25/jun/2024
Com o grito de “Sangue indígena LGBT, nenhuma gota a mais”, o encontro foi realizado dos dias 20 a 23 de junho, no CEPEGE, em Sidrolândia, Mato Grosso do Sul.
Com os objetivos de fortalecer a identidade e a auto-organização das LGBTQIA+ indígenas Guarani Kaiowá, promover a visibilidade e valorização da diversidade sexual e de gênero, criar um espaço seguro para diálogo e troca de experiências, e construir estratégias de autoproteção contra discriminação, esta é a primeira vez que os sujeitos e sujeitas da regional de base da Apib, Aty Guasu, se reúne para debater o tema.
O encontro também abordou a promoção da saúde integral e mental, contou com oficinas de formação sobre HIV/Aids e outras DSTs, articulou redes de apoio e advocacy, visando influenciar políticas públicas para garantir os direitos da população indígena LGBTQIA+.
O evento se configura como um marco na luta pela igualdade e pela visibilidade dos indígenas LGBTQIA+ Guarani Kaiowá. Através do diálogo intercultural, da construção de redes de apoio e da incidência política, buscando garantir os direitos e a dignidade da comunidade. A união e a mobilização social são essenciais para construir um futuro mais justo e inclusivo para todos os povos indígenas.
O encontro contou com a realização e articulação do Distrito Drag, MPI e MDHC. Apoio: UNPA, MS, FUNAI, CESE, UNAIDS, Embaixada da Nova Zelândia, CFP, DPU.
20/jun/2024
O levantamento feito pelo projeto MapBiomas sobre os níveis de desmatamento no Brasil em 2023 mostrou que as Terras Indígenas continuam sendo as áreas mais preservadas do país. De acordo com os dados da pesquisa, fomentada pelo Observatório do Clima, cerca de 90% das áreas degradadas ocorreu em menos de 1% das propriedades rurais, indicando que os maiores focos estão em grandes propriedades. 64% do total desmatado se localiza em áreas privadas e a agropecuária é responsável por 97% dessa devastação no Brasil.
Enquanto isso, as Terras Indígenas apresentaram 27% de redução na perda da vegetação nativa em relação ao ano passado e contabilizam apenas 1,1% do total de desmatamento no Brasil.
A novidade é que o Cerrado ultrapassou o bioma Amazônico no índice de desmatamento pela primeira vez. No Cerrado foram perdidos 3.042 hectares de vegetação nativa por dia. Enquanto na Amazônia, se contabilizou 1.245 hectares por dia ou cerca de 8 árvores por segundo. Os estados do Maranhão, Tocantins e Bahia são os mais devastados, correspondem a quase metade de todos os hectares.
O foco está na região chamada de Matopiba, onde estão os 10 municípios com maiores índices. O Matopiba é a região de fronteira entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, amplamente anunciada como nova fronteira do agronegócio.
Os conflitos relacionados ao território e meio ambiente no local não começaram no ano passado. O Maranhão, por exemplo, foi o estado brasileiro líder em número de hectares de fazendas sobrepostas a áreas de Terra Indígena e em assassinatos no campo em 2021.
Invasão e devastação em Terra Indígena
A Terra Indígena Porquinhos dos Canela-Apãnjekra está localizada no Matopiba, na área de maior incidência de desmatamento em território indígena, onde empresas e fazendeiros invadiram e constituíram latifúndios, registrados como propriedade durante o governo Bolsonaro. O que foi possibilitado pela Instrução Normativa nº 9/2020 da Funai, que liberou o registro no Sigef de imóveis rurais sobre terras indígenas em processo de demarcação.
A transnacional de origem chinesa e suíça, Syngenta, é dona de um quarto do mercado global de agrotóxicos e foi uma das invasoras desta TI. A empresa aparecia como dona, até 2021, da Fazenda Olho D’Água, no município de Fernando Falcão (MA), um imóvel de 900,87 hectares inteiramente sobreposto à área demarcada para ampliação da Terra Indígena Porquinhos dos Canela-Apãnjekrá*.
O território Memortumré e a TI Porquinhos dos Canela-Apãnjekra foram os territórios mais afetados pelo governo anti-indígena. Mais de 117 mil hectares de fazendas foram registradas nas duas TIs. Entre 2008 e 2021 foram devastados 34.131,81 hectares nas TIs Porquinhos dos Canela-Apãnjekra, Kanela Memortumré e Bacurizinho — as três em processo de reestudo para ampliação da demarcação original – o que totaliza 72% do desmatamento em TIs.
