O Brasil possui uma diversidade étnica significativa. Segundo o último censo oficial, realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem no país aproximadamente 817.963 indígenas, dos quais 502.783 vivem na zona rural e 315.180 em zonas urbanas. Este censo revelou que em todos os estados da federação, inclusive no Distrito Federal, há povos indígenas. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) aponta a existência de 305 diferentes povos e registra 274 línguas indígenas e 114 grupos de indígenas isolados e de recente contato. Além disso, cabe ressaltar que das 1.298 Terras Indígenas (TIs) no Brasil, 829 (63%) apresentam alguma pendência do Estado para que seu processo demarcatório seja finalizado. E ainda, destas 829 um total de 536 terras (64%) não tiveram ainda nenhuma providência adotada pelo Estado.
No cenário internacional houve, de igual modo, um avanço significativo. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) revogou a Convenção nº 107, de 5 de junho de 1957, que tratava da “proteção e integração das populações indígenas”. Em substituição, aprovou-se a Convenção nº 169, de 7 de junho de 1989, internalizada no Brasil por meio do Decreto nº 5.051/2004, atualmente consolidado na Lei nº 10.088/2019. Assim como a Constituição de 1988, este novo tratado superou o paradigma integracionista, trazendo conceitos básicos que deveriam orientar a relação estatal com os povos indígenas, especialmente relacionados ao respeito à identidade cultural e à consulta e participação desses povos na tomada de decisões, já que é seu direito definir as próprias prioridades de desenvolvimento, na medida em que afetam suas vidas, crenças, instituições, valores espirituais e a própria terra que ocupam ou utilizam.
Por sua vez, diferente da Convenção nº 169, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas não é um instrumento vinculante ao Estado, servindo como fonte interpretativa de direitos. Ela é tida como o mais amplo instrumento internacional concernente aos direitos dos povos indígenas, uma vez que dá proeminência sem precedentes a direitos coletivos na esfera internacional de direitos humanos e estabelece um parâmetro universal de padrões mínimos para a sobrevivência, dignidade e bem-estar dos povos indígenas. Também elabora a forma com que se aplicam os padrões de direitos humanos já existentes à situação específica dos povos indígenas.
Portanto, não há dúvida de que o Estado brasileiro respeitou a pluralidade étnica dos povos indígenas, o que se constata no desenvolvimento da política indigenista pós 1988 – especialmente no âmbito da saúde e da educação, onde expedientes normativos foram paulatinamente baixados com vistas a contemplar as especificidades culturais indígenas, muito embora ainda existam desafios. No que tange à política de regularização dos territórios indígenas é possível constatar tais mudanças, tendo em vista que o texto constitucional outorgou nova forma de reconhecimento, inovando com o uso da categoria “terra tradicionalmente ocupada”.
Dessa forma, elegeram-se novos contornos para o reconhecimento de direitos coletivos, embora muitos empecilhos, de ordem jurídica, econômica e política, ainda persistam para a conclusão da demarcação das Terras Indígenas no Brasil.
O contexto atual de ataques aos direitos dos povos indígenas
No atual contexto político brasileiro, apesar de contarmos com essa extensa proteção normativa, os povos indígenas têm enfrentado demandas de várias ordens sociais, desde a ausência de demarcação e proteção territorial até a sistêmica negativa de direitos sociais, como acesso à educação, saúde e previdência social com base nos direitos identitários previstos no ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, em abril de 2021 completou-se um ciclo de três anos sem que nenhuma terra indígena tenha sido delimitada, demarcada e homologada no país, aprofundando o deficit demarcatório e agravando o quadro de invasões e explorações ilegais desses territórios.
O que se vê no decorrer do governo Bolsonaro, ao longo dos últimos dois anos e meio, é a desestruturação das políticas de proteção dos povos indígenas e de seus territórios, o aparelhamento dos órgãos de proteção aos direitos indígenas e socioambientais e o estímulo à invasão, ao desmatamento, ao garimpo e à propagação da pandemia de COVID-19. As consequências dos atos desse governo, de um legislativo majoritariamente conservador e de um judiciário que ainda não encontra ampla abertura para a consagração dos direitos indígenas, são morte, adoecimento, sofrimento, perseguição e destruição de modos de existência intrinsecamente relacionados com os territórios.
Apenas no âmbito do legislativo, diversas são as ameaças. No dia 3 de agosto a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) nº 2.633/2020, conhecido como PL da Grilagem, legalizando o roubo de terras no Brasil. A proposta votada aumenta a violência contra povos indígenas, quilombolas e agricultores familiares, além de não ter sido previamente apresentada à sociedade civil, postura típica de regimes antidemocráticos. Com a aprovação deste projeto, a Câmara demonstra que está se convertendo na casa dos ruralistas, dos desmatadores, dos grileiros – de todos esses, menos do povo. Agora, o projeto segue para votação no Senado.
Em fevereiro de 2021, com a eleição dos novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o governo federal, chefiado pelo presidente Jair Bolsonaro, apresentou um pacote de pautas prioritárias que deveriam ser aprovadas. Entre elas estava o PL nº 191/2020, que regulamenta a pesquisa e a lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos em terras indígenas, bem como facilita a utilização de recursos hídricos para geração de energia elétrica, a despeito das manifestações indígenas contrárias a essas atividades econômicas em suas terras. Ainda em 2020, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), junto a lideranças indígenas reconhecidas, como o Cacique Raoni Metuktire, solicitou ao então Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que não permitisse o avanço deste projeto de lei, que impacta negativamente o modo de vida tradicional dos povos indígenas. O presidente Bolsonaro ignorou a manifestação da vontade expressa pelos povos indígenas, principais afetados pela medida, e desrespeitou as normativas internacionais que regulam o tema da Consulta Prévia, Livre e Informada.
Há ainda o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 177/2021, que autoriza o presidente da República a denunciar a Convenção 169 da OIT, o que significa retirar o Brasil desse acordo, conferindo ao presidente o poder de abdicar da convenção. Isso de acordo com a justificativa de que a efetivação dos direitos previstos na convenção inviabilizaria o desenvolvimento econômico nacional, por restringir a atuação do Poder Público nos territórios indígenas.
