelos partidos de direita que compõem o chamado Centrão no Congresso Nacional e que ainda conseguem iludir amplos setores da população.
Bolsonaro conseguiu reverter o cenário desfavorável que vinha prevalecendo nas pesquisas durante a campanha. Numa guerra-relâmpago em que associou Lula ao tema da corrupção, unificou e fortaleceu o antipetismo, se apresentou como “homem do povo”, conseguindo esconder com mentiras deslavadas (dizendo, por exemplo, que sempre deu atenção especial às mulheres) as maldades que cometeu durante seu governo, como: a fome que atinge mais de 33 milhões de pessoas, discursos de ódio, racismo, misoginia e LGBTQIA+fobia; ódio explícito aos povos originários e quilombolas; negacionismo e deboche para com as pessoas morrendo durante a pandemia de Covid-19; aumento do desemprego e da fome; desmonte da política ambiental e dos órgãos de controle e fiscalização; extinção ou aparelhamento de distintos colegiados de participação e controle social; liberação de armas, sobretudo, a proprietários rurais; incentivo às invasões e, portanto, à violência e prática de atos ilícitos em terras da União e áreas protegidas (terras e territórios indígenas, territórios quilombolas, reservas extrativistas, parques nacionais, unidades de conservação), principalmente, na Amazônia; corrupção e redução ou contingenciamento de recursos de serviços públicos fundamentais, como saúde e educação, em favor do orçamento secreto disponibilizado a parlamentares de sua base de apoio para fins eleitorais. Em suma, ameaças recorrentes à ordem institucional e democrática e ao Estado de Direito.
Do mesmo modo, é temerosa a nova composição do Congresso Nacional que saiu das urnas ainda mais conservadora. O bolsonarismo não só levou Bolsonaro ao segundo turno, como também elegeu muitos dos seus, assim como o Partido Liberal (PL), legenda do candidato, que terá a maior bancada tanto no Senado Federal quanto na Câmara dos Deputados, além de um centrão mais fortalecido.
Não há dúvidas que essa base parlamentar irá priorizar no Senado Federal, inclusive ainda este ano, a aprovação do “pacote da destruição”, que envolve a desregulamentação do licenciamento ambiental, a legalização de agrotóxicos já proibidos na Europa e a aprovação de novas normas para a regularização fundiária, que visam legalizar a grilagem em terras públicas da União. Na Câmara dos Deputados, no mesmo sentido, sob comando do mau político Arthur Lira, direitos conquistados no pacto constitucional de 1988 poderão sofrer graves reveses.
O cenário é frustrante e assustador, porém o resultado do primeiro turno mostrou que mais da metade dos eleitores votou contra Bolsonaro (cerca de 60%). Apenas Lula obteve o voto de mais de 57,2 milhões de eleitores (48,43% dos votos válidos), colocando-se à frente na disputa presidencial com 6,1 milhões de votos de vantagem, faltando apenas 1,6% para vencer nesta primeira rodada. Daí, nota-se o quanto é relevante ter o ex-presidente na disputa, porque sem ele se torna inimaginável o futuro do nosso país, da democracia, dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal e do Estado de direito.
É importante observar, ainda, que esta vitória expressiva de Lula certamente demonstrou um notável avanço e foi resultado da retomada das lutas e mobilizações dos movimentos sociais, sindicais e populares, dos partidos da Federação e da Frente Ampla costurada pelo ex-presidente em torno de um projeto de defesa da democracia, de mudança e reconstrução do Brasil. De fato, vê-se que Lula prima pela justiça social e pelo respeito às diversidades étnicas e culturais, de gênero e de orientação sexual, ao lutar contra o autoritarismo, contra o império da violência e do ódio, contra o racismo e contra o desprezo pelo povo, pela vida e pela dignidade humana – consubstanciais a Bolsonaro e a sua horda de seguidores, civis, fundamentalistas, militares e milicianos.
ALDEAR O CONGRESSO
Reforçamos o resultado histórico para o movimento indígena nessas eleições. Os estados de São Paulo e Minas Gerais elegeram Sônia Guajajara e Célia Xakriabá como representantes no Congresso Nacional. O saldo representa um crescimento de 100% em relação à última eleição proporcional, em 2018, quando a deputada federal Joênia Wapichana tornou-se a primeira mulher indígena eleita como deputada federal.