Marco Temporal gera desmatamento
A aprovação do Marco Temporal pelo congresso colocou em vigor a lei 14.701/23, que mesmo sendo inconstitucional, se tornou um obstáculo à demarcação da Terra Indígena Porquinhos dos Canela-Apãnjekra. Isso ampliou os conflitos locais e a devastação do bioma, visado para a produção de soja e a agropecuária.
Os dados apontam como a região do Matopiba vem sendo palco de uma disputa territorial entre o agronegócio e as populações originárias. O avanço do capital financeiro no campo sobre as Terra Indígena resulta em números de devastação a cada ano maiores. O lobby no Congresso para aprovação do Marco Temporal beneficiou os investidores das áreas sobrepostas e a lei atual se impõe como mais um obstáculo para o avanço da demarcação e a preservação do bioma Cerrado.
*Dados do relatório Os Invasores I, do De Olho nos Ruralistas.
17/jun/2024
Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil
A solicitação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao Estado Brasileiro ocorre após pedido da Apib e Apoinme
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) determinou que o Estado Brasileiro amplie as medidas de proteção ao povo Pataxó Hã Hã Hãe, localizado na Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, no sul da Bahia, que está em processo de autodemarcação. Eles estão enfrentando episódios de violência e ameaças devido a disputas pela delimitação de seu território, bem como pela presença de grupos do crime organizado na região.
A determinação ocorreu após um pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). Após analisar as informações apresentadas pelas organizações do movimento indígena e a manifestação do país, a CIDH concluiu que os indígenas Pataxó Hã Hã Hãe estão vivendo uma situação grave e urgente. Com isso, a CIDH solicitou que o Brasil:
a) Adote as medidas necessárias e culturalmente adequadas para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros do povo indígena Pataxó Hã Hã Hãe, inclusive de atos perpetrados por terceiros. Tais medidas devem permitir que as lideranças Pataxó Hã Hã Hãe possam seguir desempenhando seus trabalhos de defesa dos direitos humanos, assim como garantir que as pessoas beneficiárias possam retornar às suas aldeias sem serem objeto de ameaças, intimidação ou atos de violência;
b) Coordene as medidas a serem implementadas com as pessoas beneficiárias e seus representantes;
c) Informe sobre as ações adotadas para a investigação dos fatos que motivaram a presente medida cautelar e, assim, evite sua repetição.
Leia a decisão completa: Medidas Cautelares nº 61-23 Membros do Povo Indígena Patoxó Hã-Hã-Hãe a respeito do Brasil
Em abril de 2023, a Comissão já tinha solicitado ao Brasil medidas de proteção aos indígenas Pataxó localizados nas Terras Indígenas Barra Velha e Comexatibá, também no sul do estado da Bahia.
Escalada da violência
No pedido à CIDH, a Apib e Apoinme informaram que, desde 2012, foram registradas 32 mortes de lideranças indígenas da região, sendo sete delas ocorridas somente entre janeiro e setembro de 2023.
Uma das vítimas mais recentes foi a Pajé Nega Pataxó, assassinada em janeiro de 2024, logo após a homologação da Lei 14.701 em dezembro de 2023, mais conhecida como Lei do Genocídio Indígena, que legaliza o marco temporal e diversos crimes contra os povos indígenas.
A liderança Nega Pataxó Hã Hã Hãe foi assassinada por disparo de arma de fogo de um jovem de 19 anos, filho de um fazendeiro. A Polícia Militar da Bahia, pistoleiros e fazendeiros teriam organizado, por meio do denominado movimento “Invasão Zero” via WhatsApp, uma ação contra o Povo Pataxó Hã Hã Hãe em um contexto de retomada dentro do território Caramuru-Paraguaçu. A Apib e Apoinme entraram com uma representação criminal contra o Invasão Zero. Leia mais: https://apiboficial.org/2024/02/03/apib-e-apoinme-entram-com-representacao-criminal-contra-organizacao-de-fazendeiros-que-assassinou-a-paje-nega-pataxo/
A ação ocorreu sem decisão judicial, mediante meios próprios e violentos, utilizando armamento letal. O Cacique Aritana e Nailton Muniz Pataxó também sofreram disparos de arma de fogo e foram hospitalizados. Além deles, outras pessoas sofreram ferimentos menos graves.
Com a decisão da CIDH, o Estado brasileiro tem 20 dias para informar sobre as medidas tomadas e atualizá-las periodicamente.