Já o Projeto de Lei nº 490/2007 evidencia-se como um dos principais ataques do Poder Legislativo aos direitos reconhecidos aos povos indígenas na Constituição Federal de 1988, versando sobre a alteração da legislação existente no que tange ao regime jurídico constitucional e infraconstitucional de demarcação de Terras Indígenas. Durante seu trâmite na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), aprovou-se um texto substitutivo ao referido PL, cujo objetivo central seria a regulamentação sobre a matéria – através de lei ordinária do art. 231 da Constituição –, a fim de consolidar um suposto entendimento amplamente majoritário do STF, qual seja, a tese do marco temporal de ocupação (teoria do fato indígena), que supostamente serviria como instrumento de paz social e segurança jurídica.
Segundo tal tese, as terras futuramente demarcadas ou em processo de demarcação deveriam necessariamente comprovar a ocupação no dia 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição Federal, ignorando, assim, mais de 500 anos de expulsão dos povos indígenas de seus territórios. Assim, a principal alteração do PL nº 490 acabaria por inviabilizar as demarcações das Terras Indígenas através da incorporação em lei da tese do marco temporal como um dos requisitos taxativos a ser observado para o reconhecimento de áreas tradicionalmente ocupadas (art. 4º, §2º ao §4º).
Em nota técnica, a assessoria jurídica da APIB já se posicionou a respeito da inconstitucionalidade do PL nº 490, sob o ponto de vista formal e material, e reforçou a sua inconvencionalidade. Acrescenta-se ainda que a matéria em discussão no Legislativo através do PL nº 490 possui total relação com a pauta atualmente em trâmite no STF, sobre o caso Xokleng (RE 1.017365/SC).
Pautado para 30 de junho de 2021, o processo foi transferido para 25 de agosto e é tido como passível de “repercussão geral”, o que significa que a decisão tomada servirá como diretriz ao governo federal e a todas as instâncias da Justiça no sentido de determinar a respeito de demarcações de TIs. Portanto, vê-se que a tramitação de um PL no Poder Legislativo, que também é discutido pelo Judiciário, no mínimo deveria levar em consideração o status paradigmático do processo, o que evidencia não haver ainda um entendimento “consolidado” por parte do STF sobre essa matéria. Isso posto, antes de mais nada haveria que se aguardar o julgamento de mérito.
Além disso, existem ameaças advindas da própria Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que em 22 de abril de 2020, editou a Instrução Normativa (IN) nº 09. Tal instrução, em resumo, determina a exclusão da base de dados do Sistema de Gestão Fundiária Nacional de todas as Terras Indígenas que não estejam no último estágio de reconhecimento estatal, tornando invisíveis esses territórios. O ato, na prática, acaba por validar detenções e títulos de propriedades particulares que em teoria são nulos, segundo a Constituição Federal de 1988, desprotegendo a larga maioria das Terras Indígenas e incentivando a ocupação não indígena desses territórios.
O parágrafo primeiro do art. 1º, da IN nº 09, preceitua que a “Declaração de Reconhecimento de Limites” (DRL) se destina a fornecer aos proprietários ou possuidores privados a certificação de que os limites do seu imóvel respeitem os limites das terras indígenas homologadas, reservas indígenas e terras dominiais indígenas plenamente regularizadas. Assim, na medida em que a FUNAI passa a considerar passível de emissão de DRLs (documento que atesta que a propriedade não incide em Terra Indígena) toda posse (sem escritura) ou propriedade que não incida apenas sobre terra indígena homologada, reserva indígena e terras indígenas dominiais, o órgão passa a liberar para a compra, venda e ocupação todas as terras em estudo – as delimitadas pela FUNAI e as declaradas pelo Ministério da Justiça, além das áreas sob portarias de restrição de uso, como as áreas onde há estudo sobre a presença de indígenas isolados. Dessa maneira, invasores de TIs poderão solicitar a DRL à FUNAI e, munidos desse documento, requerer junto ao INCRA, por meio de cadastro autodeclaratório, a legalização das áreas invadidas. Tais normas oficializam o conflito em Terras Indígenas, além de estimularem o desmatamento e os incêndios.
Em face da IN nº 09 o Ministério Público Federal propôs 26 ações judiciais em diversas localidades arguindo vícios de inconstitucionalidade, inconvencionalidade e ilegalidade. Até o presente momento, já foram protocoladas ao menos 19 decisões judiciais favoráveis à impugnação do MPF.
Já em fevereiro de 2021, FUNAI e IBAMA editaram a Instrução Normativa nº 01, que se dispõe a estabelecer procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de Terras Indígenas. Com efeito, este ato busca institucionalizar o arrendamento rural nos territórios indígenas, o que viola a observância da cláusula constitucional da reserva de usufruto exclusivo dos recursos naturais existentes em terras indígenas aos indígenas (art. 231, §2º, da CF/88). Trata-se de facilitar a exploração do agronegócio dentro das terras indígenas. Fragiliza-se assim a proteção ambiental e abre-se espaço para que não indígenas venham a explorar atividades de interesse econômico no interior desses territórios.
Diante do cenário apresentado, portanto, é possível identificar a existência de uma nefasta política sistemática de ataque aos povos indígenas, cujas consequências apontam para a morte, o adoecimento e o sofrimento dos povos indígenas brasileiros, bem como para a destruição das suas já ameaçadas formas de vida.
O Conselho Terena, uma das organizações de base da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), realizou entre os dias 17 a 20 de novembro, na Aldeia Mãe Terra, TI Cachoeirinha, município de Miranda (MS) a XIV Assembleia Terena. A atividade um momento de união e fortalecimento do movimento indígena sul-mato-grossense com a presença de lideranças do contexto nacional, e ocorreu imediatamente após a Conferência do Clima da ONU, COP26, em um contexto de perseguição à lideranças indígenas no Brasil. Além dos anfitriões terena, a assembleia contou com representantes dos povos Kinikinau, Pataxó, Kadiweu, Kaiowa, Guarani Ñandeva, Xakriabá, Tupinambá, Kaingang e Guajajara.
Após quase dois anos de sua última realização, suspensa nesse período por ocasião da pandemia de covid-19, a Assembleia Terena destacou a força da organização indígena no enfrentamento à pamdeia: “queremos agradecer as nossas lideranças que, na ausência de uma política de Estado, colocaram mais uma vez suas vidas em risco para promover as barreiras sanitárias indígenas, mostrando que nossa própria organização sempre vencerá as políticas de ódio dos purutuya. Durante a realização de nossa grande assembleia, junto com nossos parceiros e colaboradores, reforçamos o compromisso com acordos e protocolos sanitários para segurança e redução do risco de contaminação de todos os participantes”.