As candidaturas indígenas que fizeram parte da Bancada Indígena da Apib tiveram mais de 446 mil votos nas urnas. Demonstramos a força da mobilização coletiva para ocupação das Casas Legislativas estadual e federal, encabeçando, principalmente, a questão da identidade territorial por meio da retomada da demarcação de territórios, principal luta do movimento indígena.
Acrescentamos a esse avanço a eleição de candidatos e candidatas provenientes de movimentos e segmentos sociais sub-representados no Parlamento. A união dessas forças sociais no Congresso Nacional será a linha de frente no enfrentamento da agenda de retrocessos na Câmara dos Deputados.
MAS POR QUE NÓS, POVOS INDÍGENAS, DEVEMOS VOTAR EM LULA?
Não é só por esse cenário de maldades que definem o candidato Bolsonaro que os povos indígenas devem votar no ex-presidente Lula. Reforçamos a carta aberta entregue à Lula durante o Acampamento Terra Livre, dia 12 de abril. “Precisamos interromper esses processos de destruição. Nossa luta é por nossos Povos, sim, mas também pelo futuro de todos e todas as brasileiras e pela humanidade inteira! É hora de construirmos um projeto civilizatório de país e de mundo.”
Na recente história democrática do Brasil, nunca os direitos dos povos indígenas foram tão execrados como neste mandato de Jair Bolsonaro que, publicamente, desde antes de sua eleição em 2018, escolheu os nossos povos como inimigos e tomou a determinação de desmontar a política indigenista, sucatear e entregar a Fundação Nacional do Índio (Funai) à gestão da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), isto é, à bancada ruralista.
Dessa forma, os direitos fundamentais dos nossos povos foram submetidos a um regime de regressão e supressão, seja por meio de medidas administrativas (circulares, instruções normativas, portarias ou decretos), jurídicas (pareceres e determinações da Advocacia Geral da União (AGU) e da Funai, ou de dezenas de iniciativas legislativas (Medidas Provisórias – MPs, Projetos de Lei – PLs, Projetos de Emenda Constitucional – PECs, Decretos Legislativos, Projetos de Lei Complementar) que colocam em risco a nossa vida e continuidade enquanto povos social, étnica e culturalmente diferenciados, representantes dos mais de 305 povos diferentes e falantes de mais de 274 línguas.
Bolsonaro massacrou os direitos indígenas, dentre outras, com as seguintes políticas e atos governamentais:
- Paralisou totalmente a demarcação e proteção das terras indígenas, ameaçando de descaracterização e extinção os nossos povos, particularmente aqueles em situação de isolamento voluntário. Para que isso acontecesse, entre outras medidas, desmantelou a Funai, com a redução orçamentária ou não aplicação dos recursos disponíveis, com a exoneração de técnicos especialistas, nas distintas áreas, e com a contratação de cargos comissionados e nomeação de coordenadores regionais, na sua maioria militares, totalmente sem preparo para lidar com as questões indígenas, tornando o órgão, assim, numa “Fundação Anti-Indígena”.
- Incentivou e legitimou, com sua política de devastação, as mais variadas formas de invasão nas nossas terras e territórios – protagonizadas por grileiros, desmatadores, madeireiras, pecuaristas, garimpeiros, pescadores e caçadores ilegais e traficantes –, às quais se somam a expansão das fronteiras agrícolas, dos monocultivos caros ao agronegócio (eucalipto, soja transgénica, cana de açúcar, milho transgênico, palma africana, laranja, etc), a mineração industrial e os empreendimentos de infraestrutura (hidrelétricas – grandes ou pequenas –, portos e estradas).
- Com essa política, Bolsonaro foi conivente com o aumento dos conflitos e da violência contra os nossos povos. Comunidades foram vítimas de massacres (como o caso dos Guarani kaiowá), lideranças foram criminalizadas e assassinadas em distintas regiões do país (Mato Grosso do Sul, Roraima, Maranhão, Bahia) por defenderem o seu território, mulheres foram estupradas e crianças morreram por contaminação do mercúrio ou desnutrição e falta de assistência médica.