05/jun/2024
Oito ações em andamento no judiciário buscam anular o procedimento demarcatório do povo Tapeba, no Ceará. O argumento utilizado pelos fazendeiros, especuladores imobiliários e empresas autoras dos processos é a ausência de notificação pessoal dos interessados para participar do procedimento administrativo da demarcação da terra indígena.
Todos os processos foram indeferidos em primeira instância, no entanto, com a apelação eles chegaram à segunda instância. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região determinou a anulação do procedimento demarcatório. E o Ministério Público Federal no estado seguiu o mesmo parecer. Ao mesmo tempo, o Tribunal vem concedendo reintegrações de posse em favor aos fazendeiros, sob a justificativa de que a Portaria Declaratória seria irrelevante e não autoriza o uso da “força”.
Os povos indígenas não foram ouvidos pelo tribunal estadual. A interferência da justiça em tais instâncias são arbitrariedades, visto que, o art. 109 inciso XI, 231 e 232 da constituição federal de 1988, determina que a justiça federal deve decidir sobre os interesses coletivos indígenas.
Marco Temporal
Processos como este vêm se multiplicando impulsionados pela aprovação da lei do marco temporal (14.701) no Congresso. Enquanto o STF não se posiciona novamente, declarando a violação da constituição pela lei, fazendeiros, mineradores, especuladores utilizam de suas influências econômicas e políticas nos Estados, para ameaçar e atacar os territórios indígenas.
A tese do marco temporal foi declarada inconstitucional por nove dos onze ministros do STF. No entanto, a relatoria da lei aprovada no legislativo está sob as mãos do Ministro Gilmar Mendes, publicamente conhecido por sua posição anti-indígena.
Defesa da Demarcação
A Funai entrou com dois recursos ao mesmo tempo: um no Superior Tribunal de Justiça e outro diretamente no Supremo Tribunal Federal. Atualmente os recursos encontram-se em análise de admissibilidade, ou seja, o TRF5 ainda vai dizer se cabe encaminhar os recursos para o STJ e STF.
Duas das reintegrações de posse estão sob o nome da empresa Mineração Água Suja Ltda e de uma fazendeira. Nestes casos, o mesmo tribunal determinou a imediata saída do povo Tapeba, com o argumento de que é irrelevante saber se a área tem abrangência da portaria declaratória. Isto porque, mesmo com a conclusão do processo demarcatório, não seria legítimo o desapossamento dos supostos proprietários por meio da força.
As decisões ainda estão vigentes e a Funai está se organizando para realizar a retirada referente a decisão de um processo, pois no outro houve a determinação de suspensão por 120 (cento e vinte) dias para conciliação.
A Defensoria Pública da União (DPU), então, ajuizou um processo chamado Suspensão de Tutela Provisória diretamente no Supremo Tribunal Federal, no intuito de anular as decisões de reintegração de posse. O processo aguarda a decisão do da Presidência do STF, ou seja, o Ministro Luís Roberto Barroso, que deve abarcar todos os processos envolvendo o Povo Tapeba.
31/maio/2024
O alerta ocorreu após a decisão do ministro Gilmar Mendes de criar uma câmara de conciliação para discutir a tese do marco temporal
Representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e do Conselho Terena entregaram a relatora de direitos ambientais da Organização das Nações Unidas (ONU), Astrid Puentes Riaño, um relatório sobre mudanças climáticas. A entrega ocorreu no dia 29 de maio em um evento fechado e paralelo à audiência pública de emergência climática e direitos humanos da Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH), realizada em Manaus (AM).
No documento, as organizações do movimento indígena alertaram sobre a negociação dos direitos indígenas pelo Estado brasiliero. O relatório reforça a importância da demarcação de terras indígenas como meio para mitigar as mudanças climáticas no Brasil e afirma que a tese do marco temporal, transformada em lei por meio da lei 14.701/2023, ameaça o direito ao território dos povos indígenas, a proteção ambiental e o combate aos efeitos das mudanças climáticas.
O alerta ocorreu após a decisão do ministro Gilmar Mendes no Supremo Tribunal Federal (STF). No dia 22 de abril, o ministro suspendeu todas as ações que estão sob sua relatoria e que pedem o reconhecimento de constitucionalidade da lei 14.701, conhecida como Lei do Genocídio Indígena. O ministro manteve a vigência da lei e determinou a criação de uma câmara de conciliação para discutir a tese. A Apib, em conjunto com suas sete organizações de base, repudiam a decisão.