O documento final da reunião listou uma série de exigências, sobretudo para suspensão da agenda anti-indígena no Congresso Nacional, que buscam a garantia dos direitos constitucionais dos povos originários. Confira os oitos pontos de exigências:
Retirada definitiva da pauta de votação da CCJC e arquivamento do PL (Projeto de Lei) 490/2007, que ameaça anular as demarcações de terras indígenas;
Arquivamento do PL 2633/2020, conhecido como o PL da Grilagem, pois caso seja aprovado, o projeto vai anistiar grileiros e legalizar o roubo de terras, agravando ainda mais as violências contra os povos indígenas;
Arquivamento do PL 984/2019, que pretende cortar o Parque Nacional do Iguaçu e outras Unidades de Conservação com estradas;
Arquivamento do PDL 177/2021 que autoriza o Presidente da República a abandonar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), único tratado internacional ratificado pelo Brasil que aborda de forma específica e abrangente os direitos de povos indígenas;
Arquivamento do PL 191/2020 que autoriza a exploração das terras indígenas por grandes projetos de infraestrutura e mineração industrial;
Arquivamento do PL 3729/2004 que destrói o licenciamento ambiental e traz grandes retrocessos para a proteção do meio ambiente e para a garantia de direitos das populações atingidas pela degradação ambiental de projetos de infraestrutura, como hidrelétricas.
Fortalecimento da atenção básica de saúde aos povos indígenas, que vem sendo negligenciada e sucateada pelo Governo Federal. Somos contra as propostas de municipalização da saúde indígena.
Que a FUNAI cumpra seus deveres constitucionais finalizando os processos de demarcação das terras indígenas Terena, Kinikinau e Guarani – Kaiowá, no Mato Grosso do Sul.
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Leia o texto na íntegra:
Documento Final da XIV Grande Assembleia do Povo Terena
O Conselho do Povo Terena, organização tradicional base da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) no Mato Grosso do Sul, reunido na aldeia Mãe Terra, Terra Indígena Cachoeirinha, por ocasião da 14a Grande Assembleia do Povo Terena, entre os dias 17 e 20 de novembro de 2021, com o apoio de representantes dos povos Kinikinau, Kadiweu, Kaiowa, Guarani Ñandeva, Xakriabá, Pataxó, Tupinambá, Kaingang, Guajajara reafirma seu compromisso com a luta pelo território tradicional, a permanente busca do bem viver, e a construção de um mundo baseado no respeito aos modos de vida de cada povo e à Mãe Terra. Reiteramos nosso intuito de continuar lutando, em sintonia com o movimento indígena nacional, contra todos os retrocessos de direitos indígenas.
Como há quase 10 anos atrás, nossa anciã mentora do nome da Assembleia, sentou em meio de nós, proferiu palavras de força e evocou nossa ancestralidade. “Esta não é apenas uma Assembleia. Esta é a Hanaiti Hó’unevo Têrenoe, a Grande Assembleia do Povo Terena” repetiu ela. Abençoados por suas palavras, entre nossas Guerreiras e Guerreiros relembramos emocionados a luta de quase uma década desde o levante de nossa Grande Assembleia. Foram retomados milhares de hectares de nossas terras, que antes estavam alimentando gado para o agronegócio e hoje são utilizados pelas famílias terena para produzir seu alimento, recuperar as nascentes dos rios e reflorestar as matas. Enfrentamos inúmeros fazendeiros, políticos e parlamentares, com toda sua estrutura e força política, que ameaçavam nossos direitos. Na nossa caminhada fizemos valer o sangue derramado de nossos líderes. Nas terras recuperadas nosso povo encontrou dignidade. Nossos anciões hoje têm ainda mais força, muitos de nossos jovens hoje ocupam lugares importantes, nas aldeias e fora delas. No Brasil e fora dele. Esta década de sacrifício e compromisso, de muitos avanços de nosso povo nos faz afirmar:
Não provoquem o Povo Terena, pois com o Povo Terena ninguém pode!
Não temos medo e avançaremos!
Passamos por um momento muito difícil, com a pandemia de COVID-19 assolando nossas comunidades e levando muitos de nossos anciãos e jovens. Voltamos a realizar nossa grande assembleia depois de quase dois anos, por conta da pandemia. Nossas lideranças, que já estão imunizadas com a vacina contra o novo coronavírus, se reuniram neste momento para ecoar nossas vozes e reafirmar que Vidas Indígenas Importam! Como reiterado na fala de várias de nossas lideranças presentes, a emergência sanitária e humanitária foi muito agravada pelo descaso com que o Governo Federal tratou e tem tratado os povos indígenas durante a pandemia. Queremos lembrar aqui de todos os entes queridos do nosso povo que se foram durante a pandemia da COVID 19, em mais uma página do Genocídio promovido pelo Estado Brasileiro contra os povos indígenas. Neste sentido, nos solidarizamos também com todas as vidas indígenas, de todos os povos, vitimadas pela política de extermínio promovida durante o surto do Coronavírus. Ao mesmo tempo, queremos agradecer as nossas lideranças que, na ausência de uma política de Estado, colocaram mais uma vez suas vidas em risco para promover as barreiras sanitárias indígenas, mostrando que nossa própria organização sempre vencerá as políticas de ódio dos purutuya. Durante a realização de nossa grande assembleia, junto com nossos parceiros e colaboradores, reforçamos o compromisso com acordos e protocolos sanitários para segurança e redução do risco de contaminação de todos os participantes.
No plano político enfrentamos uma luta tão nefasta quanto a da Pandemia. Nos solidarizamos com os demais povos pelos ataques que tem sofrido, insuflados, permitidos e até mesmo patrocinados pelo Governo Bolsonaro. Como um grande trator, a luz de megaprojetos, obras, grilagem, mineração e arrendamento, agridem nossa Natureza, torturam a vida, invadem nossos territórios e avançam com promessas de morte contra todos os povos. Enquanto isso, no Congresso Nacional, promovem saques e motins contra a Constituição Federal de 1988 procurando acabar com os direitos indígenas e a proteção do meio ambiente.