- Como consequência de sua política negacionista, a respeito da ciência e das vacinas, e pelo descaso, omissão e morosidade no atendimento aos nossos povos e comunidades, Bolsonaro foi responsável pela morte de mais de 1300 de nossos parentes durante a pandemia de Covid-19, até ser forçado a tomar medidas sob determinação judicial, após a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 709) pleiteada pela APIB junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
- Desmontou as instituições e políticas públicas específicas e diferenciadas conquistadas pelas lideranças que nos antecederam na Constituição Federal de 1988, relacionadas com a saúde, a educação, o esporte, a cultura, alternativas econômicas e espaços de participação e controle social.
- Em efeito, Bolsonaro extinguiu distintos colegiados em que os nossos povos eram representados, principalmente a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) – espaço paritário de diálogo, articulação, orientação e monitoramento das ações do governo. Inviabilizou a implementação do Plano Integrado da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental nas Terras Indígenas (PNGATI), com o fim do Comitê Gestor. Da mesma forma, suprimiu a participação da APIB e organizações membro no Fórum de Presidentes de Conselhos Distritais (FCONDISI) e de representantes da sociedade civil no Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e no Conselho de Segurança Alimentar (CONSEA), entre outros.
- Bolsonaro desrespeitou totalmente o direito de consulta livre, prévia e informada assegurada aos nossos povos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), lei com status constitucional, sobre quaisquer assuntos administrativos e legislativos que os afetam. Ignorou, portanto, os protocolos comunitários construídos pelos nossos povos e comunidades para eventual caso de possibilidade de consulta.
- O candidato em questão, em comum acordo com seus líderes no Congresso Nacional – a bancada ruralista e evangélica, principalmente, e o presidente da Câmara Arthur Lira –, promoveu proposituras de lei, dentre as que se destacam o PL 191, relativo à mineração em terras indígenas que, além da mineração industrial, quer legalizar o garimpo, e o PL 490 que, além de transferir para o Congresso Nacional a prerrogativa de demarcar as terras indígenas, busca a aprovação do Marco Temporal, medida que estabelece a data de promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988) como referência do reconhecimento do nosso direito territorial. Essas iniciativas, junto com o pacote de destruição em trâmite no Senado Federal, e a eventual aprovação desfavorável a nós pelo Marco Temporal na Suprema Corte, se aprovadas, implicarão na supressão fatal do nosso direito originário e congênito, às terras que tradicionalmente ocupamos, homologadas ou não.
Por tudo isso é que neste cenário de polarização, não entre esquerda e direita, mas entre centro-esquerda e extrema-direita, entre democracia e regime autoritário – ditatorial –, entre paz e violência, e entre justiça social e desigualdades, é que os povos indígenas devem votar no ex-presidente Lula no segundo turno das eleições, marcado para o dia 30 de outubro. Da mesma forma, é por tudo isso que nós, povos indígenas, devemos votar nos candidatos ao governo estadual que estejam identificados com a nossa causa e que, por ventura, estejam disputando o segundo turno com candidatos bolsonaristas.
Tomar lado neste momento é uma responsabilidade e tanto com a vida dos nossos povos, das nossas atuais e futuras gerações, é um imperativo ético e um dever de lealdade à memória dos nossos ancestrais e lideranças que deram a vida para assegurar o pouco que nos sobrou após as sucessivas atrocidades, práticas genocidas, esbulhos e todo tipo de violência praticada pelos invasores de todos os tempos contra os nossos povos e territórios.
Nesse sentido, é imprescindível que os povos, organizações e lideranças indígenas de todas as regiões do país se empenhem totalmente na Campanha Lula Presidente pelo Brasil da Esperança. Não podemos nos intimidar. O direito de manifestação e o livre exercício do voto é garantido pela Constituição Federal. Vamos nos envolver em panfletagens, bandeiraços e diálogos com as nossas bases, sem violência. Vamos sensibilizar a quem não votou no primeiro turno – a quem se absteve –, ou a quem votou nulo ou em branco. Enfim, vamos nos mobilizar, para que ao se eleger o Presidente Lula, possamos continuar a nossa luta de forma autônoma, em defesa dos nossos direitos, resgatando as nossas conquistas arrancadas com muita luta em governo anteriores. Vamos construir um novo horizonte, de respeito total aos nossos direitos fundamentais, à nossa vida e dignidade, no marco de uma nova relação com o Estado brasileiro, multiétnico e cultural, que ainda tem muitas dívidas a pagar pelo histórico de violência e morte, física e cultural, que por séculos vitimou os nossos povos e comunidades.