Os povos indígenas e seus territórios ancestrais são guardiões do meio ambiente e estudos científicos comprovam os relevantes serviços ambientais oferecidos por eles. Segundo estudo publicado pelo Mapbiomas, ao longo de 30 anos as terras indígenas no Brasil perderam apenas 1% de toda a vegetação nativa. Já nas áreas privadas, a perda de vegetação nativa foi de mais de 20%. Além disso, dados da ONU demonstram que os territórios indígenas contêm 28% da superfície terrestre do mundo, mas abrigam 80% de toda a biodiversidade do planeta.
Audiência com a Corte IDH
A Apib, Apoinme, Conselho Terena e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) foram algumas das organizações ouvidas pela Corte IDH durante a audiência pública na cidade de Manaus, capital do Amazonas. Entre os dias 27 e 29 de maio, organizações de defesa dos Direitos Humanos e representantes de Estados, organismos internacionais, academia e instituições nacionais foram ouvidas pela Corte, após uma solicitação dos Estados do Chile e Colômbia.
O objetivo é que a Corte IDH oriente sobre a extensão das obrigações estatais em relação aos direitos humanos no contexto atual de emergência climática. Para isso, o órgão interamericano deverá responder, por exemplo, sobre como os Estados devem prevenir catástrofes climáticas, fornecer informações ambientais às comunidades e como irão proteger os defensores das causas ambientais, dentre eles mulheres, crianças e povos originários.
Na audiência, as lideranças Luiza Tuxá, da Apoinme, e Ednaldo Tukano, da Coiab e Apib, enfatizaram a necessidade da derrubada do marco temporal e expressaram preocupação com os impactos dos grandes empreendimentos voltados à produção de energias renováveis.
“A presença desses empreendimentos, bem como a mineração de lítio (necessário para a produção de baterias de celulares e carros elétricos, por exemplo), repete a lógica da expropriação territorial do período colonial e a lógica da implementação de Usinas Hidrelétricas das décadas de 1970/1980 na Bacia do Rio São Francisco, responsáveis por impactos em mais de uma dezena de povos indígenas (a exemplo dos povos Pankararé, Truká, Pankará, Pankararu e o meu Povo Tuxá, que teve seu território inundado completamente sem qualquer medida de reparação até os dias atuais)”, disse Tuxá.
Tukano completou: “Não podemos ser os responsáveis por todos os ônus da transição energética e da descarbonização da matriz energética mundial. Do mesmo modo que a negociação de nossos direitos resulta em violência em nossos territórios, a extração de minerais críticos também tem como resultado mortes e ameaças contra nossos parentes”.
Marco temporal
O marco temporal é uma tese jurídica que defende que os povos indígenas só têm direito à demarcação de suas terras tradicionais se estivessem ocupando essas terras em 5 de outubro de 1988, data da publicação da Constituição Federal do Brasil. Segundo essa tese, as terras que estavam desocupadas ou ocupadas por outras pessoas naquela data não podem ser demarcadas como terras indígenas. Esses territórios podem ser considerados propriedade de particulares ou do Estado, e não mais dos povos originários que a habitam.
Em setembro de 2023, os ministros do STF formaram maioria de votos para a derrubada da tese no judiciário e declararam a tese inconstitucional. Porém, o marco temporal foi aprovado por meio da lei 14.701, aprovada no mês de dezembro do mesmo ano. Além do marco temporal, mais sete crimes contra os povos indígenas foram legalizados.
No Supremo, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e solicitou que a lei seja declarada inconstitucional e suspensa até a finalização do julgamento na Corte.
A Apib repudia a decisão do ministro Gilmar Mendes e afirma que a ADI não foi levada em consideração por ele. A Articulação aponta que a decisão do ministro contraria o posicionamento do movimento indígena, do próprio STF e a Constituição Federal de 1988, visto que na Constituição o direito dos povos indígenas são direitos fundamentais, ou seja, não podem ser negociados.
Agora, o plenário do STF irá definir se acata ou não a decisão de Mendes. Caso a decisão seja aprovada pelos demais ministros, uma câmara de conciliação será formada por entidades de defesa dos direitos indígenas e do agronegócio, partidos políticos, poderes Executivo e Legislativo, Procuradoria-Geral da República e Advocacia-Geral da União. Cada uma das partes terá 30 dias para apresentar propostas para alcançar um consenso sobre o tema.