Reafirmamos também nosso compromisso com o meio ambiente e a defesa da Mãe Terra. As mudanças climáticas e outras crises ambientais que o mundo vem sofrendo são causadas pela ganância sobre as Terras Indígenas e pela permanente ameaça aos nossos direitos. Como muitas lideranças e anciões mostraram na assembleia, nosso modo de vida e nossa cosmologia são pilares fundamentais para um mundo mais sustentável, saúdavel, que respeite a sociobiodiversidade. No Brasil, hoje, o governo desenvolve políticas anti-indígenas e anti-ambientais, que pretendem devastar nossas florestas e biomas. Guardiões ancestrais do cerrado e do pantanal, nós do povo Terena repudiamos estas políticas de devastação e destruição e continuamos empenhados em defender a nossa sagrada Mãe Natureza.
Hoje temos orgulho de dizer que nossa Grande Assembleia é base da APIB, e que o Povo Terena tem dado importantes contribuições na luta Nacional garantindo conquistas e direitos para todos os Povos Indígenas. Junto a nossas Articulações Nacionais, internacionais e com nossos apoiadores, vamos avançar até que todos os territórios sejam demarcados e que todos os povos possam viver com dignidade:
Exigimos:
A INTERRUPÇÃO IMEDIATA DE QUALQUER MEDIDA ANTI-INDÍGENA NO CONGRESSO NACIONAL!
Retirada definitiva da pauta de votação da CCJC e arquivamento do PL (Projeto de Lei) 490/2007, que ameaça anular as demarcações de terras indígenas;
Arquivamento do PL 2633/2020, conhecido como o PL da Grilagem, pois caso seja aprovado, o projeto vai anistiar grileiros e legalizar o roubo de terras, agravando ainda mais as violências contra os povos indígenas;
Arquivamento do PL 984/2019, que pretende cortar o Parque Nacional do Iguaçu e outras Unidades de Conservação com estradas;
Arquivamento do PDL 177/2021 que autoriza o Presidente da República a abandonar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), único tratado internacional ratificado pelo Brasil que aborda de forma específica e abrangente os direitos de povos indígenas;
Arquivamento do PL 191/2020 que autoriza a exploração das terras indígenas por grandes projetos de infraestrutura e mineração industrial;
Arquivamento do PL 3729/2004 que destrói o licenciamento ambiental e traz grandes retrocessos para a proteção do meio ambiente e para a garantia de direitos das populações atingidas pela degradação ambiental de projetos de infraestrutura, como hidrelétricas.
Fortalecimento da atenção básica de saúde aos povos indígenas, que vem sendo negligenciada e sucateada pelo Governo Federal. Somos contra as propostas de municipalização da saúde indígena.
Que a FUNAI cumpra seus deveres constitucionais finalizando os processos de demarcação das terras indígenas Terena, Kinikinau e Guarani – Kaiowá, no Mato Grosso do Sul.
Aldeia Mãe Terra, Miranda-MS, 20 de novembro de 2021
A força ancestral das mulheres indígenas Terena segue transformando diversos espaços das nossas comunidades. Na luta por uma organização que envolva a vida das mulheres indígenas como princípio.
Estamos abrindo espaços históricos, mulheres à frente de pautas importantes para nosso povo. Uma caminhada cheia de conquistas relevantes, mas não suficientes. Seguimos na resistência para romper os desafios e construir muito mais, tornando mulheres protagonistas de trajetórias negadas.
Carregamos uma conexão direta com a nossa luta coletiva, a luta pela terra, uma resistência que ultrapassa as dores das violências dirigidas a nossos corpos e territórios. A transformação que queremos vai além das cercas do latifúndio que tentam privar nossas terras no Mato Grosso do Sul. O resultado que queremos está no reflorestarmentes. No romper das cercas que nos arranca a liberdade da vida, do bem-estar e da soberania do nosso povo.
Muitas de nós estamos vivendo em áreas de retomadas, onde foram brutalmente usadas como espaços de plantações de monocultivos e de criações de gados. Onde mataram nossos filhos com o uso de agrotóxicos e nos feririram e levaram muitos dos nossos com balas do latifúndio. Mas hoje seguimos vivas, e com nossa ancestralidade guiando a tarefa de reconstruir o nosso local, nosso chão de terra, a nossa comunidade.
Em meio à nossa luta histórica, perdemos mulheres originárias, raízes, as que fortaleciam fisicamente o combate contra as emergências e explorações. Seguimos com a força e sabedoria ancestral, porque não podemos deixar enfraquecer a força do nosso povo, das nossas anciãs e lideranças.
Pelo bem comum do nosso povo, durante a XIV Grande Assembleia Terena, destacamos a nossa presença e construção desse espaço. Seguimos na construção coletiva pela demarcação de nossos territórios e a luta pela vida.
Nos comprometemos com nossos coletivos locais para seguir fortalecendo ações nacionais como a Marcha Nacional das Mulheres Indígenas e as organizações que juntas construímos e que nos representam.
Pela garantia das nossas identidades, lutas e justiça!
Plenária das Mulheres Terenas, aldeia Mãe Terra, T.I Cachoeirinha, município de Miranda, Mato Grosso do Sul.
Em Solidariedade ao ataque sofrido pelas ANMIGAS Lideranças
Nós, as indígenas mulheres que compomos a rede de Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), nos manifestamos em solidariedade a três lideranças indígenas mulheres, que são vistas por homens não indígenas apenas como um objeto, mas para nós, é um corpo território com muitas vozes de outras mulheres. Não deixaremos que as nossas companheiras indígenas mulheres que demarcaram a COP26 e ecoaram nossas vozes, enfrentem o racismo de gênero sozinhas e, portanto, nós repudiamos os ataques sofridos pelas nossas companheiras nesse cenário misógino e que nos ataca por sermos mulheres.
Entendemos que os ataques direcionados a elas são um manifesto de violências.Além da violência de gênero e racial que sofrem em razão de suas lutas, vozes indígenas incomodam. Aqueles que não nos enxergam como indígenas mulheres capazes, esses querem nos silenciar por sermos indígenas e mulheres.
Porém caminhando junto às nossas ancestrais estamos aqui para dizer: Quando atacam uma de nós, todas sofremos essa violência, pois as nossas conexões são ancestrais, vivas e enraizadas.
As três companheiras de vozes, fala e luta são mulheres que desde cedo defendem seus territórios, contra qualquer tipo de invasão e formam lideranças através de suas vozes. São inspiração para a nova geração de líderes femininas no Brasil e são referência de seres humanos por serem líderes mulheres, ativas e de uma história singular.