PELO BEM VIVER DOS NOSSOS POVOS, LULA PRESIDENTE!
Brasília – DF, 13 de outubro de 2022.
ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB
13/out/2022
A Comissão também pediu o país informe quais ações serão tomadas para investigar os fatos que levaram à adoção da medida cautelar
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) concedeu medida cautelar em favor da comunidade Guapo’y, do povo Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, solicitando que o Estado Brasileiro proteja o direito à vida e integridade dos indígenas que vivem no local. A medida é resultado de uma solicitação apresentada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em conjunto com a Aty Guassu e a organização Conectadas – Direitos Humanos.
Após analisar a solicitação e as alegações apresentadas pelas partes envolvidas, a Comissão concluiu que os indígenas de Guapo’y se encontram em situação de gravidade e urgência. A CIDH também pediu que o país acorde as medidas a serem adotadas com os moradores da comunidade e seus representantes, além de informar quais ações serão tomadas para investigar os fatos que levaram à adoção da medida cautelar.
Quanto à situação das comunidades Tekoká/São Lucas, também do povo Guarani Kaiowá, a Comissão considera que neste momento não conta com elementos suficientes para analisar o caso, mas ressalta que em caso de novos fatos as organizações podem apresentar uma nova solicitação de medida cautelar.
Guapo’y
Composta por cerca de 300 pessoas, há décadas a comunidade Guapo’y busca a retomada definitiva do seu território ancestral, onde fazendeiros obtiveram a propriedade destas terras. O povo Guarani Kaiowá também enfrenta atuações ilegais da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul que, de 2018 a 2022, já realizou cerca de cinco ataques contra a comunidade sem qualquer decisão judicial.
Em junho de 2022, os indígenas reiniciaram o movimento de retomada quando a PM, com um efetivo de 100 polícias e um helicóptero, atirou bombas de águas lacrimogêneas e disparou armas de fogo contra o grupo, sem nenhuma tentativa de mediação. O caso deixou um indígena morto e 10 feridos, entre eles mulheres e crianças.
Saiba mais sobre o caso aqui.
11/out/2022
Decreto aprovado no dia 7 outubro extingue comitês regionais e do Conselho Fiscal
A Articulação dos Povos Indígenas (Apib) manifesta preocupação e repudia o decreto n. 11.226/2022, publicado no dia 7 de outubro, que aprova o Estatuto e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança da Fundação Nacional do Índio (Funai).
O decreto remaneja e transforma cargos em comissão em funções de confiança, extingue os comitês regionais e do Conselho Fiscal, bem como determina o fim das atribuições das Coordenações Regionais, Coordenações das Frentes de Proteção Etnoambiental e Coordenações Técnicas Locais.
O decreto remaneja e transforma cargos em comissão em funções de confiança, extingue os comitês regionais e do Conselho Fiscal, bem como determina o fim das atribuições das Coordenações Regionais, Coordenações das Frentes de Proteção Etnoambiental e Coordenações Técnicas Locais.
Em nota jurídica, a Apib afirma que o decreto que aprova o novo Estatuto fere o princípio da consulta dos povos indígenas, consagrado no art. 6º, da Convenção 169 da OIT, norma que faz parte do ordenamento jurídico brasileiro.
Funai anti-indígena
Com Marcelo Xavier na presidência da fundação, desde 2019 a Funai atua como instrumento da política anti-indígena do Governo Bolsonaro. Um exemplo disso é que a fundação passou a retardar processos de demarcação de Terras Indígenas que já estavam em andamento, pedindo uma nova análise de cerca de 27 processos de demarcação que já estavam em seus trâmites finais.
Já em abril de 2020, a Funai editou a Instrução Normativa (IN) nº 09/2020, que permite a certificação de propriedades privadas em áreas de ocupação tradicional, o que facilita invasões em territórios indígenas e legitima a grilagem. Com isso, em maio do mesmo ano, mais 72 fazendas foram certificadas em terras indígenas não homologadas.
Confira a linha do tempo completa da Funai de Marcelo Xavier aqui: https://apiboficial.org/foraxavier/
Leia a análise jurídica da Apib abaixo:
Análise_Decreto_N.11226_2022_Funai