Informe para ONU: https://apiboficial.org/files/2024/05/Informe-preliminar-.pdf
Nota técnica da Apib sobre decisão do Gilmar Mendes: https://apiboficial.org/files/2024/05/Nota_Técnica_sobre_a_Ação_Declaratória_de_Constitucionalidade.pdf
27/maio/2024
A Apib, a Coiab, a Hutukara Associação Yanomami (HAY), Urihi Associação Yanomami (URIHI), Associação Parawami Yanomami (Parawami), a Associação Wanasseduume Ye’kwana e outras 76 organizações do Movimento Nacional Indígena assinam a nota de repúdio à comissão criada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que teria a função de “investigar” a situação dos Yanomami.
“Manifestamos nosso repúdio e indignação por mais uma ação truculenta da Câmara dos Deputados que, longe de manifestar preocupação e compromisso com nosso povo, pretende utilizar a dor e a morte do povo Yanomami e Ye’kwana para objetivos simulados de disputas políticas e de defesa do garimpo e da mineração em territórios indígenas”, afirma a nota. Após, as declarações contrárias à comissão, a deputada Célia Xakriabá passou a integrara a comissão, como única representante indígena.
A calamidade que afeta o povo Yanomami e Ye’kwana é responsabilidade da política anti-indígena estabelecida durante os quatro anos do governo Bolsonaro, que estimulou publicamente a invasão das Terras Indígenas e o garimpo. É inadmissível que os mesmos partidários da promoção do genocídio indígena assumam o papel de investigar as ações de reparação que estão em curso neste momento.
Em 2022 e 2023 já foram constituídas duas Comissões especiais no Congresso Nacional para acompanhar a situação na TI Yanomami, que apontaram o descaso, a omissão e o abandono do atendimento à saúde pelo Estado brasileiro como causas do flagelo que enfrentam os indígenas. Para os povos originários, se trata de “um escárnio e uma afronta ao sofrimento dos povos Yanomami e Ye’kuana e de todos os povos indígenas do Brasil”.
As organizações que compõem o Movimento Nacional Indígena reforçam que a obrigação do Estado brasileiro é realizar as medidas necessárias para garantir o direito à vida, à saúde e à proteção dos territórios. Urge ao Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade da lei 14.701/2023, que instalou arbitrariamente o marco temporal, na tentativa criminosa de abrir os territórios aos interesses do capital. Esperamos também que o Poder Executivo intensifique as ações de combate ao garimpo e desintrusão na TI Yanomami e fortaleça a política de atendimento à saúde.
Leia a nota de repúdio aqui.
17/maio/2024
A lei 14.703/2023, que regulamentou a tese do marco temporal e outras violações à constituição e aos direitos indígenas, aprovada no final de 2023, foi contestada no Supremo Tribunal Federal através de quatro ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO). O relator, ministro Gilmar Mendes, suspendeu as ações de número ADC 87, ADI 7.582, ADI 7.583, ADI 7.586 e a ADO 86, monocraticamente.
A decisão individual do ministro vai contra a votação da suprema corte, que derrubou a tese com 9 votos contrários e 2 favoráveis. O ministro aponta para um processo de mediação e conciliação com o agronegócio. Trata-se de mais uma violação ao direito originário indígena. Gilmar Mendes já havia exposto sua posição anti-indígena durante o julgamento realizado em 21 de setembro de 2023.
O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), se manifestou através de nota pública, na última sexta-feira, indicando a “necessidade de garantia e respeito aos direitos originários dos povos indígenas sobre seus territórios” e reafirmando que a posição sobre a inconstitucionalidade da lei deve ser mantida pelo STF.
De acordo com a nota “a tese do marco temporal, assim como os demais dispositivos da Lei 14.701/2023, são inconstitucionais e inconvencionais, e aumentam a susceptibilidade dos povos indígenas às investidas criminosas contra seus territórios, que já estão sofrendo com invasões, grilagem, arrendamentos, garimpos, pesca e caça ilegais, exploração ilegal de madeira e o tráfico de drogas”. A CNDH também relembrou seus diversos posicionamentos emitidos durante o julgamento da tese da inversão da história.
O marco temporal estabelece que a demarcação dos territórios indígenas está condicionada à ocupação das áreas reivindicadas na data da promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.
Acesse a nota completa aqui.
15/maio/2024
O departamento jurídico da Apib realizou um estudo sobre as leis que agravam a catástrofe climática que ocorre no Rio Grande do Sul, a crise que afeta todo o Brasil e o mundo.