Para elas, dizemos que estamos juntas! Acolhemos e defendemos elas, com suas vozes é a vozes ancestrais que ecoam além de seus territórios. Quando elas falam nos espaços, elas estão falando por nós que somos mais de 448 mil Mulheres Indígenas no Brasil e não permitiremos o ataque a nossas companheiras que se movimentam com seu corpo território entre os espaços políticos em defesa dos nossos direitos hoje e amanhã. Seus espíritos e suas vozes têm defendido os direitos dos povos Indígenas do Brasil para não permitir que o conservadorismo, o machismo, o racismo, nem mesmo a boiada passe por cima de nenhuma de nós .
Somos todas Alessandra Munduruku, Txai Suruí e Glicéria Tupinambá!
Nesta segunda, 8 de novembro, a APIB protocolou pedido de ingresso como amicus curiae (amigo da corte) em ação que tramita no STF que ameaça a atuação e as prerrogativas constitucionais conferidas às Defensorias Públicas. Trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6852, proposta pelo Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que tem por objetivo a declaração de inconstitucionalidade de artigos da Lei Complementar 80/1994, que “organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados”.
Segundo o argumento do PGR, a Lei Complementar 80/1994, ao regulamentar a organização das Defensorias Públicas, conferiu tão somente aos defensores – mas não aos advogados privados, ou sequer aos advogados públicos em geral -, o poder de “requisitar” de qualquer autoridade pública e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências necessárias à sua atuação. Desse modo, em seu entendimento há artigos na referida Lei que afrontam os princípios constitucionais da isonomia, inafastabilidade da jurisdição, do contraditório e do devido processo legal.
A APIB se soma a outras organizações da sociedade civil que também já pediram ingresso na ação como amicus curiae, por entender a repercussão social e relevância da matéria para os povos indígenas, uma vez que muitos indígenas e suas comunidades, por serem grupos sociais em situação de vulnerabilidade, são atendidos diretamente pelas defensorias, tanto nas esferas estaduais, quanto na esfera federal. Por esse motivo, alterações nos poderes atribuídos às defensorias públicas e seus membros impactam imediatamente as populações que são atendidas pelas Defensorias.
Na petição a APIB afirma que retirar o poder de “requisitar de qualquer autoridade pública e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências necessárias à atuação da Defensoria Pública”, é ferir frontalmente o direito à ampla defesa de povos indígenas espalhados em todo o Brasil. Sendo assim, o entendimento é de que a ação deve ser julgada improcedente pelo STF.
No dia 01 de novembro de 2021, um indígena da região do Apiaú entrou em contato com a Hutukara para informar sobre a morte de dois indígenas do grupo em isolamento voluntário (Moxihatëtëma) em uma ataque realizado por garimpeiros. Segundo o relato, a aproximadamente dois meses e meio atrás, guerreiros Moxihatëtëma se aproximaram do garimpo “Faixa Preta”, localizado no alto rio Apiaú. A intenção dos Moxihatëtëma teria sido expulsar os invasores do seu território, mas, durante o acercamento, os grupos entraram em confronto. Os isolados acertaram 3 garimpeiros com flechas, e os garimpeiros mataram dois Moxihatëtëma com armas de fogo.
Uma das flechas atiradas pelos guerreiros Moxihatëtëma foi recolhida por um jovem indígena da região do alto mucajaí que frequentava o garimpo na ocasião, e testemunhou o episódio. O objeto hoje se encontra em uma comunidade da região do Apiaú.
O garimpo “Faixa Preta”, segundo informações de área, está localizado no rio Apíau, cerca de 4 dias de barco (motor rabeta) desde o posto de saúde homônimo. Análises de imagens de satélite indicam que na região um total de mais de 100 hectares de floresta já foram destruídos pela atividade ilegal.
A região do Apiaú é vizinha ao território dos isolados e, por esse motivo, deve ser uma das zonas prioritárias para as ações de combate ao garimpo. A HAY vem insistentemente informando os órgãos competentes sobre a elevada pressão em que se encontram os Moxihatëtëma com o avanço do garimpo nas regiões da Serra da Estrutura, Couto Magalhães, Apiaú e alto Catrimani, com elevado risco de confrontos violentos que podem resultar no extermínio do grupo. No entanto, não temos ciência de ações recentes de repressão ao garimpo na região.
Esse não é o primeiro relato sobre conflitos violentos entre os isolados e garimpeiros.
Em 2019, professores yanomami do Alto Catrimani relataram à Hutukara que dois caçadores moxihatëtëma haviam sido mortos com tiros de espingardas após terem defendido com flechas seus roçados de uma tentativa de roubo por parte dos garimpeiros. Na ocasião, a HAY informou os órgãos competentes, mas não obteve respostas sobre uma eventual investigação.
As últimas fotografias aéreas disponíveis da casa-coletiva dos moxihatëtëma indicam a existência de 17 seções familiares. A partir desse número estima-se que a população total desse grupo seja da ordem de 80 pessoas. Quatro assassinatos, nesse caso, significam então a perda de 5% da população por morte em conflitos em apenas três anos!
É importante ressaltar que, em razão do sistema tradicional de justiça da cultura Yanomami, é possível que os Moxihatëtëma organizem novas investidas contra os núcleos garimpeiros para compensar as mortes sofridas. Assim, a situação de conflito pode se estender, resultando em mais mortes e chacinas. Além disso, episódios de contato intermitente com os garimpeiros pode levar à introdução de novas moléstias infecciosas, impactando severamente a saúde coletiva do grupo.
Diante da gravidade do relato, a Hutukara Associação Yanomami vem por meio deste oficio solicitar aos órgãos responsáveis que investiguem o ocorrido, considerando a grande vulnerabilidade epidemiológica das famílias em isolamento voluntário, e tomem medidas urgentes para proteger o grupo de novos confrontos e contatos forçados. Em particular, solicita-se que sejam adotadas urgentemente ações de repressão do garimpo ilegal nas proximidades do território dos Moxihatëtëma, e sejam plenamente retomadas as atividades da BAPE Serra da Estrutura, com rotina de incursões para identificar e desmantelar núcleos garimpeiros instalados na região.
Cúpula de Líderes Mundiais: Povos indígenas e comunidades locais devem fazer parte dos mecanismos financeiros anunciados para garantir a posse da terra na luta contra as mudanças climáticas
A Aliança Global de Comunidades Territoriais emite uma declaração pedindo um compromisso mais forte com a posse da terra como uma solução climática chave
Declaração emitida por: Coordenador das Organizações Indígenas da Bacia do Rio Amazonas (COICA) e suas organizações membros dos nove países da Bacia do Amazonas; a Aliança Mesoamericana de Povos e Florestas (AMPB) e suas organizações membros de seis países mesoamericanos; a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB); a Rede de Povos Indígenas e Comunidades Locais para o Manejo Sustentável de Ecossistemas Florestais (REPALEF) na República Democrática do Congo; e a Aliança dos Povos Indígenas do Arquipélago (AMAN), que representa 17 milhões de povos indígenas em toda a Indonésia.