A análise está dividida em três pontos: a Lei 14.701/2023 e a intensificação da crise climática; os impactos das fortes chuvas no Rio Grande do Sul aos povos indígenas; e os Projetos de Lei anti-indígenas em tramitação no Congresso Nacional.
A vigência da Lei nº 14.701/2023 (antigo PL 490), que instituiu o marco temporal, entre outras inconstitucionalidades, implica não só o aumento da violência contra os povos indígenas e seus territórios, como gera consequências ambientais drásticas à toda a sociedade indígena e não-indígena.
As terras indígenas são as áreas mais preservadas diante da degradação ambiental que ameaça todos os biomas brasileiros, por isso são responsáveis por serviços ambientais essenciais à sociedade e à economia, como a regulação climática, o regime de chuvas, a manutenção dos mananciais de água, o controle de pragas e doenças e a polinização.
As Terras Indígenas do bioma Amazônia são responsáveis por armazenar quase um terço (32,8%) do carbono acima da superfície da região. Uma quantidade de carbono suficiente para alterar irreversivelmente os regimes climáticos e de chuvas em escala continental. A Lei nº 14.701/2023 coloca todo esse patrimônio ambiental em risco.
A catástrofe que ocorre no Rio Grande do Sul é consequência direta da devastação da floresta amazônica. E as populações negras e indígenas são mais afetadas em razão do racismo ambiental que acentua seus efeitos entre as populações mais vulnerabilizadas.
O Ministério dos Povos Indígenas e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas identificaram 8.000 famílias indígenas atingidas direta ou indiretamente pelo desastre, dentre as quais ao menos 466 se encontram desalojadas após os temporais que atingiram o estado gaúcho.
Já o mapeamento feito pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e pela organização de base da Apib, Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), identificou mais de 80 comunidades e territórios indígenas afetados, em 49 municípios do Rio Grande do Sul, totalizando 40 mil pessoas indígenas impactadas. Entre os casos de maior gravidade, destacam-se os riscos vivenciados por comunidades dos povos Guarani Mbya, Kaingang, Xokleng e Charrua.
Existem seis projetos de lei tramitando no Congresso Nacional, conduzidos pelos interesses do ruralismo, que compõem o Pacote da Destruição do Observatório do Clima. Portanto, a Apib e suas organizações de base buscam o apoio de parlamentares aliados ao movimento indígena nacional para que sua tramitação seja interrompida.
Confira a nota técnica e os projetos de lei: INFORME_LEGISLATIVO_Projetos_Anti_indígenas_e_Crise_Climática
26/abr/2024
Foto: Thiago Walker
Declaração Urgente dos Povos Indígenas do Brasil
Nós, povos indígenas, somos o próprio tempo. Somos encantadores desse tempo que é como uma serpente, com muitas curvas, uma história que não pode ser simplificada como uma linha reta. Quem poderia imaginar que, após mais de cinco séculos de colonização e extermínio, estaríamos aqui, firmes como nossas florestas, entoando nossos cantos e tocando nossos maracás, em resistência pela vida e pelo bem viver de toda a sociedade. 20 anos de Acampamento Terra Livre! O primeiro, realizado em 2004, reuniu 240 indígenas. Hoje, em Brasília, estamos aqui com cerca de 9 mil pessoas, representando mais de 200 povos, que vieram de todas as regiões e biomas desse território brasileiro para dizer: ‘NOSSO MARCO É ANCESTRAL! SEMPRE ESTIVEMOS AQUI!’
Entre os dias 22 e 26 de abril, estivemos na capital federal mobilizados para reivindicar nossos direitos! Nós da da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em conjunto com todas as nossas organizações regionais de base, Apoinme, Arpinsul, Arpinsudeste, Aty Guasu, Comissão Guarani Yvyrupa, Coiab e o Conselho do Povo Terena, buscamos medidas efetivas que assegurem a proteção e o fortalecimento dos direitos indígenas, alinhadas com a dignidade e a justiça reivindicadas por nossos povos.
Começamos nossa mobilização histórica reivindicando 25 pontos, que estão na ‘Carta dos Povos Indígenas do Brasil aos Três Poderes do Estado’, com exigências para medidas urgentes. E finalizamos nossa mobilização reafirmando essas urgências! NOSSO TEMPO É AGORA! Já não podemos esperar mais tempo e precisamos de respostas concretas!