GLASGOW COP26, 1 de novembro de 2021
Como uma organização que representa os povos indígenas e comunidades locais em 24 países com florestas tropicais, a promessa feita nesta Cúpula de Líderes Mundiais de alocar US $ 19,2 bilhões para apoiar o reconhecimento dos direitos à terra para povos indígenas e comunidades locais é uma boa notícia – e estamos satisfeitos por isso. Ao assumir esse compromisso, os principais financiadores públicos e privados reconhecem o papel crítico que desempenhamos na luta contra a mudança climática e destacam a prioridade urgente que deve ser garantir a posse de nossas terras.
No entanto, não podemos receber esta notícia com entusiasmo porque não fomos incluídos no desenho deste compromisso. Portanto, suspeitamos que muitos desses recursos serão distribuídos por meio de mecanismos tradicionais de financiamento climático, que têm demonstrado grandes limitações para atingir nossos territórios e apoiar nossas iniciativas. Embora milhões de dólares já tenham sido investidos para proteger as florestas e deter o desmatamento, os resultados são mínimos, pois os governos não estão presentes em nossos territórios e, consequentemente, têm dificuldade de administrar os recursos e implementar políticas de longo prazo que protejam os recursos naturais.
Além disso, a burocracia beneficia um grande número de intermediários, que são os primeiros destinatários dos fundos climáticos e cujos altos custos reduzem a porcentagem efetivamente investida nos territórios. Nossas suspeitas são confirmadas pelo fato de praticamente nenhum desses anúncios ter sido previamente consultado por nós ou por nossas organizações membros.
No entanto, também temos boas notícias para contribuir. Dado que os doadores públicos e privados, bem como as filantrópicas, têm dificuldade em distribuir fundos ao nível da comunidade, desenvolvemos uma série de recomendações para facilitar este processo. Essas recomendações constituem uma nova visão, a Visão Shandia: um ecossistema de financiamento que finalmente permitirá que o apoio financeiro chegue aos nossos territórios.
Como a Aliança Global de Comunidades Territoriais, nos comprometemos a responsabilizar governos e investidores pelas promessas financeiras que eles fizeram hoje, dentro da estrutura de nossa Visão Shandia, e convidamos a cooperação internacional para construir um novo mecanismo para fornecer financiamento climático. Um que possa realmente atingir os territórios onde está em jogo a preservação da biodiversidade e do estoque de carbono.
“Protegemos a maior parte da biodiversidade remanescente do mundo, mas recebemos menos de um por cento do financiamento de doadores internacionais”, disse Joseph Itongwa Mukumu, um indígena Walikale da República Democrática do Congo que atua como coordenador da Rede de Povos Indígenas e Comunidades Locais para a Gestão Sustentável de Ecossistemas Florestais (REPALEF). “Se for sério sobre como garantir que as florestas permaneçam de pé, a comunidade global deve fazer mais para reconhecer os direitos dos povos indígenas e apoiar nossas estruturas tradicionais de governança.”
“Propomos uma nova forma de investir recursos diretamente em nossas comunidades, que estão na linha de frente das mudanças climáticas e arriscam nossas vidas para proteger a natureza. Transformar a forma como o financiamento climático é fornecido localmente garantiria um maior impacto para o bem de toda a humanidade, “disse Tuntiak Katan, um líder indígena do Equador e chefe da Aliança Global.
Florestas administradas por povos indígenas e comunidades locais apresentam taxas de desmatamento mais baixas do que terras semelhantes administradas por terceiros. Entre 2000 e 2012, por exemplo, as taxas médias anuais de desmatamento em nossas florestas na Bolívia, Brasil e Colômbia foram duas a três vezes mais baixas do que aquelas não manejadas por povos indígenas. Mas esses ganhos ocorrem apenas quando nossas comunidades têm direitos garantidos sobre suas terras, razão pela qual o financiamento de tais iniciativas deve ser de suma importância.
Além do reconhecimento e proteção de nossos direitos à terra comunais e sistemas de posse consuetudinária, exigimos compensação pela gama de serviços ecossistêmicos – incluindo proteção contra pandemias emergentes – gerados em nossas terras. Exigimos que as decisões de investimento sejam determinadas dentro de nossas comunidades e que nossos líderes eleitos e modos de vida tradicionais sejam respeitados em todas as arenas de tomada de decisão. E solicitamos financiamento direto para apoiar nossos esforços para administrar de forma sustentável nossas terras e recursos, com ferramentas para monitorar e protegê-los de intrusos como o agronegócio e mineradores e madeireiros ilegais.
“O compromisso anunciado hoje para deter a perda de floresta e proteger os direitos dos Povos Indígenas está muito atrasado”, disse Mina Setra, uma líder indígena da Indonésia, e o Secretário-Geral Adjunto da Aliança do Arquipélago dos Povos Indígenas (AMAN). “Aplaudimos os governos e doadores envolvidos por darem esse passo para proteger nossos direitos e o clima global. No entanto, esta promessa não deve substituir as ações fundamentais que eles devem tomar para impedir que suas empresas destruam nossas florestas ancestrais. Para cumprir sua missão e evitar uma catástrofe climática, eles devem parar todo o desmatamento nas terras dos povos indígenas e comunidades locais e trabalhar conosco para proteger as últimas florestas tropicais remanescentes do mundo.”
O Povo Indígena Wajuru, cujo território reivindicado está localizado na comunidade Porto Rolim de Moura do Guaporé, circunscrito ao município de Alta Floresta d’Oeste, estado de Rondônia, vem enfrentando, nos últimos anos e, atualmente, com maior intensidade, uma série de invasões e violências que têm colocado em risco a permanência, segurança e bem-estar das comunidades tradicionais.
A reivindicação do Povo Indígena Wajuru, pelo direito ao território da comunidade de Porto Rolim de Moura do Guaporé se arrasta desde o ano de 2002, apenas em junho de 2005, a FUNAI iniciou os estudos de delimitação das terras reivindicadas. Contudo, o processo de reconhecimento do território encontra-se parado por omissão dos órgãos competentes, tal morosidade tem prejudicado os Direitos Humanos e Fundamentais do Povo Wajuru, colocando-os numa situação de extrema vulnerabilidade social, econômica e política.