A decisão deliberada dos poderes do Estado de suspender a demarcação das terras indígenas e de aplicar a lei 14.701 (Lei do Genocídio Indígena) equivale a uma DECLARAÇÃO DE GUERRA contra nossos povos e territórios. Isso representa uma quebra no pacto estabelecido entre o Estado brasileiro e nossos povos desde a promulgação da Constituição de 1988, que reconheceu exclusivamente nossos direitos originários, anteriores à própria formação do Estado brasileiro.
Alertamos que essa ruptura intencional resultará no aumento das violências e das políticas e práticas de genocídio historicamente promovidas tanto pela sociedade quanto pelo próprio Estado contra os povos indígenas. Desde os períodos mais remotos da história até os dias atuais, incluindo o legado sombrio da ditadura militar, cujas consequências ainda ecoam em nossas vidas.
Também ressaltamos que, assim como fizeram nossos ancestrais, resistiremos até o fim, mesmo que isso signifique colocar em jogo nossas próprias vidas, para proteger o que é mais sagrado para nós: nossa Mãe Terra. Estamos comprometidos com o direito de viver com dignidade e liberdade, buscando o bem viver das gerações atuais e futuras dos nossos povos e da humanidade.
O que nos preocupa não é a morte. Esta, nós conhecemos de perto. Morte e vida são parte dessa serpente do tempo que transita sobre a terra, dentro das águas e na copa das árvores mais altas. O que nos preocupa é a covardia de quem tenta dominar o tempo indomável e busca lucrar com as nossas mortes. Nesta declaração afirmamos: NÃO HÁ MAIS TEMPO PARA VOCÊS!
Rejeitamos veementemente qualquer tentativa do governo federal de retomar políticas públicas sem garantir o essencial: a demarcação, proteção e sustentabilidade dos territórios indígenas em primeiro lugar. Qualquer iniciativa que não priorize esses aspectos será apenas uma medida paliativa e insuficiente. É fundamental que a demarcação de terras seja respeitada e protegida, sem desvios ou manipulações, incluindo ações que visem desvirtuar esse processo, como as declarações recentes do presidente Lula. Os direitos territoriais dos povos indígenas são INEGOCIÁVEIS e devem ser preservados a todo custo.
No primeiro dia de mobilização do ATL, uma decisão do Ministro Gilmar Mendes, relator de ações sobre a Lei do Genocídio Indígena (14.701), evidenciou mais uma vez sua parcialidade favorável aos ruralistas e historicamente anti-indígena. Apesar de reconhecer que a Lei contraria decisões feitas pelo STF sobre terras indígenas, Mendes, ao invés de anular a Lei, ele suspendeu todas as ações que visam garantir a manutenção dos direitos indígenas. Além disso, ele submeteu ao núcleo de conciliação do Tribunal a questão dos direitos fundamentais dos povos indígenas e mais uma vez afirmamos:
NOSSOS DIREITOS NÃO SE NEGOCIAM! O ministro quer assim dar sinal verde para os que querem invadir nossas terras passarem a boiada sobre nossas vidas. Diante dessa decisão anti-indígena que foi feita por um único ministro, RESTA SABER SE TODOS OS DEMAIS MINISTROS E MINISTRAS DO STF IRÃO SE ACOVARDAR OU IRÃO SER CONTRÁRIOS A ESSA DECISÃO DE MORTE!
Jamais aceitaremos a legalização do genocídio contínuo de nossos povos. Da mesma forma, repudiamos veementemente a abertura de nossos territórios a empreendimentos que contrariam a urgência da crise climática e do aquecimento global. Tais empreendimentos representam uma ameaça direta à mãe natureza, às florestas, aos nossos rios, à biodiversidade, à fauna e à flora, assim como a todas as riquezas e formas de vida que preservamos ao longo de milênios. Se há recursos disponíveis para compensar invasores, por que não utilizá-los para demarcar as Terras Indígenas? Se houver necessidade de comprar terras, que seja para reassentar os invasores, e não deslocar nossos povos de suas terras originárias. PRESIDENTE LULA, NÃO QUEREMOS VIVER EM FAZENDAS! É preciso impedir que Rui Costa, Ministro Chefe da Casa Civil, siga “mandando” sobre as homologações de Terras Indígenas.