Isso porque, a comunidade de Rolim de Moura do Guaporé é pertencente à União e, como consequência jurídica, está sujeito a regras de competências específicas. Foi instaurado em 2017, pelo INCRA, o processo administrativo nº 54000.021082/2017-10, que, entre outros, trata da identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação da área territorial reivindicada pelo Comunidade Quilombola de Rolim de Moura do Guaporé.
Ocorre que, desde então, os povos tradicionais de Porto Rolim do Guaporé têm enfrentando, para além de tentativas de interferência do poder político municipal no processo de regularização fundiária e demarcação do território, violências, intimidações e perseguições que vêm se intensificando nos últimos meses. Segundo relatos dos moradores, a prefeitura de Alto Floresta d’ Oeste, em parceria com o INCRA, tem noticiado um mutirão de atendimento aos invasores ilegais na regularização fundiária de áreas rurais situadas na região pertencente à União, justamente onde se localiza o território reivindicado pelo Povo Wajuru, ação que, inclusive, foi objeto de instauração de Notícia de Fato pela Procuradoria da República do Município de Ji-Paraná/RO, vinculada ao Ministério Público Federal.
Além da tentativa ilegal dos agentes políticos locais em realizar a regularização fundiária do território tradicional, há relatos de invasões do setor turístico, que tem feito empreendimentos hoteleiros dentro do território objeto de disputa. Acrescido a isso, verifica-se a ocorrência de construções de casas irregulares em um cemitério pertencente ao Povo Wajuru e até mesmo sobrevoo de drones com o intuito de intimidar as lideranças tradicionais que têm se oposto ao poder político local na tentativa de proteger o território reivindicado.
No âmbito do acesso à educação, os moradores foram surpreendidos, em setembro deste ano, com memorando da Secretaria de Estado da Educação determinando que o barco da Coordenação Indígena, destinado à realização do transporte dos alunos, fosse repassado para a Coordenação de Ensino do município de Alta Floresta, comprometendo gravemente a educação das crianças e adolescentes residentes no Distrito.
Outro problema que atormenta a comunidade indígena são as queimadas criminosas constantes, que acarretam a destruição das plantações e comprometem a subsistência alimentar e econômica do Povo Wajuru.
Com o intuito de sanar a demora injustificada na tramitação do processo administrativo de demarcação do território do Povo Indígena Wajuru foi proposta uma Ação Civil Pública pelo MPF/RO, na qual a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), requereu a habilitação como amicus curiae (“amigos da corte”), a fim de intervir no processo para defender os interesses e direitos do Povo Indígena Wajuru.
O processo de reconhecimento do território, no entanto, ainda não foi finalizado.
Movimento indígena mobilizou a maior delegação de lideranças brasileiras da história da conferência do clima para pautar demarcação de terras indígenas como solução
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em conjunto com todas as suas organizações de base, mobilizaram a maior delegação de lideranças indígenas brasileiras da história da Conferência do Clima (COP26) para pautar soluções sobre a crise climática. Mais de 40 representantes dos povos originários estarão em Glasgow, na Escócia, entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro com a proposta de ocupar a Conferência para alertar o mundo sobre a necessidade de demarcar as Terras Indígenas e proteger os povos indígenas para o futuro do planeta.
“Nos colocamos contra falsas soluções baseadas em inovações tecnológicas elaboradas a partir da mesma lógica desenvolvimentista e produtivista que provoca as mudanças climáticas. Criticamos soluções que não reconheçam os povos indígenas e comunidades locais como o ponto central na defesa das florestas, da diminuição do desmatamento e das queimadas, e como essenciais para a garantir que a meta declarada de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus Celsius”, destaca trecho da mensagem da Apib aos líderes mundiais, empresários, gestores públicos e organizações que irão estar presentes na COP26.
A delegação indígena brasileira na conferência vai denunciar o genocídio indígena e o ecocídio que está em curso no Brasil agravado pela pandemia da Covid-19 e pelo projeto de morte do Governo Federal. No dia internacional dos povos indígenas, 9 de agosto, a Apib entrou com um comunicado inédito no Tribunal Penal Internacional (TPI) para denunciar o governo Bolsonaro por Genocídio.
“Moldamos e protegemos nossos biomas ao preço do sangue de milhões de parentes. O genocídio dos povos originários, a perseguição aos defensores dos territórios e a captura ilegal de nossas terras, é o maior e mais disseminado crime que a humanidade produziu ao longo de sua história. Este é um crime continuado e presente, o qual denunciamos em todas as instâncias que ocupamos”, reforça a delegação em mensagem.
De acordo com a organização da comitiva, esta é a maior delegação de lideranças indígenas brasileiras da história da COP. A Apib participa da conferência desde 2014, e havia mobilizado, em 2019, um grupo de 18 pessoas para a última COP, que era até então a maior participação de lideranças no encontro. Neste contexto de pandemia da Covid-19, que afetou bilhões de pessoas, os povos indígenas reforçam a necessidade de respeitar a biodiversidade presente nos territórios indígenas.
Para a delegação indígena a atual política do Governo Federal é nociva ao meio ambiente, ao clima e às comunidades tradicionais. A Apib e suas organizações indígenas denunciam de forma constante as invasões aos territórios, a contaminação de rios e nascentes por agrotóxicos e mercúrio, o desmatamento desenfreado da Floresta Amazônica, do Cerrado e do Pantanal. Segundo a organização, apesar desse cenário, os fundos econômicos continuam apoiando financeiramente a ganância desenfreada que destrói o planeta.
Mesmo sendo responsável pela proteção da maior parte do patrimônio florestal global e, consequentemente, da capacidade de armazenar mais de 293 gigatoneladas de carbono, um terço das terras indígenas e comunitárias de 64 países estão sob ameaça devido à ausência de demarcação.
O Brasil, que originariamente era todo Terra Indígena, hoje reserva apenas 13,8% do território nacional aos seus povos originários. E essa porção do território é a que se manteve mais preservada nos últimos 35 anos, representando menos de 1% do desmatamento no Brasil no período, apontam dados do Mapbiomas. Essa porcentagem não significa toda a extensão das florestas protegidas pelos povos indígenas e segundo a Apib, além da paralisação das demarcações de Terras Indígenas, os territórios tradicionais já demarcados encontram-se sob forte ameaça legislativa, em uma tentativa inconstitucional de negar a presença tradicional dos povos indígenas no país, e da ocupação de suas terras muito antes da formação do Estado brasileiro.
“Vamos a Glasgow para mais uma vez alertar ao mundo, e nesta ocasião com ainda mais gravidade: a humanidade está conduzindo o destino de todos nós ao caos e à morte! Nossa Mãe Terra está exaurida. O futuro do planeta e das espécies que o habitam dependem da nossa capacidade global de cooperação para defender e fortalecer os povos indígenas e comunidades locais, para garantir a seguridade dos territórios tradicionais face aos interesses econômicos predatórios, e para criar e promover soluções climáticas efetivas baseadas na natureza e nas comunidades que a protege”, reforça a delegação.
Mensagens
Leia a mensagem da Apib aos líderes mundiais, gestores de políticas públicas, empresários e organizações da sociedade civil reunidos na COP 26 aqui.
Leia a declaração dos povos indígenas da Amazônia brasileira frente à crise climática elaborado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira aqui.
Nós, os povos indígenas da Amazônia brasileira, observamos há muito tempo as mudanças climáticas e seus efeitos em razão de mantermos uma relação ancestral com a Mãe Terra. Pois é dela que vem todo o nosso sustento e as explicações para os fenômenos que afetam a vida de todos os seres vivos e cosmológicos.
A crise climática está diretamente relacionada à ganância sobre as terras indígenas, aliada à erosão jurídica dos direitos indígenas e ambientais que está em trâmite no Brasil. O tempo em que estamos vivendo, no qual um vírus parou o mundo e afetou a rotina de bilhões de pessoas de todas as classes sociais e diferentes culturas, é fundamental para pensar seriamente na necessidade de respeitar a sociobiodiversidade presente em nossos territórios. Mas no Brasil, o governo atual é letal com políticas anti-ambientais, anti-climáticas e anti-indígenas. Nossos territórios, que são nossos de direito, estão sendo invadidos por garimpeiros e madeireiros; aldeias foram cercadas por fazendas de gado e soja; os rios são contaminados por agrotóxicos e mercúrio; a Floresta Amazônica está em chamas virando cinza; e governos e os fundos econômicos continuam apoiando financeiramente essa ganância desenfreada, a economia da destruição que mata e que destrói a vida e o planeta.
Todos precisam mais do que nunca ouvir nosso chamado, que nós, os povos indígenas estamos alertando há séculos a partir dos saberes ancestrais que orientam nosso modo de ver e entender o mundo. É neste contexto que mais uma vez chamamos a atenção para a necessidade de construir uma justiça climática inclusiva e participativa a partir das nossas cosmovisões, das salvaguardas e dos nossos territórios. É preciso ir além das metas estabelecidas nos acordos internacionais e passar a considerar o papel vital que nós, povos indígenas, desempenhamos nesse processo, e que deve ser implementado em eixos de responsabilidade socioambiental.
Chegamos ao ponto de não retorno. O recente relatório divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), intitulado Climate Change 2021: the Physical Science Basis, demonstra de forma nítida que as mudanças climáticas causadas pela ganância do homem são irrefutáveis, irreversíveis e vão se agravar nos próximos anos e décadas se não tivermos ações práticas para alterar o quadro da crise climática, ambiental e social. De igual forma, mesmo se zerássemos as emissões de gases de efeito estufa, já teríamos um aumento significativo na temperatura global, o suficiente para efeitos catastróficos.
Não há outro caminho a não ser reconhecer, fortalecer e promover o importantíssimo papel desempenhado por nós, povos indígenas, dentro dos nossos territórios. Para nós, falar em justiça climática é justamente pensar o destino das presentes e futuras gerações e dos que escolheram outras formas de sociedade, como os povos isolados e de recente contato que se encontram na Amazônia. Isto está atrelado à necessidade de se respeitar as diversidades. A cosmologia indígena que nos faz compreender os sinais da Mãe Terra impõe o dever de reconhecer o ecocídio, em que os rios, lagos, animais, florestas e seres cosmológicos que ali habitam são sujeitos de direitos como nós, seres humanos, e devem ser respeitados. Por isso, falar em crise climática requer necessariamente reconhecer a importância das terras indígenas, e de nós, povos indígenas, que damos a vida para proteger a floresta e sua biodiversidade, cumprindo um papel fundamental no equilíbrio climático, beneficiando, assim, toda a Humanidade.
Entretanto, existe um caminho prático de solução que há muito tempo nós, os povos indígenas, viemos apontando: demarcar nossos territórios, mudanças no sistema de produção, plantar mais árvores, parar de queimar combustíveis fósseis e reduzir a pressão sobre a capacidade de carga da Terra. Este deve ser um compromisso de todos: governos, empresas e indivíduos.
Territórios protegidos e direitos respeitados são a solução. Não podemos nos deixar seduzir pela falsa ideia do mercado de carbono, falsas soluções baseadas apenas na natureza e mecanismos de financiamento que não condizem com nossa realidade. Oferecemos alternativas com base em nossos saberes tradicionais associados a inovações tecnológicas. A prática da agricultura deve estar atrelada à segurança alimentar. Chamamos atenção para a responsabilidade solidária de todas as partes envolvidas. As corporações e governos são responsáveis pela destruição em curso na Amazônia brasileira, mas apenas críticas não são suficientes, é preciso mais do que nunca adotar medidas enérgicas para salvaguardar os interesses ecológicos.
É urgente e essencial fortalecer fundos indígenas e mecanismos financeiros que dialoguem com a realidade indígena, como o Fundo Indígena da Amazônia Brasileira – Podaali. Tais recursos devem promover a implementação dos planos de vida dos povos indígenas e as políticas públicas socioambientais. No entanto, nenhum desses esforços surtirá efeito até que todas as terras indígenas sejam demarcadas, que 80% do bioma Amazônico esteja protegido, e que todas as partes tenham metas ambiciosas e que sejam alcançadas. Ou seja, é necessário mudar todo o sistema político e econômico atual.
É chegada a hora em que os povos indígenas da Amazônia Brasileira através da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, sendo a maior organização indígena do Brasil, com o envolvimento de uma população estimada em mais de 480 mil indígenas, de 178 diferentes povos que ocupam 23% do território amazônico, conclama toda a sociedade do planeta a aliar-se aos povos indígenas em defesa da vida na terra.