Não admitimos esta situação. Estaremos vigilantes para que o Presidente Lula cumpra o compromisso de instalar, em um período de 15 dias, uma Força-Tarefa, composta por Ministério da Justiça, Ministério dos Povos Indígenas, Secretaria-Geral da Presidência e Advocacia Geral da União, para dialogar com os Três Poderes e demarcar definitivamente todas as nossas terras. Esperamos, ainda, que essa Força-Tarefa conte com participação efetiva de nossos povos e organizações.
Lutamos pela terra, porque é nela que cultivamos nossas culturas, nossa organização social, nossas línguas, costumes e tradições. E, principalmente, está nas nossas terras e territórios o nosso direito de permanecermos indígenas. Somos cidadãos de direitos, somos nossos próprios representantes, aldeamos a política e continuaremos a demarcar o Brasil.
NOSSO MARCO É ANCESTRAL. SEMPRE ESTIVEMOS AQUI. E SEMPRE ESTAREMOS AQUI! SEM DEMARCAÇÃO NÃO HÁ DEMOCRACIA!
Acampamento Terra Livre, Brasília, 26 de abril de 2024
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme)
Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul)
Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpinsudeste)
Assembleia Geral do Povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu)
Comissão Guarani Yvyrupa
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)
Conselho do Povo Terena
25/abr/2024
Foto: Kauê Terena
Nós somos!
A Terra Livre que dá nome ao maior encontro de nossos povos, nos aponta um horizonte de liberdade. Para nós, ser livre sem a Terra não faz o menor sentido.
Se é da Terra que nascem as águas, que brotam as matas, que se fortalecem as raízes, as folhas, as flores, os frutos e toda flora, que se dá abrigo e alimento ao pássaro, ao peixe, a onça, a cabra, e toda fauna… se é da Terra que toda vida emana, é por ela também que nós nos afirmamos LGBTQIA+ Indígenas.
É a partir do horizonte da Terra Livre que nós há 20 anos ocupamos Brasília para reafirmar a soberania de nossos povos. É a agenda do ATL que empurra, há anos, o Estado brasileiro para um sentido de reconhecimento, de acolhimento, de reparação!
As nossas identidades LGBTQIA+ transcendem os sentidos dados pelo colonialismo europeu ou pela modernidade ocidental. Nossas identidades são fruto da transmutação da dor em alegria, do sofrimento em prazer, das perdas em vitórias.
Mais ainda, nossas identidades são a representação de uma consciência de nós sobre nós, de nós sobre o outro, de nós sobre a Terra.
Como LGBTQIA+ indígenas, nós temos orgulho de nossas identidades sexuais e de gênero, pois elas se tornaram ferramentas de luta política que se articula e soma ao nosso orgulho de sermos centenas de pessoas em diversas terras indígenas do Brasil.
Falamos diferentes línguas, temos nossos costumes e modos de vida. Acreditamos em um mundo onde a natureza e seus povos sejam mais valorizados do que o lucro e as violências.
Somos múltiplos e estamos trilhando um caminho de respeito e reconhecimento por nosso corpo na mesma intensidade que por nossos territórios.
Se as desigualdades sociais, raciais, sexuais e de gênero, de classe, e tantas outras formas estruturais de violência, têm na mineração desenfreada, no agronegócio predatório e nas invasões contra nossas terras e culturas, uma aliança formada e articulada para nos aniquilar… cabe a nós, e somente a nós, costurar o outro rumo que o horizonte da Terra Livre deseja apontar!
Nossa identidade LGBTQIA+ INDÍGENA não é contemporânea, não é moda. Nós existimos e resistimos na luta pela terra desde o princípio. Nós somos herdeiras do legado de Tibira.
O colonialismo, herdeiro presente da colonização de territórios e povos, segue tentando impor um único modelo de vida, baseado em culturas que condenam e criminalizam tudo que lhes é diferente, diverso.
Se as herdeiras da sociedade colonial seguem negando a possibilidade de nossa existência, livre, afetiva, prazerosa, tal qual negam a demarcação de nossos territórios… nós responderemos marchando juntas, somando forças, como um encontro de águas, que de onde nascem parecem frágeis e dóceis, mas que quando se encontram, formam correntezas e oceanos.
Nós acreditamos em um Brasil que é território indígena. As filhas e os filhos desse território se levantam por demarcação. Se levantam por reparação. Se levantam por igualdade na diversidade. As LGBTQIA+ indígenas são parte do projeto de uma sociedade verdadeiramente feliz. A felicidade e a liberdade só serão possíveis se nossas existências também forem respeitadas.
Somos indígenas e LGBTQI+… Nós e a Terra somos LIVRES!